O Globo - 13/11
EUA e Rio mostram como o mundo pirou. O mundo não acabou, apenas ficou mais louco. Esta frase, de um dirigente alemão, é precisamente o que penso depois da vitória de Donald Trump. Mas, às vezes, sou tentado a revê-la quando olho o Rio de Janeiro, lugar onde moro, ameaçado pelo caos e pela anarquia. Todos se lembram do Brexit, o rompimento da Inglaterra com a comunidade europeia. Também ali, imprensa e pesquisa foram traídos pelas circunstâncias. Esperavam um resultado que não veio.
O que há de comum nas surpresas de Trump e do Brexit é a confiança na racionalidade inevitável da globalização. O filósofo John Gray escreveu muitas vezes sobre o tema. Para ele, o comunismo internacional e a expansão planetária do livre comércio são duas utopias nascidas do Iluminismo. Discordo apenas num detalhe: o livre comércio não se impõe à força, ninguém é obrigado a tomar Coca-Cola ou comprar tênis Nike.
Mas a verdade é que a globalização produziu perdedores nos países mais ricos e contribuiu para que alguns estados mais frágeis se dissolvessem em guerras fratricidas. As ondas de imigração levaram medo e inquietude. Na Inglaterra, temia-se pelo emprego e também pelos leitos de hospital e assistência médica.
Nos Estados Unidos, Trump denunciou acordos importantes como o Nafta e prometeu construir um muro na fronteira com o México. No seu discurso, um outro fator também aparece: o medo da desordem, da presença de criminosos que possam perturbar a paz americana, igualando o país a outros lugares caóticos do mundo.
Walt Whitman, num poema de 1855, dizia que os Estados Unidos é um país que não se representa por deputados, senadores, escritores ou mesmo inventores, e sim pelo homem comum. Durante quase toda a campanha, observando as entrevistas dos eleitores de Trump, não havia neles apenas o medo dos efeitos da globalização, mas também uma repulsa pelos políticos tradicionais. Alguns, mesmo discordando das bobagens que ele dizia, afirmavam: pelo menos é sincero, ao contrário dos profissionais. Outros mais exaltados gritavam abertamente para as câmeras: foda-se o politicamente correto.
A suposição de que o progresso triunfa sempre é um contrabando religioso na teoria política. A história não é linear. E talvez os formadores de opinião e pesquisadores tenham perdido o pé por acharem, equivocadamente, que o triunfo sempre estará ao lado do que consideramos certo. É preciso mais humildade, mais presença na vida das pessoas para compreender que a globalização produz ressentimentos e que muitos anseiam pelos “velhos e bons tempos” de sua experiência nacional.
O caso do Rio deveria ser tratado à parte. Mas é um estado falido, algo que também não é estranho à história mundial. O Haiti é aqui, já dizia, profeticamente, a canção de Caetano e Gil. Falavam da Bahia, mas o verso inicial é válido para todos: pensem no Haiti.
Uma grande contradição na falência do Rio é o fato de que os mesmos políticos que arrasaram o estado são os responsáveis para liderar sua reconstrução. A falta de legitimidade torna a tarefa quase impossível. Depois de tanta incompetência e corrupção, grande parte das pessoas gostariam de vêlos na cadeia, e não no comando do estado.
Eles não vão renunciar. Será preciso que a sociedade se movimente, sem quebradeiras, sem gritos, para que as coisas voltem à normalidade. Ela também se deixou levar pela febre do petróleo. Em 2010, quando disputei com Cabral, já era evidente o colapso do sistema de saúde, a corrupção assustadora. Naquele momento, percebi que muitos intelectuais, alguns amigos queridos, continuavam seduzidos por um governo que mascarava a incompetência e corrupção com os abundantes recursos do petróleo. A sedução não envolveu apenas intelectuais críticos, mas todo o establishment. Hoje, os manifestantes gritam Bolsonaro, quando invadem a Assembleia. Como são policiais, e a família Bolsonaro sempre apoiou a corporação, não significa ainda um sentimento mais amplo na sociedade carioca, embora Bolsonaro, pai e filho, já sejam campeões de voto.
