sábado, maio 31, 2014

Vedação ao retrocesso? - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 31/05

Não respeitar a distância dos beliches entre si não significa trabalho análogo à escravidão; isso é bom senso!


O "efeito cliquet", que nasceu como jargão de alpinistas franceses que, a partir de um certo ponto da escalada, não podiam retroceder, acabou convertido em princípio que norteia a evolução de direitos fundamentais. Diz a doutrina jurídica que, uma vez consagrado um direito social, ele não pode mais ser diminuído e muito menos revogado. É o princípio da vedação ao retrocesso.

Como admitir, então, que a agropecuária brasileira, setor mais dinâmico --e um dos mais modernos e avançados da economia--, possa ser reiterada e insistentemente ligada ao retrocesso do trabalho escravo?

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, que tenho a honra de presidir, caracteriza-se pela defesa intransigente de princípios universais, como a liberdade. E não aceita, de seus membros, práticas que contrariem esses mesmos princípios.

A PEC do Trabalho Escravo, recentemente aprovada pelo Senado --por unanimidade, aliás--, prevê a expropriação de terras nas quais for constatada essa prática, destinando-as para a reforma agrária e para os programas de habitação popular.

Isso implica que se defina precisamente, na "forma da lei", o que significa "trabalho escravo". Não se pode deixar a critérios arbitrários uma definição cujas consequências são de grande alcance. Devemos, sobretudo, descartar qualquer viés político e ideológico nessa questão.

Com efeito, a ideologização pode configurar um risco à própria liberdade defendida. É evidente, por exemplo, que a servidão por dívidas não pode ser confundida com questões trabalhistas ou sanitárias, que são objeto de outra forma de legislação e de punição.

Se um produtor rural não seguir uma determinada regra no que diz respeito à distância dos beliches entre si, não estará ele abrigando uma forma "análoga" à do trabalho escravo. Trata-se de uma questão de bom senso!

Eis por que a definição do trabalho escravo deverá, reiteremos, ser dada na "forma da lei", tal como estamos propondo, em colaboração com o relator, senador Romero Jucá.

Busca-se, portanto, clareza nessa definição, como estabelece a convenção 29 da OIT:

a) submissão a trabalho forçado, via uso da coação e restrição da liberdade pessoal; b) proibição da liberdade de ir e vir, sendo o trabalhador obrigado a ficar em seu local de trabalho; c) vigilância ostensiva do trabalhador, com a retenção de seus documentos pessoais, d) servidão por dívida, obstaculizando a liberdade do trabalhador.

Note-se que, com essa definição, evitamos qualquer tipo de arbitrariedade, estando ela conforme ao que se caracteriza como atos essencialmente contrários à liberdade. A escravidão é contrária à liberdade, não podendo ser identificada, nem analogicamente, a qualquer tipo de descumprimento da legislação trabalhista.

Outra grave arbitrariedade são as chamadas "listas sujas" de pessoas física ou jurídica que, ao serem autuadas administrativamente, são imediatamente incluídas em um cadastro nacional, restringindo o seu acesso a financiamentos públicos e colocando-as sob os holofotes do opróbrio popular. Imaginem o dano causado a essas empresas, que têm, assim, a sua imagem e reputação profundamente atingidas mesmo sem ter sido condenada sequer na primeira instância.

Muitas vão à falência, sem ter mais nenhuma condição de sobreviver. Somos contra qualquer excesso do poder público, como tem acontecido com certas formas de discricionariedade de atuação dos agentes públicos.

Somos contra a existência das "listas sujas" já questionadas pela CNA no Supremo Tribunal Federal, elaboradas em ritos sumários na esfera administrativa, contrariando princípios básicos do direito, a saber, a presunção da inocência e o direito à ampla defe- sa. Apenas uma condenação judicial, transitada em julgado, poderia ter esse efeito.

Se, por outro lado, a Justiça encontrar fundamento para a condenação pela prática de cerceamento da liberdade, sob qualquer forma, deve-se aplicar todo o rigor da lei. A CNA não reconhece esses como produtores e, portanto, não os representa.

O pibinho, os gringos e a conspiração de São Pedro - ROLF KUNTZ

O ESTADÃO - 31/05


Com o desastre econômico do primeiro trimestre, uma expansão miserável de 0,2% combinada com inflação alta e enorme rombo comercial, a presidente-gerente Dilma Rousseff completou três anos e três meses de fracasso econômico registrado oficialmente. O fracasso continua, como confirmam vários indicadores parciais, e continuará nos próximos meses, porque a indústria permanece emperrada e o ambiente econômico é de baixa produtividade. Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, parece desconhecer a história dos últimos três anos e um quarto. Em criativa entrevista, ele atribuiu o baixo crescimento brasileiro no primeiro trimestre a fatores externos e a problemas ocasionais. A lista inclui a instabilidade cambial, a recuperação ainda lenta das economias do mundo rico e a inflação elevada principalmente por causa dos alimentos. Culpa dos gringos, portanto, e isso vale igualmente para o judeu Simão, também conhecido como São Pedro, supervisor e distribuidor das chuvas e trovoadas.

No triste cenário das contas nacionais divulgadas nesta sexta-feira, só se salva a produção agropecuária, com crescimento de 3,6% no trimestre e de 4,8% no acumulado de um ano. Os detalhes mais feios são o investimento em queda e o péssimo desempenho da indústria. Em sua pitoresca entrevista, o ministro da Fazenda atribuiu o baixo investimento à situação dos estoques e ao leve recuo - queda de 0,1% - do consumo das famílias, causado em grande parte pela alta do custo da alimentação. A explicação pode ser instigante, mas deixa em total escuridão o fiasco econômico dos últimos anos, quando o consumo, tanto das famílias quanto do governo, cresceu rapidamente.

O investimento em máquinas, equipamentos, construções civis e obras públicas - a chamada formação bruta de capital fixo - caiu, como proporção do produto interno bruto (PIB), durante toda a gestão da presidente Dilma Rousseff.

