O Globo - 23/03
O ministro Eugênio Aragão está fazendo, ou ameaçando fazer, exatamente o que o ex-presidente Lula queria. Em telefonemas, Lula falou duas vezes sobre Aragão. Primeiro, pedindo a Edinho Silva que preparasse uma estratégia para defendê-lo das críticas. Segundo, para defini- lo como “nosso amigo” e dizer que deveria ser “homem” no Ministério da Justiça. Aragão pode ter o amigo que quiser, mas não pode fazer o que quiser.
Ele disse que trocaria toda a equipe de uma investigação se sentisse “cheiro” de vazamento e que não precisava nem de prova. Pareceu buscar um pretexto para intervir na equipe da Lava- Jato. Mesmo sem ter tido sequer cheiro de vazamento, ele continuou. Circulam rumores de que ele tem uma lista das cabeças que cortará. O “Valor” ontem falou de duas dessas cabeças: Rosalvo Ferreira, superintende da Polícia Federal no Paraná, e Igor Romário de Paula, diretor de combate ao crime organizado no Paraná. Além, claro, do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello.
O que ele quer com esses alvos? Obstruir e atrapalhar os trabalhos de investigação. A Força Tarefa é grande e tem outros policiais que fazem trabalho valioso. Mas se o país deixar esse tipo de violência, ele terá novos alvos e assim sucessivamente até desmontar toda a equipe que tem feito um trabalho excelente para o país. Qualquer pessoa, por mais eficiente que seja, nomeada para esses dois postos de liderança no Paraná, vai demorar a entrar no mesmo ritmo.
O ministro Eugênio Aragão tem convicções e já as expressou em outros momentos de estresse da vida nacional, como no mensalão. Agora não é questão de opinião. Qualquer ato seu para trocar pessoas na Lava- Jato terá o resultado oposto do que o país busca, que é esclarecer toda a dimensão do esquema criminoso que atacou a Petrobras, se espalhou por outras obras e órgãos públicos, foi manipulado por líderes políticos e desviou um volume escandaloso de dinheiro público.
Neste segundo aniversário da Lava- Jato foi possível ver a dimensão do trabalho feito. Quase R$ 3 bilhões voltaram ao país. A segunda operação que mais tinha recuperado ativos trouxe R$ 70 milhões. Os policiais federais já cumpriram mais de 500 mandados de busca e apreensão. Em cada uma dessas etapas os policiais colheram um volume estonteante de provas de corrupção. Onde está o erro da Polícia Federal? Em que os policiais federais Rosalvo Ferreira e Igor Romário de Paula erraram? Se o ministro tem como alvo pessoas que estão fazendo corretamente o seu trabalho, o que se pode concluir? Que este trabalho não deve ser feito, porque não agrada aos “amigos” que o nomearam para ser “homem”.
A operação Lava- Jato tem aprendido com erros e acertos de outras grandes batalhas contra a corrupção travadas aqui mesmo e em outros países. Um grande exemplo é a Operação Mãos Limpas. Lá, investigadores e magistrados enfrentaram perseguição, difamação e acusação de abusos nunca provados.
Interessa ao Brasil manter a integridade das equipes que trabalham na Operação Lava- Jato. De todos os elos dessa corrente, o mais vulnerável é a Polícia Federal, mas é onde as investigações começam. O ministro Aragão lembrou que a PF não tem independência funcional e está sob “nossa supervisão”. Essa supervisão não pode ser exercida para obstruir os trabalhos da PF. O ideal é que o ministro perceba os limites que estão colocados ao exercício do seu poder.
O ministro tem suas opiniões. Ele é contrário às delações premiadas e as compara à extorsão. O instituto da colaboração existe há muito tempo nos países democráticos. Nos Estados Unidos, a plea bargain é muito usada nos casos de crime organizado, lavagem de dinheiro e propinas. E lá os acordos também foram contestados por advogados, que achavam que eram uma espécie de extorsão, mas foram validados por cortes superiores. Ele é livre para ter suas opiniões. Mas ele não tem poder de interferir nos acordos de delação feitos pelo Ministério Público. A PF, contudo, estará vulnerável se ele sair da opinião para a ação. Aragão já deu sinais de querer fazer o que Lula espera que ele faça.
quarta-feira, março 23, 2016
Não vai ter golpe - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 23/03
Só o desespero explica que, abatida, com olheiras, Dilma Rousseff reúna juristas no Planalto para fazer um discurso indescritível “em defesa da legalidade, da Constituição, do Estado de Direito” e termine ecoando os movimentos pró-PT: “Não vai ter golpe!”. Soou como grito de guerra contra o Congresso e a Justiça.