Será preciso humildade para compreender o que se passa, independentemente de nossas projeções teóricas sobre futuros luminosos. A cidade maravilhosa, cosmopolita etc. já está nas mãos de um grupo cristão que tende, ao contrário do Velho Testamento, a defender não uma ética particular, mas um caminho que deva ser universalmente aceito.
A gravidade da crise no Rio, caso sobreviva à quadrilha que o governou, e caso a sociedade não se esforce para buscar soluções, pode nos levar a um tipo de dissolução que encha as ruas de fantasmas perambulando com suas cestas de pequeno comércio, gangues dominando amplos setores da cidade e, sobretudo, saída em massa para o interior, para outros estados, para fora do país.
Pensem no Haiti, diz a canção. Precisamos mais do que isso: pensar no Haiti e fazer algo para evitar o mesmo destino.
O Estado de São Paulo -13/11
A primeira disputa entre o governo brasileiro e a administração do recém-eleito Donald Trump já está armada. Brasília começou na semana passada uma ação contra a nova barreira erguida nos Estados Unidos contra o aço fabricado no Brasil. A iniciativa foi do presidente Barack Obama, em mais uma tentativa de socorrer a enfraquecida siderurgia americana. O assunto ficará para o republicano, um autoproclamado protecionista. Se ele for fiel às promessas de campanha, poderá ir muito além de seu antecessor na criação de entraves ao comércio. Como candidato, anunciou até a disposição de rever acordos e de confrontar o sistema internacional de regras comerciais. Todos têm motivos para preocupação, mas no caso brasileiro é necessária uma ressalva. Barreiras no exterior são sempre ruins, ninguém pode negar, mas os principais obstáculos ao sucesso comercial das empresas brasileiras estão mesmo dentro do País.
Embora inquietante, o populismo protecionista do presidente eleito dos Estados Unidos é menos perigoso que as causas internas da baixa competitividade brasileira. Enfrentá-las deve ser prioridade do atual governo, com apenas mais dois anos de mandato, e de seu sucessor. Mesmo os setores e empresas mais competitivos do Brasil são prejudicados por um número enorme de problemas sistêmicos. A lista é fácil. Inclui pelo menos a infraestrutura deficiente, a tributação irracional, a burocracia excessiva, a insegurança jurídica, o peso de governo caro e improdutivo e, é claro, um dos piores sistemas educacionais do mundo emergente.
Não adianta confrontar as taxas nacionais de alfabetização de hoje com as de dez ou vinte anos atrás. As taxas podem ter melhorado, mas o analfabetismo funcional continua muito elevado. Pelos dados oficiais, deve estar pouco abaixo de 20% da população com idade a partir de 15 anos, mas os fatos observados no dia a dia parecem mostrar um quadro bem pior.
A formação oferecida até o curso médio é desastrosa, como comprovam, em primeiro lugar, as provas de redação zeradas no Enem. A mera perspectiva de provas com nota zero na redação é assustadora, mas esse é um dado rotineiro.
A catástrofe da educação fundamental é confirmada periodicamente nos testes internacionais. No mais famoso, o Pisa, mantido pela OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, os estudantes brasileiros têm ficado regularmente entre os dez últimos, num conjunto de 65. Quem ainda tiver dúvidas sobre o assunto poderá eliminálas consultando as associações industriais, como a CNI e a Fiesp, acerca da qualidade média da mão de obra encontrada no mercado.
No item educação primária, o Brasil ficou em 120.º lugar, pela qualidade, numa lista de 138 países, no último relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial, publicado em setembro. No quesito formação superior, o País ficou na 84.ª posição, no mesmo conjunto. Sempre no terço inferior, portanto, embora ainda seja uma das dez maiores economias, pelo tamanho do produto interno bruto (PIB).
Na classificação geral, o País caiu seis posições em um ano, passando ao 81.º lugar. A melhor colocação foi alcançada em 2012, quando o Brasil ocu- pou o 48.º posto. O recuo ocorreu muito rapidamente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff e ainda se acelerou na fase de recessão. As condições conjunturais pesaram na avaliação, mas os quesitos de longo prazo continuaram muito ruins. A educação é um exemplo importante, quando se trata de medir as desvantagens competitivas.
