Dilma manda a Petrobras segurar o preço dos combustíveis para conter a inflação, mas isso debilita a empresa e mata a autossuficiência
HELENA BORGES
Foi bom enquanto durou. No próximo ano, o Brasil voltará a ser dependente da importação de petróleo. Adeus, autossuficiência, celebrada com fervor nacionalista em 2006, quando o país passou a produzir mais petróleo do que consumia. O então presidente Lula deu contornos épicos ao feito, que comparou à "segunda independência do Brasil". A propaganda escondia que a conquista da autossuficiência ainda deixava um déficit na conta externa de energia, pois o Brasil continuaria a vender petróleo cru e a importar gasolina e diesel. Porém, apesar do saldo externo negativo, produzir tanto petróleo internamente ajudou a diminuir a vulnerabilidade da economia a choques externos, como os catastróficos eventos das décadas de 70 e 80, quando a produção brasileira de petróleo totalizava menos de um décimo da atual. Voltar a ser dependente da importação é, portanto, uma má notícia.
Um estudo inédito do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), obtido com exclusividade por VEJA, mostra que, já em 2013, o Brasil estará, consumindo mais óleo do que será capaz de produzir. Se teve seus méritos na conquista da autossuficiência, o governo também é culpado pela perda desse privilégio. Por duas razões: a primeira foi forçar a Petrobras a subsidiar o preço ao consumidor da gasolina e do diesel, mantendo-o estável mesmo com o aumento do custo internacional do petróleo: a segunda foi incentivar a venda de carros novos com crédito farto e corte de impostos, o que aumentou a frota nacional e, claro, o consumo.
Essas feitiçarias heterodoxas têm efeitos imprevisíveis. Ao proibir a Petrobras de repassar os aumentos ao preço do petróleo, o governo conseguiu impedir um acréscimo médio de cerca de 0,4 ponto porcentual no índice de inflação, que já está bem acima da meta de 4,5% estipulada para 2012. Mas, ao bancar o subsídio, que só neste ano já provocou um prejuízo de 12,8 bilhões de reais, a Petrobras perdeu sua capacidade de investimento, não modernizou os poços já produtivos, interrompeu a prospecção de novas jazidas e atrasou a extração da riqueza do óleo de grande profundidade, o pré-sal. Como despiu um santo para vestir outro, a presidente Dilma Rousseff se encontra agora em um dilema severo. Se desafogar o caixa da Petrobras autorizando o repasse dos preços externos, a inflação subirá mais rapidamente. Se mantiver a política de subsídio pela companhia, vai se arriscar não apenas a perder a autossuficiência como a entrevar irreparavelmente a empresa que é orgulho nacional, o retrato a óleo do Brasil emoldurado pelos sonhos de grandeza de tantas gerações. Esse dilema não tem solução fácil nem indolor. É uma daquelas situações em que as opções são perder ou perder.
Se não tem solução, ele oferece a chance de refletir sobre, afinal, por que razão chegamos a essa situação negativa. A verdade pura e cristalina vem do fato de a presidente Dilma ter se servido da Petrobras como um braço de sua política econômica — no caso, como arma para conter a inflação, uma vez que foi descartada a opção clássica de segurar o dragão com o aumento dos juros básicos da economia, a taxa Selic. Diz Adriano Pires, diretor do CBIE, que patrocinou o estudo que aponta a volta da dependência brasileira do petróleo importado: "Ao pesar a mão sobre a Petrobras, o governo não prejudicou só a empresa, mas emperrou o aproveitamento de todo o potencial do pré-sal e comprometeu o crescimento do país".
Os últimos resultados da Petrobras, anunciados no dia 26 de outubro, expuseram o estrago dessa política. O lucro diminuiu, os custos subiram e o endividamento bateu no limite. No último trimestre, a produção de petróleo caiu 3%, chegando ao menor patamar desde 2008. Se estivesse investindo no pré-sal, como previsto, o Brasil deveria estar produzindo neste ano 6.8% mais do que em 2011 e continuaria autossuficiente, mesmo com o salto no consumo de combustível devido ao aumento da frota. As dificuldades de gestão já estão sendo sentidas no preço das ações da estatal, que chegaram a cair 3.39% em um único dia. Comparado a 2009, o valor de mercado da Petrobras foi reduzido a menos da metade.
Recentemente, Maria das Graças Foster, presidente da companhia, admitiu a perda de eficiência média de 10% nas plataformas. Em alguns casos, chega a 50%. Uma das causas é o declínio natural da produtividade de poços mais antigos, mas influíram também as transferências e a aposentadoria de equipes de manutenção e operação altamente treinadas. A extinção do bônus por desempenho individual dos funcionários, trocado pela participação nos lucros, uma exigência sindical, quebrou uma das vigas mestras do sucesso da Petrobras: a meritocracia. O novo sistema desestimula a excelência individual e, pior, dilui as responsabilidade quando ocorrem falhas graves. A tudo isso, somou-se o atraso na entrega de plataformas e sondas para novos campos no pré-sal, fruto de uma contingência do mercado internacional — o que tornará ainda mais difícil fazer a produção voltar a subir. O atual estrangulamento financeiro da estatal é apontado como uma das razões para o fato de o governo ter suspendido, há quatro anos, novos leilões de campos de petróleo, que exigiriam ainda mais investimentos. Sem eles, a produção não avança, desencadeando um ciclo vicioso que agrava a dependência de importações.
