domingo, novembro 08, 2015

Malabarismos mentais - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 08/11

SÃO PAULO - "Além das duas pessoas que matamos, das que ferimos, da mulher em que demos coronhadas e das pessoas que fizemos comer vidro, não machucamos ninguém." Essa declaração de um "serial killer" americano após ser pego pela polícia é meu exemplo favorito da capacidade que o ser humano tem de torcer a linguagem e os fatos com o objetivo senão de justificar suas ações ou as de pessoas de que gosta, ao menos de torná-las mais palatáveis para si mesmo.

Lembrei o caso do assassino honesto ao especular sobre o estado de espírito de petistas que acreditaram sinceramente que o partido seguia um padrão ético diferenciado. O que eles estarão pensando agora, diante das informações que surgem na imprensa sobre a movimentação bancária de altos dirigentes da legenda?

Segundo a revista "Época", a empresa de Lula, que produz basicamente palestras do ex-presidente, faturou R$ 27 milhões nos últimos quatro anos. Já a consultoria de Palocci faturou R$ 53 milhões, desde 2011, depois que ele deixou o governo devido a suspeitas envolvendo justamente a consultoria. Essas cifras vultosas se somam às embolsadas por outro grão-petista, José Dirceu, cuja consultoria lhe rendeu dividendos até quando estava na Papuda.

É claro que ganhar muito dinheiro não é crime. Em tese, é possível que os rendimentos sejam fruto de trabalho legítimo. Só uma investigação permitiria eliminar as suspeitas. Meu ponto, porém, é outro.

Após o mensalão, petistas tenazes diziam, ainda que à boca pequena, que o partido não havia feito nada que as outras legendas já não fizessem, com a diferença de que desta vez era por uma boa causa, não para enriquecimento pessoal. Agora, que está claro que a nata do PT ganhou bastante dinheiro, esse discurso se torna mais difícil de sustentar. Fico só imaginando qual vai ser a próxima torção verbal capaz de acomodar as novas dissonâncias cognitivas.

Quem paga o pato - AMIR KHAIR

ESTADÃO - 08/11

O governo está num beco sem saída: quer fazer a inflação voltar à meta de 4,5% e vê isso se afastar, indo para 2017, e seu único instrumento é a Selic em nível elevado. Ao querer mantê-la assim por período prolongado, eleva a relação dívida/PIB para romper o teto de 70%. Nessa situação, será certamente rebaixado pelas agências Fitch e Moody’s e perderá o grau de investimento. A equipe econômica foi escolhida para evitar isso e está acelerando esse desenlace.

Essa presidente vem fazendo, e de forma até mais acentuada, a política que foi defendida pelo seu oponente que teria, caso ganhasse a eleição, como ministro da Fazenda, alguém mais relacionado ainda com o mercado financeiro, sempre sequioso de taxas de juros elevadas. Vale lembrar que o seu padrinho Lula havia indicado para ministro da Fazenda o presidente do Bradesco, que, convidado ao cargo, recusou e indicou seu subordinado. Depois dessa, não pode reclamar. É mestre em indicações que não dão certo.

1. Proposta. No entanto há uma saída à mão do governo, que não passa pelo caminho tortuoso do toma lá dá cá do Congresso, escolha infeliz deste governo. Vejamos.

No front externo, que também é observado pelas agências de risco, os indicadores do País são bons. A balança comercial vem surpreendendo positivamente, fazendo o déficit em conta corrente ser reduzido pela metade entre o ano passado e as previsões para este ano. Temos US$ 370 bilhões nas reservas internacionais, cerca de US$ 200 bilhões (!) acima do nível de máxima exposição externa, segundo critérios do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao vender parte desse excedente, atinge-se simultaneamente dois objetivos: a) redução na dívida bruta de mesmo valor da venda e; b) contenção não onerosa do câmbio, o que auxilia na queda da inflação.

Mas, se é assim tão fácil, porque o governo não vende parte das reservas? Porque prevalece ainda a posição de maximizar essas reservas como se isso de fato importasse diante dessa conjuntura. Assim, caminha-se a passos rápidos ao impasse fiscal e, aí, não adianta colocar a culpa em fatores externos nem no Congresso, pois o que predomina na questão fiscal é o déficit com juros, como é apresentado a seguir.

2. Questão fiscal. Numa coisa tem-se de tirar o chapéu para o governo: conseguiu até agora manter o foco fiscal no resultado primário, para esconder o déficit com juros. Vejamos.

Nos nove primeiros meses deste ano, o setor público acumulou um déficit de R$ 416,7 bilhões, dos quais R$ 408,3 bilhões é o déficit com juros, ou seja, 95,2% (!) do déficit público, e apenas R$ 8,4 bilhões é déficit primário.

Considerando os últimos doze meses encerrados em setembro, tem-se desastre semelhante, pois o déficit atingiu R$ 536,2 bilhões, dos quais R$ 510,6 bilhões foi déficit com juros, ou seja, os mesmos 95,2% do déficit público, e só R$ 25,6 bilhões foi primário.

Vale apontar, também, para outro desvio de foco fiscal: o excesso de despesas sociais do governo federal. É o argumento usado pelo mercado financeiro e pelo governo. Em razão deste enfoque equivocado, o Ministério da Fazenda quer nova reforma da Previdência Social, estabelecendo idade mínima para aposentadoria e desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo.

A esperteza deste desvio é tirar o foco do problema fiscal presente, deslocando o problema para o futuro.

3. Inflação. Outro fato que chama a atenção é o fantasma da inflação. Neste ano, pode alcançar 10%! Alto em relação à média dos últimos cinco anos, de 6,11%. Só que há uma particularidade neste ano: a inflação dos preços monitorados atingiu nos últimos 12 meses encerrados em setembro 16,35%, contra a média de 3,97% ocorrida nos últimos cinco anos.

Considerando o peso dos preços monitorados na composição do IPCA, de 24%, vê-se que estão sendo neste ano responsáveis por 41% da inflação contra 15% na média dos últimos 5 anos.

O governo procurou segurar a inflação desde 2010 pela contenção dos preços monitorados. Isso ocorreu não apenas nos preços dos combustíveis e da energia elétrica, que entupiram de dívidas a Petrobrás e Eletrobrás, mas também nas tarifas de água e esgoto feitas pelos governos estaduais e nos preços das passagens do transporte coletivo feitas pelos governos municipais. Parte deste legado é relacionado ao medo de novas manifestações de massa como as ocorridas em junho de 2013.

Essa descarga inflacionária dos preços monitorados neste ano não deve prosseguir no próximo ano, como preveem a maioria das análises.

4. Previdência Social. Vale aqui esclarecer alguns aspectos relativos à Previdência Social.

A partir de 2001, tem-se dados separados para a previdência urbana e rural. A urbana tem caráter contributivo típico de regime previdenciário, no qual se prevê que a aposentadoria se sustente com as contribuições efetuadas. A rural tem o caráter assistencial, pois a contribuição é quase inexistente (2,1% do faturamento rural, onde mais da metade é sonegada) e o valor da aposentadoria é de um salário mínimo. Assim, a rural é deficitária, se não for alocada a ela uma fonte de receita que banque o pagamento de seus aposentados.

Desde 2009, a urbana passou a ser superavitária, ou seja, as contribuições superaram os benefícios. Neste ano, deve dar resultado positivo de R$ 15 bilhões. A rural deve apresentar déficit de R$ 90 bilhões. O conjunto deve, portanto, ter déficit de R$ 75 bilhões (1,25% do PIB).

Em 2001, a previdência teve um déficit de 0,98% do PIB causado pela rural. Neste ano, deve ocorrer déficit de 1,25% do PIB causado por 1,48% do PIB na rural e superávit de 0,23% do PIB na urbana. Assim, em 15 anos ocorreu um aumento de 0,27% do PIB no déficit previdenciário (1,25 menos 0,98).

Nestes 15 anos, o déficit com juros passou de 3,59% do PIB em 2001 para 8,89% do PIB nos últimos doze meses encerrados em setembro, crescendo, portanto, 5,30% do PIB nestes 15 anos. Comparando com o déficit previdenciário, o de juros cresceu 19 (!) vezes mais.

A questão central da Previdência não é o longo prazo, como alardeiam. Como visto, em 15 anos pouco evoluiu esse déficit, que foi causado pela rural, cuja população vem sendo continuamente reduzida. Colocar o foco fiscal aí é desviar a atenção do déficit com juros.

Vale considerar que a gestão das receitas e despesas da previdência pode propiciar mudanças significativas: a) nas contribuições com redução da inadimplência elevada e diminuição das desonerações causadas pelo governo Dilma na quota patronal que prejudicaram as contribuições a partir de 2013 e; b) no adequado controle da concessão dos vários benefícios, sujeitos a desvios de várias naturezas e, em especial, nas pensões sem justificativa.

É fato que tudo na área pública tem largo espaço de melhorias de gestão, mas é comum mudar regras ao invés de usar adequadamente as regras existentes.

De forma geral, os governantes, para se elegerem, prometem mundos e fundos e, como não cumprem, procuram colocar a culpa na falta de recursos, mas pouco fazem para usar adequadamente os recursos de que dispõem. Este governo federal vai pelo mesmo caminho: não melhora sua gestão e fica querendo mais recursos e mais leis, como a que o ministro da Fazenda diz ser necessária, a CPMF.

Com tanta enganação e incompetência, somem e se dilapidam recursos, reduzem direitos, e depois a população que pague o pato.


Indesejável risco político nas concessões - RAUL VELLOSO

BLOG DO NOBLAT - O GLOBO - 08/11

O governo reagiu ao documento com propostas econômicas do PMDB anunciando que tem uma “agenda de estímulo ao desenvolvimento” em parceria com o setor privado, especialmente na área de transportes. Estava se referindo à segunda versão do PIL (Programa de Investimentos em Logística), lançado há três anos, destacando que trabalhará para criar um ambiente favorável de negócios.

Ao mesmo tempo, os jornais noticiaram uma viagem de autoridades ao exterior para promover o plano de logística junto a investidores potenciais. Lançar planos e tentar convencer investidores no gogó é algo que os governos costumam fazer. O problema é que nem sempre o mundo real se comporta como a propaganda oficial procura mostrar.

No caso das concessões de infraestrutura, isso é mais do que óbvio. Primeiro, os planos não passam de apanhados de material existente nos escaninhos, sem projetos minimamente elaborados e articulados em algo mais amplo e coerente. O governo criou a EPL (Empresa de Planejamento de Logística), além de outra bem parecida, numa parceria do BNDES com bancos privados. No caso da EPL, concebida especialmente para planejar as necessidades de infraestrutura de logística do país e cuidar do falecido trem-bala, só restam funcionários ociosos. Em cima disso, cogita-se a criação de uma outra empresa estatal, que seria responsável pela contratação de projetos junto ao setor privado, sob regras mais flexíveis que as atuais.