Mas a qualidade da administração, a inflação, o desarranjo fiscal, a segurança pública deficiente e as dificuldades para fazer negócios têm permanecido, ano após ano, como fatores de grande relevância. A lista de entraves aos negócios inclui tanto fatores institucionais, como a complicada regulação tributária, quanto – digamos – in- formais, como a corrupção. O combate à corrupção é elogiado, mas o problema permaneceu com destaque na lista dos entraves mencionados nas entrevistas da pesquisa.
A administração pública deficiente e o estado precário das finanças oficiais aparecem de forma recorrente nas pesquisas de competitividade, assim como os impostos pesados e de baixa qualidade e a complicada regulamentação tributária. O ajuste contábil das contas públicas é, portanto, apenas uma das tarefas necessárias, na área fiscal, para tornar a economia brasileira um pouco mais eficiente.
É preciso levar em conta, nesse tópico, uma agenda muito mais ambiciosa e politicamente complicada. Uma reforma tributária razoável deverá envolver o ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, cobrado pelos governos estaduais. Não bastará eliminar a guerra fiscal entre Estados. Será preciso, também, livrar totalmente as exportações e os investimentos produtivos do peso dos tributos. Será preciso negociar o assunto com 27 governadores.
No dia a dia, fala-se muito do câmbio quando se trata de competitividade, mas pouco se discutem os fatores estruturais, como sistema tributário, educação, pesquisa e tecnologia, eficiência do governo, inflação controlada e estabilidade fiscal. São fatores como esses as principais vantagens das economias mais competitivas e com maior potencial de geração de empregos.
Políticas industriais voluntaristas, baseadas no protecionismo e na distribuição de benefícios a grupos e setores, tendem a fracassar e – pior – produzir desastres. A Organização Mundial do Comércio (OMC) acaba de condenar políticas desse tipo, exploradas amplamente pelo governo anterior. A condenação nem é o pior detalhe dessa história. Pior foi o fracasso, acompanhado de custos fiscais e financeiros enormes e de uma recessão com 12 milhões de desempregados. Trump pode ser um perigo, mas nem de longe comparável com os problemas made in Brazil.
Mesmo sem barreiras no exterior o Brasil já tem um poder de competição muito baixo
ESTADÃO - 13/11
Há quem propague a equivocada ideia de que a responsabilidade fiscal seria uma opção ideológica de direita
Em recente palestra, proferida em Brasília, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso fez uma importante defesa da responsabilidade fiscal. “Eu considero que responsabilidade fiscal é uma premissa das economias saudáveis”, afirmou Barroso.
“A Lei de Responsabilidade Fiscal é um avanço porque diz o óbvio: não se pode gastar mais do que se arrecada e se endividar sem limites”, continuou o ministro. Certamente, um governo gastar mais do que arrecada é incompatível com um desenvolvimento econômico minimamente sustentável - e isso é um dado óbvio da vida econômica de qualquer país. No entanto, nos tempos que correm, com alguns partidos políticos insistindo em não ver os deletérios efeitos da irresponsabilidade fiscal e ainda posando de defensores do povo e dos avanços sociais, é muito bem-vinda a enfática defesa da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Infelizmente, ainda há quem queira tirar proveito político da ignorância de parte da população e propague a equivocada ideia de que a responsabilidade fiscal seria uma opção ideológica de direita, para defender supostos interesses da elite econômica, como parte do “projeto neoliberal”. Como lembrou o ministro Barroso na mencionada palestra, não há responsabilidade fiscal de esquerda ou de direita.
As opções ideológicas podem e devem orientar as prioridades orçamentárias de cada governo, mas os gastos - sejam eles quais forem - devem necessariamente se sujeitar às receitas obtidas. É simplesmente inviável um governo contratar gastos públicos ignorando se há ou não recursos disponíveis. Em outras palavras, a responsabilidade fiscal não é - não deve ser - uma opção política. Ela é - deve ser - a premissa de toda e qualquer política econômica.