Há, definitivamente, algo de muito errado quando o, ou a, presidente usa os salões do Planalto para eventos carregados de dramaticidade em que, num dia, negue que vá renunciar; no outro, dê posse ao antecessor para livrá-lo da Justiça; num terceiro, diga, em tom de ameaça, que “não vai ter golpe”. Que presidente é essa? Que governo é esse?
A situação está fora de controle, com Dilma repetindo pela milésima vez que foi vítima da ditadura, o governo perdendo todas no Supremo, Lula correndo atrás de um PMDB inalcançável, a economia derretendo e o impeachment correndo solto na Câmara.
Enquanto isso, o vice Michel Temer nega, mas está obviamente articulando um governo de transição. Do ponto de vista do governo, uma traição. Para a oposição, uma articulação legítima. E, sob o ângulo prático, uma necessidade. E se, por acaso, quem sabe, talvez, o impeachment passe? Nesse caso, Temer vai tentar o que Lula poderia ter tentado um ano atrás, antes que as condições políticas e econômicas se deteriorassem de vez e que a Lava Jato o pegasse de jeito: um grande pacto político. O vice só terá alguma chance se fechar o apoio integral do PMDB, atrair o PSDB, conseguir a maioria dos partidos e – por causa de tudo isso ou, ao contrário, apesar de tudo isso – formar um “ministério surpreendente”, como acenou o tucano José Serra em entrevista ao Estado.
Dilma fala, ninguém ouve mais. Reúne governadores, não repercute. Anuncia medidas, nada acontece. Sem capacidade de reação, tenta a resistência em reuniões fechadas e com discursos amedrontadores e amedrontados. O governo está parado, o país está parado. E Lula, imobilizado. Perdeu o “timing” para tentar salvar o governo.
Aconteça o que acontecer, a prioridade zero do Brasil será mostrar que há governo, recuperação, forças políticas responsáveis e forças econômicas dispostas a investir no fim da crise. Com o impeachment, porém, isso não vai depender só de articulações de cúpula entre PMDB, PSDB, oposição. Vai depender também das massas, do próprio PT e de como o mundo perceber o processo.
Daí porque há, na entrevista de Serra, um detalhe de alta relevância. Ao enumerar as condições para o apoio a um eventual governo Temer, o tucano diz que ele deve ficar fora em 2018, longe das eleições municipais e, além de reunir um ministério com os melhores nomes das prateleiras nacionais, deve também dar garantias de que não haverá “retaliação”. A conclusão é óbvia: foi um recado ao PT. Indica que petistas, pemedebistas, tucanos, aliados e adversários do Planalto conversam sobre o “day after”, de forma que um governo de transição não dispare um caça às bruxas, não saia expurgando petistas, não tripudie quem sair perdendo. Que fique claro: conversas nesse nível só são possíveis se parcela relevante do petismo já está jogando a toalha.
Há, porém, empecilhos para acordo. O ambiente político está contaminado, as massas petistas são belicosas e ninguém mais fala em nome de ninguém (aliás, foi o que Temer disse em nota depois da fala de Serra). Além disso, a Lava Jato está a mil por hora e não há acordo de cúpula que vá produzir um cavalo de pau. Os políticos podem acertar o que quiserem, mas vai ser um Deus-nos-acuda.
PS – Evo Morales (Bolívia) tenta convocar a Unasul para defender “a democracia” no Brasil. Logo, só pode ser para defender a Justiça, o próprio Supremo, o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita Federal e a mídia. Bem vindo!
Só o desespero explica que, abatida, com olheiras, Dilma Rousseff reúna juristas no Planalto para fazer um discurso indescritível “em defesa da legalidade, da Constituição, do Estado de Direito” e termine ecoando os movimentos pró-PT: “Não vai ter golpe!”. Soou como grito de guerra contra o Congresso e a Justiça.
