REVISTA VEJA
Apesar da solidez dos fatos, o PT seguirá tentando criar atrito
A decisão do Tribunal Federal da 4ª Região não deixou margem a qualquer dúvida razoável sobre a culpa que levou o juiz Sergio Moro a condenar Luiz Inácio da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Falou sobre isso de modo eloquente o aumento da pena em dois anos e sete meses. Ainda assim, para a serenidade dos ânimos no país não há solução boa, tal a dimensão do que Lula resolveu criar para o Brasil.
Condenado por unanimidade em segunda instância, réu em mais meia dúzia de processos, o ex-presidente seguirá importunando o país. Perturbação cujo único objetivo é sustentar a ideia de que o PT vive e continuará sobrevivendo como se não carregasse o peso da decadência decorrente do desvio em que enveredou o partido.
Desde que se iniciou a queda da máscara ética e politicamente renovadora sob a qual atuou o PT até a conquista da Presidência da República, os petistas tiveram várias oportunidades de se reinventar mediante franca autocrítica, a fim de levar a legenda de volta aos compromissos originais firmados há quase três décadas. As sugestões nesse sentido foram rechaçadas. O partido escolheu a beligerância; briga com os fatos e agride a institucionalidade sem se importar com os danos imputados à sociedade e os riscos à estabilidade institucional.
Os votos dos desembargadores foram de uma clareza absoluta. No conteúdo, pela exposição didática da consistência dos autos em que se baseou o juiz Sergio Moro para decidir pela condenação do ex-presidente, com o relato minucioso das provas dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Na forma, pelo uso por parte dos magistrados de uma linguagem bastante mais acessível à percepção dos cidadãos que aquela, hermética, adotada no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Contrariamente ao que o PT pretende fazer crer quando reivindica para Lula lugar de honra no altar dos inimputáveis devido à importância política e social dele, os desembargadores afirmaram que a relevância do personagem serve como agravante para a punição da conduta ilícita. Em miúdos: quanto mais alta a posição, maior a responsabilidade em todos os aspectos da função pública e da condução na vida pessoal.
A despeito da realidade límpida e inquestionável, o PT não vai se render a ela. Inclusive porque, embora preferisse uma decisão por 2 a 1, a sentença unânime não foi uma surpresa para o partido. Fosse esperado outro resultado, seus dirigentes não teriam se dedicado nos últimos dias com tanto afinco a adotar posições de conflito e tentar incutir medo pela via da intimidação geral. A arenga do atrito, portanto, vai continuar.
A boa notícia é que resultará em nada. Não terá respaldo da opinião pública nem servirá para conquistar adeptos mesmo entre os ditos partidos de esquerda, que, de resto, já tratam de anunciar candidaturas à Presidência, num claro sinal de que a solidariedade a Lula tem limite.
Quanto às ameaças de que as ruas iriam à luta por Lula, é o caso de lembrar Assis Valente no antigo samba: anunciaram e garantiram, mas o mundo não se acabou.
quinta-feira, janeiro 25, 2018
No exterior, julgamento de Lula atrai idiotas úteis MATIAS SPEKTOR
FOLHA DE SP - 25/01
Vladimir Lênin (1870-1924) chamava de "idiota útil" o cidadão de uma democracia liberal que se deixava enganar pela propaganda do regime soviético. Comprando os argumentos do Kremlin, o idiota útil dava à Moscou um verniz de legitimidade.
Em pleno século 21, o fenômeno do idiota útil continua vivo. No Brasil, sua expressão à direita é o "bolsominion", cuja simpatia pelo deputado o faz ignorar o uso indevido do auxílio-moradia. No centro e à esquerda, é o cidadão impermeável às evidências sobre os abusos cometidos por PT e PSDB durante 20 anos no poder.
A cabala de idiotas úteis sempre teve tração no exterior. À esquerda, seu expoente mais sofisticado é Perry Anderson, liderança intelectual há muitas décadas. Em dois longos artigos publicados na respeitável "London Review of Books", em 2011 e 2016, Anderson embalou as teses petistas a respeito do mensalão e da Lava Jato para um leitorado estrangeiro. Segundo a versão dos fatos ali apresentada, Luiz Inácio Lula da Silva teria despertado a raiva das elites arcaicas do Brasil devido à sua agenda reformista. Os representantes do atraso, assustados, teriam lançado uma ofensiva jurídica injusta contra o ex-presidente. A ilegalidade verdadeira não teria sido cometida pelo grupo do poder, mas pelos supostos "justiceiros" da linhagem do juiz Sergio Moro.
Essa linha ganhou força nos últimos dias. Geoffrey Robertson, jurista renomado, assistiu ao voto do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e sentenciou: "Lula está sendo perseguido e não processado". O problema, afirmou, está com Moro, um "egomaníaco". Em Washington, 12 deputados democratas assinaram um texto denunciando um suposto complô para tirar Lula da corrida presidencial por meio de um tribunal de exceção.
Nas páginas do jornal "New York Times", Mark Weisbrot ensaiou um argumento similar. Segundo ele, a verdadeira ameaça à democracia brasileira não viria de uma classe política viciada em ilegalidade, mas de Sergio Moro e caterva. Uma eleição sem Lula, conclui, seria fraude.
As denúncias que existem contra Lula sobre tráfico de influência e outros crimes não devem ser descartadas de antemão. O ex-presidente ainda precisa dar respostas às questões apresentadas e terá a chance de fazê-lo com todas as garantias de defesa no processo do tríplex e nos outros que virão. Você pode ter um compromisso moral e político com os ideais de esquerda e, ao mesmo tempo, defender a tese segundo a qual Lula e seu grupo devem explicações à Justiça.
O problema com o idiota útil é que seu preconceito precede a dúvida e as evidências. Isso sempre foi –e continua sendo –uma ameaça de esquerda ou de direita à democracia.
Vladimir Lênin (1870-1924) chamava de "idiota útil" o cidadão de uma democracia liberal que se deixava enganar pela propaganda do regime soviético. Comprando os argumentos do Kremlin, o idiota útil dava à Moscou um verniz de legitimidade.
Em pleno século 21, o fenômeno do idiota útil continua vivo. No Brasil, sua expressão à direita é o "bolsominion", cuja simpatia pelo deputado o faz ignorar o uso indevido do auxílio-moradia. No centro e à esquerda, é o cidadão impermeável às evidências sobre os abusos cometidos por PT e PSDB durante 20 anos no poder.
A cabala de idiotas úteis sempre teve tração no exterior. À esquerda, seu expoente mais sofisticado é Perry Anderson, liderança intelectual há muitas décadas. Em dois longos artigos publicados na respeitável "London Review of Books", em 2011 e 2016, Anderson embalou as teses petistas a respeito do mensalão e da Lava Jato para um leitorado estrangeiro. Segundo a versão dos fatos ali apresentada, Luiz Inácio Lula da Silva teria despertado a raiva das elites arcaicas do Brasil devido à sua agenda reformista. Os representantes do atraso, assustados, teriam lançado uma ofensiva jurídica injusta contra o ex-presidente. A ilegalidade verdadeira não teria sido cometida pelo grupo do poder, mas pelos supostos "justiceiros" da linhagem do juiz Sergio Moro.
Essa linha ganhou força nos últimos dias. Geoffrey Robertson, jurista renomado, assistiu ao voto do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e sentenciou: "Lula está sendo perseguido e não processado". O problema, afirmou, está com Moro, um "egomaníaco". Em Washington, 12 deputados democratas assinaram um texto denunciando um suposto complô para tirar Lula da corrida presidencial por meio de um tribunal de exceção.
Nas páginas do jornal "New York Times", Mark Weisbrot ensaiou um argumento similar. Segundo ele, a verdadeira ameaça à democracia brasileira não viria de uma classe política viciada em ilegalidade, mas de Sergio Moro e caterva. Uma eleição sem Lula, conclui, seria fraude.
As denúncias que existem contra Lula sobre tráfico de influência e outros crimes não devem ser descartadas de antemão. O ex-presidente ainda precisa dar respostas às questões apresentadas e terá a chance de fazê-lo com todas as garantias de defesa no processo do tríplex e nos outros que virão. Você pode ter um compromisso moral e político com os ideais de esquerda e, ao mesmo tempo, defender a tese segundo a qual Lula e seu grupo devem explicações à Justiça.
O problema com o idiota útil é que seu preconceito precede a dúvida e as evidências. Isso sempre foi –e continua sendo –uma ameaça de esquerda ou de direita à democracia.