No primeiro trimestre de 2011, quando o governo estava recém-instalado, essa proporção chegou a 19,5%. Caiu seguidamente a partir daí, até 17,7% nos primeiros três meses de 2014. Durante esse período o consumo das famílias aumentou velozmente, sustentado pela expansão da renda e do crédito, mas nem por isso os empresários investiram muito mais.

Além disso, o governo foi incapaz de ir muito além da retórica e das bravatas quando se tratou de executar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nem as obras da Copa avançaram no ritmo necessário, apesar do risco de um papelão internacional.

A estagnação da indústria reflete o baixo nível de investimentos, tanto privados quanto públicos, e a consequente perda de poder de competição. Por três trimestres consecutivos a produção industrial tem sido menor que nos três meses anteriores. Encolheu 0,1% no período julho-setembro, diminuiu 0,2% no trimestre final de 2013 e 0,8% no primeiro deste ano. Não há como culpar as potências estrangeiras ou celestiais por esse desempenho.

O conjunto da economia brasileira é cada vez menos produtivo, embora alguns segmentos, como o agronegócio, e algumas empresas importantes, como a Embraer, continuem sendo exemplos internacionais de competitividade.

O baixo crescimento do PIB, apenas 0,2% no trimestre e 2,5% em 12 meses, reflete essa perda de vigor, associada tanto à insuficiência do investimento em capital fixo quanto à escassez crescente de pessoal qualificado. Não por acaso, o País apareceu em 54.º lugar, numa lista de 60 países, na última classificação de competitividade elaborada pelo International Institute for Management Development (IMD), da Suíça.

O baixo desempenho da economia, especialmente da indústria, tem tudo a ver com a piora das contas externas. O efeito mais evidente é a erosão do saldo comercial. No primeiro trimestre, período de referência das contas nacionais atualizadas, o País acumulou um déficit de US$ 6,1 bilhões no comércio de mercadorias. O resultado melhorou um pouco desde abril, mas na penúltima semana de maio o buraco ainda era de US$ 5,9 bilhões. O Banco Central (BC) continua projetando um saldo de US$ 8 bilhões para o ano, muito pequeno para as necessidades brasileiras. No mercado, a mediana das projeções coletadas em 23 de maio na pesquisa semanal do BC indicava um superávit de apenas US$ 3 bilhões.

Estranhamente, os deuses parecem ter poupado outros países dos males atribuídos pelo ministro da Fazenda ao quadro externo. Outras economias continuaram crescendo mais que a brasileira e com inflação menor, apesar de sujeitas à instabilidade dos mercados financeiros e a outros problemas internacionais. A inflação no Brasil tem permanecido muito acima da meta oficial, 4,5%, e a maior parte das projeções ainda aponta um resultado final em torno de 6% para 2o14. Até agora, o recuo de alguns preços no atacado pouco afetou o varejo e os consumidores continuam sujeitos a taxas mensais de inflação superiores a 0,5%. O ritmo poderá diminuir nos próximos meses, mas, por enquanto, as estimativas indicam um repique nos quatro ou cinco meses finais de 2014.

O aperto monetário, interrompido pelo BC na quarta-feira, pode ter produzido algum efeito, mas o desajuste das contas do governo ainda alimenta um excesso de demanda. Na quinta-feira o Tesouro anunciou um superávit primário de R$ 26,7 bilhões nos primeiros quatro meses. Quase um terço desse total, R$ 9,2 bilhões, ou 31%, correspondeu a receita de concessões e dividendos. As concessões renderam 207,4% mais que no período de janeiro a abril do ano passado. Os dividendos foram 716,4% maiores que os do primeiro quadrimestre de 2013. Chamar isso de arrecadação normal e recorrente sem ficar corado vale pelo menos um Oscar de ator coadjuvante. A economia vai mal, mas a arte cênica brasileira ainda será reconhecida. Há mais valores entre o céu e a terra do sonham os críticos da política econômica.

No frio da economia - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 31/05

O IBGE confirmou ontem a frieza da economia com a divulgação de alta de apenas 0,2% no PIB do primeiro trimestre. O ano até aqui está sendo fraco, com muitas incertezas tirando o ânimo do empresário para investir e do consumidor para consumir. Mesmo sendo ano de Copa do Mundo no Brasil, ainda não deu para sentir o efeito positivo na atividade econômica.

Não é só nos números macroeconômicos que se percebe a perda de fôlego do país. Quando se olha no micro, numa conversa com uma empresa, por exemplo, se tem noção mais clara desse divórcio entre o potencial de crescimento e a conjuntura. Um exemplo: apenas 2% dos lares brasileiros possuem lava-louças, somente a metade tem lava-roupas e 60% ainda estão equipadas com geladeiras convencionais, que precisam descongelar. O espaço para vendas é enorme, principalmente no Nordeste e Centro-Oeste. Mesmo assim, a Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, e a Electrolux anunciaram férias coletivas esta semana.

Em conversa com a coluna, a Whirlpool afirmou que mantém a projeção de investir R$ 500 milhões este ano e lançar 180 novos produtos, 10% a mais que em 2013. Mas enfrenta o baixo crescimento do PIB, o aumento menor do poder de compra, a inflação alta e o encarecimento do crédito. No primeiro trimestre, a empresa teve queda de 5% nas vendas de eletrodomésticos, sobre o mesmo período de 2013. A chegada da Copa do Mundo e os feriados do mês de junho ajudaram a tomar a decisão de interromper parte da produção.

- A parada na fábrica de Manaus sempre acontece nesta época do ano, mas a de Rio Claro, no interior de São Paulo, não. Ela fabrica geladeiras e fogões e houve uma redução de demanda de 15% este ano, maior do que havíamos projetado. Além da desaceleração econômica, há o efeito Copa do Mundo, que favorece a compra de outros eletrodomésticos e provoca feriados - explicou o presidente da empresa, Enrico Zito.

As previsões de vendas da companhia para o ano variam de queda de 3% a alta 3%. É a incerteza da economia, e está difícil pensar 2015 também. Há muita dúvida sobre o custo da energia. Zito estima que o aumento mínimo deve ser de 20%. A boa notícia é que a empresa ouve meteorologistas que asseguram que o próximo verão será chuvoso.