O maior problema para investir em concessões de infraestrutura no Brasil é, contudo, a total descaracterização, pelos últimos governos, do modelo original, dos anos 90, o que traz óbvia insegurança para os investidores. Na essência, em vez de deixar para a concessionária fixar o preço (a partir do resultado de um leilão competitivo) e administrar os riscos gerenciáveis, o governo quer ir mais longe. Tenta induzir o preço dos serviços abaixo do custo, retirar das empresas a administração dos riscos de mercado (que, supostamente, elas têm condições de administrar) e introduzir, em troca, um risco político (que está fora de sua capacidade de gerenciamento).

Inicialmente, o Palácio do Planalto procurou impor tarifas-teto inviáveis nos leilões de concessão, trabalhando com taxas de retorno abaixo do razoável na sua fixação. Depois de muitas idas e vindas, a ameaça de “dar vazio” em leilões de rodovias levou à sua subida gradativa, mas insuficiente. De 2012 até agora, na área de rodovias as taxas passaram, após intensa pressão do setor privado, de 5,5% para 6,57%; 7,2%; 9,2%; e 9,43%. Enquanto isso, já em 2013 o mundo trabalhava com taxas bem mais altas, entre 12 e 14% (fonte: Deloitte), e o próprio Banco Mundial considerava taxas entre 10 e 12%. Hoje, diante da subida do risco-Brasil, taxas de retorno mais altas para concessões fazem ainda maior sentido.

Paralelamente, é difícil entender como a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), que deveria ter políticas no mínimo alinhadas com as demais agências e com o governo, venha praticando a taxa de 6,81%, para reequilíbrios dos contratos dos aeroportos concedidos, sendo que a SAC (Secretaria de Aviação Civil) informou que o percentual para as novas licitações será de 8,5%. Jogam no mesmo time?

Para reagir a políticas voltadas a exaurir os retornos privados, a margem de manobra das concessionárias é obviamente muito maior no estágio dos leilões. Até porque, ali há sempre a opção de não participar. O problema surge, contudo, na fase de implementação dos contratos, onde seus graus de liberdade se reduzem, e abre-se a possibilidade de comportamento oportunista do Poder Concedente. Com elevados “custos afundados” nos projetos, as empresas têm pouca opção a não ser lutar diariamente contra as investidas populistas.

A pérola do oportunismo se mostra hoje na proibição de as empresas apresentarem planos de negócios nos leilões de concessão, o que passou a impedir que se explicitasse a taxa de retorno original, medida essencial do custo de oportunidade da concessão (ou da melhor alternativa de retorno à disposição do candidato à concessão). A partir daí, a agência tomou a si o encargo de calcular arbitrariamente a taxa de retorno relevante para fluxos de caixa marginais associados a reequilíbrios do contrato original por razões relevantes, e a obras adicionais que costumam ser necessárias ao longo da implementação desse tipo de contrato. Nessa hora, o governo passou a impor às concessionárias um risco político antes inexistente (a fixação arbitrária do retorno do negócio tipicamente em desacordo com a taxa original), em lugar de elas administrarem o risco de mercado associado ao custo do capital investido.

O viés estatizante do controle de preços administrados trouxe várias sequelas para o setor elétrico e para a Petrobras. Para rodovias e aeroportos, até o momento, o que houve foi retardamento das concessões, com o consequente atraso na entrega de serviços. E o governo acha que pode facilmente atrair empresas de fora para as concessões.


GOSTOSA


A saída pelo investimento - SUELY CALDAS

ESTADÃO - 08/11

A volta do investimento em infraestrutura seria uma excelente saída para este momento de crise aguda, frustrações, inflação em alta, recessão econômica, desemprego, queda da renda e dos salários, etc. Se conduzida com comunicação competente, licitações atraentes e regras estáveis e firmes, sem hesitações e recuos, teria força para desencadear um ambiente favorável aos negócios, capaz de dar início à retomada do crescimento econômico.

Mas a agenda de investimentos empacou, perdeu-se na falta de confiança no governo e em riscos em série (político, cambial, jurídico e institucional) que têm produzido incertezas quanto ao futuro e afastado investidores que temem perder dinheiro aplicando em projetos sujeitos à regulação do governo ou do Legislativo, que já deram inúmeras provas de instabilidade regulatória. Um governo que congelou o preço dos combustíveis por anos e baixou a tarifa de energia na marra, desestruturando a Petrobrás e a Eletrobrás, pode esperar atrair a confiança de investidores privados em petróleo e energia?

Depois de dois adiamentos, o governo se prepara para, no dia 25 de novembro, licitar 29 usinas hidrelétricas que se recusaram a renovar a concessão em 2013. Trata-se de ativos prontos e em operação, e com eles o governo espera arrecadar R$ 17 bilhões para ajudar a fechar as contas e cumprir a meta fiscal em 2015. O leilão já vai começar com dois componentes desfavoráveis: a Eletrobrás não vai participar e o BNDES não vai financiar. A Eletrobrás porque ficou descapitalizada depois da desastrada redução da tarifa em 2013 e não tem dinheiro para bancar o investimento. E, quanto ao financiamento, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, já avisou: “O banco tem escassez de recursos em TJLP e seu uso nobre é financiar novos investimentos produtivos, não ativos existentes”.

Para tentar atrair investidores estrangeiros, o secretário executivo do Ministério do Planejamento, Dyogo Oliveira, reuniu-se com representantes de bancos e empresas operadoras em Nova York, Frankfurt e Londres. Como de praxe, disse estar confiante no interesse dos estrangeiros no Brasil, mas fez ressalvas: “Na verdade, o sucesso desses programas de concessão depende muito dos investidores locais”, afirmou, referindo-se não só às 29 hidrelétricas, mas a portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. O sucesso esbarra nos investidores locais, que parecem ter desaparecido: as empreiteiras, impedidas de participar, são acusadas de corrupção pela Operação Lava Jato; as enfraquecidas estatais estão mais para programas de desinvestimento, vendendo ativos, do que para novos projetos; e os bancos privados estão ressabiados com os prejuízos que tiveram ao se tornarem sócios da empresa Sete Brasil (que venderia sondas à Petrobrás), afogada no atoleiro.

De todos esses setores, o do petróleo é possivelmente o único capaz de dispensar o operador local. Evidente que ter a Petrobrás como sócia interessa aos estrangeiros, pelo grau de conhecimento que ela tem do País e das áreas de exploração de óleo. Mas, com a saúde financeira abalada, a Petrobrás está mais preocupada em faturar com a venda de seus ativos do que gastar dinheiro em novos investimentos. O que, por sinal, a afastou do último leilão. Só que as regras concebidas pessoalmente por Dilma Rousseff, quando ainda era ministra, obrigam a Petrobrás a participar de todos os leilões com mínimo de 30% do valor do investimento na área do pré-sal, a mais cobiçada, pela certeza da existência de óleo.

Ou seja, enquanto a Petrobrás não recuperar seu caixa (sabe-se lá quando!), o petróleo do pré-sal vai mofar no fundo do mar, sem gerar riqueza, renda e emprego para os brasileiros. Por pura teimosia de dona Dilma, que errou ao conceber essa regra e insiste em manter o erro. A Petrobrás deve, sim, ganhar preferência no pré-sal, por ser a única brasileira tecnologicamente preparada. Mas ela pode, se quiser, abrir mão da preferência. Inconcebível é obrigá-la a investir uma soma de dinheiro que ela não terá tão cedo e adiar indefinidamente investimentos de que o País precisa.


*É jornalista e professora da PUC-Rio

Eu não quero o seu lugar - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 08/11

Quem fala aqui não sou eu. Hoje quem escreve é Juliana Moura Bueno, 26, sugestão de mulheres do #AgoraÉQueSãoElas.

Juliana, cientista social, é chefe de gabinete da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. O texto dela:

"Há uma semana, a campanha #AgoraÉQueSãoElas começou a circular. Fomos surpreendidas(os) com uma efervescência de textos. O movimento crescia e crescia. O que vivenciamos, nos últimos dias, teve tanta intensidade que pode ser definido quase como um choque cultural.

As mulheres, que uma semana antes estampavam as manchetes pelos casos da jovem Valentina de 12 anos e pela votação do PL 5.069, estavam nas capas dos jornais, nas páginas principais dos maiores portais de internet do Brasil, nos mais diversos programas de rádio e até nos programas de televisão falando sobre o que é ser e viver mulher. E não é fácil.

A campanha foi ganhando corpo, força e fôlego. Eram textos de mulheres nos mais diferentes espaços. Mulheres trans, mulheres negras, mulheres periféricas. Mulheres empresárias, mulheres acadêmicas. Mulheres mães e mulheres filhas.

Mulheres que dificilmente, em outras condições, teriam esses espaços —e espaços livres para falarem das suas condições, de seus problemas, de suas dificuldades, de suas vivências. Afinal, dificilmente, em outra condição, encontraríamos um debate sobre a visibilidade e os direitos das mulheres lésbicas e de travestis e transexuais estampando o espaço da coluna sobre economia da seção "Mercado" da Folha. Dificilmente teríamos na página A2, de uma vez só, três textos de mulheres.

Para não ficar no achismo, resolvi ir à página da Folha na internet para contar quantos eram os colunistas homens e quantas eram mulheres. O número, no entanto, confirmou as nossas impressões: são 86 homens e 37 mulheres que escrevem na Folha periodicamente como colunistas. Sem contar os jornalistas especializados.

As diferenças numéricas são apenas expressão das desigualdades estruturais, históricas e culturais. Não achamos que os jornais deliberadamente escolhem homens para formarem majoritariamente seu corpo de colunistas. Mas a maioria desses dirigentes são homens que acabam formando equipes majoritariamente masculinas a quem cedem a voz da autoridade do assunto específico. E, se não pararmos para refletir sobre isso, essa espiral continuará girando infinitamente.

Essa semana cumpriu esse papel, mas ela em si não se basta. Nós estamos e continuaremos aqui e nas redes, mas também nas ruas, porque queremos apenas ser livres, e queremos isso para todas(os). Queremos mudar uma cultura de violência e violações, de depreciação, de subestimação das mulheres. E nós não vamos conseguir fazer tudo isso substituindo homens por mulheres nos espaços.

Nós vamos fazer isso transformando e ressignificando relações: de poder, econômicas, entre gêneros, relações de trabalho, relações familiares.

Esse tem que ser o começo de uma ocupação pública das vozes vulneráveis e femininas dos espaços, não porque queremos tomar lugar de homens, mas porque queremos eles sensibilizados para esta(r)mos juntas(os), ao lado deles, em condições iguais."

É pirata? Pirata não é - CELSO MING

ESTADÃO - 08/11

O WhatsApp, com mais de 900 milhões de usuários no mundo, é só mais uma dessas inovações que vêm contrariando interesses


Lance a lance, segue a briga entre as operadoras telefônicas e o aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp que, desde abril, permite também ligações entre aparelhos, desde que conectados à internet.

Ainda não foram formalizadas reclamações à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), organismo encarregado de fiscalizar o setor e, supostamente, também de combater eventuais atos de pirataria.