Malufismo de Lula não constrói nada de útil para o país - ROBERTO DIAS
FOLHA DE SP - 25/01
Uma das primeiras leis sancionadas por Lula como presidente da República foi o Estatuto do Torcedor, em 2003. Ao canetá-la, sentenciou: "No Brasil há lei que pega e lei que não pega. Para pegar, é preciso que as pessoas responsáveis deste país comecem a falar dela".
Em 2010, seu derradeiro ano no Planalto, Lula assinou a Lei da Ficha Limpa. As "pessoas responsáveis" não tiveram muito o que falar contra ela. Fruto de iniciativa popular, com 1,6 milhão de assinaturas, foi aprovada sem nenhum voto contra no Senado e um único na Câmara –segundo o deputado, por engano. Lula a sancionou sem vetos.
Agora, o petista age para que a lei que ele próprio assinou não pegue.
Se o petista se considera inocente, mesmo após a decisão unânime desta quarta (24), que continue tentando escapar da prisão, obviamente.
Mas é um absurdo perpetuar atentado tão frontal ao espírito da lei: político condenado por colegiado não deve ser candidato. É sua situação.
A insistência em atacar o rito do Judiciário e defender a fantasia de limpar o nome na urna trabalha apenas em proveito dele próprio. Não se trata mais nem mesmo de um projeto. A repetição de frases que desafiam a lógica e o desenrolar dos fatos remete a outro personagem: Paulo Maluf, que passou anos negando o óbvio até um dia acabar na cadeia.
Só que o malufismo de Maluf já tinha virado folclore muito tempo antes de ele entrar em cana. O malufismo de Lula, por sua vez, nada tem de inofensivo. Conspurca o debate público, já capturado durante quase toda a década por discussões sobre corrupção (no mensalão e na Lava Jato) e pedaladas fiscais.
A estratégia que adotou conduz seu partido a um devaneio coletivo, que desemboca em barbaridades como as ditas pela presidente do PT. Não se vai construir algo útil para o país a partir do que sobrou do lulismo –nem mesmo uma agenda de esquerda para o futuro.
Uma das primeiras leis sancionadas por Lula como presidente da República foi o Estatuto do Torcedor, em 2003. Ao canetá-la, sentenciou: "No Brasil há lei que pega e lei que não pega. Para pegar, é preciso que as pessoas responsáveis deste país comecem a falar dela".
Em 2010, seu derradeiro ano no Planalto, Lula assinou a Lei da Ficha Limpa. As "pessoas responsáveis" não tiveram muito o que falar contra ela. Fruto de iniciativa popular, com 1,6 milhão de assinaturas, foi aprovada sem nenhum voto contra no Senado e um único na Câmara –segundo o deputado, por engano. Lula a sancionou sem vetos.
Agora, o petista age para que a lei que ele próprio assinou não pegue.
Se o petista se considera inocente, mesmo após a decisão unânime desta quarta (24), que continue tentando escapar da prisão, obviamente.
Mas é um absurdo perpetuar atentado tão frontal ao espírito da lei: político condenado por colegiado não deve ser candidato. É sua situação.
A insistência em atacar o rito do Judiciário e defender a fantasia de limpar o nome na urna trabalha apenas em proveito dele próprio. Não se trata mais nem mesmo de um projeto. A repetição de frases que desafiam a lógica e o desenrolar dos fatos remete a outro personagem: Paulo Maluf, que passou anos negando o óbvio até um dia acabar na cadeia.
Só que o malufismo de Maluf já tinha virado folclore muito tempo antes de ele entrar em cana. O malufismo de Lula, por sua vez, nada tem de inofensivo. Conspurca o debate público, já capturado durante quase toda a década por discussões sobre corrupção (no mensalão e na Lava Jato) e pedaladas fiscais.
A estratégia que adotou conduz seu partido a um devaneio coletivo, que desemboca em barbaridades como as ditas pela presidente do PT. Não se vai construir algo útil para o país a partir do que sobrou do lulismo –nem mesmo uma agenda de esquerda para o futuro.
Feliz ano velho - HENRIQUE NELSON CALANDRA E SERGIO RICARDO DO AMARAL GURGEL
ESTADÃO - 25/01
A suspensão de posse da ministra do Trabalho apenas pretende causar embaraços ao governo
O réveillon é o dia em que nos despedimos do ano que se esgotou, desejando ver as experiências malogradas definitivamente guardadas na memória. Até o mais pessimista dos homens ousa imaginar que, dali para a frente, muita coisa pode mudar. Todavia, no campo da política, quem compartilhou esse sonho enquanto fazia a contagem regressiva nos dez segundos finais de 2017 levou menos de uma semana para perceber que, nesse aspecto, o mais adequado teria sido o cumprimento “feliz ano velho”, parafraseando a obra do escritor Marcelo Rubens Paiva.
A nomeação da deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho foi o início de uma nova crise institucional, que insiste em não ter fim. Por decisão de um magistrado da Justiça Federal, foi suspensa a solenidade de posse até que o mérito da ação seja julgado. A providência teve como fundamento a violação do princípio da moralidade, pelo fato de a parlamentar ter sido condenada em processo trabalhista. A notícia, depois de amplamente divulgada pelos veículos de comunicação, propiciou o clima ideal para que a ministra Cármen Lúcia confirmasse a liminar, contrapondo-se ao STJ.
Enquanto a AGU avalia a estratégia de defesa a ser levada a plenário, juristas discutem se os argumentos apresentados pelo Judiciário são idôneos para justificar a medida cautelar. De acordo com o artigo 87 da Constituição federal, os ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de 21 anos e no exercício dos direitos políticos. Preenchidos esses requisitos, compete ao presidente da República, por critérios de caráter meramente subjetivo, a escolha de seus ministros, embora o ato de nomeação não fique livre do exame de legalidade e moralidade. A indicação de um estrangeiro, por exemplo, para ocupar tal cargo sem sombra de dúvida teria de sofrer o controle judicial. No tocante à moralidade se daria o mesmo caso o governo pretendesse dar posse a um traficante de drogas para comandar o Ministério da Saúde.
Acontece que no caso em tela a situação se mostra bem peculiar. A medida judicial deve-se, exclusivamente, ao fato de a parlamentar indicada para o ministério ter deixado de assinar a carteira de trabalho de dois de seus empregados, o que foi regularizado a posteriori, mediante o pagamento de multa. Em que pese o desrespeito aos direitos do trabalhador, não se trata de infração grave, muito menos de um relevante penal. Não estamos aqui tratando de crime contra a pessoa, como na hipótese de redução à condição análoga à de escravo, nem de outro tipo penal listado entre os crimes contra a organização do trabalho. E ainda que houvesse a subsunção do fato a alguma norma incriminadora, a proibição de assumir a função ministerial não estaria entre os efeitos da condenação para poderem justificar odioso caráter perpétuo do castigo.
Qualquer pessoa que se preste a investir no setor produtivo, ou em atividades voltadas para a prestação de serviços, não está imune às demandas trabalhistas, mesmo quando imbuída de consciência social. Muitas vezes a interpretação equivocada da norma induz o patrão a agir à margem da ordem jurídica. Nesse contexto se incluem os que, abarrotados de compromissos, negligenciam deveres burocráticos, deixando para depois determinadas obrigações que, na falta, acarretam onerosas sanções.
Há anos tem-se tentado buscar requisitos de ordem puramente objetiva para atestar a competência dos profissionais de forma geral. Essa é uma das razões para que nossas instituições não consigam funcionar em sua plenitude, ficando aquém das expectativas nelas depositadas. A maioria das faculdades, por exemplo, exige doutorado para integrar o corpo docente, ficando em segundo plano virtudes como didática e experiência prática. Assim, no campo da Engenharia, o professor que jamais edificou um prédio vai para a sala de aula ensinar o que nunca aprendeu. Se não tem título, não serve! Na questão do Ministério do Trabalho, o que ocorre é semelhante: se respondeu a uma reclamação trabalhista, não está apto a ocupar o cargo! Despertaria curiosidade se fizessem um levantamento de todas as autoridades do País que já figuraram como réus em algum tipo de processo. Seguindo essa mesma linha de avaliação, cuja conclusão é alcançada em detrimento do raciocínio, poucos teriam legitimidade para o exercício de suas funções.