- Energia elétrica é uma incógnita para o futuro. Isso se soma a vários outros tipos de custos em alta para a indústria, como salários, serviços dos mais variados tipos, combustíveis, fretes, e ainda há a pressão residual do câmbio, que se desvalorizou muito nos últimos dois anos. O repasse é feito de forma gradual. Não há aumento de produtividade que compense isso tudo - disse.

O quadro é o mesmo em outras empresas. Os empresários veem um enorme potencial de crescimento, mas acham que o curto prazo está difícil. Não é por acaso que dois dos principais índices que medem a confiança estão em baixa. O Índice de Confiança da Indústria (ICI), medido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em pesquisa com mais de 2.500 empresas, caiu para 48 pontos em maio, o nível mais baixo dos últimos cinco anos. Índice semelhante, apurado pela FGV, caiu a 91,2 pontos, o menor número desde junho de 2009.

O crescimento do PIB foi pequeno no primeiro trimestre. Mas pior do que o 0,2% de alta é a taxa de poupança baixa demais: 12,7% do PIB é muito pouco e não sustenta o necessário aumento da taxa de investimento. Nos dados micro, em visitas às empresas, se vê o que informam os índices dos institutos. Há baixa expectativa em que o país possa, a curto prazo, retomar um crescimento vigoroso do PIB.

O fenômeno Joaquim Barbosa - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 31/05


Se já era espantosa a capacidade do presidente da suprema corte de ocupar o centro das atenções, o anúncio na última quinta-feira da sua aposentadoria imediata reforçou substancialmente o seu poder e a sua magia.

O mistério em torno dos reais motivos que o levaram a interromper uma fulgurante carreira, as versões logo divulgadas – inclusive supostas ameaças de morte – tudo contribui para alimentar a magistral perícia desse magistrado para surpreender e empolgar.

A opção pela renúncia é, em si, uma formidável alavanca para produzir admirações. Num ambiente marcado pela ambição desmedida, cobiça exorbitante e sofreguidão pelo poder, o simples gesto de abdicar e abrir mão contrasta vivamente com a legião de mãos sorrateiras, prontas para apoderar-se de tudo.

Barbosa conhece a dinâmica do sebastianismo, o magnetismo exercido pelos encobertos, o fascínio dos sumidos. Escolheu o ostracismo como proteção e reforço. Espontaneamente, encaminha-se ao banco dos reservas num momento em que todos se engalfinham pela camisa de titular. Numa paisagem marcada pelo desgaste das lideranças e a evaporação das ideias-força, Barbosa prefere recolher-se para lustrar o capital acumulado.

O horizonte sombrio sugere incertezas, trepidações, fissuras e até rupturas. Não apenas aqui ou no nosso entorno, mas também nos laboratórios do Hemisfério Norte e nos acervos do Velho Mundo. Os indícios fornecidos no último domingo pelo pleito europeu se avolumam e ganham relevância na medida em que a galeria de lideranças – independentemente das colorações partidárias – converte-se em mostruário de nulidades e insignificâncias. As exceções vão por conta de Angela Merkel (interessante mix de pragmatismo, moderação e racionalidade) e Vladimir Putin (com apetite, treino e instinto para audácias). O restante do time de chefes de governo é deplorável: David Cameron, François Hollande e Mariano Rajoy são medíocres, canhestros, o recém-chegado Matteo Renzi ainda não rodou o suficiente para mostrar atributos.

O quase ex-presidente do STF sabe que o nível dos competidores dá dimensão aos torneios, por isso deve aguardar desafios mais qualificados. Na arena do STF seria compelido a desgastar-se com embates menores. Prefere preservar-se. E, periodicamente, fazer intervenções surpreendentes. Tem calibre, saber e senso de oportunidade para cultivar esperanças e expectativas.

Joaquim Barbosa entrou em cena por vontade alheia, o presidente Lula queria um negro na corte suprema. Em apenas 11 anos, o ilustre desconhecido tornou-se o mais visível e respeitado chefe do Judiciário de todos os tempos. Diz o que pensa, faz o que lhe dita a consciência e o dever cívico e, como se não bastasse, consegue irradiar sua imagem e mensagens para grande parte da população, sem dispor de qualquer máquina partidária, midiática ou empresarial.

É um fenômeno.

Basta de fingir - CRISTOVAM BUARQUE

O GLOBO - 31/05

Raros são capazes de ler e falar outro idioma


O Brasil comemora sua posição de sétimo maior PIB do mundo, mas o PIB per capita rebaixa o país para a 54ª posição no cenário mundial; no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ficamos em 85º lugar. Fingimos ser ricos, apesar da pobreza.

Nos últimos 20 anos, passamos de 1,66 milhão para 7,04 milhões de matrículas nos cursos superiores, mas quase 40% de nossos universitários sabem ler e escrever mediocremente, poucos sabem a matemática necessária para um bom curso nas áreas de ciências ou engenharia, raros são capazes de ler e falar outro idioma além do português. Fingimos ser possível dar um salto à universidade sem passar pela educação de base.

Comemoramos ter passado de 36 milhões, em 1994, para 50 milhões de matriculados na educação básica, em 2014, sem dar atenção ao fato de termos 13 milhões de adultos prisioneiros do analfabetismo; 54,5 milhões de brasileiros com mais de 25 anos não terminaram o Ensino Fundamental e 70 milhões não terminaram o Ensino Médio. Fingimos que os matriculados estão estudando, quando sabemos que passam meses sem aulas por causa de paralisações ou falta de professores.

A partir de 1995, no Distrito Federal e em Campinas, iniciamos um programa que serve de exemplo ao mundo inteiro, atualmente chamado de Bolsa Família e que transfere por mês, em média, R$ 167 por pessoa pobre, o que lhe assegura R$ 5,67 por dia, valor insuficiente para aliviar suas necessidades mais essenciais. E fingimos que, com esta transferência, estamos erradicando a pobreza que é caracterizada efetivamente pela falta de acesso aos bens e serviços essenciais que não estamos oferecendo. Fingimos ter 94,9 milhões na classe média, sabendo que a renda média mensal per capita dessas pessoas está entre R$ 291 e R$ 1.019, quantia insuficiente para uma vida cômoda, especialmente em um país que não oferece educação e saúde públicas de qualidade.

