terça-feira, novembro 07, 2017

Tripla proeza de FHC - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 07/11

Ao defender desembarque de tucanos, FHC enfraquece Temer e PSDB e fortalece PT


Fernando Henrique Cardoso é um dos raros líderes a sobreviver nessa terra arrasada da política brasileira. Até por isso, e por ser um ex-presidente bem-sucedido e um intelectual com conhecida lucidez, que ele deve ter cuidado redobrado com o que diz e escreve. Milhões de órfãos de ideias e referências não têm muitas outras estacas para se agarrar.

Dito isso, uma dúvida: Fernando Henrique tem o direito de pensar e se manifestar apenas como líder de um partido, o PSDB? Ou ele tem o dever e a obrigação de agir como um estadista, um líder que se preocupa antes de tudo com o País?

A Constituição prevê que o impeachment de um (ou uma) presidente não é votado por juristas, mas por políticos, e determina que o (ou a) presidente só pode ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal depois do aval da Câmara dos Deputados. Por quê? Porque juristas, em geral, e ministros do STF, em particular, julgam com base unicamente na lei, enquanto políticos votam, em tese, refletindo o que é melhor para o País naquele momento.

Foi assim que Dilma Rousseff caiu. Além das “pedaladas”, tecnicamente comprovadas, houve um consenso de que o Brasil não resistiria a mais dois anos de erros crassos na economia e na condução política. E foi assim que Michel Temer assumiu e venceu (ou adiou) duas denúncias da PGR. Além de estar escrito na Constituição que o vice assume, seja ele João, Maria ou Michel, há um consenso de que derrubar Temer seria jogar o Brasil num buraco ainda mais profundo.

Ele tem um encontro marcado com a Justiça ao deixar a Presidência, mas até lá a prioridade do País é recuperar a economia e os empregos. Bem ou mal, Temer está conseguindo. Afora o rombo fiscal, que continua aumentando, há alívio com inflação, juros, arrecadação, empregos, contas externas e previsão de crescimento em 2017 e 2018.

Em seu texto de anteontem no Estado, Fernando Henrique falou do “clima de descrença e desânimo” e que as melhoras na economia só serão sentidas pelo “povo” quando baterem “em seu bolso”. Então, decretou: “Daqui por diante, contudo, o capítulo é o futuro”. Futuro do quê? Ou de quem?

No artigo, aflito com o futuro do PSDB, das coligações e do candidato do partido em 2018, não há uma só palavra sobre o futuro do governo, da economia, dos empregos – do País, enfim. E termina com uma ameaça: ou os tucanos desembarcam do governo em dezembro, ou o bicho-papão vem pegar: “O peemedebismo dominante tornará o PSDB coadjuvante na briga sucessória”. Como, se é o PSDB que tem candidato, não o PMDB?

Só falar em desembarque do PSDB já fragiliza ainda mais a posição de Temer e as chances da reforma da Previdência, com o efeito colateral de aguçar a gula dos aliados. E, se consumado, vai paralisar o governo, o País e a recuperação. Significa piorar as condições para o próximo presidente, inclusive se for um tucano. Quem lucra?

O PSDB não é. Se o PT e seu grande líder Lula foram atingidos em cheio pela Lava Jato e pelo fracasso de Dilma, o PSDB não tem nada para se gabar, mas parece, por ora, menos ferido. A diferença, porém, é de postura. O PT segue Lula cegamente, usa Temer como escudo para seus erros, concentra energia contra adversários e exercita o “unidos na alegria e na tristeza”. O PSDB faz o oposto: não segue ninguém, gasta energia se autodestruindo e se divide na saúde e na doença.

FHC consegue, assim, tripla proeza: aprofunda o racha do PSDB, enfraquece o governo e fortalece o discurso do PT de que fez tudo certo, a culpa de todos os males é de Temer e do PMDB. Jogar a troca de quatro ministros no centro da agenda política é, como diz o chanceler Aloysio Nunes Ferreira, um “desserviço ao Brasil”.