Na realidade, os que aprovam a discutida suspensão pretendem causar embaraços ao governo, como costuma fazer a oposição, principalmente às vésperas de eleições. Também se há de ponderar se não constitui um ataque indireto ao ex-deputado Roberto Jefferson, por ser pai da nomeada. Há quem não esteja satisfeito com sua condenação à pena privativa de liberdade, que ele cumpriu fielmente, mesmo quando submetido a tratamento de câncer. É como se o tamanho do erro sempre sobrepujasse a dosimetria da pena, como se para certos pecados o arrependimento jamais livrasse o confesso do inferno.
O Brasil vem-se transformando num Estado policial, e com a agravante da hipocrisia endêmica. Num clima de constante patrulhamento ideológico, todos olham para os erros do próximo, mas ninguém cogita de voltar a atenção para si mesmo. Por essa razão, virou rotina ouvirmos discursos moralistas saindo da boca dos mais degenerados.
O resultado do excesso de zelo sobre a vida alheia é o retrógrado aumento da judicialização dos conflitos sociais. Não existe mais um perfil das ações que vão desaguar no STF, pois em plenário se chega a discutir até mesmo questões envolvendo briga de galo. No momento, o alvo é a União, que está perdendo o controle sobre as próprias decisões, que dependeriam exclusivamente de um juízo de conveniência e oportunidade.
*DESEMBARGADOR, ESPECIALISTA EM DIREITO EMPRESARIAL, EX-PRESIDENTE DA AMB E DA APAMAGIS,É PROFESSOR EMÉRITO DA ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA(JUIZCALANDRA@GMAIL.COM); É ADVOGADO, PROFESSOR DE DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL (SAG@AMARALGURGEL.COM)
A suspensão de posse da ministra do Trabalho apenas pretende causar embaraços ao governo
O réveillon é o dia em que nos despedimos do ano que se esgotou, desejando ver as experiências malogradas definitivamente guardadas na memória. Até o mais pessimista dos homens ousa imaginar que, dali para a frente, muita coisa pode mudar. Todavia, no campo da política, quem compartilhou esse sonho enquanto fazia a contagem regressiva nos dez segundos finais de 2017 levou menos de uma semana para perceber que, nesse aspecto, o mais adequado teria sido o cumprimento “feliz ano velho”, parafraseando a obra do escritor Marcelo Rubens Paiva.
A nomeação da deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho foi o início de uma nova crise institucional, que insiste em não ter fim. Por decisão de um magistrado da Justiça Federal, foi suspensa a solenidade de posse até que o mérito da ação seja julgado. A providência teve como fundamento a violação do princípio da moralidade, pelo fato de a parlamentar ter sido condenada em processo trabalhista. A notícia, depois de amplamente divulgada pelos veículos de comunicação, propiciou o clima ideal para que a ministra Cármen Lúcia confirmasse a liminar, contrapondo-se ao STJ.
Enquanto a AGU avalia a estratégia de defesa a ser levada a plenário, juristas discutem se os argumentos apresentados pelo Judiciário são idôneos para justificar a medida cautelar. De acordo com o artigo 87 da Constituição federal, os ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de 21 anos e no exercício dos direitos políticos. Preenchidos esses requisitos, compete ao presidente da República, por critérios de caráter meramente subjetivo, a escolha de seus ministros, embora o ato de nomeação não fique livre do exame de legalidade e moralidade. A indicação de um estrangeiro, por exemplo, para ocupar tal cargo sem sombra de dúvida teria de sofrer o controle judicial. No tocante à moralidade se daria o mesmo caso o governo pretendesse dar posse a um traficante de drogas para comandar o Ministério da Saúde.
Acontece que no caso em tela a situação se mostra bem peculiar. A medida judicial deve-se, exclusivamente, ao fato de a parlamentar indicada para o ministério ter deixado de assinar a carteira de trabalho de dois de seus empregados, o que foi regularizado a posteriori, mediante o pagamento de multa. Em que pese o desrespeito aos direitos do trabalhador, não se trata de infração grave, muito menos de um relevante penal. Não estamos aqui tratando de crime contra a pessoa, como na hipótese de redução à condição análoga à de escravo, nem de outro tipo penal listado entre os crimes contra a organização do trabalho. E ainda que houvesse a subsunção do fato a alguma norma incriminadora, a proibição de assumir a função ministerial não estaria entre os efeitos da condenação para poderem justificar odioso caráter perpétuo do castigo.
Qualquer pessoa que se preste a investir no setor produtivo, ou em atividades voltadas para a prestação de serviços, não está imune às demandas trabalhistas, mesmo quando imbuída de consciência social. Muitas vezes a interpretação equivocada da norma induz o patrão a agir à margem da ordem jurídica. Nesse contexto se incluem os que, abarrotados de compromissos, negligenciam deveres burocráticos, deixando para depois determinadas obrigações que, na falta, acarretam onerosas sanções.
Há anos tem-se tentado buscar requisitos de ordem puramente objetiva para atestar a competência dos profissionais de forma geral. Essa é uma das razões para que nossas instituições não consigam funcionar em sua plenitude, ficando aquém das expectativas nelas depositadas. A maioria das faculdades, por exemplo, exige doutorado para integrar o corpo docente, ficando em segundo plano virtudes como didática e experiência prática. Assim, no campo da Engenharia, o professor que jamais edificou um prédio vai para a sala de aula ensinar o que nunca aprendeu. Se não tem título, não serve! Na questão do Ministério do Trabalho, o que ocorre é semelhante: se respondeu a uma reclamação trabalhista, não está apto a ocupar o cargo! Despertaria curiosidade se fizessem um levantamento de todas as autoridades do País que já figuraram como réus em algum tipo de processo. Seguindo essa mesma linha de avaliação, cuja conclusão é alcançada em detrimento do raciocínio, poucos teriam legitimidade para o exercício de suas funções.
Na realidade, os que aprovam a discutida suspensão pretendem causar embaraços ao governo, como costuma fazer a oposição, principalmente às vésperas de eleições. Também se há de ponderar se não constitui um ataque indireto ao ex-deputado Roberto Jefferson, por ser pai da nomeada. Há quem não esteja satisfeito com sua condenação à pena privativa de liberdade, que ele cumpriu fielmente, mesmo quando submetido a tratamento de câncer. É como se o tamanho do erro sempre sobrepujasse a dosimetria da pena, como se para certos pecados o arrependimento jamais livrasse o confesso do inferno.
O Brasil vem-se transformando num Estado policial, e com a agravante da hipocrisia endêmica. Num clima de constante patrulhamento ideológico, todos olham para os erros do próximo, mas ninguém cogita de voltar a atenção para si mesmo. Por essa razão, virou rotina ouvirmos discursos moralistas saindo da boca dos mais degenerados.
O resultado do excesso de zelo sobre a vida alheia é o retrógrado aumento da judicialização dos conflitos sociais. Não existe mais um perfil das ações que vão desaguar no STF, pois em plenário se chega a discutir até mesmo questões envolvendo briga de galo. No momento, o alvo é a União, que está perdendo o controle sobre as próprias decisões, que dependeriam exclusivamente de um juízo de conveniência e oportunidade.
*DESEMBARGADOR, ESPECIALISTA EM DIREITO EMPRESARIAL, EX-PRESIDENTE DA AMB E DA APAMAGIS,É PROFESSOR EMÉRITO DA ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA(JUIZCALANDRA@GMAIL.COM); É ADVOGADO, PROFESSOR DE DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL (SAG@AMARALGURGEL.COM)
Não é Lula, é o déficit - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O Globo - 25/01
Economia segue em processo de recuperação, agora apoiada pela expectativa dominante de que ele não será candidato
Claro que o processo ainda não terminou. Mas está claro também que o maior problema de Lula agora não é saber se terá ou não seu nome na urna, mas se e quando será preso. Ele não foi apenas condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e por unanimidade. No conjunto, os votos dos três desembargadores do TRF-4 sustentam, com infinidade de argumentos, que houve um grande e organizado esquema para corromper a política, a democracia e a República. E que Lula estava no centro desse esquema.
Consequências: a primeira é que Lula se tornou ficha suja, inelegível, portanto. A segunda: o ex-presidente tem outros seis processos, todos no mesmo esquema, ao cabo dos quais a condenação é mais do que provável. Por exemplo: se os juízes entenderam que o ex-presidente era dono oculto do apartamento do Guarujá, onde nunca passou um dia sequer, o que dizer do sítio, onde ele e sua família se instalaram e passaram muitos fins de semana e feriados?