Comemoramos o aumento da frota de automóveis de, aproximadamente, 18 milhões, em 1994, para 64,8 milhões, em 2014, fingindo que isto é progresso, mesmo que signifique engarrafamentos monumentais.

Comemoramos, corretamente, termos desfeito uma ditadura, esquecendo que a democracia está sem partidos e a política se transformou em sinônimo de corrupção. Fingimos ter uma democracia com liberdade de imprensa escrita em um país onde poucos são capazes de ler um texto de jornal. Assistimos a 56 mil mortos pela violência ao ano, e fingimos ser um país pacífico, sem uma guerra civil em marcha.

Fingimos ser um país com ambição de grandeza, mas nos contentamos com tão pouco que os governantes se recusam a ouvir críticas sobre a ineficiência dos serviços públicos. Preferem um otimismo ufanista, comparando com o passado que já foi pior, e denunciam como antipatriotas aqueles que ambicionam mais e criticam as prioridades definidas e a incompetência como elas são executadas. Antipatriota é achar que o Brasil não tem como ir além, é acreditar nos fingimentos.

Ame-o e vá de jegue! - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 31/05
Sem sucesso, petistas e blogueiros chapas-brancas provocam a oposição para que entre num jogo em que ela só tem a perder: o de se declarar contrária à Copa ou a de torcer contra a Seleção. Nos protestos de rua, até agora, o que se vê são sobretudo articulações de sindicalistas, como a de professores que cercaram o ônibus da Seleção Brasileira no Rio.
Na terça-feira, em plena capital da República, um confronto que assombrou o mundo: índios de arco e flecha enfrentando balas de borracha e bombas de gás disparadas por policiais. Em São Paulo, um escândalo que - em tempos de forte oposição ao governo - sacudiria o país passou quase despercebido: a polícia disse ter flagrado um deputado do PT participando de uma reunião com membros do PCC para incendiar uma greve de ônibus em São Paulo. No entanto, praticamente ninguém se escandalizou com o episódio.

Nas rede sociais, observo, trava-se um verdadeiro ame-o ou deixe-o, com os petistas no papel verde-oliva. Da parte da população, muita indignação com o gasto de recursos públicos para erigir estádios monumentais, quando nunca na história do país se viu tamanha disposição em construir escolas e hospitais de boa qualidade. Há também muitos comentários contra as manifestações violentas. Pondera-se que já não há mais o que se possa fazer a essa altura dos fatos.

Sim, é verdade: quando se anunciou que a competição seria no país, em 2007, todo mundo comemorou. Afinal, havia a promessa de que as arenas seriam construídas com verba da iniciativa privada. E que haveria para a população em geral um vasto legado, como VLTs, metrôs e até trem-bala. Infraestrutura de primeiro mundo. A realidade, porém, revelou-se bem diferente. Exigir metrô até os estádios, disse Lula, é babaquice. Trem-bala, então, nem sonhar. Daí as gigantescas manifestações populares em junho de 2013. Mas o movimento pacífico acabou envenenado pela violência de black blocs e da polícia, para alívio dos corruptos, um dos principais alvos dos protestos.

A 'imagem do Brasil' - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 31/05

Os cidadãos hoje são reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas provocar o colapso da vida urbana


Fernando Haddad proferira a palavra "guerrilha", referindo-se à greve dos motoristas de ônibus. Na terça, Dilma Rousseff pronunciou a palavra "baderna", referindo-se às manifestações de rua. Minutos depois, liderados por um movimento de sem-teto e por índios armados com arcos e flechas, 2.500 pessoas interromperam o trânsito em Brasília. "É a imagem do Brasil que estará em jogo", explicou a presidente, avisando que "vai chamar o Exército, imediatamente", para reprimir a "baderna" durante a Copa do Mundo. A "imagem" toca num nervo sensível do governo. Em nome dela, por um mês e às custas da ordem democrática, Dilma promete assegurar o direito de ir e vir das pessoas comuns.

A "baderna" é, há tempo, a "imagem do Brasil" --com a diferença, apenas, de que o mundo não estava vendo. Sob o influxo do PT, movimentos minoritários aprenderam que, reunindo algumas centenas de manifestantes, têm a prerrogativa de parar cidades inteiras. A tática, esporádica durante anos, tornou-se rotineira depois das multitudinárias "jornadas de junho". Nas metrópoles, os cidadãos converteram-se em reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas unicamente provocar o colapso da vida urbana. O problema de Dilma é que chegou a hora da Copa: agora, a "baderna" ameaça a sacrossanta "imagem do Brasil", não os desprezíveis direitos das pessoas.

O conflito entre direitos é um traço marcante das democracias. A liberdade de expressão é regulada por leis que protegem a privacidade e a imagem dos indivíduos. O direito de greve é regulado por disposições que asseguram o funcionamento de serviços essenciais. O direito de manifestação pública é limitado por regras que impedem a anulação do direito de circulação das pessoas. No Brasil do lulopetismo, contudo, aboliu-se tacitamente o direito de ir e vir. Acuadas pelo PT, as autoridades renunciaram ao dever de garanti-lo, curvando- se à vontade soberana de dirigentes sindicais e lideranças de movimentos sociais.

Nas democracias, o equilíbrio entre os direitos de manifestação e de circulação no espaço público deriva de uma série de regras. Manifestações são autorizadas mediante aviso prévio às autoridades e acertos sobre lugares de concentração e trajetos de passeatas. No Brasil, nada disso existe pois não interessa ao Partido: a vigência de regras gerais, de aplicação indistinta, restringiria as oportunidades de orquestração de ações de "baderna" moduladas em cenários de disputa eleitoral. O problema de Dilma é que, na hora da Copa, emergiram movimentos que nem sempre se subordinam às conveniências do Partido. A presidente resolveu, então, militarizar provisoriamente o país. No poder, o lulopetismo oscila entre a política da "baderna" e o recurso ao autoritarismo.