Mas os administradores das operadoras telefônicas não escondem que um calo está doendo e que pretendem escorraçar os serviços de voz oferecidos por aplicativos do gênero, sob o argumento de que geram concorrência desleal.

Para o presidente da Vivo/Telefônica, Amos Genish, por exemplo, o WhatsApp não passa de instituição pirata que deve merecer tratamento de pirataria por parte da agência reguladora: “Queremos regras iguais para o mesmo jogo”, voltou a defender durante o evento de telecomunicações Futurecom na semana passada.

Em agosto, o então ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, havia comprado a chorumela. Declarou que deve ser regulamentado o funcionamento de aplicativos que hoje ganham rios de dinheiro graças à utilização da infraestrutura das operadoras sem que tenham investido um dólar sequer nas redes. Recém-chegado ao ministério, o ministro André Figueiredo parece aboletado sobre o muro e gostaria de que fosse aceito como mediador entre os interesses em conflito: “Não podemos frear a inovação, mas também é preciso respeitar os investimentos das teles”, afirmou.

As operadoras alegam que, diferentemente de outras plataformas como o Skype, em que o usuário tem de usar o e-mail para se cadastrar e realizar chamadas online, o WhatsApp aproveita a própria numeração do celular, sem que tenha investido na infraestrutura. Ressaltam que pagam taxas, como a do Fistel, por linha ativa, a que o WhatsApp vem escapando. No entanto, a numeração do telefone não é da operadora, mas do cliente. Prova disso é a lei da portabilidade que autoriza o consumidor a levar seu número para qualquer tele.

“O contrato de concessão permite que a operadora administre o plano de numeração. Isso não configura posse – ainda que ela pague o Fistel por número ativo. Trata-se de taxa destinada a fiscalizar o funcionamento do sistema”, explica o advogado Dane Avanzi, presidente da Associação das Empresas de Radiocomunicação do Brasil. Avanzi lembra ainda que as teles tiram proveito disso: “Ninguém usa a internet de graça, as operadoras ganham com a contratação de pacotes de dados”.

As reivindicações das operadoras não parecem bem fundamentadas. Começaram por sugerir a adoção de regulamentação para o funcionamento das companhias de aplicativos e serviços de internet, chamadas OTTs (Over The Tops). Mais recentemente, vieram com o discurso da “flexibilização” das regras a que estão submetidas para melhorar suas próprias condições de competição.

No entanto, é discutível que os dois lados operem o mesmo negócio. O diretor do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio (ITS), o advogado Carlos Affonso Souza, por exemplo, se apega a essas diferenças: “São atividades distintas reguladas por modelos jurídicos distintos. É inviável que os aplicativos que oferecem serviço de voz, como Skype ou WhatsApp, sejam submetidos às mesmas condições dos contratos de concessão, como acontece com as operadoras telefônicas”.

Souza não para por aí. Denuncia como retrógrada a tentativa de regulamentar esses aplicativos, porque não passaria de um jeito de engessar inovações. “Flexibilizar as atuais regras de concessão também não parece bom caminho, porque pode comprometer os investimentos em infraestrutura em áreas menos lucrativas para as operadoras”, observa.

O presidente da Anatel, João Rezende, já se pronunciou: não compete à Anatel regular aplicativos. Na avaliação dele, o serviço do WhatsApp não se confunde com a telefonia móvel, por duas razões principais: não permite chamadas para pessoas que não tenham o aplicativo instalado em seu telefone e, diferentemente da telefonia móvel, depende de acesso à internet para realizar chamadas ou enviar mensagens.

Seja qual for o desfecho desse jogo de pressão, o WhatsApp, com mais de 900 milhões de usuários no mundo, é só mais uma dessas inovações que vêm contrariando interesses, como aconteceu com o Uber, o Airbnb e com outras tantas plataformas que proliferam por aí. \COM LAURA MAIA


Amor ao primeiro acorde - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 08/11

Sei que, quando menos esperar, minha música vai tocar bem perto de mim, assim como um amor que a gente sabe que é nosso


Sempre considerei romântico o amor à primeira vista. Você vê alguém de relance e tem certeza de que é a pessoa que sempre quis encontrar, aquela que se encaixa no seu ideal, mas aí você descobre, no dia seguinte, que aquela pessoa não mora na mesma cidade, ninguém sabe seu nome, onde trabalha e que fim levou. A criatura desaparece de cena e você fica apenas com aquele rosto gravado na memória, e a partir de então passa a procurar esse rosto em todas as ruas que atravessa, em todos os bares que frequenta, em todos os aeroportos.

Vivi uma experiência semelhante, mas não envolve uma pessoa, e sim uma música. Eu a escutei há muito tempo numa trilha de filme (desconfio que foi dentro do cinema, nem certeza disso eu tenho). Na época não me liguei tanto – gostei do que ouvi e depois esqueci. Esqueci o filme, inclusive. Ficou tudo retido no passado.

Dois anos atrás eu estava em Londres, caminhando por uma rua de Notting Hill, quando escutei a tal música num alto-falante de um quiosque onde alguém vendia CDs, LPs e outras raridades. Talvez por estar sozinha na capital inglesa, conectada com minhas emoções mais íntimas, escutá-la de novo me comoveu.

Eu não tinha um smartphone para acionar o Shazam a fim de descobrir o que estava tocando. Resolvi apelar para um aplicativo menos tecnológico: a confiança. Fui até o cara do quiosque e perguntei pela música. E aí deu tudo errado. Em vez de ele me dizer que música era aquela, ele me mostrou a capa do CD que estava tocando. Uma coletânea. O sol estava forte naquele sábado e havia muitas outras pessoas em volta manuseando discos e querendo a atenção do vendedor. Passei a enxergar só o braço dele estendido com o meu objeto do desejo nas mãos, enquanto atendia outros clientes. Parecia uma fruteira. Saquei uma nota de cinco libras, peguei o CD e fui embora.

No meu flat não havia onde escutá-lo. Passei os olhos pela lista de músicas e intérpretes e não reconheci nada. Tudo bem. A dúvida manteria o clima de “provoque a sede até não aguentar mais”.

Dias depois, de volta ao Brasil, beijei e abracei minhas filhas, tomei um longo banho e então abri a mala. Tirei de dentro o CD. Rasguei o lacre. E, segurando-o feito um Santo Graal, me encaminhei até o aparelho de som. Não era a primeira faixa. Nem a segunda. Nem a terceira, nenhuma delas. Minha música não estava naquele disco. Picaretas existem em todo lugar.

Passei o CD adiante, não me interessei por nada que tocava nele. Até hoje procuro a minha música em cada loja em que há som ambiente, em cada playlist de festa, nas estações de rádio que ouço no carro e na web, nas trilhas sonoras de minisséries e na casa de amigos. Estou calma. Sei que, quando menos esperar, ela vai tocar bem perto de mim, assim como um amor que a gente sabe que é nosso e que só é preciso paciência até que se revele. E então teremos o resto da vida.

UMA JAPA GOSTOSA





Soluções fáceis - AFFONSO CELSO PASTORE

ESTADÃO - 08/11

Infelizmente, muitos são seduzidos pelo sonho de que é sempre possível achar uma solução fácil para muitos problemas econômicos, evitando os custos políticos. Nesse artigo quero discutir duas dessas “soluções fáceis”.



A primeira é que seria um erro insistir na reforma da Previdência, elevando a idade de aposentadoria e removendo a indexação do pagamento dos benefícios ao salário mínimo. Afinal, os gastos com a Previdência representam 7% do PIB, enquanto os juros sobre a dívida pública recentemente subiram a 8,9% do PIB. Por que privilegiar os “rentistas” em detrimento dos que trabalharam por toda uma vida? Em vez de mobilizar a sociedade no apoio de uma reforma da Previdência, vendedores de ilusão conclamam economistas e políticos a pressionar pela redução da taxa de juros.

Quem defende essa proposta convenientemente se esquece do fracassado experimento de 2012, quando – sob aplausos – o governo derrubou “na marra” a taxa de juros. Não faltaram advertências de que a inflação cresceria, o que de fato ocorreu, mesmo diante do represamento dos preços administrados e das intervenções do Banco Central no mercado futuro de câmbio.

Correção inflacionária. Um dos erros cometidos por quem propõe esse caminho vem do fato de que nem todo o gasto de 8,9% do PIB refere-se ao pagamento de juros. Nesse total estão incluídos os prejuízos do Banco Central com as vendas de swaps cambiais, que, se forem excluídos, levariam esse total a 6,6% do PIB. O segundo erro vem do “esquecimento” – também conveniente – de que os juros nominais são a soma dos juros reais e das expectativas de inflação, e quanto maior forem as expectativas, mais elevada será a taxa nominal de juros. Ou seja, o “custo de juros” sobre a dívida pública é tanto mais elevado quanto maior for a inflação. Diante de inflações tão elevadas quanto a nossa, deveríamos utilizar o conceito largamente usado no passado, que é o de “déficit operacional”, que deduz do déficit nominal o que no passado era denominado de “correção inflacionária da dívida pública”, que nada mais é do que a componente de expectativas de inflação embutida na taxa nominal de juros. Em artigo recente na Folha de S. Paulo, Alexandre Schwartsman mostrou que, se isso fosse feito, chegaríamos a um gasto com juros da ordem de 2% do PIB.

Nesse ponto, cabem três considerações. A primeira é que quem se apressar em acusar-me de recriar uma esquecida “jabuticaba”, lembro que o conceito de déficit operacional não foi utilizado apenas no Brasil. Quando na era pré-Volker as inflações nos Estados Unidos eram elevadas, e atribuídas à política fiscal expansionista, Franco Modigliani – um conhecido ganhador do prêmio Nobel de economia – o usou para demonstrar que a contribuição da política fiscal era muito menor. Discuto esse episódio no capítulo 3 do livro Inflação e Crises.

A segunda é que nunca é demais repetir que uma das razões para as elevadas taxas nominais de juros pagas atualmente no Brasil é o fato de que a inflação cresceu muito acima da meta, o que elevou as taxas de inflação esperadas, e que esse resultado é uma consequência da redução “na marra” da taxa de juros ocorrida em 2012. Ao renunciar ao uso da política monetária para controlar a inflação, preferindo fazê-lo contendo os reajustes de preços administrados e impedindo a depreciação cambial com pesadas intervenções no mercado futuro, o governo gerou pressões que explodiram em uma inflação mais alta, tornando inexorável a elevação das taxas nominal e real de juros. Será que valeria a pena repetir esse experimento?