Há, definitivamente, algo de muito errado quando o, ou a, presidente usa os salões do Planalto para eventos carregados de dramaticidade em que, num dia, negue que vá renunciar; no outro, dê posse ao antecessor para livrá-lo da Justiça; num terceiro, diga, em tom de ameaça, que “não vai ter golpe”. Que presidente é essa? Que governo é esse?
A situação está fora de controle, com Dilma repetindo pela milésima vez que foi vítima da ditadura, o governo perdendo todas no Supremo, Lula correndo atrás de um PMDB inalcançável, a economia derretendo e o impeachment correndo solto na Câmara.
Enquanto isso, o vice Michel Temer nega, mas está obviamente articulando um governo de transição. Do ponto de vista do governo, uma traição. Para a oposição, uma articulação legítima. E, sob o ângulo prático, uma necessidade. E se, por acaso, quem sabe, talvez, o impeachment passe? Nesse caso, Temer vai tentar o que Lula poderia ter tentado um ano atrás, antes que as condições políticas e econômicas se deteriorassem de vez e que a Lava Jato o pegasse de jeito: um grande pacto político. O vice só terá alguma chance se fechar o apoio integral do PMDB, atrair o PSDB, conseguir a maioria dos partidos e – por causa de tudo isso ou, ao contrário, apesar de tudo isso – formar um “ministério surpreendente”, como acenou o tucano José Serra em entrevista ao Estado.
Dilma fala, ninguém ouve mais. Reúne governadores, não repercute. Anuncia medidas, nada acontece. Sem capacidade de reação, tenta a resistência em reuniões fechadas e com discursos amedrontadores e amedrontados. O governo está parado, o país está parado. E Lula, imobilizado. Perdeu o “timing” para tentar salvar o governo.
Aconteça o que acontecer, a prioridade zero do Brasil será mostrar que há governo, recuperação, forças políticas responsáveis e forças econômicas dispostas a investir no fim da crise. Com o impeachment, porém, isso não vai depender só de articulações de cúpula entre PMDB, PSDB, oposição. Vai depender também das massas, do próprio PT e de como o mundo perceber o processo.
Daí porque há, na entrevista de Serra, um detalhe de alta relevância. Ao enumerar as condições para o apoio a um eventual governo Temer, o tucano diz que ele deve ficar fora em 2018, longe das eleições municipais e, além de reunir um ministério com os melhores nomes das prateleiras nacionais, deve também dar garantias de que não haverá “retaliação”. A conclusão é óbvia: foi um recado ao PT. Indica que petistas, pemedebistas, tucanos, aliados e adversários do Planalto conversam sobre o “day after”, de forma que um governo de transição não dispare um caça às bruxas, não saia expurgando petistas, não tripudie quem sair perdendo. Que fique claro: conversas nesse nível só são possíveis se parcela relevante do petismo já está jogando a toalha.
Há, porém, empecilhos para acordo. O ambiente político está contaminado, as massas petistas são belicosas e ninguém mais fala em nome de ninguém (aliás, foi o que Temer disse em nota depois da fala de Serra). Além disso, a Lava Jato está a mil por hora e não há acordo de cúpula que vá produzir um cavalo de pau. Os políticos podem acertar o que quiserem, mas vai ser um Deus-nos-acuda.
PS – Evo Morales (Bolívia) tenta convocar a Unasul para defender “a democracia” no Brasil. Logo, só pode ser para defender a Justiça, o próprio Supremo, o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita Federal e a mídia. Bem vindo!
De Nixon@pol para Dilma@gov - ELIO GASPARI
O GLOBO - 23/03
Senhora,
Eu perdi a Presidência dos Estados Unidos em 1974 por causa da minha paranoia, de meia dúzia de áulicos que se julgavam deuses e da raça desprezível dos repórteres, mas quero lhe dizer que quem me fritou foi a Polícia Federal. É por isso que lhe escrevo: não se meta com ela.