Os sinais do fim da autossuficiência já aparecem. Há um mês, seis estados das regiões Sul e Norte ficaram sem gasolina. A própria Petrobras reconhece que só em 2014 a produção voltará a crescer A autossuficiência poderia ser reconquistada em 2015. Mas isso depende de a estatal cumprir os próprios planos, o que não tem ocorrido faz um bom tempo. Diz o economista Luiz Caetano, analista da corretora Planner Prosper: “Há pelo menos cinco anos a Petrobras não honra suas metas. Esse histórico não anima ninguém".
Um estudo inédito do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), obtido com exclusividade por VEJA, mostra que, já em 2013, o Brasil estará, consumindo mais óleo do que será capaz de produzir. Se teve seus méritos na conquista da autossuficiência, o governo também é culpado pela perda desse privilégio. Por duas razões: a primeira foi forçar a Petrobras a subsidiar o preço ao consumidor da gasolina e do diesel, mantendo-o estável mesmo com o aumento do custo internacional do petróleo: a segunda foi incentivar a venda de carros novos com crédito farto e corte de impostos, o que aumentou a frota nacional e, claro, o consumo.
Essas feitiçarias heterodoxas têm efeitos imprevisíveis. Ao proibir a Petrobras de repassar os aumentos ao preço do petróleo, o governo conseguiu impedir um acréscimo médio de cerca de 0,4 ponto porcentual no índice de inflação, que já está bem acima da meta de 4,5% estipulada para 2012. Mas, ao bancar o subsídio, que só neste ano já provocou um prejuízo de 12,8 bilhões de reais, a Petrobras perdeu sua capacidade de investimento, não modernizou os poços já produtivos, interrompeu a prospecção de novas jazidas e atrasou a extração da riqueza do óleo de grande profundidade, o pré-sal. Como despiu um santo para vestir outro, a presidente Dilma Rousseff se encontra agora em um dilema severo. Se desafogar o caixa da Petrobras autorizando o repasse dos preços externos, a inflação subirá mais rapidamente. Se mantiver a política de subsídio pela companhia, vai se arriscar não apenas a perder a autossuficiência como a entrevar irreparavelmente a empresa que é orgulho nacional, o retrato a óleo do Brasil emoldurado pelos sonhos de grandeza de tantas gerações. Esse dilema não tem solução fácil nem indolor. É uma daquelas situações em que as opções são perder ou perder.
Se não tem solução, ele oferece a chance de refletir sobre, afinal, por que razão chegamos a essa situação negativa. A verdade pura e cristalina vem do fato de a presidente Dilma ter se servido da Petrobras como um braço de sua política econômica — no caso, como arma para conter a inflação, uma vez que foi descartada a opção clássica de segurar o dragão com o aumento dos juros básicos da economia, a taxa Selic. Diz Adriano Pires, diretor do CBIE, que patrocinou o estudo que aponta a volta da dependência brasileira do petróleo importado: "Ao pesar a mão sobre a Petrobras, o governo não prejudicou só a empresa, mas emperrou o aproveitamento de todo o potencial do pré-sal e comprometeu o crescimento do país".
Os últimos resultados da Petrobras, anunciados no dia 26 de outubro, expuseram o estrago dessa política. O lucro diminuiu, os custos subiram e o endividamento bateu no limite. No último trimestre, a produção de petróleo caiu 3%, chegando ao menor patamar desde 2008. Se estivesse investindo no pré-sal, como previsto, o Brasil deveria estar produzindo neste ano 6.8% mais do que em 2011 e continuaria autossuficiente, mesmo com o salto no consumo de combustível devido ao aumento da frota. As dificuldades de gestão já estão sendo sentidas no preço das ações da estatal, que chegaram a cair 3.39% em um único dia. Comparado a 2009, o valor de mercado da Petrobras foi reduzido a menos da metade.
Recentemente, Maria das Graças Foster, presidente da companhia, admitiu a perda de eficiência média de 10% nas plataformas. Em alguns casos, chega a 50%. Uma das causas é o declínio natural da produtividade de poços mais antigos, mas influíram também as transferências e a aposentadoria de equipes de manutenção e operação altamente treinadas. A extinção do bônus por desempenho individual dos funcionários, trocado pela participação nos lucros, uma exigência sindical, quebrou uma das vigas mestras do sucesso da Petrobras: a meritocracia. O novo sistema desestimula a excelência individual e, pior, dilui as responsabilidade quando ocorrem falhas graves. A tudo isso, somou-se o atraso na entrega de plataformas e sondas para novos campos no pré-sal, fruto de uma contingência do mercado internacional — o que tornará ainda mais difícil fazer a produção voltar a subir. O atual estrangulamento financeiro da estatal é apontado como uma das razões para o fato de o governo ter suspendido, há quatro anos, novos leilões de campos de petróleo, que exigiriam ainda mais investimentos. Sem eles, a produção não avança, desencadeando um ciclo vicioso que agrava a dependência de importações.
Os sinais do fim da autossuficiência já aparecem. Há um mês, seis estados das regiões Sul e Norte ficaram sem gasolina. A própria Petrobras reconhece que só em 2014 a produção voltará a crescer A autossuficiência poderia ser reconquistada em 2015. Mas isso depende de a estatal cumprir os próprios planos, o que não tem ocorrido faz um bom tempo. Diz o economista Luiz Caetano, analista da corretora Planner Prosper: “Há pelo menos cinco anos a Petrobras não honra suas metas. Esse histórico não anima ninguém".
COM MARCELO SAKATE