A terceira diz respeito à taxa real de juros, que é reconhecidamente alta no Brasil. Embora não se tenha um diagnóstico preciso das razões para isso, podemos identificar pelo menos duas causas. A primeira são as baixas taxas domésticas de poupança, que em grande parte derivam das baixas taxas de poupança do próprio governo que, em última instância, vêm dos defeitos da política fiscal. A segunda são as distorções geradas pelo exagero nos subsídios ao crédito, particularmente pelo BNDES, que desde 2007 vem alimentando o aumento da oferta de crédito com recursos transferidos pelo Tesouro por fora do orçamento, que elevaram a dívida bruta em torno de 10 pontos porcentuais do PIB. O governo esperava que isso levaria ao aumento nos investimentos em capital fixo, acelerando o crescimento do PIB, mas como tem sido demonstrado por Carlos Antonio Rocca e por Sérgio Lazzarini, a taxa de investimentos no Brasil vem caindo ao lado do aumento da oferta de crédito por parte do BNDES. Precisamos baixar as taxas reais de juros, porém não “na marra”.

A segunda “solução fácil” liga-se ao tamanho das reservas internacionais e às intervenções no mercado de swaps cambiais. Reservas altas têm custo (a diferença entre a taxa doméstica de juros – que é alta – e a taxa internacional de juros – próxima de zero), e o custo fiscal é ainda maior devido aos prejuízos vindos das vendas de swaps cambiais, cujo estoque situa-se pouco acima de US$ 100 bilhões. Se reduzíssemos o estoque de reservas, economizaríamos o diferencial entre as taxas – doméstica e internacional – de juros, e uma economia maior seria obtida caso os swaps cambiais fossem recomprados, seguidos da venda de reservas.

Por que vender reservas quando os swaps são resgatados? A razão está no fato de que, com a recompra dos swaps, cairia o estoque de hedge, pressionando a depreciação do real. Quem propõe essa solução pensa que a depreciação seria evitada com venda de reservas, e, em adição, teríamos um ganho vindo da redução do tamanho da dívida. Como o Banco Central teria de esterilizar os efeitos monetários da venda de reservas, teria de recomprar títulos públicos através da redução de suas operações compromissadas, o que levaria à queda do estoque da dívida pública bruta. Ou seja, ao reduzir o estoque da dívida bruta, colheríamos o subproduto de aliviar a política fiscal, porque, com uma dívida menor, seriam necessários superávits primários mais baixos para estabilizá-la.

Mas será que esse efeito seria quantitativamente importante? Um pouco de aritmética mostra que não. A uma taxa cambial de R$4,00/US$, a queda de US$100 bilhões de reservas (eliminando o estoque de swaps) reduziria a relação dívida/PIB de 7 pontos porcentuais do PIB, o que à taxa de juros de 6,5% ao ano e com crescimento do PIB potencial de 1,5% ao ano, levaria a uma queda próxima de 0,35 ponto porcentual do PIB do superávit necessário para estabilizar a relação dívida/PIB. Em vez de serem necessários (dadas as hipóteses sobre os juros reais e o crescimento potencial) superávits primários um pouco acima de 3% do PIB, seriam necessários superávits um pouco abaixo de 3%, ambos muito distantes dos números de hoje, quando ainda estamos no terreno dos déficits primários muito elevados. Em conclusão, isso não geraria alívio que merecesse maior atenção sobre o esforço fiscal que é necessário.

Risco. Infelizmente, ao lado desse ganho muito pequeno, teríamos o aumento de um risco importante. O Brasil não vive uma crise de balanço de pagamentos, e sim uma crise fiscal e política. É ela que tem provocado a elevação das cotações do CDS e a depreciação do real, mas se vendêssemos reservas nessa intensidade sem aprofundar o ajuste fiscal estaríamos nos expondo à percepção de que entramos na antessala de uma crise no balanço de pagamentos. O mais provável é que essa “solução fácil” fosse vista pelos mercados como uma exposição desnecessária a outra crise, ligada ao balanço de pagamentos, e em vez da venda de reservas impedir a depreciação cambial vinda da queda do hedge cambial, teríamos depreciação mais acentuada ao lado do aumento das cotações do CDS, o que elevaria a inflação e as taxas nominais de juros, com efeitos sobre a “conta de juros” da dívida pública.

Nenhum desses artifícios supera o que é necessário para colocar o Brasil de volta à rota do crescimento, que é um profundo ajuste fiscal, para o qual não existem soluções fáceis.

O Brasil e os 7 x 1 - SÉRGIO BESSERMAN VIANNA

O GLOBO - 08/11

O presidencialismo de coalizão tornou-se de cooptação e, na crise, ficou disfuncional



João Saldanha costumava dizer que o futebol é um reflexo da sociedade. Sendo assim, vamos analisar a assombração dos 7 x 1.

Segundo estudo da consultoria Tendências, dos 3,3 milhões de famílias que ascenderam à classe C entre 2006 e 2012, 3,1 milhões retrocederão durante os anos de crise. A política social fundada quase exclusivamente sobre transferências de renda, algo muito estranho em um governo com pretensões a ser de esquerda, pouco transformou na desigual e hierárquica sociedade brasileira. 1 x 0.

Desde 1991, as despesas dos governos crescem mais do que o PIB. Quando foi proposta a sugestão que José havia interpretado no sonho do faraó, no Antigo Testamento, ou seja, economizar nos períodos de vacas gordas para o período de vacas magras, a atual titular da Presidência da República matou a proposta, tachando-a de rudimentar. 2 x 0.

Com a grande recessão de 2008 ainda em curso, o governo reagiu, com intenções inegavelmente eleitorais, como se ainda vivêssemos na Crise de 1929, 86 anos atrás, com políticas “keynesianas” extremamente equivocadas sob dois aspectos: primeiro, focadas no consumo.

Segundo, desconsiderando que, diferentemente da década de 30 do século passado, a economia global não se desintegrou, de modo que qualquer tentativa nacional de escapar à disciplina fiscal dos mercados mundiais seria sempre penalizada para não abrir um precedente perigoso. Tivemos uma tragédia grega contemporânea para deixar esse ponto bem claro. 3 x 0.

O Brasil, que já foi admirado por sua política externa profissional, se envolveu em transações estranhas com ditadores mundo afora, isolou-se das principais negociações comerciais globais e, negando sua vocação de diversidade e pluralidade, acovardou-se frente às questões relativas aos direitos humanos. Submeteu a política externa ao personalismo do presidente Lula e paga hoje um preço elevado em reputação e posição comercial por isso. 4 x 0.

Meritocracia, aumento de produtividade, competitividade, redução do custo Brasil viraram “neoliberalismo”. Consequências: um mexicano vale por dois brasileiros em produtividade e o país se desindustrializou severamente. 5 x 0.

Em um mundo cuja agenda de médio prazo é definida pela transição para economias de baixo carbono, o Brasil, embora excepcionalmente posicionado para maximizar fontes renováveis de energia, deixou-se embriagar pelo pré sal. 6 x 0.

O presidencialismo de coalizão tornou-se de cooptação e, na crise, ficou disfuncional. Com a péssima “aula” dada pelos políticos no palco, os padrões éticos da sociedade decaíram. A permanência do atual presidente da Câmara no cargo, mesmo sem culpabilidade provada, é uma demonstração do fato. 7 x 0.

As instituições ainda funcionam. 7 x 1. Se bem que dizem que, se sacudirem os cabelos do David Luiz ou da Lava-Jato, tem mais gol contra nós escondido.

Sérgio Besserman Vianna é economista

Atraso ideológico - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 08/11

A maneira mais fácil e também mais desonesta de contestar opiniões que divergem das nossas é tentar desacreditá-las. Tal procedimento, além de torpe, é prejudicial à elucidação de questões que muitas vezes envolvem interesses fundamentais. Isso ocorre frequentemente quando estão em jogo problemas políticos e ideológicos, o que dificulta o entendimento de problemas vitais para o país.

Faço essas considerações porque acredito que uma das funções do jornalismo é informar e contribuir para o esclarecimento das questões de interesse público.

Eu, que militei no Partido Comunista Brasileiro, convencido de que o marxismo era o caminho para a construção de uma sociedade fraterna e justa, deixei de acreditar nisso em consequência das experiências que vivi e do próprio fracasso daquele projeto revolucionário em nível nacional e internacional.

Já tive oportunidade de manifestar minha opinião sobre esse fato, mas, qualquer que seja o diagnóstico, a verdade é que o grande sonho da sociedade proletária se desfez definitivamente. Há, porém, os que não desistem de suas convicções e há também os que se aproveitam da boa-fé das pessoas para substituir o sonho socialista pelo que intitulo de "populismo de esquerda", que se constata hoje em alguns países da América Latina, como Venezuela, Bolívia, Argentina, Equador e Brasil.

Em cada um desses países, o tal populismo assume uma forma específica, mas em todos eles o discurso ideológico substitui a luta da classe operária contra a burguesia pela luta dos pobres contra os ricos, que Lula apelidou de "elite branca".

Esse populismo se caracteriza, de um lado, por programas assistencialistas e, de outro, por um discurso anticapitalista que, como no caso do Brasil, é só para inglês ver, uma vez que seus principais sócios são grandes empresas. A operação Lava Jato revelou à opinião pública brasileira a extensão do "conluio" montado pelo governo populista, em aliança com empresários, para saquear a Petrobras e outras empresas estatais.

A ação desse populismo de esquerda no governo do país é a causa principal da situação caótica a que o Brasil foi arrastado nestes quase 13 anos de gestão petista. O Programa Bolsa Família, montado com objetivo eleitoral, se atenuou a carência de famílias miseráveis, em vez de resolver o problema da pobreza, estimula uma grande massa de trabalhadores a não mais trabalhar.

Por outro lado, o programa Minha Casa, Minha Vida constrói conjuntos residenciais muitas vezes em lugares inacessíveis e de péssima qualidade (muitos deles já estão caindo aos pedaços). Também, neste caso, a troca de interesses deixa as construtoras à vontade para usarem o material mais barato e construírem de qualquer forma, já que o governo não as fiscaliza, pois são todos amigos.

O aumento das famílias atendidas pelo Bolsa Família –calculado em mais de 30 milhões– e os gastos com o programa Minha Casa, Minha Vida podem ser a razão que levou Dilma a violar a lei de responsabilidade fiscal, tomando empréstimo de bancos públicos sem condições de ressarci-los.

Quando Aécio Neves, na campanha eleitoral, denunciou o estado crítico das finanças do país, ela o chamou de mentiroso e garantiu que a situação das contas era ótima. Ganhou as eleições e logo começou a fazer o contrário do que afirmara. Mas o desastre dos governos petistas não se limita aos gastos demagógicos e à corrupção. Atinge a estrutura econômica do país, anulando-lhe o crescimento e provocando desemprego e inflação.

Aliando demagogia e incompetência, os petistas deram pouca atenção aos Estados Unidos e à Europa – parceiros comerciais importantes do Brasil– e voltaram-se para o mercado sul-americano –o Mercosul. Para agravar nossa situação econômica daqui para diante, os Estados Unidos e o Japão montaram uma aliança comercial que representa 40% do comércio mundial e da qual estamos fora. E fora também estaremos de outra aliança, que incluirá os norte-americanos e os europeus.

Nisso é que dá atraso ideológico somado a incompetência.

Morte assistida - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 08/11

Nascemos sem pedir em qualquer parte do mundo e encontramos nossos ascendentes e seu meio socioambiental: língua, região, tradições, costumes, regras, raça, guerra ou paz, riqueza ou pobreza, conforme sejam as circunstâncias.