Em todos esses outros casos, a julgar pelo teor dos votos de ontem, aparecem os mesmos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Claro que o ex-presidente ainda tem recursos nos tribunais. Mas o alcance e o tempo encolheram. No caso concluído ontem, só cabe o tal embargo declaratório, no mesmo tribunal. Trata-se de coisa simples, em que a defesa só pode pedir esclarecimentos sobre a redação da sentença. O julgamento disso é rápido, especialmente considerando o tempo do TRF-4.
Depois disso, o ex-presidente ainda pode ir ao Superior Tribunal de Justiça. Mas, encerrado o processo no TRF-4, já pode ser decretada a execução da pena. Ou seja, Lula pode ser preso, em regime fechado.
Ainda há brechas para pedido de habeas corpus e tantos outros esperneios mas, de novo, a chance do expresidente é baixa. Mesmo porque, quando estiver batalhando no primeiro processo, nas cortes de Brasília, virão outras condenações em Curitiba e Porto Alegre.
Também é verdade que o PT poderá tentar registrar a candidatura de Lula, mesmo estando ele condenado. Aí, caberia ao Tribunal Eleitoral negar a candidatura, pela Lei da Ficha Limpa. O caso pode chegar ao STF, mas o PT e seus aliados estarão cometendo suicídio eleitoral se insistirem com num candidato tão enrolado na Justiça.
Mais vale ainda para os aliados. Quem vai querer se suicidar junto?
Por outro lado, também está claro que o PT não vai conseguir incendiar o país. O ex-presidente passou por uma condução coercitiva — aliás, considerada legal e pertinente no TRF-4 — foi julgado e condenado duas vezes, e o que temos? Manifestações limitadas a militantes cada vez mais escassos. Pode haver algum quebra-quebra, mas as ruas não serão ocupadas pelas massas.
Dizem alguns: se Lula for preso, isso dará munição ao PT e à tese da vitimização.
Errado. Mais provável que aconteça a mesma coisa que se viu até aqui: protestos isolados e segue a vida.
Aliás, este é um ponto a favor da estabilidade institucional e política. Trata-se de um líder popular, ex-presidente, mas que, em processo regular da Justiça, foi considerado culpado. Cumpra-se a sentença, e pronto. É a lei, que vale para todos.
Além disso, a economia segue em processo de recuperação, agora apoiada pela expectativa dominante de que Lula não será candidato. Por isso, sobe a Bolsa, e caem dólar e juros.
Dizem os petistas: sem o ex-presidente, a eleição é fraude. Ora, nem os candidatos de esquerda deixarão de participar do pleito, mesmo que gritem a favor dessa tese.
E mesmo o pessoal do PT passa a pensar no seu próprio futuro. Há candidatos a governador, senador, deputado — políticos que precisam fazer uma campanha minimamente organizada, para pedir votos a todos os eleitores, não apenas aos militantes. Não vão conseguir isso numa longa briga judicial ou tentando incendiar as urnas.
Tudo considerado, quem sabe agora haja mais espaço para o país se concentrar no seu grande problema. Não é Lula, é o brutal déficit das contas públicas que ameaça soterrar todo o esforço de recuperação.
Economia segue em processo de recuperação, agora apoiada pela expectativa dominante de que ele não será candidato
Claro que o processo ainda não terminou. Mas está claro também que o maior problema de Lula agora não é saber se terá ou não seu nome na urna, mas se e quando será preso. Ele não foi apenas condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e por unanimidade. No conjunto, os votos dos três desembargadores do TRF-4 sustentam, com infinidade de argumentos, que houve um grande e organizado esquema para corromper a política, a democracia e a República. E que Lula estava no centro desse esquema.
Consequências: a primeira é que Lula se tornou ficha suja, inelegível, portanto. A segunda: o ex-presidente tem outros seis processos, todos no mesmo esquema, ao cabo dos quais a condenação é mais do que provável. Por exemplo: se os juízes entenderam que o ex-presidente era dono oculto do apartamento do Guarujá, onde nunca passou um dia sequer, o que dizer do sítio, onde ele e sua família se instalaram e passaram muitos fins de semana e feriados?
Em todos esses outros casos, a julgar pelo teor dos votos de ontem, aparecem os mesmos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Claro que o ex-presidente ainda tem recursos nos tribunais. Mas o alcance e o tempo encolheram. No caso concluído ontem, só cabe o tal embargo declaratório, no mesmo tribunal. Trata-se de coisa simples, em que a defesa só pode pedir esclarecimentos sobre a redação da sentença. O julgamento disso é rápido, especialmente considerando o tempo do TRF-4.
Depois disso, o ex-presidente ainda pode ir ao Superior Tribunal de Justiça. Mas, encerrado o processo no TRF-4, já pode ser decretada a execução da pena. Ou seja, Lula pode ser preso, em regime fechado.
Ainda há brechas para pedido de habeas corpus e tantos outros esperneios mas, de novo, a chance do expresidente é baixa. Mesmo porque, quando estiver batalhando no primeiro processo, nas cortes de Brasília, virão outras condenações em Curitiba e Porto Alegre.
Também é verdade que o PT poderá tentar registrar a candidatura de Lula, mesmo estando ele condenado. Aí, caberia ao Tribunal Eleitoral negar a candidatura, pela Lei da Ficha Limpa. O caso pode chegar ao STF, mas o PT e seus aliados estarão cometendo suicídio eleitoral se insistirem com num candidato tão enrolado na Justiça.
Mais vale ainda para os aliados. Quem vai querer se suicidar junto?
Por outro lado, também está claro que o PT não vai conseguir incendiar o país. O ex-presidente passou por uma condução coercitiva — aliás, considerada legal e pertinente no TRF-4 — foi julgado e condenado duas vezes, e o que temos? Manifestações limitadas a militantes cada vez mais escassos. Pode haver algum quebra-quebra, mas as ruas não serão ocupadas pelas massas.
Dizem alguns: se Lula for preso, isso dará munição ao PT e à tese da vitimização.
Errado. Mais provável que aconteça a mesma coisa que se viu até aqui: protestos isolados e segue a vida.
Aliás, este é um ponto a favor da estabilidade institucional e política. Trata-se de um líder popular, ex-presidente, mas que, em processo regular da Justiça, foi considerado culpado. Cumpra-se a sentença, e pronto. É a lei, que vale para todos.
Além disso, a economia segue em processo de recuperação, agora apoiada pela expectativa dominante de que Lula não será candidato. Por isso, sobe a Bolsa, e caem dólar e juros.
Dizem os petistas: sem o ex-presidente, a eleição é fraude. Ora, nem os candidatos de esquerda deixarão de participar do pleito, mesmo que gritem a favor dessa tese.
E mesmo o pessoal do PT passa a pensar no seu próprio futuro. Há candidatos a governador, senador, deputado — políticos que precisam fazer uma campanha minimamente organizada, para pedir votos a todos os eleitores, não apenas aos militantes. Não vão conseguir isso numa longa briga judicial ou tentando incendiar as urnas.
Tudo considerado, quem sabe agora haja mais espaço para o país se concentrar no seu grande problema. Não é Lula, é o brutal déficit das contas públicas que ameaça soterrar todo o esforço de recuperação.
E agora, Brasil? - ASCÂNIO SELEME
O Globo - 25/01
O PT irá para o ataque ainda mais frontalmente. Com a esfera jurídica praticamente concluída, porque dificilmente o STJ reformará a decisão
Bom dia, Brasil. Hoje, você amanheceu outro. Não diria novo, mas outro. A decisão foi tomada, e agora é só uma questão de tempo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ficar fora da corrida eleitoral de 2018. Lula, seus advogados, seu partido e milhares de seus seguidores ainda farão bastante barulho daqui até a hora fatal em que ele será declarado inelegível com base na Lei da Ficha Limpa. Daqui até outubro, mesmo em meio a intenso tiroteio, haverá tempo suficiente para os brasileiros escolherem em quem votarão para suceder ao presidente Michel Temer. Por ora, o único nome fora da urna é o de Lula.
O barulho não será pequeno, preste muita atenção. Vão dizer que a sua vontade, Brasil, foi golpeada e violentada, que a palavra de seu povo foi calada. Haverá um sem número de recursos que correrão em instâncias judiciais ainda superiores. Aqui, em casa, e lá fora. Na ONU, em Haia, no Conselho de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, onde houver um fórum, haverá um recurso. Os advogados de Lula são bons nisso. O GLOBO mostrou que entraram com um novo recurso a cada seis dias no decorrer do processo em Curitiba.