Promovem um grande mal ao País as pessoas e grupos políticos que difundem, por exemplo, a equivocada ideia de que é possível - e não causa efeitos colaterais - gastar mais do que se arrecada, ou ainda que a responsabilidade fiscal é um tema de interesse apenas dos ricos. Esse tipo de mensagem desinforma a população.
Na prática, constitui mentira com alto custo social. Basta ver a realidade econômica do País depois de anos de irresponsabilidade lulopetista: o desequilíbrio fiscal gerou perversos efeitos para a população, especialmente para as classes mais pobres, justamente aquelas que o discurso populista da irresponsabilidade fiscal prometia defender.
É fácil difundir que a PEC do Teto dos Gastos - que tenta colocar um mínimo de racionalidade nas finanças públicas, limitando o crescimento das despesas da União à variação da inflação do ano anterior - é a “PEC da Maldade, que prejudica os mais pobres”. Não é nada fácil, porém, desbastar a inflação que corrói a renda do trabalhador. Não é nada fácil trazer os juros para patamares civilizados sem provocar danos ainda mais sérios à economia. E todas essas distorções se devem ao descontrole dos gastos.
Se alguma serventia teve a passagem de Dilma Rousseff pela Presidência da República, foi a de colocar em evidência - sem qualquer margem para dúvida - o fato de que a realidade, também a econômica, tem suas regras e desprezá-las importa em enorme custo, também social. Quando um governo gasta mais do que tem, como insistiu teimosamente em fazer Dilma Rousseff, ele arruína a economia e, consequentemente, a vida social de todo o País.
Só faltava que, depois de toda a crise vivenciada pelos brasileiros, ainda houvesse quem defendesse a irresponsabilidade fiscal. Mas há. Por isso, é muito conveniente a célere aprovação pelo Senado da PEC do Teto.
Adequar os gastos públicos às receitas não é uma questão ideológica, e a irresponsabilidade não é uma opção. A política é território livre para o debate de ideias, mas isso não a transforma, como alguns desejam, em campo para a irresponsabilidade. Afinal, também faz parte da democracia assumir as consequências de suas posições. A isso se dá o nome de responsabilidade.
O Globo - 13/11
Estamos chegando a um ponto crítico que nos aproxima da Grécia A ressalva do governador do Rio de que a União só poderá ajudar os governos em dificuldades financeiras se fizer ele mesmo seu ajuste fiscal, iniciado com o pacote de teto de gastos, é uma demonstração de que estamos chegando num ponto crítico que nos aproxima mais da Grécia, que quebrou antes de iniciar seu programa de ajustes para continuar na União Europeia, do que dos poucos países que já conseguiram sair da crise que o mundo enfrenta desde 2008.
A“marolinha” prevista pelo ex-presidente Lula transformou-se em um tsunami, e não apenas pelos efeitos da crise internacional. Ao contrário, nós conseguimos piorar as coisas com nossas mazelas internas, potencializando uma crise que originalmente já era muito difícil de enfrentar.
A escolha dos últimos 13 anos foi fazer um governo popular, em vez de corrigir os defeitos que vinham se acumulando ao longo do tempo. Controlar a inflação foi um grande feito com o Plano Real, mas necessitávamos de uma série de reformas estruturais para recolocar o país nos trilhos, que começaram com a reforma da Previdência, incompleta nos oito anos do governo Fernando Henrique.
A fixação da idade mínima para a aposentadoria já poderia ter sido aprovada, mas por um desses azares da sorte o governo perdeu por um voto, e justamente o de um aliado. O ex-ministro Antonio Kandir se absteve, depois alegou que se enganara e não conseguiu retificar o voto. Podíamos ter resolvido essa questão em 1998, há quase 20 anos.
O ex-presidente Lula assumiu o governo na sucessão de Fernando Henrique desejando seguir a política reformista, e começou pela Previdência. Teve tantas dificuldades para aprovar um sistema de fundos de previdência para os servidores públicos, teve que enfrentar os sindicatos, e preferiu ficar com suas corporações a levar adiante as reformas, que incluíam até mesmo a trabalhista.