Cunha diz a um dos mosqueteiros que Temer não era Richelieu nesta ficção de “toga e espada” - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL

Ex-presidente da Câmara nega que Michel Temer tenha tentando comprar o seu silêncio e diz ser isso apenas parte da trama para derrubar o presidente da República





O ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) prestou depoimento, nesta segunda, na 10ª Vara Federal de Brasília, cujo titular é o juiz Vallisney de Souza Oliveira, em interrogatório que integra a ação penal derivada da Operação Sépsis. Vallisney é um dos Três Mosqueteiros (que eram quatro; ainda há vaga para mais uma estrela togada) da Justiça Federal: os outros são Sérgio Moro, da 13ª Vara, o inigualado, inigualável e inigualante (palavra não está no Houaiss, mas podem procurar no VOLP: Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), e Marcelo Bretas, da 7ª. É aquele que queria mandar Sérgio Cabral, em prisão preventiva (sim, mesmo condenado, é preventiva), para um presídio de segurança máxima sem que se saiba até agora o motivo, a não ser o alegado. Como? Você acha que a prisão perpétua ainda estaria pequena para Cabral? Posso até concordar. Nas democracias, no entanto, cumprem-se leis. E Justiça não se confunde com vingança, assim como um preso não pode ser o troféu de um juiz. Se não for assim, a democracia vai para o vinagre. São apenas três varas, mas poderiam valer por onze mil! Eu me alonguei demais. Quero voltar a Cunha. Mas, antes, vou ter de falar um pouco sobre o presidente Michel Temer e um pedaço da imprensa.

Também nesta segunda, Temer fez um pronunciamento público (ainda voltarei ao tema) apontando a existência de uma trama para derrubá-lo, urdida na Procuradoria Geral da República. Tem razão. Aconteceu, todos sabem, mas, infelizmente, setores da imprensa se recusam a reconhecer porque seriam obrigadas a admitir que dão como verdade o que verdade não é, a saber: na tal gravação que Joesley Batista fez no Palácio do Jaburu, o presidente teria condescendido com a compra do silêncio de Eduardo Cunha. ~´E mentira! Ora, quando reportagens se sustentam numa farsa, e tendo havido uma trama para derrubar o presidente (e houve), então os que assim procedem são cúmplices. Vamos mais um pouco nessa digressão.

Sim, eu ainda falarei sobre Cunha.

A capa da primeira edição da revista Época, versão impressa semanal do grupo Globo, depois que a segunda denúncia contra Temer foi derrotada, traz o presidente de costas e um elíptico “Ele venceu.” Sim, com ponto final. Como a dizer: “ele venceu e ponto.” Só faltou a confissão: “Nós perdemos e ponto.” Mas o segundo tempo do título vai na reportagem: “E o Brasil?” A sugestão de que a vitória do presidente implicou a derrota do país é evidente. O texto tenta demonstrá-lo, sem conseguir. Fosse um campeonato, eu desafiaria aqui a turminha a demonstrar que esse governo, no tempo em que ficou enfrentando a fúria dos “white walkers”, permaneceu parado, limitando-se a comprar deputados. Isso também é falso, como assevera o noticiário econômico do grupo nos seus mais diversos veículos. Mas, para noticiar os dados virtuosos da economia, a personagem sempre foi Henrique Meirelles. Ou por outra: tinham um Temer para derrubar e uma equipe econômica para a manter!

Será que essa equação era possível? Como se equipes econômicas se sustentassem sem a necessária articulação no Congresso, que é política. Não fosse só um cálculo ruim, seria um raciocínio infantil, próprio de um tempo em que a maior referência de quem cobre política é “Game of Thrones”, onde estão os… “white walkers”… Ou Caetano Veloso — o dos últimos cinco anos, não o que existiu anteriormente. O que esperar de uma imprensa que põe as emendas liberadas pelo governo na cota da compra de consciências? Mas que se note: merecem essa denominação apenas aquelas que destinadas a parlamentares da base. Quando vão para oposicionistas, aí o governo apenas cumpre uma obrigação. Entenderam?

Mas volto à revista Época para voltar a Michel Temer e, assim, voltar a Eduardo Cunha. Na mesma edição em que confessa, sem querer, uma derrota, a revista faz um quadro intitulado “Eles não quiseram ver”, que traz, numa coluna, as acusações feitas por delatores, expressas nas denúncias, e, na outra, o que chama “evidências”. Chega a ser espantoso. Quando há a referência à acusação de que Temer teria incentivado Joesley Batista a comprar o silêncio de Eduardo Cunha, escreve a revista: “Na conversa no Palácio do Jaburu, no dia 7 de março, Joesley falou da mesada e ouviu de Temer a famosa frase: ‘Tem de manter isso, viu?”

ACONTECE, MEUS CAROS, QUE, DO QUE VAI ACIMA, ESTÁ NA GRAVAÇÃO APENAS O “TEM DE MANTER ISSO, VIU?” NÃO HÁ QUALQUER REFERÊNCIA A UMA MESADA. JOESLEY DIZIA ALI QUE CULTIVAVA UM BOM RELACIONAMENTO COM CUNHA.
Transcrevo:

JOESLEY: [inaudível]. Como é que eu… Que que eu mais ou menos dei conta de fazer até agora. Eu tô de bem com o Eduardo…
TEMER: Tem que manter isso, viu?