Sei que naquele tempo a senhora estava no esplendor da juventude. Saída da cadeia, retomava sua vida torcendo pela minha desgraça. Vi quando a senhora, já sexagenária, tietou o marechal Giap durante sua visita ao Vietnã, em 2008. Aquele anãozinho era festejado como o gênio da guerra contra os Estados Unidos. Hoje nossos investimentos no Vietnã já ultrapassaram os US$ 11 bilhões e eles querem mais.
Eu me danei no escândalo conhecido como Watergate. Uns bestalhões ligados à Casa Branca quiseram grampear o escritório do Partido Democrata em Washington. Estavam atrás do caixa dois dos meus adversários e foram apanhados.
Criou-se a lenda de que foi a imprensa que me fritou. Isso é inexato. O tal “Garganta Profunda” que deu algumas pistas a um repórter era o segundo homem do Federal Bureau of Investigation (FBI). Muito antes dessa traição, o próprio diretor do FBI chamou um jornalista do “The New York Times” e contou-lhe que a Casa Branca estava metida no caso. Eu havia mandado o general Vernon Walters, vice-diretor da CIA, travar a investigação dos federais. Piorou. A senhora deve lembrar do Walters. Em 1964, ele estava no Brasil e ajudou a livrar o país do comunismo.
Fiz muitas bobagens. Uma delas foi demitir o equivalente ao ministro da Justiça brasileiro. Como a senhora livrou-se do seu, estou preocupado. Alarmei-me ao saber que o novo ministro insinuou a possibilidade de trocar o chefe da Polícia Federal. Depois recuou, refletindo o grau de desorientação de seu palácio.
O Walters não gosta da senhora, continua conversando com brasileiros e fala bastante com um levantino de bigodes que já dirigiu a Polícia Federal. Seu nome é Romeu, creio que o sobrenome é Tuma. Ele acha que o seu ministro foi ingênuo ao dizer que punirá sumariamente os agentes que estão em equipes de onde saem vazamentos. Essa arrogância revolta qualquer corporação. Não entendi direito uma história que o Walters me contou: “Todo governo acha que a polícia vaza informações contra ele. (Eu continuo achando.) As coisas são mais complexas, imagine um caso de um agente que vazou informações que beneficiavam uma grande empreiteira? E se nesse vazamento houve dinheiro? Mais: como crucificar o intermediário se tiver sido um advogado?”. É óbvio que deveria haver punição, mas o vazamento interessava a gente do governo. Permita-me uma impropriedade, vazamento é como decote feminino. Pode ser indecência aos olhos do marido, mas na mulher dos outros é espetáculo. A senhora gostou do gesto do Garganta Profunda.
O grampo do Watergate era um crime menor, minhas mentiras não seriam suficientes para me tirar da Presidência. O que me destruiu foi o momento em que acreditei na possibilidade de obstruir as investigações. Eu e a senhora cometemos o mesmo erro inicial, sabíamos mais do que dizíamos e acreditávamos que o palácio prevaleceria. Eu cometi o engano seguinte, fatal. Não faça como Nixon.
Espero ter sido útil e despeço-me, mas não torço pela senhora.
Atenciosamente,
Richard Nixon
Senhora,
Eu perdi a Presidência dos Estados Unidos em 1974 por causa da minha paranoia, de meia dúzia de áulicos que se julgavam deuses e da raça desprezível dos repórteres, mas quero lhe dizer que quem me fritou foi a Polícia Federal. É por isso que lhe escrevo: não se meta com ela.
Sei que naquele tempo a senhora estava no esplendor da juventude. Saída da cadeia, retomava sua vida torcendo pela minha desgraça. Vi quando a senhora, já sexagenária, tietou o marechal Giap durante sua visita ao Vietnã, em 2008. Aquele anãozinho era festejado como o gênio da guerra contra os Estados Unidos. Hoje nossos investimentos no Vietnã já ultrapassaram os US$ 11 bilhões e eles querem mais.
Eu me danei no escândalo conhecido como Watergate. Uns bestalhões ligados à Casa Branca quiseram grampear o escritório do Partido Democrata em Washington. Estavam atrás do caixa dois dos meus adversários e foram apanhados.
