O GLOBO - 01/02
Nossa história mostra como nos acostumamos a depositar em salvadores da pátria a responsabilidade sobre nossos destinos
Recente acidente de descarrilamento paralisou os trens metropolitanos do Rio por 13 horas. Chico Caruso resumiu o episódio em uma charge no GLOBO na qual o governador e o vice se encontram amarrados aos trilhos, sob riso do secretário de Transportes, enquanto se aproxima um trem com os principais candidatos de oposição ao governo do estado.
O desenho reflete um quadro de fragilidade institucional do país, que se caracteriza por conferir a personas o arbítrio sobre quase tudo.
Nossa história mostra como nos acostumamos a depositar em salvadores da pátria a responsabilidade sobre nossos destinos, desde a escala nacional até detalhes da vida comunitária. Alçados à condição de super-homens, os políticos brasileiros acreditaram nesse papel. Trataram de criar os instrumentos que lhes permitissem ficar bem na foto.
No caso urbano, os sistemas de planejamento e projeto foram desconstruídos nos âmbitos federal, estaduais e municipais. Os governos ficaram sem estruturas permanentes de estudo sobre a cidade, mas ganharam muito dinheiro. Pensaram que, livres das “amarras” do planejamento, poderiam ainda mais. Aumentou-se a discricionariedade dos gestores, inclusive na contratação de obras públicas, que já não precisam de projeto para serem licitadas.
Hoje, um governante resolve construir uma grande obra, digamos: uma linha de metrô, que não está nos planos da cidade nem tem projeto. O que faz? Encomenda o projeto ao futuro construtor da obra. Outro dia, precisa de determinado apoio político; dos entendimentos partidários passa a existir uma nova obra, antes imprevista, ou um novo serviço público.
(O Brasil aspira a ser um país respeitado, mas inventa empreiteira como autora de projetos e simultaneamente construtora. O resultado são obras de discutível prioridade, baixa qualidade, alto custo e grande possibilidade de desvio de recursos.)
A complexidade de nossas cidades pede um sistema de gestão que garanta continuidade de programas e confiabilidade nas decisões, e que seja integrante estável da estrutura de Estado. Sobretudo, a democracia exige transparência e escuta aos interessados.
Ninguém melhor do que os políticos para tratar de políticas públicas. Mas eles não devem continuar como gestores plenipotenciários, auxiliados por uma multidão de correligionários alheios ao tema em que se envolvem. A resposta que as cidades esperam não se alcançará com comando comissionado, com agência reguladora comissionada, com terceirização comissionadora.
(Quem sabe nas eleições de 2014 possa ser debatida a recriação de sistemas de planejamento e de projeto das cidades e das metrópoles? Quem sabe resulte abolida a promiscuidade entre projeto e construção de obra pública?)
A charge de Chico Caruso é representativa do quadro de fragilidade institucional brasileira porque ilustra o paradoxo do poder que pode tudo — e que está na iminência de ser atropelado. A falta de investimentos no sistema de trens urbanos, comparativamente com altos investimentos em obras de menor interesse social, não passa despercebida do público e do olhar arguto do artista.
Mas, certamente, a solução é mais complexa do que a troca de maquinista. O tempo de salvadores da pátria já se esgotou.
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