A afirmação de que o trecho se referia a dinheiro e à compra de silêncio é de Joesley não está na fita, como sustenta a revista.

Ninguém mais duvida da imoralidade do acordo celebrado entre Joesley Batista e Rodrigo Janot, homologada por Edson Fachin. Aqueles senhores da JBS, sem querer, confessaram a urdidura criminosa da tal trama a que se refere o presidente. Já sabemos mais: o MPF mandou a lei às favas, mais uma vez, e participou das negociações prévias para se chegar a uma delação. Marcelo Miller, então procurador e auxiliar direto de Janot, já confessou a sua atuação, ainda que a minimize. Os próprios delatores admitiram ter mantido reuniões com membros do gabinete de Janot, incluindo o ser. Eduardo Pelella, que era seu chefe de gabinete do procurador-geral.

Agora, de fato, Cunha
Muito bem! Eduardo Cunha sabe que está bem enrolado. Poderia ter disputado com Lúcio Funaro, esse grande patriota, o galardão: aquele que acusar o presidente Michel Temer livra a cara. Por que o ex-deputado não poderia perseguir tal benefício? Porque, acredito, ficaria difícil evidenciá-lo. No seu depoimento desta segunda, no entanto, o ex-presidente da Câmara afirmou com todas as letras, ao se referir à suposta compra de seu silêncio: 


“Queriam atribuir isso para justificar uma denúncia que pegasse o mandato do senhor Michel Temer. Prova forjada, deram uma forjada, e o senhor Joesley foi o cúmplice dessa forjada. Ele está pagando por isso o preço agora”.

Pois é… Cunha disse a um dos Três Mosqueteiros que Temer não era o seu Cardeal Richelieu.

Aí alguém poderia objetar: “Você está me pedindo que acredite em alguém como Eduardo Cunha, Reinaldo?” Ao que respondo: “Bem, então acredite em alguém como Lúcio Funaro”. Que tal? Nesse ponto, alguém poderia propor um empate: “Então que não se creia nem num nem noutro” . Bem, meus caros, como se estivéssemos num jogo de truco, sou obrigado a chamar “seis!” (é a tréplica) e lembrar: “Calma lá! A acusação contra Temer deve render a liberdade ou uma pena bem reduzida ao sr. Lúcio Funaro”. Em casos assim, é preciso que a gente pergunte se o “lucro” está em contar a verdade ou a mentira. E a resposta me parece óbvia. Afinal, Janot buscava, e ele deixou isso claro, de quem? O que ele queria ouvir?

Cunha negou também outras acusações que lhe faz Funaro. Confrontado com uma planilha de pagamentos de que faria parte, na qual haveria uma anotação feita de próprio punho, o ex-deputado desafiou, dirigindo-se ao procurador Anselmo Lopes, que o inquiria:
“Vossa Excelência faça a perícia e comprove que é minha a letra. Vamos representar à PGR [Procuradoria-Geral da República] para fazer reexame na delação do senhor Lúcio Funaro.”

Bem, dizer o quê? Sua Excelência, o procurador, tem de aceitar o desafio. Aliás, Aramis (ops! o juiz Vallisney) tem de determinar o exame do documento — e não deixa de ser espantoso que isso não tenha sido solicitado pela própria acusação. Se a letra na tal planilha for de Cunha, cabe ainda o exame das outras supostas evidências apresentadas por Funaro. Se não for, é claro que a delação do doleiro tem de ser anulada, que ele tem de ficar na cadeia e de ser denunciado por mais um crime.

A fábrica de isentões - CARLOS ANDREAZZA

O Globo - 07/11

A facção justiceira da Lava-Jato, de inspiração jacobina, será — já é — a principal agente eleitoral brasileira para 2018, cujo alcance para influir se tornou senhor da decisão sobre quem poderá ou não concorrer no ano que vem. Mas os efeitos da cultura acusadora que plantou entre nós — essa que condena publicamente indivíduos nem sequer denunciados — por muito tempo permanecerão. Reúno-os sob o título de “renovação política” — algo que devemos perseguir desesperadamente, ao menos de acordo com quase todas as revistas jornalísticas nacionais.