Criou-se a lenda de que foi a imprensa que me fritou. Isso é inexato. O tal “Garganta Profunda” que deu algumas pistas a um repórter era o segundo homem do Federal Bureau of Investigation (FBI). Muito antes dessa traição, o próprio diretor do FBI chamou um jornalista do “The New York Times” e contou-lhe que a Casa Branca estava metida no caso. Eu havia mandado o general Vernon Walters, vice-diretor da CIA, travar a investigação dos federais. Piorou. A senhora deve lembrar do Walters. Em 1964, ele estava no Brasil e ajudou a livrar o país do comunismo.
Fiz muitas bobagens. Uma delas foi demitir o equivalente ao ministro da Justiça brasileiro. Como a senhora livrou-se do seu, estou preocupado. Alarmei-me ao saber que o novo ministro insinuou a possibilidade de trocar o chefe da Polícia Federal. Depois recuou, refletindo o grau de desorientação de seu palácio.
O Walters não gosta da senhora, continua conversando com brasileiros e fala bastante com um levantino de bigodes que já dirigiu a Polícia Federal. Seu nome é Romeu, creio que o sobrenome é Tuma. Ele acha que o seu ministro foi ingênuo ao dizer que punirá sumariamente os agentes que estão em equipes de onde saem vazamentos. Essa arrogância revolta qualquer corporação. Não entendi direito uma história que o Walters me contou: “Todo governo acha que a polícia vaza informações contra ele. (Eu continuo achando.) As coisas são mais complexas, imagine um caso de um agente que vazou informações que beneficiavam uma grande empreiteira? E se nesse vazamento houve dinheiro? Mais: como crucificar o intermediário se tiver sido um advogado?”. É óbvio que deveria haver punição, mas o vazamento interessava a gente do governo. Permita-me uma impropriedade, vazamento é como decote feminino. Pode ser indecência aos olhos do marido, mas na mulher dos outros é espetáculo. A senhora gostou do gesto do Garganta Profunda.
O grampo do Watergate era um crime menor, minhas mentiras não seriam suficientes para me tirar da Presidência. O que me destruiu foi o momento em que acreditei na possibilidade de obstruir as investigações. Eu e a senhora cometemos o mesmo erro inicial, sabíamos mais do que dizíamos e acreditávamos que o palácio prevaleceria. Eu cometi o engano seguinte, fatal. Não faça como Nixon.
Espero ter sido útil e despeço-me, mas não torço pela senhora.
Atenciosamente,
Richard Nixon
Luta armada - DORA KRAMER
O Estado de S. Paulo - 23/03
Acuada, a presidente Dilma Rousseff achou por bem voltar-se contra a maioria da população brasileira. De seu bunker no Palácio do Planalto, rodeada por militantes partidários e em tom de franca confrontação, a mandatária deu início ontem a uma ofensiva em prol da manutenção de seu mandato com invocação por sinal trocado ao golpe militar de 1964.
Dilma aludiu à rede da legalidade deflagrada há 52 anos por Leonel Brizola no Rio Grande do Sul em defesa do governo João Goulart, como se o Brasil hoje estivesse em situação semelhante: sob o risco da quebra do estado de direito, prestes a cair numa ditadura. Seria grave se fosse verdade, mas o pior é que é mentira essa tentativa de qualificar como ilegal uma realidade pautada pelo respeito à Constituição.
Se há alguém do lado sombrio da lei são os investigados pelo Ministério Público com respaldo do Supremo Tribunal Federal, conforme assentou a ministra Rosa Weber ao negar provimento ao habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio da Silva, enquanto a presidente se pronunciava no Palácio do Planalto.
Na palavra, a presidente defende a lei. Nos atos, a Justiça corrobora a legalidade, de resto abrigada no desejo da maioria da população expresso tanto nos protestos de 13 de março quanto nas pesquisas de opinião que indicam 68% de rejeição ao atual governo. Com isso, a presidente põe a maioria na condição de “golpista”.
O fracasso da ideia de salvar o governo em geral e o ex-presidente Luiz Inácio da Silva em particular dando a ele o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, era uma das favas mais contadas da República. Afora uma euforia desarvorada reinante no PT, todas as análises apontavam na direção do erro. Evidente que aquilo não poderia dar certo. Caso de pau que nasce e morre torto.