Uma comissão chefiada pela presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, com os advogados Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, mais um e outro aliado e um assessor, será fotografada e filmada ainda neste inverno no Hemisfério Norte. Seus membros, com casacos de lã e cachecóis vermelhos, percorrerão ruas geladas e tribunais frios buscando o que julgam ser uma reparação para seu líder injustiçado. E farão discursos nas portas de cortes internacionais atacando você e sua Justiça.
É hora de tomar fôlego, Brasil. Este ano será bem maior do que todos os outros que você já viveu. Serão jornadas inesquecíveis para uns e angustiantes para outros. Mas você terá que se resguardar para ao final proteger os seus filhos. Além do percurso político que terá de enfrentar, há outros tão importantes quanto este. São os caminhos que consolidarão a base substantiva que o seu futuro presidente haverá de enfrentar.
Para ter seu registro eleitoral aceito pelo TSE, Lula terá de convencer outras instâncias do que não conseguiu até aqui comprovar. O caminho da defesa até ontem foi atacar o juiz, a Justiça, a imprensa, todas as instituições que desconfiassem da inocência de Lula. Os aliados do ex-presidente politizaram a questão judicial de maneira a desacreditá-la. O fato é que a Justiça se manifestou, e Lula deverá ficar inelegível. Dirão que esta decisão jamais aconteceria em outro país, em país civilizado. Só aqui, Brasil.
O PT irá para o ataque ainda mais frontalmente. Com a esfera jurídica praticamente concluída, porque dificilmente o STJ reformará a decisão e o TSE permitirá o registro da candidatura de Lula, o que sobra é partir para o confronto político. E o PT é bom nisso. Mas teremos de ver como reagirão as forças que sustentam o PT e seu líder. A lógica agora é outra. Um colegiado se manifestou. Portanto, será uma guerra, Brasil.
Uma guerra para defender um homem condenado por corrupção em duas instâncias da Justiça. O discurso contra Sergio Moro desapareceu. O juiz que a defesa de Lula considerou suspeito, que o PT chamou de fascista, não está mais sozinho. E atacar os desembargadores, que ontem reafirmaram a sentença de Moro, significará ir contra toda a Justiça brasileira. Dirão que aqui, nesta nossa terra, tudo é possível, inclusive condenar um ex-presidente sem provas.
E muito dificilmente prosperará o discurso petista dos últimos dias, que considera o julgamento de ontem não uma ação judicial contra um ex-presidente, mas sim uma manobra política para afastá-lo da eleição presidencial. Daí aquelas palavras de ordem: “Eleição sem Lula é fraude, eleição sem Lula é golpe”. O que provavelmente ocorrerá, Brasil, é eleição presidencial sem um dos pré-candidatos, aquele que foi denunciado e condenado por corrupção.
E o que ainda pode acontecer neste nosso solo, Brasil? Um morto! Por sorte, mesmo condenado em duas instâncias, Lula não será preso agora. Se prisão houver, será depois da análise dos embargos de declaração, em mais ou menos um mês. Pode ser também depois de ouvido o STJ, ou ainda após outra condenação, no processo do sítio de Atibaia, por exemplo. E aí, não haverá por que matar ou morrer.
O PT irá para o ataque ainda mais frontalmente. Com a esfera jurídica praticamente concluída, porque dificilmente o STJ reformará a decisão
Bom dia, Brasil. Hoje, você amanheceu outro. Não diria novo, mas outro. A decisão foi tomada, e agora é só uma questão de tempo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ficar fora da corrida eleitoral de 2018. Lula, seus advogados, seu partido e milhares de seus seguidores ainda farão bastante barulho daqui até a hora fatal em que ele será declarado inelegível com base na Lei da Ficha Limpa. Daqui até outubro, mesmo em meio a intenso tiroteio, haverá tempo suficiente para os brasileiros escolherem em quem votarão para suceder ao presidente Michel Temer. Por ora, o único nome fora da urna é o de Lula.
O barulho não será pequeno, preste muita atenção. Vão dizer que a sua vontade, Brasil, foi golpeada e violentada, que a palavra de seu povo foi calada. Haverá um sem número de recursos que correrão em instâncias judiciais ainda superiores. Aqui, em casa, e lá fora. Na ONU, em Haia, no Conselho de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, onde houver um fórum, haverá um recurso. Os advogados de Lula são bons nisso. O GLOBO mostrou que entraram com um novo recurso a cada seis dias no decorrer do processo em Curitiba.
Uma comissão chefiada pela presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, com os advogados Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, mais um e outro aliado e um assessor, será fotografada e filmada ainda neste inverno no Hemisfério Norte. Seus membros, com casacos de lã e cachecóis vermelhos, percorrerão ruas geladas e tribunais frios buscando o que julgam ser uma reparação para seu líder injustiçado. E farão discursos nas portas de cortes internacionais atacando você e sua Justiça.
É hora de tomar fôlego, Brasil. Este ano será bem maior do que todos os outros que você já viveu. Serão jornadas inesquecíveis para uns e angustiantes para outros. Mas você terá que se resguardar para ao final proteger os seus filhos. Além do percurso político que terá de enfrentar, há outros tão importantes quanto este. São os caminhos que consolidarão a base substantiva que o seu futuro presidente haverá de enfrentar.
Para ter seu registro eleitoral aceito pelo TSE, Lula terá de convencer outras instâncias do que não conseguiu até aqui comprovar. O caminho da defesa até ontem foi atacar o juiz, a Justiça, a imprensa, todas as instituições que desconfiassem da inocência de Lula. Os aliados do ex-presidente politizaram a questão judicial de maneira a desacreditá-la. O fato é que a Justiça se manifestou, e Lula deverá ficar inelegível. Dirão que esta decisão jamais aconteceria em outro país, em país civilizado. Só aqui, Brasil.
O PT irá para o ataque ainda mais frontalmente. Com a esfera jurídica praticamente concluída, porque dificilmente o STJ reformará a decisão e o TSE permitirá o registro da candidatura de Lula, o que sobra é partir para o confronto político. E o PT é bom nisso. Mas teremos de ver como reagirão as forças que sustentam o PT e seu líder. A lógica agora é outra. Um colegiado se manifestou. Portanto, será uma guerra, Brasil.
Uma guerra para defender um homem condenado por corrupção em duas instâncias da Justiça. O discurso contra Sergio Moro desapareceu. O juiz que a defesa de Lula considerou suspeito, que o PT chamou de fascista, não está mais sozinho. E atacar os desembargadores, que ontem reafirmaram a sentença de Moro, significará ir contra toda a Justiça brasileira. Dirão que aqui, nesta nossa terra, tudo é possível, inclusive condenar um ex-presidente sem provas.
E muito dificilmente prosperará o discurso petista dos últimos dias, que considera o julgamento de ontem não uma ação judicial contra um ex-presidente, mas sim uma manobra política para afastá-lo da eleição presidencial. Daí aquelas palavras de ordem: “Eleição sem Lula é fraude, eleição sem Lula é golpe”. O que provavelmente ocorrerá, Brasil, é eleição presidencial sem um dos pré-candidatos, aquele que foi denunciado e condenado por corrupção.
E o que ainda pode acontecer neste nosso solo, Brasil? Um morto! Por sorte, mesmo condenado em duas instâncias, Lula não será preso agora. Se prisão houver, será depois da análise dos embargos de declaração, em mais ou menos um mês. Pode ser também depois de ouvido o STJ, ou ainda após outra condenação, no processo do sítio de Atibaia, por exemplo. E aí, não haverá por que matar ou morrer.
Ascânio Seleme é jornalista
Acima de qualquer dúvida - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 25/01
O placar de 3 a 0 no julgamento no TRF-4 deveria ser suficiente para convencer os petistas a finalmente deixar de tratar o corrupto Lula da Silva como um mártir da democracia brasileira
A 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, confirmou, por unanimidade, a sentença do juiz federal Sérgio Moro que condenou o ex-presidente Lula da Silva à prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. E aumentou a sentença aplicada em primeira instância de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês. Nas palavras do relator do processo de apelação, desembargador João Pedro Gebran Neto, “há provas acima de dúvida razoável” de que o chefão petista obteve benefícios pessoais da empreiteira OAS em razão do esquema de corrupção na Petrobrás.