Nascer, portanto, é basicamente ato biológico, cujo único antecedente comprovável terá sido a cópula dos nossos pais. Como consolo, cada nascituro é um campeão nato, ganhou a corrida para entrar no óvulo materno. Que muitos sejam natimortos entra na conta da álea da natureza, que jamais é perfeita. A prova são bebês que nascem sem cérebro ou deficientes mentais ou com defeitos naturais.

O mistério da vida, do mal, do sofrimento e do universo onde ela acontece, sem o nosso prévio consentimento - repita-se ad nausean - se, por um lado, fascina, por outra obumbra pela evidência brutal do real. O mundo onde vivemos e todos os fenômenos que nele acontecem, como a dor e o prazer, as guerras, os desastres naturais, o ódio e o amor, são reais (nada é ilusão ou maya no dizer dos budistas).

O incessante e constante fazer dos homens no breve curso da vida efêmera, as dores e sofrimentos de diversas ordens têm-nos levado a atribuir o existir ao Totalmente Outro, o que, diferentemente de nós, nunca teve princípio e jamais poderá ter fim, pois está necessariamente fora do tempo, do espaço e da matéria.

O pensamento místico tem considerado, desde há muito tempo, apesar da nossa parecença com outros seres viventes de espécies próximas da nossa, a imortalidade do nosso imo irredutível, o espírito ou alma, ambos inefáveis. A ciência pontua à sua vez a absoluta estranheza do motor incognoscível do universo. Ele é referido, mas não o vemos, somente o imaginamos seguindo as tradições, e são muitas, que nos são inculcadas depois de nascermos.

Contudo, se nascemos, estamos destinados à morte. Kierkegaard, existencialista cristão, cunhou a frase: "O homem-é-um-ser-para-a-morte". Com efeito, nada é tão certo como ela. Ninguém, entretanto, tem o direito de nos tirar a vida, a não ser nós próprios, embora a lei às vezes nos obrigue a perdê-la (pena de morte), inclusive pela razão de não querermos matar nossos semelhantes em tempos de guerra (pena capital por corte marcial).

Vem ao caso essa introdução em face da comovente notícia que nos chega da Bélgica, confirmando a tese de um grupo de juristas que afirma ser o direito de morrer assistido o último direito fundamental a ser conquistado pela espécie humana. Segundo reportagem de Rodrigo Craveiro: "A vida não é para mim. (...) A morte não me parece uma escolha. Se eu tivesse uma opção, escolheria uma vida suportável. Mas tenho feito de tudo e não fui bem-sucedida".

Acometida de grave depressão que há três anos a mantém internada numa clínica psiquiátrica, Laura - uma belga de 24 anos cujo sobrenome não foi divulgado - concedeu entrevista ao jornal local para justificar a decisão que a lançou no centro de uma polêmica. (...) Existe o temor de que a decisão, validada por lei na Bélgica desde 2002, possa estimular pacientes deprimidos a buscarem o mesmo destino. Diretor da Divisão de Ética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York, Arthur Caplan alerta que o caso de Laura representa "uma descida perigosa e assustadora numa ladeira escorregadia. Uma mulher de 24 anos, com depressão, não merece uma resposta como a eutanásia. O Estado deveria trabalhar com ela para tentar curá-la usando todos os meios possíveis".

O médico holandês Rob Jonquiere, diretor de comunicações da Federação Mundial das Associações de Direito de Morrer (WFRTDS, pela sigla em inglês) e especialista da Universidade de Leiden, rebate Caplan e lembra que a lei belga se refere às pessoas que sofrem de modo "insuportável e irremediável". "Não é preciso estar terminantemente doente para ter direito à eutanásia", alertou à reportagem. A princípio, mesmo uma grave depressão pode causar sofrimento terrível e insuportável e ser razão para a prática. Nos próximos dias, Laura deverá receber uma injeção letal, mesmo sem sofrer de doença terminal.

"Uma grave depressão pode ser tão debilitante quanto o câncer. Se não for tratável e a pessoa quiser morrer, ela deveria ter essa escolha", disse o médico australiano Philip Nitschke, diretor da Exit International, organização não governamental em defesa da eutanásia. Acredita que, no caso de Laura, não existem outras opções além da internação permanente. Em março, o rei Filipe da Bélgica sancionou lei que permite a eutanásia em crianças de qualquer idade, acometidas por grave doença. Em média, todos os anos, cerca de 1,4 mil belgas recorrem ao controverso método.

É injusta a sociedade que obriga a viver quem quer morrer? É direito humano fundamental determinar como e quando morrer e dever do Estado assisti-lo? O debate está aberto.


Advogado, coordenador da especialização em direito tributário das Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e da UFRJ

A eleitoreira conta de luz - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 08/11

O programa de redução de 20% das tarifas de energia elétrica, promovido pela presidente Dilma Rousseff por meio da Medida Provisória 579/12, foi uma medida artificial e de cunho eleitoral, que provocou forte desequilíbrio nas contas públicas, afirma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU).

Segundo o tribunal, “o governo emitiu sinal via preço ao consumidor de incentivo ao consumo”. E isso num momento em que o País já recorria às usinas térmicas, cuja produção de energia é mais cara, como forma de compensar a redução da geração hidrelétrica, já que o nível de água nos reservatórios estava baixo. Num momento crítico, que exigia responsabilidade, o governo preferiu a via demagógica. Estava mais caro produzir energia e o governo ainda estimulava o consumo, baixando o valor da tarifa.

Como afirmou o TCU, era uma medida artificial, sem correspondência com a realidade. Mas correspondia muito bem aos anseios eleitorais do governo. Baixava a conta na marra, na tentativa de ficar bem com a população. Afinal, era preciso preparar o terreno para as eleições que se aproximavam. E tudo isso embalado no discurso pseudocientífico de política econômica anticíclica. O problema é que, com suas “políticas anticíclicas”, Dilma Rousseff preparava deliberada e cuidadosamente o País para o ciclo da crise.

O voluntarismo demagógico do governo teve um alto custo. Em 2013, a política dilmista para o setor elétrico custou ao Tesouro nada menos que R$ 12,642 bilhões. E em 2014 a conta chegou a R$ 31,297 bilhões. Segundo o TCU, “elevados montantes de recursos públicos, aportes do Tesouro Nacional, foram utilizados para compensar o acionamento de térmicas mais caras e com isso manter a redução no valor das tarifas, o que colaborou para o desequilíbrio das contas públicas, principalmente em 2014”. Quem paga essa conta são os consumidores.

O relatório do TCU adverte, no entanto, que a política de “realismo tarifário” foi tardiamente adotada. Segundo o tribunal, o governo ignorou as evidências do desequilíbrio que sua política de redução forçada das tarifas estava gerando no setor. “Essa demora para a elevação dos valores das tarifas, que pode ter relação com a promessa de redução tarifária em 20% e o momento político eleitoral do Brasil, agravou a crise energética, aumentou os valores da energia no mercado de curto prazo, gerando consequências graves para todo o sistema elétrico”, afirmaram os auditores do tribunal.

Se as medidas realistas tivessem sido tomadas no fim de 2013 ou no início de 2014, o aumento da conta de energia teria induzido a uma diminuição do consumo, poupando também os reservatórios, lembra o relatório do TCU. No entanto, aquilo que seria mais prudente e responsável não se encaixava no script da campanha de reeleição de Dilma. Fechando os olhos às nefastas consequências para a economia, era preciso segurar a tarifa de luz até as eleições. A prioridade não era o País.

Como se vê, a crise na qual o País se encontra paralisado foi sendo gerada por deliberadas decisões do próprio governo. Decisões com pouco ou nenhum amparo técnico, mas com muito interesse eleitoral. Fazia-se a opção pelo populismo e pelo voluntarismo. E essa opção de fechar os olhos à realidade, vendo apenas as urnas, não é gratuita. O País vem pagando caro por essa conta.

Diante desse histórico de imprudente gestão do setor elétrico, o relator do processo, ministro José Múcio Monteiro, recomendou ao Ministério de Minas e Energia a elaboração de um plano de contingência. “Esse plano contingencial deve conter a adoção de medidas sequenciais e gradativas, conforme o aprofundamento do risco, disparadas por critérios técnicos e desassociados de possível conjuntura político-eleitoral”, determina o relatório. É mais uma tentativa de proteger o País da lógica petista de tudo submeter ao simples cálculo eleitoral. Afinal, governar é mais do que contar votos. Exige responsabilidade.

Inflação, gastança, pilhagem e desajuste - ROLF KUNTZ

ESTADÃO - 08/11

Inflação, como peçonha de cobra, pode ser solução, se usada na hora certa e em doses muito controladas – algo muito diferente dos quase 10% de alta de preços ao consumidor, no Brasil, nos últimos 12 meses. Em janeiro de 1926, há quase 90 anos, John Maynard Keynes aconselhou o governo francês a provocar um aumento dos preços internos – defasados em relação aos internacionais – para consertar as finanças públicas. Seria uma saída mais fácil e mais defensável do que aumentar os impostos ou cortar, de forma arbitrária, os juros da dívida. Isso seria um calote, só recomendável em último caso. Para normalizar a economia, estimular a demanda e alguma inflação têm sido parte da política, nos últimos anos, em países administrados seriamente. Bancos centrais dos Estados Unidos, da Europa e do Japão afrouxaram as políticas monetárias. A inflação continua muito baixa. Apesar disso, a economia dos Estados Unidos, segundo novas estimativas, deve crescer 2,6% este ano e 2,8% no próximo. Na União Europeia, onde os efeitos da crise financeira se dissipam mais lentamente, as taxas projetadas são 1,9% em 2015 e 2% em 2016. Para o Japão, os cálculos indicam 0,7% e 1,1%, de acordo com tabela divulgada na quinta-feira pela Comissão Europeia.

Podem parecer números modestos, mas são muito melhores que os estimados para o Brasil, onde a inflação disparada se combina com recessão, contas públicas esfrangalhadas e nenhuma perspectiva de arrumação fiscal no próximos 12 ou 24 meses. A menos de dois meses do fim do ano, há poucas certezas sobre 2016 e são todas, ou quase todas, muito ruins. Os preços continuarão subindo velozmente, apesar do desemprego alto e do baixo nível de atividade, a recessão se prolongará e as finanças do governo permanecerão desarranjadas. As últimas projeções indicam para este ano uma contração econômica de 3% ou pouco mais e um novo número negativo em 2016. As novas estimativas têm variado entre -1,2% e -3%.

Quase no fim do ano, os ministros econômicos se mostram incapazes de prever com razoável aproximação o saldo fiscal de 2015. Parece mais seguro apostar num déficit igual ou superior a R$ 110 bilhões nas contas primárias, isto é, sem os juros, mas a única certeza é um amplo resultado negativo. As projeções para 2016 continuam muito vagas, principalmente porque ninguém sabe direito de onde virá a receita.