"Não vai acontecer na Copa do Mundo o que aconteceu na Copa das Confederações", garantiu Dilma a uma plateia de aflitos empresários. Não mesmo. Os protestos multitudinários provavelmente não se repetirão porque os "black blocs" cumpriram a missão de afastar das ruas as pessoas comuns. Os envelopes urbanos das "arenas da Fifa", perímetros consagrados aos negócios, serão circundados por cordões policiais de magnitude inédita. Já a "baderna" arquitetada para provocar colapsos de circulação em dias de jogos terá que desafiar a hipótese de resposta militar. Na Copa, excepcionalmente, o direito de ir e vir estará assegurado.

Dilma promete "chamar o Exército". A força militar aparece, hoje, como a única mola capaz de conciliar o "padrão Fifa" com o "padrão Brasil" de ordem pública. Um estado de sítio não declarado instaurará um efêmero parêntesis no tormento cristalizado pela política da "baderna" nas principais cidades do país. Nos 30 dias da competição, a "imagem do Brasil" brilhará sobre um pano de fundo verde-oliva. Depois, tudo volta ao "normal".

Custos da fragmentação - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 31/05
Entre os cientistas políticos há um consenso: o Brasil é atualmente o país com o sistema partidário mais fragmentado do mundo, e isso é ruim para a democracia. Mesmo os que consideram que a alta fragmentação significa inclusão política, constituindo um mecanismo de controle do Executivo, muito forte no nosso sistema presidencial, admitem que essa característica representa mais custos para a máquina governamental e menor eficiência do governo.
O cientista político Sérgio Abranches, que cunhou a definição de presidencialismo de coalizão em um estudo de 1988, está trabalhando agora com o termo partidos efetivos para delimitar o tamanho da coalizão na realidade do Congresso. Estamos hoje com 10 a 12 partidos efetivos na coalizão presidencial, o maior já registrado.

Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, que defende a representação proporcional e um sistema multipartidário para o Brasil, acha que a questão é saber qual o grau de fragmentação adequado ao país. Para ele, o atual sistema partidário brasileiro é muito mais fragmentado do que demanda a heterogeneidade social do país.

Concordando com Timothy Power, professor de Oxford e um dos grandes brasilianistas da atualidade, Octavio Amorim Neto considera que a alta fragmentação no Brasil responde mais às necessidades do sistema político do que às da sociedade. O que há de problemático em tais governos, diz ele, é o fato de terem maiores dificuldades na implementação de ajustes ficais e responderem mais lentamente a desequilíbrios orçamentários do que os governos monopartidários ou com poucos partidos.

Carlos Pereira, professor de Políticas Públicas na Fundação Getulio Vargas no Rio, criou um índice de eficiência da coalizão . Dividindo o apoio legislativo por custos de gerência da coalizão, podemos construir uma curva de eficiência que permite comparar custos vis-à-vis apoio . O estudo deixa claro que não existe relação entre maiores custos de gerência e maior apoio legislativo. Na realidade, maiores custos não se traduziram em maior apoio dos parlamentares. O inverso também é verdadeiro .

Em diversos momentos, mesmo com grande investimento, seja pela criação de ministérios, seja pela liberação de emendas, ou ainda pelo desembolso de maiores recursos dos ministérios, o governo teve pouco apoio às suas iniciativas, lembra.

O governo Dilma é o grande exemplo desse aparente paradoxo, diz Pereira, para quem é necessário gerenciar bem a coalizão construindo coalizões com um menor número de partidos que compartilhem preferências de políticas e o presidente necessita dividir poder. Do contrário, os custos serão crescentes .

Já Jairo Nicolau, da UFRJ, diz que o que diferencia o Brasil não é o fato de termos 32 legendas registradas, mas não termos algumas legendas maiores que concentrem o poder partidário. Na maioria dos legislativos do mundo, alguns poucos partidos concentram muitas cadeiras e, mesmo quando existem muitos partidos, os menores tendem a ser muito pequenos .

Nas três últimas eleições, nenhum partido ultrapassou as 100 cadeiras, pouco menos de 20% da Câmara, e para piorar as coisas a atual Câmara dos Deputados, além de ser a mais fragmentada de nossa história, diz Nicolau, nunca se registrou número tão alto na história de nenhuma outra democracia .

A criação de cinco legendas (PSD, PPL, PEN, PROS e Solidariedade) nesta legislatura foi responsável por essa explosão, quadro que gera enorme dificuldades para o chefe do Executivo nas negociações com as bancadas no Legislativo e na montagem do seu Ministério. Sem contar que nesse cenário, pequenas legendas têm seu poder de barganha desproporcionalmente aumentados . Um exemplo claro é o poder que elas adquiriram ao negociar seus segundos de televisão na montagem das coalizões eleitorais. ( Continua amanhã)

O tamanho do Congresso - FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SP - 31/05

BRASÍLIA - O Tribunal Superior Eleitoral fez uma nova divisão das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados entre os 26 Estados e o Distrito Federal. O Congresso não gostou e recorreu ao Supremo Tribunal Federal.

Essa disputa poderia reabrir o debate sobre a assimetria nas representações --o fato de um voto de Roraima (com 8 deputados e 500 mil habitantes) valer muito mais que um voto de São Paulo (70 deputados e 44 milhões habitantes). É quase impossível que os políticos aceitem consertar essa anomalia.

Mas há outro aspecto ainda menos debatido sobre a composição do Poder Legislativo. Trata-se do tamanho da representação nas "Casas do Povo", tanto no nível federal como nos âmbitos estaduais e municipais.

Para ficar aqui em Brasília, a pergunta é: por que a Câmara dos Deputados precisa de 513 cadeiras? E por que o Senado deve ter três senadores para cada unidade da Federação?