A corte recursal rejeitou, assim, o principal argumento da defesa de Lula e dos petistas que viam e ainda veem no processo uma ameaça ao Estado Democrático de Direito por, segundo eles, condenar o ex-presidente “sem provas” – o que caracterizaria o julgamento como político.
O placar de 3 a 0 no TRF-4 deveria ser suficiente para convencer os petistas a finalmente deixar de tratar o corrupto Lula como um mártir da democracia brasileira. Fosse seguido à risca o estatuto do PT, Lula teria de ser expulso, pois lá está claro que o partido não aceitará em seus quadros qualquer condenado “por crime infamante ou por práticas ilícitas”. Mas é evidente que isso não vai acontecer, assim como não aconteceu com outros capas pretas do PT igualmente condenados nos diversos escândalos em que o partido se meteu desde o instante em que chegou ao poder. Vejam-se os casos de Celso Daniel e Toninho do PT. A razão disso é simples: o discurso ético do PT, a exemplo de suas juras de amor à democracia, nunca foi um compromisso real – nem poderia ser, pois, afinal, lulopetismo e respeito aos pilares democráticos provaram-se desde sempre incompatíveis.
Assim, o PT se vê na contingência de, ao menos por algum tempo ainda, continuar a denunciar uma conspiração que jamais existiu. Contudo, se tiverem um mínimo de juízo e estiverem interessados em sua sobrevivência política, os petistas, passado o calor do momento, farão a necessária autocrítica – e, nesse caso, Lula deixará de ter qualquer influência no PT.
A esta altura, apenas os petistas mais fanáticos não estão constrangidos com o fato de que Lula, mesmo tendo exercido plenamente seu direito de defesa, agora é um corrupto condenado em duas instâncias. Já são quatro os juízes que consideram o ex-presidente um criminoso, e seria preciso grande esforço para acreditar que todos estejam mancomunados para condenar Lula e, assim, impedi-lo de disputar novamente a Presidência. Julgados eventuais embargos de declaração, Lula poderá conhecer de perto as agruras da cadeia comum, aquela para onde vão os criminosos.
À campanha sistemática de descrédito do Judiciário que os petistas deflagraram nos últimos tempos para defender seu chefão, os desembargadores responderam com cristalina objetividade em relação às provas. O relator do processo, João Pedro Gebran Neto, detalhou todas as evidências arroladas na sentença do juiz Sérgio Moro – aquela que os petistas diziam carecer de provas. Gebran Neto concluiu que há “culpabilidade extremamente elevada” de Lula. Para o revisor do processo, desembargador Leandro Paulsen, a responsabilidade de Lula é “inequívoca”, pois há “farta prova documental”. Para o desembargador Victor Luiz dos Santos Laus, há provas documentais “para quem quiser ver”.
O aspecto mais importante do julgamento de ontem, contudo, foi a clareza dos desembargadores ao vincular os crimes de Lula ao esquema de corrupção na Petrobrás. Embora tenham enfatizado que o julgamento ali dizia respeito apenas ao pagamento de propinas para o ex-presidente, como um apartamento no Guarujá, os magistrados deixaram registrado que isso aconteceu em conexão com o petrolão. Mais do que isso: os desembargadores consideraram que, sem Lula, não haveria petrolão. Foi ele quem garantiu o funcionamento da organização criminosa, segundo os magistrados. É isso o que importa nesse processo, e em razão disso a Turma decidiu aumentar a pena imposta a Lula, de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês de cadeia.
“A corrupção cometida por um presidente torna vil o exercício da autoridade”, disse o desembargador Leandro Paulsen, com clareza meridiana. Lula, em sua passagem pela Presidência, conspurcou o mais elevado cargo político da República, a ele conferido pelo eleitor. Pagará por isso.
O placar de 3 a 0 no julgamento no TRF-4 deveria ser suficiente para convencer os petistas a finalmente deixar de tratar o corrupto Lula da Silva como um mártir da democracia brasileira
A 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, confirmou, por unanimidade, a sentença do juiz federal Sérgio Moro que condenou o ex-presidente Lula da Silva à prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. E aumentou a sentença aplicada em primeira instância de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês. Nas palavras do relator do processo de apelação, desembargador João Pedro Gebran Neto, “há provas acima de dúvida razoável” de que o chefão petista obteve benefícios pessoais da empreiteira OAS em razão do esquema de corrupção na Petrobrás.
A corte recursal rejeitou, assim, o principal argumento da defesa de Lula e dos petistas que viam e ainda veem no processo uma ameaça ao Estado Democrático de Direito por, segundo eles, condenar o ex-presidente “sem provas” – o que caracterizaria o julgamento como político.
O placar de 3 a 0 no TRF-4 deveria ser suficiente para convencer os petistas a finalmente deixar de tratar o corrupto Lula como um mártir da democracia brasileira. Fosse seguido à risca o estatuto do PT, Lula teria de ser expulso, pois lá está claro que o partido não aceitará em seus quadros qualquer condenado “por crime infamante ou por práticas ilícitas”. Mas é evidente que isso não vai acontecer, assim como não aconteceu com outros capas pretas do PT igualmente condenados nos diversos escândalos em que o partido se meteu desde o instante em que chegou ao poder. Vejam-se os casos de Celso Daniel e Toninho do PT. A razão disso é simples: o discurso ético do PT, a exemplo de suas juras de amor à democracia, nunca foi um compromisso real – nem poderia ser, pois, afinal, lulopetismo e respeito aos pilares democráticos provaram-se desde sempre incompatíveis.
Assim, o PT se vê na contingência de, ao menos por algum tempo ainda, continuar a denunciar uma conspiração que jamais existiu. Contudo, se tiverem um mínimo de juízo e estiverem interessados em sua sobrevivência política, os petistas, passado o calor do momento, farão a necessária autocrítica – e, nesse caso, Lula deixará de ter qualquer influência no PT.
A esta altura, apenas os petistas mais fanáticos não estão constrangidos com o fato de que Lula, mesmo tendo exercido plenamente seu direito de defesa, agora é um corrupto condenado em duas instâncias. Já são quatro os juízes que consideram o ex-presidente um criminoso, e seria preciso grande esforço para acreditar que todos estejam mancomunados para condenar Lula e, assim, impedi-lo de disputar novamente a Presidência. Julgados eventuais embargos de declaração, Lula poderá conhecer de perto as agruras da cadeia comum, aquela para onde vão os criminosos.
À campanha sistemática de descrédito do Judiciário que os petistas deflagraram nos últimos tempos para defender seu chefão, os desembargadores responderam com cristalina objetividade em relação às provas. O relator do processo, João Pedro Gebran Neto, detalhou todas as evidências arroladas na sentença do juiz Sérgio Moro – aquela que os petistas diziam carecer de provas. Gebran Neto concluiu que há “culpabilidade extremamente elevada” de Lula. Para o revisor do processo, desembargador Leandro Paulsen, a responsabilidade de Lula é “inequívoca”, pois há “farta prova documental”. Para o desembargador Victor Luiz dos Santos Laus, há provas documentais “para quem quiser ver”.
O aspecto mais importante do julgamento de ontem, contudo, foi a clareza dos desembargadores ao vincular os crimes de Lula ao esquema de corrupção na Petrobrás. Embora tenham enfatizado que o julgamento ali dizia respeito apenas ao pagamento de propinas para o ex-presidente, como um apartamento no Guarujá, os magistrados deixaram registrado que isso aconteceu em conexão com o petrolão. Mais do que isso: os desembargadores consideraram que, sem Lula, não haveria petrolão. Foi ele quem garantiu o funcionamento da organização criminosa, segundo os magistrados. É isso o que importa nesse processo, e em razão disso a Turma decidiu aumentar a pena imposta a Lula, de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês de cadeia.
“A corrupção cometida por um presidente torna vil o exercício da autoridade”, disse o desembargador Leandro Paulsen, com clareza meridiana. Lula, em sua passagem pela Presidência, conspurcou o mais elevado cargo político da República, a ele conferido pelo eleitor. Pagará por isso.
Condenado - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 25/01
Não há como apontar sinais de espetacularização, exibicionismo ou paixão política na atitude dos três desembargadores que, ao longo desta quarta (24), examinaram o polêmico processo envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Com longa e paciente atenção aos detalhes do caso, os membros do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmaram a sentença do juiz Sergio Moro, que condenou Lula por receber da OAS um apartamento tríplex no Guarujá, em troca das facilidades obtidas pela construtora em contratos com a Petrobras.
