Chega pra lá
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 09/09/09
Segundo Lula, os adversários cometem "um crime contra o Brasil e contra a mulher". Mais "ame-o ou deixe-o" impossível
Encerrada a participação de Lula no horário eleitoral, anteontem à noite, correu pela blogosfera a suposição de que algo teria mudado no quadro desenhado pelas pesquisas. Afinal, só mesmo um sinal de redução da ampla vantagem de Dilma Rousseff justificaria a fala ribombante do presidente contra o "candidato que torce o nariz para tudo" e vive a "caluniar" a petista.
Errado. Talvez o mais interessante sobre a intervenção de Lula, pródiga nos juízos e econômica nas informações (em 2min15s, nenhuma menção a "sigilo fiscal", "violação", "filha" ou mesmo "José Serra"), é o fato de ter sido totalmente "imotivada" no que diz respeito à situação objetiva da disputa.
A despeito de pequenas oscilações nos trackings diários, as curvas não se alteraram e, ao menos por ora, Dilma está tão perto de vencer no primeiro turno quanto há dez dias, quando começou a subir a temperatura do "Receitagate".
Medicação preventiva? Sim, dizem auxiliares do presidente e integrantes do comando da campanha. A ideia seria dar um "chega pra lá" no adversário e conter a escalada do uso do caso na propaganda.
Ocorre, porém, que desde sábado passado o assunto vinha perdendo espaço no programa e nas inserções de Serra, por receio de superdosagem. Na noite de terça-feira, pouco antes da entrada do bloco de Dilma, no qual pontificou Lula, o tempo do tucano foi quase todo ocupado por material biográfico e "propositivo". A história dos sigilos ficou confinada ao segmento final e à voz de um locutor diferenciado.
Quanto ao "chega pra lá", não se trata de uma operação desprovida de riscos. Um deles é o de chamar a atenção de eleitores que vinham passando batido pelos protestos de Serra, pois quem está falando é ninguém menos do que Lula. A atenção pode gerar empatia pela causa de Dilma, mas pode provocar também curiosidade, e eventualmente reflexão, sobre aspectos do problema que o governo não tem interesse nenhum em trazer à tona.
Diferentes relatos dão conta de que o presidente tomou sozinho a decisão de ir à TV. Falou basicamente porque quis. Hoje, enquanto os outros almejam "poder mais", Lula aparentemente pode tudo.
O programa de Dilma, que desde o início do horário eleitoral exibe uma cinematografia de "Brasil grande" -incorporada pela propaganda de Serra nos programas mais recentes-, ganhou anteontem, na voz de Lula e em pleno feriado da Independência, um discurso igualmente "setentista".
Antecedido pela vertiginosa sucessão de imagens aéreas de rios, cânions, plataformas e usinas, o presidente ensinou ao telespectador que os adversários cometem "um crime contra o Brasil e contra a mulher". Quem não está com ele é "da turma do contra". Mais "ame-o ou deixe-o" impossível.
No time de Dilma, é Lula quem arma, ataca e defende. Pode-se argumentar que, nas atuais condições de jogo, ninguém faria melhor. Sem dúvida, mas sempre que ele aparece em todo o seu tamanho, ela, apesar do favoritismo eleitoral inconteste, fica pequena.
Não por acaso, a candidata teve de vir ontem a público afirmar, na contramão dos gestos de seu criador, que é perfeitamente capaz de se defender sozinha.
RENATA LO PRETE é editora do Painel