Atingido o limite da ignomínia, o governo resolveu prosseguir ao cogitar da troca de comando na Polícia Federal como solução para seus problemas. Concretizada a manobra, obviamente dará errado. Será mais um da interminável série de tiros no peito do Palácio do Planalto. Gasolina em fogo incandescente.
As entrevistas do novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, são provocativas e, por isso, contraproducentes. Ele se posiciona em defesa da lei ao indicar que punirá quaisquer ações de vazamentos de informações. Mediante o “cheiro” de irregularidades, à revelia de comprovações. Tudo certo, não fosse o adendo em que dispensa provas para aplicar punições. Trata-se de uma incongruência em relação ao discurso palaciano de que a Operação Lava Jato atua sem provas.
Por esse critério, ou muito menos, boa parte da República já estaria na cadeia. Aí incluídos os dois maiores beneficiários de todo esquema de corrupção, os presumidos mandantes por evidente domínio de todos os fatos.
Pode ser que vá. Não obstante o posicionamento do senador José Serra em favor do impeachment, suas articulações com o vice-presidente, Michel Temer, a entrega a ele do comando da economia no caso de uma troca de presidente pode ser mera especulação. Serra examina a hipótese, mas pesa prós e mede contras, a depender da conformação de um possível governo de transição.
Há 30 anos, Serra é cogitado para o cargo de ministro da Fazenda. Com Tancredo Neves (e depois José Sarney) não quis entrar no governo quando viu a Fazenda ser entregue a Francisco Dornelles. No governo Collor, concordou com o veto do PSDB à adesão. Com Itamar Franco, pressentiu que o temperamento mercurial do presidente daria problema. No governo Fernando Henrique, em princípio discordava do Plano Real.
Agora, só iria para um governo que na concepção dele tivesse tudo para dar certo e, assim, pavimentar sua candidatura a presidente em 2018.
Acuada, a presidente Dilma Rousseff achou por bem voltar-se contra a maioria da população brasileira. De seu bunker no Palácio do Planalto, rodeada por militantes partidários e em tom de franca confrontação, a mandatária deu início ontem a uma ofensiva em prol da manutenção de seu mandato com invocação por sinal trocado ao golpe militar de 1964.
Dilma aludiu à rede da legalidade deflagrada há 52 anos por Leonel Brizola no Rio Grande do Sul em defesa do governo João Goulart, como se o Brasil hoje estivesse em situação semelhante: sob o risco da quebra do estado de direito, prestes a cair numa ditadura. Seria grave se fosse verdade, mas o pior é que é mentira essa tentativa de qualificar como ilegal uma realidade pautada pelo respeito à Constituição.
Se há alguém do lado sombrio da lei são os investigados pelo Ministério Público com respaldo do Supremo Tribunal Federal, conforme assentou a ministra Rosa Weber ao negar provimento ao habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio da Silva, enquanto a presidente se pronunciava no Palácio do Planalto.
Na palavra, a presidente defende a lei. Nos atos, a Justiça corrobora a legalidade, de resto abrigada no desejo da maioria da população expresso tanto nos protestos de 13 de março quanto nas pesquisas de opinião que indicam 68% de rejeição ao atual governo. Com isso, a presidente põe a maioria na condição de “golpista”.
O fracasso da ideia de salvar o governo em geral e o ex-presidente Luiz Inácio da Silva em particular dando a ele o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, era uma das favas mais contadas da República. Afora uma euforia desarvorada reinante no PT, todas as análises apontavam na direção do erro. Evidente que aquilo não poderia dar certo. Caso de pau que nasce e morre torto.
Atingido o limite da ignomínia, o governo resolveu prosseguir ao cogitar da troca de comando na Polícia Federal como solução para seus problemas. Concretizada a manobra, obviamente dará errado. Será mais um da interminável série de tiros no peito do Palácio do Planalto. Gasolina em fogo incandescente.
As entrevistas do novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, são provocativas e, por isso, contraproducentes. Ele se posiciona em defesa da lei ao indicar que punirá quaisquer ações de vazamentos de informações. Mediante o “cheiro” de irregularidades, à revelia de comprovações. Tudo certo, não fosse o adendo em que dispensa provas para aplicar punições. Trata-se de uma incongruência em relação ao discurso palaciano de que a Operação Lava Jato atua sem provas.