Oficialmente o governo ainda espera a recriação do imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Pelas contas do governo, isso deveria render mais de R$ 30 bilhões, porém a aprovação do projeto continua incerta. Mas R$ 39 bilhões adicionais poderão resultar da venda de ativos da União, segundo o senador Acir Gurgacz (PDT-RO), relator da parte da receita da proposta orçamentária. A previsão inclui a venda de imóveis e a licitação de hidrelétricas, portos e aeroportos.

Ninguém deveria, no entanto, confundir a liquidação de bens e direitos com o indispensável ajuste das contas públicas. Dinheiro coletado dessa forma pode servir para fechar as contas do ano, ou até de alguns anos, mas consertar as finanças do governo é outra história. Vender a prataria da casa ou a própria casa pode ser a saída numa emergência, e nada além disso. Ordenar e disciplinar o orçamento da família envolvem outras medidas. É também o caso das contas públicas.

A incerteza fiscal, disse na quinta-feira o diretor de Política Econômica do Banco Central, Altamir Lopes, aumenta a insegurança quanto à evolução dos preços. Esse foi um fator importante, segundo ele, para a decisão de adiar de 2016 para 2017 o compromisso de atingir a meta oficial de 4,5%.

Mas a insegurança fiscal envolve, de fato, muito mais que as contas de 2016. Para cuidar seriamente do problema será preciso racionalizar a despesa, escolhendo bem as prioridades e tornando o dispêndio mais eficiente. Será necessário eliminar as vinculações para diminuir a rigidez orçamentária. Isso envolverá mudanças na Constituição. Ainda assim, deve ser possível gastar melhor mesmo enquanto as vinculações permanecem.

A reforma da Previdência deve ser parte da racionalização. Corrigir os benefícios com base na inflação, em vez de amarrá-los ao salário mínimo, foi uma sugestão apresentada há poucos dias pelo secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría.

Também será importante mexer na máquina de governo. Nada justifica manter 23 mil cargos de confiança, sujeitos à indicação política. A presidente prometeu cortar 3 mil, número insignificante, mas acabou recuando. Pode-se discutir o alcance da redução, mas convém observar grandes economias, como a britânica e a americana, com menor número de cargos desse tipo e administrações mais profissionalizadas.

Mas será preciso ir mais longe na reforma, definindo carreiras, fixando padrões de qualidade e de produtividade e reduzindo a influência partidária – e até do governo – na conformação e na operação da burocracia. Agências reguladoras independentes e um BC autônomo, condições sempre recusadas pela presidente Dilma Rousseff e por seu partido, podem melhorar muito a gestão federal, a definição e a execução de políticas e o funcionamento de serviços de utilidade pública. Seria tolice acreditar no fim da corrupção, mas uma administração menos sujeita a loteamento e agências conduzidas com padrões mais profissionais tornariam mais difícil o assalto ao Estado e mais produtivo o setor público.

O saque da Petrobrás – e de outras estatais – foi amplamente facilitado pela apropriação partidária da administração federal e pela distribuição de cargos a companheiros e aliados. A Operação Lava Jato, o evento mais animador da política brasileira em muitos anos, é um complemento precioso de qualquer curso sério de administração. Estudos recentes sobre o compadrio e sobre as políticas de financiamento são igualmente instrutivos. Inépcia, favorecimento, gastança, corrupção, crise fiscal e inflação elevada e persistente podem ser aspectos da mesma história – e são, com certeza, no caso brasileiro. O verdadeiro ajuste vai muito além da correção de algumas contas.

A culpa não é da Lava Jato - SAMUEL PESSÔA

Folha de SP

A dívida líquida da Petrobras é 4,8 vezes maior do que lucro antes do pagamento de juros, impostos, depreciação e amortização (indicador conhecido como "lajida").

As empresas do mesmo subsetor da Petrobras —empresas integradas do setor de petróleo e gás— têm em média dívidas como proporção do lajida com um terço do tamanho (1,7, ante 4,8).

Se não houvesse a Operação Lava Jato, a Petrobras estaria passando pelas mesmas dificuldades. Elas decorrem do enorme endividamento. Este, por sua vez, resulta das decisões tomadas desde 2003 —construção de inúmeras refinarias que até o momento geraram perdas de R$ 50 bilhões, controle dos preços da gasolina que geraram perdas de R$ 60 bilhões, alteração do marco regulatório do petróleo etc.

A Lava Jato identificou perdas por propina da ordem de R$ 6 bilhões. Não pode explicar os problemas da empresa.

Inúmeras empresas fornecedoras da Petrobras passam por enormes dificuldades, pois a estatal tem atrasado os pagamentos. A Lava Jato não tem responsabilidade nesses atrasos.

Os muitos estaleiros que foram implantados ou expandidos em razão do Promef (Programa de Modernização e Expansão da Frota) estão passando por problemas, pois a Transpetro, subsidiária da Petrobras, não tem recursos para adquirir eternamente navios pelo dobro do preço do mercado internacional, bem como o BNDES não tem recursos para continuar a financiar eternamente a Transpetro. A Lava Jato não é responsável pela exaustão financeira do Promef.

As construtoras do programa Minha Casa, Minha Vida têm passado por dificuldades, pois o programa foi desenhado para sobreviver com vultosos subsídios do Tesouro. A situação do Tesouro compromete o programa. Novamente a culpa não é da Operação Lava Jato.

A nova matriz econômica foi desenhada supondo que a capacidade de financiamento do Tesouro e do BNDES fosse ilimitada. A fonte secou. Basta verificar que as universidades que tinham seu plano de negócios baseado no fundo de financiamento estudantil, Fies, passam por dificuldades análogas às dificuldades do setor de construção civil.

Assim como o 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do governo Geisel esgotou-se quando as fontes de financiamento esgotaram, o mesmo ocorre hoje com inúmeros projetos ligados ao setor de construção civil.

A Operação Lava Jato apenas ocorreu simultaneamente a esse esgotamento. No entanto, não há causalidade entre os problemas do setor de construção civil e a Operação Lava Jato. A causa é o total esgotamento da capacidade de financiamento do setor público —via Tesouro, bancos púbicos ou empresas estatais— para manter planos de investimentos megalomaníacos e mal executados.

A Lava Jato contribui para piorar o ambiente político e, consequentemente, para dificultar a aprovação das medidas do ajuste fiscal. É somente nesse sentido indireto que a operação piora o desempenho da economia. O impacto direto que ela tem sobre a atividade econômica é desprezível.

Alertar é preciso! - RÔMULO BINI PEREIRA

ESTADÃO - 08/11

“A farda não abafa o cidadão no peito do soldado!”, General Osório

Vem sendo veiculada com frequência pela mídia a afirmação de que “as instituições de nosso país estão consolidadas e funcionando corretamente”. E está sempre presente em debates de TV, artigos e reportagens porque é dita ou escrita num contexto de temas sobre o grave e vergonhoso momento por que passa o País. Trata-se de verdadeiro paradoxo, pois, se consolidadas e funcionando corretamente, a Nação não estaria convivendo com o que tem sido considerado o pior período da História nacional, em que se nota visível e crescente decadência moral e ética no campo interno e preocupante descrença externa quanto ao futuro do Brasil.

Talvez a afirmativa seja uma advertência para possíveis atitudes extremas e aventureiras, como golpes e intervenções de qualquer natureza. Entretanto, o estudo das instituições quanto ao seu funcionamento e à sua consolidação carece de uma análise de respostas. Para quem e para que funcionam? Estão realmente consolidadas?

No campo militar – razão maior deste artigo –, os chefes militares vêm sendo questionados por líderes políticos, empresariais, religiosos, sociais e outros segmentos da sociedade civil. Querem saber qual a posição das Forças Armadas caso ocorra uma grave crise institucional e que soluções teriam para impedir que ela instale o caos no País. Não são “vivandeiras de quartel”, mas, sim, personalidades que consideram as Forças Armadas um verdadeiro esteio do regime democrático a ser preservado no Brasil.

Sem exceção, os chefes militares insistem que a solução deve vir das lideranças civis e estar consoante com os princípios constitucionais. Tal atitude vem sendo adotada desde o início dos governos da Nova República. Nestas mais de três décadas, elas acompanharam a vida política do País sem nenhuma interferência no processo institucional. Cumpriram e cumprem ainda um papel imprescindível.

Em todos estes anos as Forças Armadas ouviram em silêncio críticas, ofensas e inverdades de toda ordem. Ainda hoje, atribuir ao regime militar todos os males que afligem o povo brasileiro é praxe constante. Foi essa atitude crônica e repetitiva das esquerdas brasileiras que contribuiu para que contraíssem uma doença mental diagnosticada como esquerdopatia.

Recentemente os costumeiros esquerdopatas voltaram a se manifestar. Um general de quatro estrelas, integrante do Alto-Comando do Exército, altamente conceituado na Força, de moral e integridade inatacáveis, enumerou e analisou possíveis cenários que poderiam concretizar-se em curto prazo no País. Um estudo de Estado-Maior, oportuno e de veracidade inquestionável, apresentado a jovens militares em ambiente reservado. Com sua análise o general cumpriu um dos maiores deveres que o chefe militar tem obrigação de cumprir: o de manter seus comandados bem informados, principalmente nestas horas de total escuridão, desacertos, mentiras e degeneração política e moral do País. Em nenhum momento de seu estudo e de sua apresentação foi observada qualquer proposta concreta ou uma simples sugestão com o objetivo de intervenção nos Poderes constituídos.

No último cenário apresentado, o general, com muita propriedade, alertou que o agravamento de uma crise institucional poderia conduzir o País a uma caótica conjuntura; nesse caso as Forças Armadas teriam de ser empenhadas e, por isso, deveriam estar adestradas.

Foi o bastante para que esquerdopatas de plantão, a maioria conhecida por seu ranço ideológico e aversão aos militares, considerassem sua análise como uma real proposta de golpe militar. Deveriam, sim, ler com mais atenção os artigos 136, 137 e 142 da Carta Magna, pois neles estão previstas as atribuições de diversos órgãos públicos caso uma grave instabilidade institucional ocorra.

Não serão nossas frágeis e desacreditadas instituições que atuarão, mas, indubitavelmente, as Forças Armadas, que para tal missão devem estar preparadas. É bom lembrar palavras de Barack Obama em saudação a militares dos EUA: “O que mantém o nosso sistema democrático são as nossas Forças Armadas”. No Brasil, uma declaração desse teor é impossível. Os esquerdopatas considerariam um incentivo à intervenção militar.