O Brasil tem 203 milhões de habitantes. Nos Estados Unidos, a população é de 315 milhões. Em Washington, o órgão equivalente à Câmara de Deputados tem 435 assentos. Os norte-americanos elegem apenas dois senadores por Estado, e não três.

Com mais de 20 partidos num Congresso com 513 deputados e 81 senadores, há quase sempre muito alarido improdutivo e poucos debates relevantes. No início dos anos 1960, a Câmara tinha 404 cadeiras. Veio a democracia e chegou-se agora aos incríveis 513 deputados federais.

O número pode crescer. A Constituição diz que nenhum Estado terá menos de 8 nem mais de 70 deputados. Em tese, se a população for aumentando (é esse o indicador para distribuir vagas), um dia poderá haver uma Câmara com mais de mil deputados. O horror, o horror.

É mínima a chance de vingar tal despautério. Hoje, ninguém tem coragem de defender a ideia em público. No futuro, quem sabe? Essa brecha demonstra como ainda é imperfeita a democracia no Brasil.

Decreto agride democracia representativa - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 31/05

É no Congresso que se criam mecanismos de participação da sociedade em decisões de governo. Criar esses instrumentos na base da canetada é golpe de gabinete



A democracia representativa, com a escolha dos representantes da sociedade pelo voto direto, bem como a independência entre os Poderes, é alvo prioritário do autoritarismo político. A desmontagem do regime representativo costuma começar pela criação de mecanismos de “democracia direta”, para reduzir o peso do Congresso na condução do país.

É por este ângulo que deve ser analisado o surpreendente decreto nº 8.243, baixado na sexta-feira da semana passada pela presidente Dilma, para criar a “Política Nacional de Participação Social — PNPS". O objetivo é subtrair espaço do Legislativo por meio de comissões, conselhos, ouvidorias, “mesas de diálogo”, conferências nacionais, várias novas instâncias a serem criadas junto à administração direta e até estatais, sempre em nome da participação social. Sintomático que a PNPS esteja subordinada ao ministro secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, representante dos ditos “movimentos sociais” no Planalto. Há várias surpresas no ousado ato. A primeira, rever o regime de democracia representativa por decreto.

Mecanismos de participação do cidadão em decisões de governo são um tema em debate no mundo, para se aperfeiçoar a democracia representativa. Plebiscitos e referendos têm sido usados com frequência em democracias maduras como a americana. Os próprios avanços tecnológicos no mundo digital são ferramenta importante para aproximar a sociedade do Estado. Mas não se avança nesta direção por decreto, algo como um golpe de Estado na base da canetada.

Outra surpresa, até pela ousadia, é que o decreto formaliza em lei a estratégia antiga de aparelhamento da máquina pública por aliados político-ideológicos do PT. Pois não é difícil imaginar os critérios pelos quais serão escolhidos os representantes da “sociedade civil” para participar de comissões, fóruns, mesas etc. Um dos resultados desta infiltração de partidos e grupos no Estado tem sido, cabe lembrar, casos de corrupção e desmandos, como os denunciados na Petrobras.

O sentido autoritário do decreto denuncia sua origem. Ele sai dos mesmos laboratórios petistas que engendraram a "assembleia constituinte exclusiva" a fim de fazer a reforma política — atalho para se mudar a Constituição ao bel-prazer de minorias militantes —, surge das mesmas cabeças que tentaram controlar o conteúdo da produção audiovisual do país via Ancinav, bem como patrulhar os jornalistas profissionais por meio de um conselho paraestatal. Tem a mesma origem dos idealizadores da “regulação da mídia”.

Além de tudo, a PNPS tornará ainda mais impenetrável a burocracia pública, já uma enorme barreira à retomada de investimentos. Ou seja, também na economia, o decreto vai na contramão de tudo o que o país necessita.

O assunto precisa ser discutido com urgência no Congresso e levado ao Supremo pelo Ministério Público e/ou instituições da sociedade.

O PIB do fracasso - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 31/05
A economia brasileira vai continuar anêmica, sem fôlego para crescer como outros emergentes e sem força, ainda por um bom tempo, para enfrentar os principais competidores. O Brasil seguirá perdendo o jogo por falta de eficiência e de capacidade produtiva.
Esta é a pior notícia embutida nas contas nacionais do primeiro trimestre, balanço de um desempenho abaixo de pífio, com crescimento de apenas 0,2% em relação aos três meses finais de 2013. Projetada para um ano, essa taxa corresponde a pouco mais de 0,8%, em termos acumulados, mas até esse resultado já parece acima das possibilidades, segundo alguns analistas. Mas o detalhe mais negativo é outro: o País permanece condenado a crescer muito menos do que poderia, se fosse governado com alguma competência, porque a taxa de investimento produtivo, já muito baixa nos últimos anos, voltou a cair.

Nos primeiros três meses deste ano o governo e o setor privado investiram em máquinas, equipamentos, instalações e obras de infraestrutura apenas 17,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa proporção, um ano antes, era de 18,2%. Em outros emergentes essa proporção raramente fica abaixo de 24% e em muitos casos passa de 30%. Na China, tem superado os 40%.

Uma comparação mais completa, e até mais negativa para o Brasil, deveria incluir os números e a qualidade da mão de obra disponível. Não basta gastar mais em educação e promover a multiplicação de vagas de grau superior, se a formação é ruim nos cursos fundamental e médio e a maior parte das faculdades produz mais diplomas do que competências.

O investimento em queda e a indústria estagnada são os detalhes mais assustadores do quadro divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com os novos números do Produto Interno Bruto. A taxa de investimento chegou a 19,5% no primeiro trimestre de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff ainda se acomodava no gabinete principal do Palácio do Planalto. Caiu, a partir daí, para 18,8%, nos primeiros três meses de 2012; para 18,2%, um ano depois; e para 17,7%, no trimestre inicial de 2014.