Por esse critério, ou muito menos, boa parte da República já estaria na cadeia. Aí incluídos os dois maiores beneficiários de todo esquema de corrupção, os presumidos mandantes por evidente domínio de todos os fatos.
Pode ser que vá. Não obstante o posicionamento do senador José Serra em favor do impeachment, suas articulações com o vice-presidente, Michel Temer, a entrega a ele do comando da economia no caso de uma troca de presidente pode ser mera especulação. Serra examina a hipótese, mas pesa prós e mede contras, a depender da conformação de um possível governo de transição.
Há 30 anos, Serra é cogitado para o cargo de ministro da Fazenda. Com Tancredo Neves (e depois José Sarney) não quis entrar no governo quando viu a Fazenda ser entregue a Francisco Dornelles. No governo Collor, concordou com o veto do PSDB à adesão. Com Itamar Franco, pressentiu que o temperamento mercurial do presidente daria problema. No governo Fernando Henrique, em princípio discordava do Plano Real.
Agora, só iria para um governo que na concepção dele tivesse tudo para dar certo e, assim, pavimentar sua candidatura a presidente em 2018.
Samba do político doido - MERVAL PEREIRA
O Globo - 23/03
Em clara afronta à Constituição, ao Supremo Tribunal Federal, que definiu o rito do impeachment, e ao próprio Congresso, que aprovou a comissão que vai tratar do assunto com apenas um voto contrário — o que quer dizer que os próprios petistas ou não compareceram, ou votaram a favor, com exceção desse único contrário —, Dilma aproveitou uma reunião no Planalto com juristas contrários ao impeachment para fazer um comício político, classificando de golpe o que está acontecendo no Congresso: “Nesse caso não cabem meias- palavras. O que está em curso é um golpe contra a democracia. Eu jamais renunciarei”. A presidente insistiu na falácia de que a divulgação de suas conversas com o ex-presidente Lula foi como “rasgar a Constituição”.
O samba do político doido está sendo a trilha sonora dos últimos dias, quando se tenta, inclusive a própria presidente, confundir a História recente do país comparando- se a situação atual, onde o estado de direito está funcionando plenamente, com a ditadura militar.
Dilma voltou a fazer esse paralelo absurdo, citando em seu discurso a campanha da legalidade liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, seu verdadeiro mentor político-partidário, para garantir que o vice João Goulart assumiria o governo em lugar de Jânio, que renunciara.
Nessa defesa atrapalhada de si mesma, ao mesmo tempo em que garante que jamais renunciará, a presidente Dilma traz para dentro do Planalto uma situação histórica que a desfavorece. O ministro da Advocacia- Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, que vem perdendo sistematicamente na defesa de supostos direitos da presidente Dilma na Ordem dos Advogados do Brasil e no Supremo, fez críticas ao uso das conversas telefônicas divulgadas na semana passada, sempre baseando seus comentários na certeza de que a presidente Dilma teve seus direitos presidenciais desrespeitados.
Entre os juristas que apoiam a presidente Dilma destaca- se o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, um dos principais defensores da tese de que a Constituição está sendo desrespeitada. No entanto, um parecer seu datado de 7 de junho de 1999, sobre escutas telefônicas, defende tese justamente oposta, concordando com o juiz Sérgio Moro, que hoje defende a divulgação quando presente o interesse público.
No texto, o jurista destacava: “Há uma diferença essencial entre a pessoa física que exerce função pública e sua posição enquanto exercente dela. A ausência de intimidade característica desta última se reflete até sobre seu ocupante. Por isso a lei exige dos titulares de cargo político declaração pública de bens. Não poderia fazêlo em relação à generalidade dos cidadãos, sob pena de ferir o direito constitucional à intimidade, assegurado no art. 5 º . É por isso que não cabe invocar a proibição do uso de provas obtidas por meio ilícito em casos dessa ordem”.