O general foi exonerado do comando, por orientação ministerial, por ter feito críticas à incompetência, má gestão e corrupção do Poder Executivo. O ministro da Defesa, de formação comunista e no presente um “democrata”, bem que poderia, com essa evolução de princípios políticos, orientar os integrantes de seu partido (PCdoB). Este, sim, um partido que apoia e defende organizações e falsos movimentos sociais que ainda pregam a derrubada de regimes democráticos “adolescentes”, até se necessário com o uso da força. Tal qual o PT, também segue a cartilha do Foro de São Paulo. Seus intelectuais gramscistas e ideólogos esquerdopatas sabem que as Forças Armadas brasileiras são a instituição que precisa ser denegrida ou cooptada para a instalação de um regime espúrio e bolivariano no País. Este silêncio agora imposto aos militares da ativa se enquadra nesse propósito. Segundo o Foro, os militares são seres amorfos, sem personalidade, desprovidos de inteligência, alienados e cidadãos de segunda classe, que não poderão manifestar suas inconformidades com o atual estado de calamidade política, econômica e social do País.

Felizmente, existe a esperança de que os estudos de Estado-Maior sobre a realidade brasileira, idênticos ao do general agora exonerado, continuem a ser realizados, como uma sólida armadura contra os que desejam regimes espúrios e esdrúxulos para o Brasil. Que sejam um alerta à sociedade brasileira quanto ao crítico estado de iminente ingovernabilidade do País.

Por outro lado, vê-se com imensa decepção e tristeza a incapacidade de nossas lideranças políticas de gerir os destinos e interesses da brava Nação brasileira. Para elas, os seus interesses – individuais e de seus grupos – são prioritários e estão acima dos anseios do povo. Por isso, alertar é preciso!

*General de Exército R/1, foi chefe do Estado-Maior do Ministério da Defesa

Retrato da corrupção - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 08/11

Um relatório da auditoria interna da Petrobras feita este ano mostra como a corrupção e a má gestão se misturam e provocam prejuízos continuados. Ao analisar o caso de quatro sondas foi constatado tudo que tem sido mostrado na Lava-Jato, a mesma sucessão de decisões suspeitas. Uma dessas sondas está ociosa, ao custo de US$ 500 mil ao dia.

Os eventos se passaram no período em que a diretoria internacional foi comandada por Nestor Cerveró e Jorge Luiz Zelada. O que foi analisado neste documento, do qual esta coluna tem cópia, foram os navios-sondas Petrobras 10000, Vitoria 10000, Pride/Ensco DS-5 e Titanium Explorer. Em todos houve sobrepreços, cláusulas inexplicáveis de aumento do que estava contratado, decisões tomadas por poucas pessoas, quebra dos princípios da própria empresa e presença dos lobistas da Lava-Jato em negociações.

A primeira conclusão da auditoria é que não havia necessidade de contratar ou construir as sondas. A decisão foi tomada naquele oba-oba do “nunca antes” sem ver os custos, sem respeitar os pareceres técnicos.

O cenário que se acreditava era o de que a empresa iria adquirir quatro novos blocos por ano. O estudo inicial foi feito em 2005; a contratação, em 2008 e 2009. “Estimou-se a necessidade de pelo menos 2 sondas nos cinco anos seguintes e de pelo menos 6 em 10 anos sem base técnica, mas passando a ideia de perda de oportunidade”. Este mesmo estudo, feito sem base, foi usado para decidir construir o Petrobras 10000 e o Vitoria 10000 e para contratar, sem licitação, o navio-sonda DS-5. Este foi cedido a outras empresas duas vezes e está ocioso desde março. Já o Titanium foi contratado em janeiro de 2009, com o mercado financeiro parado pela crise. Além disso, contrariava o parecer técnico, que apontava a necessidade de outro equipamento.

As propostas foram recebidas e os memorandos assinados sem que a diretoria executiva fosse consultada, “revelando a elevada autonomia detida pela área internacional”. Não houve “processos competitivos para a seleção de propostas” e a decisão, no caso da Titanium, ficou restrita a três pessoas: o diretor, o gerente-geral e o gerente executivo.

Logo depois de fechado o negócio houve um reajuste de 3% na construção do Petrobras 10000 e do Vitoria 10000. No final de um ano o acréscimo ao preço já era de 5%, ou US$ 31 milhões. Isso sem falar que o valor inicial tinha sido superestimado em US$ 11 milhões. A cláusula cambial, que era a variação entre o dólar americano e a coroa norueguesa, representou mais um aumento do preço em US$ 11,4 milhões. A Schahin foi contratada para ser operadora do Vitoria 10000 sob o argumento de que era “detentora dos melhores índices operacionais”. Não era verdade. Na época a Schahin tinha apenas um navio-sonda com bons índices. Os bônus de performance chegavam a 17%, muito acima do mercado. “A demora em concretizar a negociação com a Schahin para a vinda do Vitoria 10000 para o Brasil implicou em um custo de aproximadamente US$ 126 milhões”. Depois de um tempo a Schahin deixou de honrar os pagamentos do leasing, mas pediu e recebeu bônus antecipadamente.

No contrato do DS-5, o sobrepreço chegou a US$ 118 milhões. Como ele está ocioso desde março, pela soma das diárias, a Petrobras perdeu mais US$ 120 milhões nesse período.

O documento é estarrecedor, porque ele foca nos negócios com essas quatro sondas e vai dissecando o desmazelo da gestão e como o preço vai sendo inchado a cada decisão insensata. Isso sem falar na promiscuidade com lobistas hoje investigados ou condenados no mensalão. Eles faziam reunião na empresa. Em uma delas estavam Cerveró, Julio Camargo, Fernando Soares, a Mitsui e a Samsung.

A auditoria encerrada em maio de 2015 recomendava tentar reaver valores pagos a mais na construção dos dois navios-sondas, renegociar os contratos dos outros dois e, dependendo do que for descoberto sobre a participação de lobistas, romper o contrato. É apenas uma auditoria, mas é reveladora do poder corrosivo da corrupção dentro da maior empresa do Brasil.

A Petrobras explicou, em nota, que a DS-5 está na carteira de “negociação/readequação". O contrato da Titanium foi extinto em 1º de setembro, por “descumprimento de cláusulas contratuais".


De Amador.Aguiar@com para J.Levy@gov - ELIO GASPARI

O GLOBO - 08/11

Estimado ministro,

O senhor foi o primeiro funcionário do Bradesco a se tornar ministro da Fazenda. Para o banco que fundei, isso é uma honra e, ao mesmo tempo, um risco. Não trabalhamos juntos. O senhor formou-se na Universidade de Chicago. Eu, em lugar nenhum.

Resolvi escrever-lhe por causa do contratempo que a Receita Federal, sob sua jurisdição, criou para os clientes com o cadastro dos empregados domésticos. Veja que eu uso a palavra clientes, pois os cidadãos pagam impostos para receber serviços. Chamando-os de contribuintes, falsificamos a essência da relação. Contribuinte é quem deixa dinheiro numa caixa de igreja. No banco, o senhor sabe, cobramos taxas em troca de serviços. O cliente é obrigado a pagá-las, e nós somos obrigados a servi-lo.

Em 1943, quando fundei o Bradesco, o brasileiro achava que entrar em banco era coisa de rico. Passei a receber contas de luz, abri agências em cidades que não tinham energia elétrica. A mesa do gerente deveria ficar perto da porta de entrada. Nossos funcionários ensinavam a clientela a preencher cheques. Um dos nossos bancários foi escolhido para a dirigir uma agência e, com a mulher, passou o fim de semana limpando os balcões e o chão. Ele viria a se tornar presidente do banco. Em apenas oito anos, o Bradesco tornou-se o maior do país.

No domingo passado (1º), ficou claro que o sistema do cadastro não funcionava. Eu sei o que é isso porque o Bradesco foi o primeiro banco brasileiro a usar computador. O senhor e o secretário da Receita não disseram uma palavra. Pareciam aqueles paulistas quatrocentões que competiam comigo.

Passaram-se o domingo e a segunda-feira. Nada. Na terça-feira (3), a Receita avisou que não prorrogaria o prazo para a regularização do cadastro: "Não trabalhamos com essa hipótese". O senhor foi a dois eventos e continuou calado.

Só na tarde de quarta-feira (4), a 72 horas do limite dado aos clientes para se cadastrarem sem multa, o senhor e a Receita fizeram o que deveriam ter feito na segunda. Não ouviram os clientes, mas ouviram a patroa e estenderam o prazo.

O senhor sabe como eu reagiria se, durante quatro dias, uma agência do Bradesco estivesse com uma máquina quebrada, uma enorme fila de clientes na sua porta e o gerente nada tivesse a dizer. Se a confusão do cadastro da criadagem tivesse acontecido no Bradesco, eu teria dispensado seus valiosos serviços.

Atenciosamente,
Amador Aguiar


HAJA CONTROLE

Em 2010, Alexandra Mendes Marcondes, mulher do secretário de Governo do município do Rio de Janeiro, Pedro Paulo Carvalho, foi a uma delegacia e apresentou queixa contra ele por tê-la espancado, quebrando-lhe um dente.

O doutor é o herdeiro presuntivo do prefeito Eduardo Paes para a eleição do ano que vem. Em cinco anos, a polícia não se deu ao trabalho de ouvi-lo. Num depoimento posterior, Alexandra disse que inventou a história e retirou a acusação, apesar de existir um laudo do Instituto Médico Legal.

Na semana passada, Pedro Paulo confirmou o episódio, que atribuiu a um "episódio de descontrole nosso". Ou usou o plural majestático, ou seria um caso em que mulher se descontrola e leva uma surra. Estranho descontrole o do doutor. Ele bateu na mulher porque ela havia encontrado fios de cabelos compridos num ralo do banheiro e um sutiã alheio na cozinha.

O descontrole pessoal de Pedro Paulo é apenas um aspecto individual do problema. Há outro, e nele entra mais gente. A denúncia de uma surra numa mulher fica cinco anos parada na polícia e o agressor, uma autoridade pública, passa todo esse tempo fugindo do assunto. Isso não é coisa de descontrolado. Ao contrário, é coisa de quem tem muito controle e sabe exercê-lo, inclusive sobre os outros.

Ao reconhecer o espancamento, o doutor disse: "Aprendi muito com isso". Aprendeu a dizer a verdade depois de cinco anos.

A candidatura de Pedro Paulo à Prefeitura do Rio está a caminho do ralo, mas ele continua como secretário de Governo do doutor Eduardo Paes, que talvez não soubesse de nada.


TROPA DE CHOQUE

O Bope do deputado Eduardo Cunha mostrou ao plenário da Câmara que tem um banco de dados onde estão dissecadas as doações recebidas por deputados e, sobretudo, a contabilidade dos seus gastos com dinheiro público.

Cada deputado tem direito a até R$ 45 mil mensais livres de impostos para gastos com passagens, moradia, gasolina, aluguel de carros e de escritórios ou mesmo almoços e jantares. Já houve caso de cobrança de despesa com um regabofe em motel.

A PETROMÃE

Coisas da Petrobras: Em 1996, Ishikawajima resolveu sair do Brasil e passou adiante seu estaleiro do Rio por uma quantia simbólica. Nele, estava o maior dique seco do país.

Anos depois, ele foi vendido por algo em torno de R$ 200 milhões, para serem pagos em 12 anos, com prestações pouco superiores a R$ 1 milhão mensais. Em 2006, parte do estaleiro foi arrendado pela Petrobras, que passou a pagar R$ 4 milhões mensais por vinte anos.