A queda comprova mais uma vez o fracasso, nada surpreendente, da estratégia seguida neste governo e em parte implantada no governo anterior. Falhou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O plano de concessões de infraestrutura, mal concebido e mal executado, demorou a deslanchar e pouco avançou. Os financiamentos com recursos federais privilegiaram grandes empresas do próprio governo e grupos selecionados para tornar-se campeões. Os estímulos fiscais beneficiaram indústrias selecionadas e favoreceram muito mais o consumo do que a produção. O sistema tributário, irracional e absurdamente oneroso, permaneceu quase intacto. Enquanto isso, o governo continuou gastando, intervindo na economia de forma desastrada e perdendo credibilidade.

O péssimo desempenho da indústria, com recuo de 0,8% nos primeiros três meses e crescimento de apenas 2,1% em quatro trimestres, também mostra a falência de um estilo de política econômica. O protecionismo foi incapaz de impedir a conquista de fatias crescentes do mercado interno pelos produtores estrangeiros. Além disso, seria inútil como instrumento de competitividade para os fabricantes nacionais atuarem no mercado externo. Isso foi sempre óbvio. Mas o governo, com apoio de parte do empresariado, preferiu reeditar um modelo defensável, há décadas, quando ainda tinha sentido falar de indústria nascente.

Mais uma vez a agropecuária impediu um desastre maior. Sua produção no primeiro trimestre foi 3,6% maior que nos três últimos meses do ano passado. Em 12 meses, o crescimento acumulado chegou a 4,8%, enquanto a expansão do PIB total continuou em 2,5%, a mesma taxa de 2013. Este é o número revisto. O dado anterior (2,3%) foi revisto depois de atualizada a pesquisa do setor industrial. Essa atualização pouco afetou o quadro geral do ano passado e as perspectivas deste ano. A estatística melhorou, mas a política é tão ruim quanto antes.

Sobre cotas e concursos - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 31/05

Por mais que se reconheça a legitimidade de ações afirmativas para reduzir desigualdades, elas não são por si mesmas soluções definitivas



Parece ganhar força a ideia de que a resolução de problemas complexos como a desigualdade racial pode ser conseguida através da aplicação de políticas de cotas. Prova disso é o projeto de lei estabelecendo reserva de 20% das vagas em concursos de órgãos da administração pública federal, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União para quem se autodeclarar negro. A medida, apresentada pelo Executivo, foi aprovado na semana passada pelo Senado durante votação simbólica e agora aguarda a sanção presidencial.

Por mais que se reconheça a legitimidade de ações afirmativas para reduzir desigualdades ou corrigir injustiças, não se deve acreditar que elas sejam por si mesmas soluções definitivas. Ao contrário, quando não aplicadas de forma adequada, as políticas afirmativas, em especial as de cotas, podem criar distorções perigosas na sociedade. O Brasil é marcado pelo alto grau de miscigenação racial de sua população a ponto de em muitos casos ser difícil para uma pessoa se autodeclarar como negra ou branca. Ao institucionalizar a divisão da sociedade pela cor da pele – critério básico para definir quem será ou não beneficiado pelas cotas – cria-se uma distinção que não faz parte da cultura nacional.

Certamente não se pode negar que a escravidão deixou resquícios difíceis de ser apagados. Isso pode ser comprovado facilmente quando se percebe que a população negra ocupa menos espaços nas universidades, ocupam espaços menos nobres do mercado de trabalho. No serviço público federal, por exemplo, segundo dados do Ministério do Planejamento, a participação dos negros gira em torno de 30%. Se o Estado pode atuar para minimizar essa desigualdade, deve fazê-lo, mas buscando soluções reais. E no caso da desigualdade racial, o problema não é tanto a cor da pele, mas sim a falta de oportunidade.

Mesmo que existam casos – felizmente não tão frequentes – em que a discriminação racial é o impeditivo real de progresso ou ascensão social, o fator determinante ainda é a questão educacional. Sem recursos para conseguir uma educação de excelência – escolas públicas, como se sabe, nem sempre oferecem ensino de qualidade –, pobres, independentemente da cor da pele, com pouca qualificação mantêm-se em empregos com menor ganho salarial, e têm poucas oportunidades de ascender socialmente. Nesse sentido, como já defendemos em outras ocasiões, se a preocupação do governo for mesmo diminuir a desigualdade racial de forma definitiva, faria melhor se oferecesse a todos os brasileiros, sejam negros, brancos ou indígenas, uma educação de qualidade, o que proporcionaria condições mais equânimes de ascensão social. Além de garantir a qualidade do ensino, a universalização do acesso à educação superior também é uma maneira de se promover a diminuição da desigualdade e as cotas, sociais ou raciais, podem ser usadas como uma ferramenta auxiliar para isso.

Sejam sociais ou raciais, as políticas de cotas devem sempre respeitar as liberdades democráticas, como a liberdade de iniciativa; ser provisórias e vir acompanhadas de outras medidas acessórias que garantam a efetiva resolução do problema e com o tempo tornem a própria política afirmativa desnecessária. No caso das cotas raciais em concursos, embora exista a previsão de que se trata de uma medida provisória – o projeto estabelece o vigor da lei em dez anos – não há menção a outras ações para incentivar o aumento da proporção de negros atuando no serviço público. Achar que as cotas por si só bastam beira, na melhor das hipóteses, a ingenuidade ou, na pior, a puro marketing eleitoreiro.

Círculo do cinismo - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 31/05

A cena se repete. Fosse num país minimamente cioso da coerência de seus políticos, quem sabe a encarássemos como "pegadinha" televisiva, ou até como alguma espécie de superstição inócua para garantir a boa sorte nas eleições.

Não. Apresenta-se como aliança real, mais uma vez, o conluio entre um candidato petista e o PP de Paulo Maluf com vistas a uma migalha de tempo no horário eleitoral.

É Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde, quem repete agora o papel de Fernando Haddad, ex-ministro da Educação e atual prefeito da capital, na pantomima das confraternizações com o tradicional figurão da política paulista.

O beija-mão de Haddad a Maluf, nas eleições para prefeito dois anos atrás, foi patrocinado por Lula. Desta vez, o ex-presidente faltou à cerimônia, deixando aos coadjuvantes o encargo pelas declarações de maior impacto.