A propósito, viciado na adrenalina folhetinesca dos últimos meses, mesmo o jornalismo terá de se reencontrar com a capacidade de investigar — desintoxicando-se do comodismo de ser mero veiculador de vazamentos seletivos, hábito barato e de repercussão tão espetacular quanto (não raro) irresponsável, o que o coloca na incômoda posição de ventilador acrítico para a circulação de interesses de parte do Estado.

O Brasil é um país doente, mas que prefere se medicar com cosméticos; que define o que quer destruir sem refletir sobre o que haveria como alternativa. Por exemplo: em vez de reformar, com rigor, o sistema de financiamento empresarial de campanhas eleitorais, optou por dinamitá-lo, daí porque — não havia outro destino — já nos afundamos no atraso por meio do qual o Estado bancará as eleições.

Esse é o verdadeiro extremo que nos ameaça. O das escolhas radicalmente popularescas, que jogam para a galera e que de súbito fazem herói, paladino na luta contra os criminosos de colarinho branco, aquele juiz que anteontem criara as condições para que José Dirceu pudesse ser hoje, em liberdade, articulador oculto do projeto de reerguimento eleitoral do petismo. Esse é o extremismo palpável que perturba o país. O das soluções ultraburras, que ignoram nuances e possibilidades de aperfeiçoamento, e jogam na lama os fundamentos da democracia representativa tão arduamente erguidos. E o que haverá como alternativa?

Ao igualar crimes de naturezas e gravidades diversas — como se o assalto ao Estado para financiar um projeto de permanência no poder pudesse ser comparado ao roubo que enriquece fulano e sicrano — e assim ceifar cabeças indistintamente, à revelia dos processos judiciais, e ao se transformar em pauteira-mor do jornalismo no Brasil, editando e distribuindo o enredo por meio do qual se informa que política é exercício para bandidos, a divisão janotista da Lava-Jato, a que tentou limitar o direito ao habeas corpus, contribuiu decisivamente para a criminalização da vida pública neste país, circunstância a partir da qual se desenrolam consequências reais, orgânicas, como a reencarnação competitiva de Lula, reabilitado pela fabulosa multiplicação de chefes de quadrilha, e artificiais, como a requentada ideia de que a solução para a política se encontra fora da política, no desprezo pela representação partidária, essa sendo a matéria deste artigo.

Ou o leitor não terá notado que querem nos vender, como tendência, a ascensão irresistível de movimentos suprapartidários — bancados por ricaços culpados — dispostos a investir em candidatos com perfil para Macron brasileiro?

O troço é tão falso quanto ardiloso. Uma fábrica de isentões cujo produto correrá para se declarar nem de direita nem de esquerda, porque acima — logo explicará — dessa dicotomia ultrapassada; mas que se apresentará com um programa que desfila a própria cartilha esquerdista para o século XXI, apenas domesticada por concessões liberais na economia: desarmamento, legalização do consumo de drogas e pregação abortista etc., tudo, porém, amortecido pelo compromisso com o tripé macroeconômico. Ou seja: uma indústria reprodutora de Obamas a serem comerciados como Macrons. Não há, no entanto, novidade alguma nisso; a não ser o fato de que Marina Silva teria concorrentes no planeta Melancia — caso típico de quando a oferta supera em muito a demanda.

Aí está o que chamam de renovação política; mas que outra coisa não é que imposição do apolítico, paraíso para o desenvolvimento de personalismos — como Luciano Huck. Erra, pois, quem avalia que a recente aceleração da campanha que pretende forjar, por meio do estigma de extremistas, uma polarização entre Lula e Jair Bolsonaro tenha a intenção de beneficiar, franqueando-lhe o terreno do centro (no caso, da centro-direita), algum nome tradicional, como Geraldo Alckmin — já rotulado de velha política pela mesma narrativa renovadora. Esses movimentos — isto, sim — trabalham para que um outsider, embalado como desprovido de caráter ideológico, encarne e capitalize uma percepção difusa de centro equilibrado. Esse é o campo que querem alargar e preencher: o do nem-nem.

Quebrarão a cara. Entre outras razões, em decorrência de uma premissa fundamental ainda pouco examinada, a se verificar tanto mais em período eleitoral: quando alguém chama, por exemplo, Bolsonaro de extremista, chama de extremista igualmente seu eleitor — e também aquele, até então indeciso, que concorda com uma ou outra ideia do candidato.

Goste-se ou não do que representam, os nossos — segundo a butique — extremistas, precisamente porque fazem política, crescem como massa de pão, quanto mais lhes batem. Isso dá notícia não sobre eles, mas sobre o eleitor. Que tem lado. E quer lado.