Não regulamentou a medida, deixando-a guardada no fundo de sua gaveta presidencial. Somente em 2012 a presidente Dilma Rousseff regulamentou a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe), o regime de previdência complementar de servidores públicos civis.
A Funpresp tem a participação apenas de novos funcionários que ingressaram no serviço público depois de sua regulamentação, os funcionários públicos da época continuaram a ter direito de se aposentar com salário integral. Já os novos estão sujeitos a um teto e, para complementarem o valor, contribuem com a Funpresp.
Hoje estamos de volta ao passado, tentando mais uma vez aprovar um limite de idade para a aposentadoria, e unificar o sistema para que tenha um mínimo de racionalidade. A situação econômica está encaminhada com a disposição do governo Temer de aprovar as reformas, mas a teoria tem que se tornar realidade para que a recuperação aconteça de fato.
Com as idas e vindas no Congresso, e a espada da Operação Lava-Jato sobre a cabeça de grande parte dos políticos, inclusive vários no núcleo duro do Palácio do Planalto, a incerteza provoca oscilações na economia, e a previsão de crescimento do PIB já está recuando mais uma vez.
É preciso que os estados e municípios, na maioria quebrados, entendam que não poderão contar com a ajuda federal se não houver perspectiva de melhoria, e é essa a mensagem que o governador Pezão transmitiu, depois de falar com o presidente Temer: se as bancadas estaduais no Congresso não ajudarem a aprovar o limite de gastos e a reforma da Previdência, não há como o governo federal ajudar os estados.
Simples assim. Ou viramos uma Grécia, que só começou a fazer as reformas exigidas pela União Européia depois de literalmente quebrar. E mesmo assim continua em convulsão, com parte da população e dos políticos tentando barrar as mudanças previdenciárias.
FOLHA DE SP - 13/11
A crise dos Estados não pode surpreender.
As regras da Previdência dos servidores públicos e os reajustes salariais acima da inflação na última década resultaram no elevado crescimento da despesa pública, muito acima do aumento da renda nacional.
Com a deterioração fiscal dos últimos anos, muitos Estados optaram por medidas paliativas para continuar com o crescimento da despesa, apesar da queda da receita recorrente. Essas medidas incluíram, por exemplo, o aumento do endividamento público com aval da União ou novos empréstimos concedidos pelos bancos oficiais.
Os exemplos de medidas paliativas não deixam de surpreender. Depósitos judiciais entre partes privadas foram utilizados para financiar parte das despesas públicas no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, e royalties de petróleo foram destinados ao financiamento do deficit da Previdência dos servidores, entre vários outros exemplos.
A renegociação da dívida dos Estados com a União deu um fôlego temporário a vários deles, porém apenas adiou a inevitável dificuldade com o pagamento das obrigações.
Financiar despesas correntes com receitas extraordinárias, como novos empréstimos, ou com recursos incertos, como royalties de petróleo, reflete irresponsabilidade fiscal.
Além disso, critérios criativos foram utilizados para evitar os limites previstos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, como excluir da despesa de pessoal diversos auxílios e abonos pagos a servidores, além dos gastos com terceirizados. Essa lista está longe de ser exaustiva.
O poder público se comprometeu com obrigações incompatíveis com as suas receitas e as medidas paliativas apenas permitiram o agravamento dos problemas nos últimos anos.
A crise do Rio de Janeiro é apenas o prólogo das graves dificuldades que muitos Estados enfrentarão nos próximos meses. A falta de recursos resultará em dificuldades crescentes para pagar as despesas correntes com serviços básicos, como saúde, educação e segurança.
Infelizmente, diversos Tribunais de Contas estaduais foram coniventes com esse processo de deterioração fiscal.
Será inevitável debater direitos adquiridos e normas como a estabilidade dos servidores públicos.
As corporações públicas no Rio de Janeiro invadem a Assembleia Estadual e demandam que o restante da sociedade pague pelos seus benefícios. Governadores, que não enfrentaram as dificuldades e deram reajuste salarial em 2015, apesar da gravidade da crise fiscal, pedem que o país arque com as obrigações que, irresponsavelmente, assumiram.
Resta saber quem terá os seus direitos reduzidos: as corporações ou a sociedade?