Como na primeira instância, absolveram os envolvidos da acusação concernente ao depósito do acervo presidencial, em que o Ministério Público também identificara sinais de corrupção.
Decidiram, ainda, majorar a pena aplicada ao ex-presidente –dos nove anos e seis meses, passa-se a 12 anos e um mês, em razão da elevada culpabilidade atribuída a seu comportamento.
Chamar o caso de "polêmico" atende mais à realidade dos debates políticos que suscitou do que ao detalhe dos elementos jurídicos de que se compõe.
Os acontecimentos, os testemunhos, a documentação e o encadeamento lógico do que se narra nos autos dificilmente conduziriam a conclusão diversa daquela a que chegaram os desembargadores. Parece sólido o entendimento do TRF, e inverossímil a argumentação dos partidários de Lula.
Sem dúvida, estes irão persistir, com intensidade redobrada, na tese de que tudo não passa de perseguição política –e de tentativa de impedir, a partir da Lei da Ficha Limpa, que o líder nas pesquisas dispute a eleição presidencial.
Do lado dos adversários, registra-se com frequência uma fúria persecutória que tampouco terá exigido o conhecimento detalhado das circunstâncias em que o julgamento se baseou.
Os fatos, na sua minúcia e complexidade, resistem de todo modo às tentativas da defesa no sentido de inocentar o ex-presidente.
Não faria sentido, com efeito, que o presidente de uma grande construtora atuasse como simples corretor de imóveis na venda de um apartamento em Guarujá. Muito menos que alguém, sem se julgar dono do apartamento, dispusesse sobre sua reforma.
Evidente, por outro lado, o peso de Lula na nomeação de diretores da Petrobras. Difícil crer, pois, que desconhecesse por inteiro o esquema instalado na empresa.
Não, a máscara de vítima não convence. A popularidade e a liderança de Lula não o colocam acima da lei. Ainda que a disputa eleitoral deste ano possa empobrecer-se na eventual ausência de sua candidatura, é a democracia, mais uma vez, que se fortalece.
Não há como apontar sinais de espetacularização, exibicionismo ou paixão política na atitude dos três desembargadores que, ao longo desta quarta (24), examinaram o polêmico processo envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Com longa e paciente atenção aos detalhes do caso, os membros do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmaram a sentença do juiz Sergio Moro, que condenou Lula por receber da OAS um apartamento tríplex no Guarujá, em troca das facilidades obtidas pela construtora em contratos com a Petrobras.
Como na primeira instância, absolveram os envolvidos da acusação concernente ao depósito do acervo presidencial, em que o Ministério Público também identificara sinais de corrupção.
Decidiram, ainda, majorar a pena aplicada ao ex-presidente –dos nove anos e seis meses, passa-se a 12 anos e um mês, em razão da elevada culpabilidade atribuída a seu comportamento.
Chamar o caso de "polêmico" atende mais à realidade dos debates políticos que suscitou do que ao detalhe dos elementos jurídicos de que se compõe.
Os acontecimentos, os testemunhos, a documentação e o encadeamento lógico do que se narra nos autos dificilmente conduziriam a conclusão diversa daquela a que chegaram os desembargadores. Parece sólido o entendimento do TRF, e inverossímil a argumentação dos partidários de Lula.
Sem dúvida, estes irão persistir, com intensidade redobrada, na tese de que tudo não passa de perseguição política –e de tentativa de impedir, a partir da Lei da Ficha Limpa, que o líder nas pesquisas dispute a eleição presidencial.
Do lado dos adversários, registra-se com frequência uma fúria persecutória que tampouco terá exigido o conhecimento detalhado das circunstâncias em que o julgamento se baseou.
Os fatos, na sua minúcia e complexidade, resistem de todo modo às tentativas da defesa no sentido de inocentar o ex-presidente.
Não faria sentido, com efeito, que o presidente de uma grande construtora atuasse como simples corretor de imóveis na venda de um apartamento em Guarujá. Muito menos que alguém, sem se julgar dono do apartamento, dispusesse sobre sua reforma.
Evidente, por outro lado, o peso de Lula na nomeação de diretores da Petrobras. Difícil crer, pois, que desconhecesse por inteiro o esquema instalado na empresa.
Não, a máscara de vítima não convence. A popularidade e a liderança de Lula não o colocam acima da lei. Ainda que a disputa eleitoral deste ano possa empobrecer-se na eventual ausência de sua candidatura, é a democracia, mais uma vez, que se fortalece.
A maior derrota de Lula - EDITORIAL O GLOBO
O Globo - 25/01
MOMENTO ESPECIAL NA LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO
Em julgamento muito técnico, a defesa do ex-presidente vê suas teses serem desmontadas por argumentos bastante concretos Ficou provado que a linha de politização das acusações adotada pela defesa do ex-presidente só funciona para animar militância
‘A maior derrota de Lula’
MOMENTO ESPECIAL NA LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO
Em julgamento muito técnico, a defesa do ex-presidente vê suas teses serem desmontadas por argumentos bastante concretos Ficou provado que a linha de politização das acusações adotada pela defesa do ex-presidente só funciona para animar militância
‘A maior derrota de Lula’
A confirmação da condenação de Lula em segunda instância, por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, não encerra a carreira política do ex-presidente, porém é um revés de gigantesca magnitude. A unanimidade dos três votos, muito técnicos, dados pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), na aceitação do veredicto do juiz Sergio Moro, de Curitiba, da Lava-Jato, ainda permite pelo menos um recurso. Mas, por certamente retirá-lo das eleições de outubro, por meio da Lei da Ficha Limpa, e mantê-lo inelegível por oito anos — Lula só recupera os direitos políticos ao completar 81 anos —, a sentença é a maior derrota da vida do ex-presidente, rivalizando com o fracasso nas disputas pela Presidência da República com Fernando Collor (1989), em segundo turno, e as duas perdas, em primeiro, para FH (94 e 98).
A condenação de Porto Alegre é mais aguda por não ser política, mas se tratar de punição criminal por corrupção e lavagem de dinheiro, algo nunca antes ocorrido com um ex-presidente da República. Embora a militância bata bumbos para amplificar a tese sectária de que seu líder foi vítima de um tribunal de exceção — finge-se não saber o que é um verdadeiro tribunal de exceção —, a realidade é bem outra. Luiz Inácio Lula da Silva teve o direito de defesa respeitado, como tem acontecido nos demais processos na Lava-Jato. Mas o sectarismo rejeita qualquer argumento objetivo, e até formulou a tese autoritária de que o julgamento só seria legítimo se absolvesse Lula.
Também em Porto Alegre, a defesa do ex-presidente, feita pelo advogado Cristiano Zanin, manteve o tom da politização: todo o processo é repleto de erros, cheio de evidências de que não importam provas, com a intenção deliberada de condenar o grande líder popular, para retirá-lo das urnas de outubro. Ou seja, a defesa de Lula continua a ser feita para animar a militância, não com a finalidade de convencer juízes. Parece considerar inevitável a condenação final de Lula neste e em outros processos, e por isso trata de ajudar na construção da imagem de um mártir das causas populares, conveniente para quem não sabe fazer outra coisa na vida a não ser política.
Lula teve a condenação confirmada, por votos dos três desembargadores do TRF-4, cheios de argumentos objetivos e provas que desmontam posições da defesa — a partir das mais de 400 páginas do detalhado voto do relator João Pedro Gebran Neto, o primeiro a sancionar o veredicto de Sergio Moro. Houve até acréscimo da pena de Lula, por Gebran, de nove anos e meio para 12 anos e um mês de prisão, sob o correto argumento de que o cargo de Lula é um agravante. Proposta aceita pelos dois outros juízes.
No relatório, são citados os entendimentos entre o presidente da OAS, Léo Pinheiro, Lula e Marisa Letícia, diretamente ou por meio de representantes do PT, como João Vaccari Neto, também ainda preso, em torno do imóvel do Guarujá. Da mesma forma que aconteceu nas transações de corrupção com a Odebrecht, o trânsito do dinheiro sujo era acompanhado por uma conta corrente, na qual, no caso da OAS, o custo do tríplex e das obras de melhorias no imóvel foi debitado de propinas geradas em negócios da empreiteira com a Petrobras, de óbvio conhecimento de Lula e companheiros. O relator reservou um capítulo do voto para descrever como, por exemplo, Paulo Roberto Costa, “Paulinho”, foi colocado na diretoria da Petrobras por interferência direta de Lula, para atuar, com outros, no esquema de geração de propinas em contratos com empreiteiras amigas.