Na mesma solenidade, os juristas amigos da presidente Dilma chegaram a dizer que estaríamos vivendo no país uma “ditadura do Judiciário”. Ora, é uma clara distorção da realidade, já que todos os atos que estão sendo praticados na Operação Lava- Jato estão respaldados pela autorização judicial, e nenhuma decisão até agora foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal.
PressãoCometi uma injustiça na coluna de ontem atribuindo ao presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, a iniciativa de tentar fazer uma reunião de emergência para tratar do caso do ex-presidente Lula.
Na verdade, houve uma pressão do Palácio do Planalto para que isso acontecesse, mas não havia a mínima condição técnica para que o recesso de Páscoa fosse levantado, pois diversos ministros estavam até mesmo fora do país.
Lewandowski sabia disso, e não deu seguimento a essa tentativa vã.
Em clara afronta à Constituição, ao Supremo Tribunal Federal, que definiu o rito do impeachment, e ao próprio Congresso, que aprovou a comissão que vai tratar do assunto com apenas um voto contrário — o que quer dizer que os próprios petistas ou não compareceram, ou votaram a favor, com exceção desse único contrário —, Dilma aproveitou uma reunião no Planalto com juristas contrários ao impeachment para fazer um comício político, classificando de golpe o que está acontecendo no Congresso: “Nesse caso não cabem meias- palavras. O que está em curso é um golpe contra a democracia. Eu jamais renunciarei”. A presidente insistiu na falácia de que a divulgação de suas conversas com o ex-presidente Lula foi como “rasgar a Constituição”.
O samba do político doido está sendo a trilha sonora dos últimos dias, quando se tenta, inclusive a própria presidente, confundir a História recente do país comparando- se a situação atual, onde o estado de direito está funcionando plenamente, com a ditadura militar.
Dilma voltou a fazer esse paralelo absurdo, citando em seu discurso a campanha da legalidade liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, seu verdadeiro mentor político-partidário, para garantir que o vice João Goulart assumiria o governo em lugar de Jânio, que renunciara.
Nessa defesa atrapalhada de si mesma, ao mesmo tempo em que garante que jamais renunciará, a presidente Dilma traz para dentro do Planalto uma situação histórica que a desfavorece. O ministro da Advocacia- Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, que vem perdendo sistematicamente na defesa de supostos direitos da presidente Dilma na Ordem dos Advogados do Brasil e no Supremo, fez críticas ao uso das conversas telefônicas divulgadas na semana passada, sempre baseando seus comentários na certeza de que a presidente Dilma teve seus direitos presidenciais desrespeitados.
Entre os juristas que apoiam a presidente Dilma destaca- se o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, um dos principais defensores da tese de que a Constituição está sendo desrespeitada. No entanto, um parecer seu datado de 7 de junho de 1999, sobre escutas telefônicas, defende tese justamente oposta, concordando com o juiz Sérgio Moro, que hoje defende a divulgação quando presente o interesse público.
No texto, o jurista destacava: “Há uma diferença essencial entre a pessoa física que exerce função pública e sua posição enquanto exercente dela. A ausência de intimidade característica desta última se reflete até sobre seu ocupante. Por isso a lei exige dos titulares de cargo político declaração pública de bens. Não poderia fazêlo em relação à generalidade dos cidadãos, sob pena de ferir o direito constitucional à intimidade, assegurado no art. 5 º . É por isso que não cabe invocar a proibição do uso de provas obtidas por meio ilícito em casos dessa ordem”.
Na mesma solenidade, os juristas amigos da presidente Dilma chegaram a dizer que estaríamos vivendo no país uma “ditadura do Judiciário”. Ora, é uma clara distorção da realidade, já que todos os atos que estão sendo praticados na Operação Lava- Jato estão respaldados pela autorização judicial, e nenhuma decisão até agora foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal.
PressãoCometi uma injustiça na coluna de ontem atribuindo ao presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, a iniciativa de tentar fazer uma reunião de emergência para tratar do caso do ex-presidente Lula.
Na verdade, houve uma pressão do Palácio do Planalto para que isso acontecesse, mas não havia a mínima condição técnica para que o recesso de Páscoa fosse levantado, pois diversos ministros estavam até mesmo fora do país.
Lewandowski sabia disso, e não deu seguimento a essa tentativa vã.
Assinar:
Postagens (Atom)