Em 2012, a Petrobras licitou a construção, no estaleiro, de quatro unidades marítimas para produzir petróleo, e a encomenda foi para um consórcio das empreiteiras Odebrecht, OAS e UTC. Um contrato de US$ 2,7 bilhões. Três unidades foram para a China.

A quarta deveria ser entregue em 2014. Se tudo der certo, fica pronta em maio de 2016.

A PAZ DE WAGNER

O chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, está costurando em silêncio um processo de pacificação interna, dentro do governo, e externa, conversando com um pedaço da oposição.

Melhoraram as coisas, porque há pouco tempo um ministro do Planalto procurou Fernando Henrique Cardoso e disse que era preciso conversar.

Com quem?

Com o senador Humberto Costa, respondeu o ministro.


MORO PODERIA ACALMAR AS BRIGAS DA ZELOTES

Eremildo é um idiota e surpreendeu-se com as encrencas surgidas no Judiciário em torno da Operação Zelotes.

Ricardo Leite, o primeiro juiz que cuidou do caso, foi afastado em julho. Ele substituía o titular, lotado num gabinete do Superior Tribunal de Justiça, e seu trabalho foi criticado pelo Ministério Público. Ofendido, apresentou uma queixa-crime contra um procurador. No troco, dois procuradores entraram com um pedido para que Leite seja mantido longe da Operação.

Em setembro, a Zelotes foi para a mesa da juíza Célia Bernardes, que chegou com a faca nos dentes, botou dois grão-senhores na cadeia e autorizou uma diligência de busca e apreensão no escritório do filho de Lula.

O desencontro entre o magistrado e os procuradores começou em abril. Durante todo esse tempo (seis meses), o titular da Vara, doutor Vallisney de Souza Oliveira, continuou no STJ. Na semana passada, ele decidiu reassumir seu gabinete, e Célia Bernardes foi afastada.

Como Eremildo acompanha os trabalhos da Lava Jato e viu que em Curitiba trabalha-se em relativa harmonia, pensou em pedir ao juiz Sergio Moro uma avaliação do que está acontecendo em Brasília.

Acerta com os bispos - NATUZA NERY - COLUNA PAINEL

FOLHA DE SP - 08/11

É cada vez mais pessimista a avaliação do governo sobre o cenário econômico de 2016. Com receio de começar o segundo ano de mandato em situação ainda pior que a atual, a presidente Dilma Rousseff determinou à equipe que jogue todas as fichas para limpar 2015. A ordem é reduzir a margem de ataque ao Executivo via política fiscal. Por isso a decisão de enviar antes do prazo a defesa das pedaladas ao Congresso. O Planalto aposta que o Legislativo aprove suas contas com ressalvas.

Sem controle 

“Se esse negócio der errado, ficará muito difícil”, afirma um ministro de Estado.

Aliado 
A proposta de Nelson Barbosa (Planejamento) de criar bandas para o superavit primário está ganhando adeptos na Esplanada.

Cárcere privado 
A simpatia pela ideia cresceu após ameaças do PMDB e da oposição de não votar a nova meta este ano, o que levaria o governo a descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. “Não podemos ficar reféns no ano que vem”, avalia um influente assessor de Dilma.

Juízo final 
Há a possibilidade de Sergio Moro sentenciar todos os empreiteiros da Lava Jato ainda este ano. Investigadores avaliam que, pela movimentação recente do juiz, a decisão sobre o destino dos empresários pode vir em breve.

Tristeza 
Com a proximidade das festas de fim de ano, os presos da Lava Jato começam a dar sinais de tristeza. “Bate um banzo na custódia”, repara um investigador.

Férias 
Até porque, diz, muito pouca coisa deve andar com o recesso do Judiciário entre os meses de janeiro e fevereiro do próximo ano. A chance de sair da prisão, portanto, fica bem menor.

Lamento 
Quando chegou à carceragem da Polícia Federal em Curitiba, Marcelo Odebrecht fez uma reclamação que surpreendeu os agentes do centro de custódia.

Pelo ralo 
Logo que entrou em sua cela, o empreiteiro denunciado pela Lava Jato sob suspeita de corrupção se queixou de que a água da torneira não parava de pingar.

Oi? 
Em seguida, disparou, para espanto geral de quem o acompanhava: “Isso é desperdício de dinheiro público”, disse Marcelo, conforme relatos registrados na ocasião.

A toque de caixa 
Guilherme Mussi (PP-SP) vai concluir o relatório sobre a legalização dos jogos de azar em, no máximo, três meses. O deputado diz que “o jogo existe de qualquer maneira no Brasil”, mas, se continuar ilegal, deixa-se aberto o “caminho para lavagem de dinheiro”.

Uma coisa 
Na lista de empreendimentos que esperam a legalização está o Sofitel Jequitimar Guarujá, do Grupo Silvio Santos. Quando foi comprado, em 1997, dizia-se que a intenção de Silvio Santos –de quem Mussi é genro– era instituir um cassino no prédio.

Viva Las Vegas 
Como a liberação do jogo ainda não ocorreu, o hotel mantém a tradição de, na alta temporada, oferecer aos hóspedes o que chama de “cassinos fictícios”, com direito a mesas profissionais de pôquer, mas sem apostas em dinheiro.

Silêncio 
O Grupo Silvio Santos diz “desconhecer os assuntos” discutidos no Congresso e que, “enquanto não houver nada legalizado, não se pronunciará”.

Outra coisa 
Questionado sobre um possível conflito de interesse por relatar uma proposta que interessaria ao grupo empresarial do sogro, Mussi diz que, “se olhar por esse aspecto, teria de mudar de profissão”. “Integro a comissão que discute o novo Código de Mineração e meu pai tem 45 empresas de mineração.”

Adicional 
Ao saber que João Doria Jr. só dorme três horas por dia, Geraldo Alckmin o apelidou de “hora extra”.


TIROTEIO

Picciani tem frequentado tanto o Planalto que parece estar aprendendo a fazer política com Dilma. É uma trapalhada atrás da outra.

DO DEPUTADO PAULO PEREIRA DA SILVA (SD-SP), aliado de Eduardo Cunha, sobre o encontro do líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), com a presidente.


CONTRAPONTO

Nem morto

Em uma viagem à Itália nos tempos de Lula, Dilma sai para jantar com colegas de Esplanada. Depois de todos os convivas serem devidamente atendidos, o garçom passa de prato em prato oferecendo queijo parmesão. Serviu a todos, mas pulou a ministra, que comia uma massa com frutos do mar.
–Eu também quero queijo! –reclamou Dilma, contrariada.
–Queijo com frutos do mar, não. Só sob meu cadáver! –disse o funcionário, rispidamente.
A partir dali, o garçom italiano que enfrentou a gerente durona do governo tornou-se o herói da viagem.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

LAVA JATO: 70% DO CONGRESSO TEMEM CASSAÇÃO
A informação atribuída ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, de que “o pior está por vir”, deixou ainda mais tenso o ambiente no Congresso, apreensivo com os inquéritos que investigam o envolvimento de parlamentares no escândalo. O senador João Capiberibe (PSB-AP), um dos poucos que não parecem preocupados, avalia que o escândalo deve atingir 70% do Congresso.

RENOVAÇÃO AMPLA
A expectativa, no Supremo, é de que as condenações na Lava Jato devem promover uma renovação nunca vista na política nacional.

LONGO CAMINHO
Apesar da gravidade da Lava Jato, será necessária muita paciência: o caso levará anos para ser julgado. No mensalão, foram oito anos.

SENTENÇA POSTERGADA
Há ainda uma regra de autoproteção dos políticos: não basta o STF cassar mandatos, é preciso o Congresso concordar com a sentença.

MUDANÇA GERAL
João Capiberibe é realista: “Não podemos eliminar todos, mas precisamos mudar todo o sistema”. Falta definir quem vai mudar o quê.

OPOSIÇÃO MARCA DATA PARA ABRIR IMPEACHMENT
A oposição tem se reunido secretamente com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para tentar redirecionar o desgaste provocado pela Lava Jato. Na última semana houve ao menos dois encontros. Cunha foi cobrado pela inércia sobre as acusações de que é alvo e pelo travamento do processo de impeachment de Dilma, que, pelo cronograma dos opositores, deve ser aceito dia 17 de dezembro.

QUEM CONSPIRA
Representantes do SD, PSDB, PSC, PPS e DEM participam dos encontros com Cunha e, por ora, dão sustentação ao peemedebista.

NA OUTRA PONTA
Interlocutores do líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), dizem que ele tem apoio do Planalto na sucessão de Cunha. Puro papo.

CONTAS SUÍÇAS
Prioritariamente Cunha tenta evitar perder o mandato. Acusações como evasão de divisas e sonegação fiscal são problemas “secundários”.

RELATOR SEM VOTOS
Por pouco Fausto Pinato (PRB-SP) não fica de fora da Câmara. Com apenas 22 mil votos, o relator do caso Eduardo Cunha não seria eleito em nenhum dos estados. Foi puxado por Celso Russomanno.

ALOPRADO
Houve reação até no PT ao pedido de Carlos Zarattini (PT-SP), líder da bancada do Bené na CPI do BNDES, para convocar Marcelo Limírio Filho, sogro de Alexandre Baldy (PSDB-GO) e sócio da Hypermarcas.

CALCULADORA
De acordo com as contas de um parlamentar aliado do presidente da Câmara, que se reuniu com ele, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) conta, seguramente, com ao menos sete votos no Conselho de Ética.

FICO
Gabriel Chalita (PMDB), secretário de Educação do prefeito Fernando Haddad (PT), tem resistido aos assédios do PR. Ele garante que vai ficar no PMDB ainda que tenha que disputar contra o chefe petista.

PROPOSTA INDECENTE
O presidente nacional do PPS, Roberto Freire (SP), não poupa crítica ao projeto de repatriação. “No país da corrupção, o governo quer a indecência de repatriar os recursos a qualquer custo”, garante.

SÓ ALEGRIA
O PT adorou a “calmaria” que tomou conta do Senado. Os petistas Gleisi Hoffmann (PR), Lindbergh Faria (RJ), Delcídio do Amaral (MS) e Humberto Costa (PE) foram citados em delações da Lava Jato.

BLOCO NA RUA
Aécio Neves decidiu colocar o pé na estrada: desembarcou na Bahia para “conversar com correligionários”. Tudo para neutralizar a tentativa do tucano Geraldo Alckmin de se candidatar à Presidência, em 2018.

PIZZA, NÃO
O deputado Antonio Imbassahy (PSDB-BA) discorda que a CPI da Petrobras tenha terminado em pizza: “O relatório foi ridículo, mas descobrimos figuras importantes como João Vaccari e Pedro Barusco”.

PERGUNTA NA ARTICULAÇÃO
Se Eduardo Cunha é simultaneamente o maior aliado e pior inimigo de Dilma na Câmara, no Senado só existem “aliados”?