Padilha tomou a palavra, enaltecendo as "contribuições" que o PP tem a dar nessa aliança. Além do minuto a mais no rádio e na TV, é difícil, contudo, saber que contribuições seriam essas --para nada dizer do que será exigido em troca.

Seria, por exemplo, na área de segurança pública? A habitual truculência de Paulo Maluf no trato dessa questão foi rememorada quando o ex-governador criticou a prevalência do crime organizado nas penitenciárias estaduais.

Estas se transformaram, disse Maluf, num "escritório" de facções criminosas. A denúncia não é absurda, mas tem sua dose de exagero. Também há reuniões desse tipo fora dos presídios; mais precisamente, segundo recente notícia, na sede de uma cooperativa de transportes, com a presença de um deputado estadual petista.

Mencione-se o fato para apontar uma bizarra reviravolta política. Em outros tempos, parecia ser o PT quem sacrificava seu antigo discurso "socialista" e "anticorrupção" ao buscar apoio de Maluf.

Estranhamente, agora é o lado malufista --com sua notória perspectiva policialesca-- que, depois de "contribuir" com o governo Geraldo Alckmin (PSDB), precisa fazer vista grossa. Completa-se, assim, um círculo de cinismo, em que todos se dão as mãos.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Quem é Eduardo Campos?”
Xuxa, após pedido de desculpas de político pelas grosserias do Pastor Eurico (PSB-PE)


BANCO SANTOS: ARQUIVADO INQUÉRITO CONTRA SARNEY

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, decidiu ontem à noite arquivar o inquérito policial sobre denúncia de que o senador José Sarney (PMDB-AP) teria se beneficiado de informação privilegiada para sacar R$ 2 milhões do Banco Santos, do seu amigo Edemar Cid Ferreira, na véspera da decretação de intervenção do Banco Central. O ministro deixa claro, em sua decisão, que nem sequer houve crime.

SEM IRREGULARIDADE

O criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, demonstrou que Sarney não praticou a irregularidade que lhe era imputada.

PGR: ARQUIVAMENTO

O procurador-geral Rodrigo Janot pediu o arquivamento do inquérito contra Sarney até porque o suposto crime prescreveu em 2010.

DE GALOCHA

A Prefeitura de Manaus (AM), que declarou estado de emergência, reza ao céus para que o Rio Negro dê uma trégua durante os jogos da Copa.

DATAS

Em outubro, Joaquim Barbosa, já ex-ministro do STF, faz 60 anos. Em outubro de 2015, Lula, seu criador arrependido, chega aos 70.

JUSTIÇA DE OLHO NO AMIGO ARGENTINO DE GABAS

A Justiça argentina está apertando o cerco contra Amado Boudou, vice de Cristina Kirchner, sobre quem pesam diversas acusações por abuso de influência para enriquecimento ilícito. Boudou é muito amigo do secretário-executivo do Ministério da Previdência, Carlos Gabas. Na última visita que fez a Brasília, há dois anos, o vice-presidente argentino passeou por Brasília na garupa da moto do amigão Gabas.

DISPOSIÇÃO

O deputado Bruno Araújo topa disputar o governo de Pernambuco. Só falta o presidente do PSDB, Aécio Neves, bater o martelo.

ROUBADA

Os bravos policiais militares do Bope, que vão patrulhar as ruas do Rio, não têm culpa, mas já têm apelido nas ruas: Roubocopa.

PUXADOR DE VOTOS

O deputado Romário (PSB-RJ) sofre pressão para desistir do Senado e disputar a reeleição para, com seus votos, ajudar a bancada a crescer.

OPERAÇÃO ABAFA

Os maiores empreiteiros do País montam um “time dos sonhos” (para eles) de criminalistas, com a influência de um Marcio Thomaz Bastos, para tentar anular a Operação Lava Jato na Justiça.

UM A MENOS

O vice-presidente Michel Temer resolveu a confusão do PMDB do Piauí. O deputado Marcelo Castro, ligado ao líder na Câmara, Eduardo Cunha, anuncia segunda-feira que não é mais candidato a governador.

SEM NOÇÃO

Depois de dizer que sugeriu a Lula indicar um negro ao STF, mas não Joaquim Barbosa, o líder do PT na Câmara, deputado Vicentinho (SP), pirou de vez: disse que o PIBinho de 0,2% é “positivo”.

CASO ENCERRADO

Para o Itamaraty, bastam os três meses sem salário como “castigo” para o embaixador Américo Fontenelle por assédio moral, sexual e homofobia no consulado-geral em Sidney (Austrália). Ele queria menos.

O CHAVISMO É AQUI

O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), tentará barrar decreto de Dilma criando “conselhos populares”, estrutura paralela ao Congresso. Para ele, é cópia do aparelhamento na Venezuela.

MEDO, DESINFORMAÇÃO...

Após embromar por dois dias, a assessoria do Itamaraty se recusou a informar o valor do seu orçamento para tecnologia. Com a má vontade habitual, ainda desafiou a coluna a usar a Lei de Acesso à Informação.

...E UM GRANDE EQUÍVOCO

Suspeitava-se que a invasão de hackers à internet do Itamaraty, há dias, decorreu da falta de investimentos do governo, mas quem ignora até o próprio custo não deve saber grande coisa sobre informática.

À BEIRA DO CAIS

Por falta de know-how e tecnologia, a Zona Franca de Manaus vai recrutar engenheiros argentinos para dar conta das importações marítimas da Argentina, diz o jornal Buenos Aires Herald.

BALDE DE PIPOCA

O pré-aposentado ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, já tem filme para alugar no primeiro fim de semana relax: “Um estranho no ninho”.


PODER SEM PUDOR

POLÍTICO TEM MOLA

Durante a apresentação do pífio relatório da CPI do Banestado, o atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, era um deputado tucano e lamentou que "a montanha pariu um rato": só denunciou um político, o ex-prefeito paulistano Celso Pitta, para ele "um cachorro morto". O senador Heráclito Fortes (DEM-PI), discordou na hora:

- Fundo do poço de político tem mola!