À medida que este processo tramitava — há outros, como o do sítio de Atibaia —, era fermentada na militância, também fora do país, a falsa constatação, alardeada pelo próprio Lula, de que ele era processado sem provas. Balela. Se forem analisados os autos sem as lentes do viés político e ideológico, encontra-se o passo a passo de como um singelo apartamento na orla do Guarujá, construído e comercializado por meio de uma cooperativa de bancários (Bancoop), foi adquirido em nome de Marisa Letícia, mulher de Lula, e, depois, com o marido no poder, terminou metamorfoseado no tríplex do prédio.
As provas podem ser consultadas. Mas a militância não se interessa por elas, prefere manter a fé no líder carismático. Existe documento rasurado que atesta a tentativa de encobrir o upgrade do imóvel, de um apartamento simples para um tríplex. Também há registros de imagens de Lula em visita ao novo imóvel, na companhia do presidente da empreiteira OAS, Léo Pinheiro, ainda preso, que se incumbiu de concluir o prédio depois que a Bancoop quebrou e não finalizou a obra. Por que tanta benemerência a Lula? Votos dos três desembargadores de Porto Alegre explicam em detalhes. Além de Gebran, Leandro Paulsen, revisor do relatório de João Pedro Gebran, e Victor Laus.
Em 2010, O GLOBO noticiou que a família Lula da Silva tinha um imóvel no prédio, fato confirmado pela Presidência. Houve visitas da família ao tríplex do prédio Solaris, ex-Mar Cantábrico, na época da Bancoop. Obras foram contratadas para atender ao desejo dos futuros moradores, mesmo que, formalmente, o imóvel continuasse, na escritura, sendo da OAS. Por quê? O próprio Léo Pinheiro depôs que a dissimulação foi pedida em nome de Lula. Três andares requeriam um elevador interno, e assim foi feito. O imóvel também recebeu uma nova e moderna cozinha.
Outros calvários jurídicos aguardam Lula. Um deles, o sítio de Atibaia, também próximo à cidade de São Paulo, mas no interior. Talvez uma herança do tempo de militância sindical na juventude, Lula não gosta de aparecer em escrituras de imóveis que usufrui. Caso deste sítio, em que costumava passar fins de semana e que terminou preparado por empreiteiras — Odebrecht e OAS —, para abrigar o ex-presidente nos momentos de lazer. Piscina, adega etc. Este é outro processo, mas há uma conexão dele com o do tríplex que condenou o ex-presidente em segunda instância: as cozinhas dos dois imóveis foram compradas pela OAS no mesmo fornecedor. Não faltam mesmo provas.
Do julgamento no TRF-4, fica a frase do procurador Maurício Gotardo Gerum, representante, no julgamento, do Ministério Público Federal:
— Lamentavelmente, Lula se corrompeu.
A condenação de Porto Alegre é mais aguda por não ser política, mas se tratar de punição criminal por corrupção e lavagem de dinheiro, algo nunca antes ocorrido com um ex-presidente da República. Embora a militância bata bumbos para amplificar a tese sectária de que seu líder foi vítima de um tribunal de exceção — finge-se não saber o que é um verdadeiro tribunal de exceção —, a realidade é bem outra. Luiz Inácio Lula da Silva teve o direito de defesa respeitado, como tem acontecido nos demais processos na Lava-Jato. Mas o sectarismo rejeita qualquer argumento objetivo, e até formulou a tese autoritária de que o julgamento só seria legítimo se absolvesse Lula.
Também em Porto Alegre, a defesa do ex-presidente, feita pelo advogado Cristiano Zanin, manteve o tom da politização: todo o processo é repleto de erros, cheio de evidências de que não importam provas, com a intenção deliberada de condenar o grande líder popular, para retirá-lo das urnas de outubro. Ou seja, a defesa de Lula continua a ser feita para animar a militância, não com a finalidade de convencer juízes. Parece considerar inevitável a condenação final de Lula neste e em outros processos, e por isso trata de ajudar na construção da imagem de um mártir das causas populares, conveniente para quem não sabe fazer outra coisa na vida a não ser política.
Lula teve a condenação confirmada, por votos dos três desembargadores do TRF-4, cheios de argumentos objetivos e provas que desmontam posições da defesa — a partir das mais de 400 páginas do detalhado voto do relator João Pedro Gebran Neto, o primeiro a sancionar o veredicto de Sergio Moro. Houve até acréscimo da pena de Lula, por Gebran, de nove anos e meio para 12 anos e um mês de prisão, sob o correto argumento de que o cargo de Lula é um agravante. Proposta aceita pelos dois outros juízes.
No relatório, são citados os entendimentos entre o presidente da OAS, Léo Pinheiro, Lula e Marisa Letícia, diretamente ou por meio de representantes do PT, como João Vaccari Neto, também ainda preso, em torno do imóvel do Guarujá. Da mesma forma que aconteceu nas transações de corrupção com a Odebrecht, o trânsito do dinheiro sujo era acompanhado por uma conta corrente, na qual, no caso da OAS, o custo do tríplex e das obras de melhorias no imóvel foi debitado de propinas geradas em negócios da empreiteira com a Petrobras, de óbvio conhecimento de Lula e companheiros. O relator reservou um capítulo do voto para descrever como, por exemplo, Paulo Roberto Costa, “Paulinho”, foi colocado na diretoria da Petrobras por interferência direta de Lula, para atuar, com outros, no esquema de geração de propinas em contratos com empreiteiras amigas.
À medida que este processo tramitava — há outros, como o do sítio de Atibaia —, era fermentada na militância, também fora do país, a falsa constatação, alardeada pelo próprio Lula, de que ele era processado sem provas. Balela. Se forem analisados os autos sem as lentes do viés político e ideológico, encontra-se o passo a passo de como um singelo apartamento na orla do Guarujá, construído e comercializado por meio de uma cooperativa de bancários (Bancoop), foi adquirido em nome de Marisa Letícia, mulher de Lula, e, depois, com o marido no poder, terminou metamorfoseado no tríplex do prédio.
As provas podem ser consultadas. Mas a militância não se interessa por elas, prefere manter a fé no líder carismático. Existe documento rasurado que atesta a tentativa de encobrir o upgrade do imóvel, de um apartamento simples para um tríplex. Também há registros de imagens de Lula em visita ao novo imóvel, na companhia do presidente da empreiteira OAS, Léo Pinheiro, ainda preso, que se incumbiu de concluir o prédio depois que a Bancoop quebrou e não finalizou a obra. Por que tanta benemerência a Lula? Votos dos três desembargadores de Porto Alegre explicam em detalhes. Além de Gebran, Leandro Paulsen, revisor do relatório de João Pedro Gebran, e Victor Laus.
Em 2010, O GLOBO noticiou que a família Lula da Silva tinha um imóvel no prédio, fato confirmado pela Presidência. Houve visitas da família ao tríplex do prédio Solaris, ex-Mar Cantábrico, na época da Bancoop. Obras foram contratadas para atender ao desejo dos futuros moradores, mesmo que, formalmente, o imóvel continuasse, na escritura, sendo da OAS. Por quê? O próprio Léo Pinheiro depôs que a dissimulação foi pedida em nome de Lula. Três andares requeriam um elevador interno, e assim foi feito. O imóvel também recebeu uma nova e moderna cozinha.
Outros calvários jurídicos aguardam Lula. Um deles, o sítio de Atibaia, também próximo à cidade de São Paulo, mas no interior. Talvez uma herança do tempo de militância sindical na juventude, Lula não gosta de aparecer em escrituras de imóveis que usufrui. Caso deste sítio, em que costumava passar fins de semana e que terminou preparado por empreiteiras — Odebrecht e OAS —, para abrigar o ex-presidente nos momentos de lazer. Piscina, adega etc. Este é outro processo, mas há uma conexão dele com o do tríplex que condenou o ex-presidente em segunda instância: as cozinhas dos dois imóveis foram compradas pela OAS no mesmo fornecedor. Não faltam mesmo provas.
Do julgamento no TRF-4, fica a frase do procurador Maurício Gotardo Gerum, representante, no julgamento, do Ministério Público Federal:
— Lamentavelmente, Lula se corrompeu.
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