sexta-feira, julho 19, 2019

Não, não pode - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA, edição nº 2644

Uma das coisas mais evidentes no bloco daquilo que 'não se faz' é nomear um filho como embaixador do Brasil nos Estados Unidos


Uma das tarefas mais difíceis desta vida, por alguma razão ainda não explicada pela ciência, é aprender uma de suas regras mais fáceis. A regra é a seguinte: certas coisas não se fazem. Não têm nada a ver com o fato de serem permitidas ou não por lei. Também podem não ser, em si mesmas, boas ou más, certas ou erradas. São, apenas, coisas que não se fazem. Por quê? Porque não se fazem, só por isso — não por uma pessoa dotada de coeficientes médios de decência, consideração pelos outros e boa educação. E quais são elas? Aí, se você não sabe, temos um problema. Ou se aprende isso antes dos 10 anos de idade, ou não se aprende nunca. A língua inglesa tem uma expressão admirável a esse respeito: “It’s not done”. Na tradução mais direta quer dizer: “Não se faz” — e há todo um universo moral contido nesse “não se faz”. É o que divide, no fundo, a qualidade interior dos seres humanos. Quem sabe naturalmente o que não se deve fazer, sem ter de perguntar a cada meia hora se deve agir assim ou assado, está no lado do bem. Quem não sabe está no lado escuro da força.

Uma das coisas mais evidentes no bloco daquilo que “não se faz” é nomear seu filho como embaixador do Brasil nos Estados Unidos — se você, justamente, é o presidente do Brasil. Quem, com um mínimo de bom-senso, pode ter alguma dúvida a respeito de uma coisa dessas? Tanto faz se ele vai, no fim das contas, ser embaixador ou não: um homem público, seja qual for o seu cargo no governo, não pode nomear parentes para outro cargo público, qualquer cargo público. Se for o presidente da República, então, aí é que não pode mesmo — principalmente se vai ter de fazer isso na frente de todo mundo. Uma coisa, muito bacana, é promover os valores da família. Outra, muito diferente e muito ruim, é promover os membros de sua família a empregos cinco-estrelas dentro do governo. Quer dizer que o filho do presidente, só por ser filho do presidente, não pode ser embaixador nos Estados Unidos? Sim, quer dizer isso mesmo: não pode.


“Um homem público, seja qual for o seu cargo, não pode nomear parentes”

Pois é, a vida é assim — e ainda bem que é assim. Presidentes da República, mais que quaisquer outros servidores da população, têm de pagar um pedágio alto para ocupar o seu cargo, e ninguém precisa ficar com dó, pois eles estão lá porque quiseram muito estar; não foram obrigados.

A decisão do presidente Jair Bolsonaro de indicar seu filho Eduardo para a embaixada brasileira em Washington é um desastre com perda total. A soma das qualificações que Eduardo tem para o cargo não chega a zero. Mas mesmo que ele fosse o melhor embaixador possível de ter hoje nos Estados Unidos, um novo Barão do Rio Branco, isso não mudaria nada, porque filho não pode ser nomeado — e pronto. Bolsonaro, nesse caso, teria de mandar para lá o segundo melhor, e tocar a bola para a frente. Paciência. Não vale, também, o argumento de que os diplomatas brasileiros detestam Bolsonaro, e que o Brasil se prejudica com isso. É verdade. Em geral eles já têm vergonha de ser brasileiros; com Bolsonaro na Presidência, então, passaram a ter pavor de representar um governo “fascista”. E daí? Eles vão continuar exatamente assim; isso não se resolve nem se você nomear Deus Padre em pessoa para Washington.

Ninguém se lembra quem foram os embaixadores brasileiros nos Estados Unidos nos últimos anos, diz o presidente. De fato: daria para encher um museu de nulidades com o pessoal que tem passado por lá. Mas a saída, então, seria nomear mais uma nulidade? É certo, também, que Bolsonaro não é defendido pela diplomacia brasileira das acusações de ser um ditador, um homofóbico e um racista. Mas os fatos estão a seu favor. Ditadores não aprovam projetos com 74% dos votos da Câmara dos Deputados, como acaba de ocorrer na reforma da Previdência. Não há, em seis meses de seu governo, uma única decisão contra homossexuais. Não há um episódio sequer de racismo. É nisso que o presidente tem de investir — nos fatos, e não em Eduardo. Em vez de reclamar, e nomear o filho para ser embaixador, ele terá de continuar demonstrando, pelos seus atos, que não é ditador, homofóbico nem racista. Ponto-final.

Pessoas que muito erraram na vida têm um sonho tão precioso quanto impossível: voltar ao passado, por uns modestos instantes, só para não fazer os erros que fizeram. O arrependimento, como se sabe, deveria vir antes do pecado; a vida seria outra, se fosse assim. Infelizmente, só vem depois — e aí já não adianta nada. Bolsonaro, nessa história, tem a chance de se arrepender antes de pecar. Deveria aproveitar, correndo.

Publicado em VEJA, edição nº 2644

A taxação de grandes fortunas não decola - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 19/07


Dia 25 de junho, 19 bilionários pronunciaram-se em público a favor da cobrança de um imposto sobre grandes fortunas. Entre eles estão Abigail Disney, Sean Eldridge, Agnes Gund, Arnold Hiatt, Chris Hughes, Regan Pritzker e George Soros.

Em carta aberta aos próximos candidatos à presidência dos Estados Unidos, esses 19 entendem que a concentração de renda é um problema cuja solução será essa cobrança. “Um imposto sobre fortunas ajudará a enfrentar a crise ambiental, produzirá avanços na economia, trará resultados na área de saúde, criará oportunidades e fortalecerá nossas liberdades democráticas.” A íntegra do documento pode ser obtida pela internet no endereço medium.com/@letterforawealthtax.

Por mais que tenha aumentado o clamor por providências destinadas a combater a concentração de renda nos países avançados, a proposta pela criação de uma taxa desse tipo vem e volta. Em geral, aparece em períodos eleitorais. Mas é abandonada pela maioria dos governos, não tanto por oposição dos ricaços, mas por ser considerada impraticável. No fim da década de 1990, por exemplo, a Suprema Corte da Alemanha rejeitou o imposto. Entre os argumentos, estava o seguinte: se a alíquota fosse baixa, arrecadaria menos do que o Fisco gastaria para cobrá-lo. E se a alíquota fosse alta, o imposto seria transformado em imposto confiscatório.

Extenso documento da OCDE (The role and design of net wealth taxes in the OECD), de 2018, não esconde seu ceticismo em relação à possibilidade de implantação desse imposto. É de administração difícil pelas autoridades fiscais, tem baixa capacidade arrecadatória e deixa o país altamente exposto a fugas de capitais.

Uma das características desse imposto é de que tem de ser declaratório. O contribuinte aponta quanto vale sua fortuna a preços de mercado e as autoridades se encarregam de conferir a validade da declaração e de cobrar o imposto devido.

O maior problema aí é que grande número de propriedades é de avaliação muito difícil. Não é apenas o caso dos objetos de arte, das joias e das antiguidades. Como, por exemplo, avaliar corretamente rebanhos ou plantações, se o preço do boi pode variar de acordo com a qualidade do pasto; ou o valor de uma plantação, que pode variar de acordo com o tempo de cultura ou a qualidade da terra?

Saber quanto valem as ações de empresas de capital aberto é fácil. Basta conferir nas bolsas de valores a cotação desses papéis numa determinada data. Mas como avaliar sociedades não cotadas no mercado aberto: grandes e pequenas indústrias, lojas, postos de gasolina, fazendas, etc.?

Em princípio, equipamentos destinados à execução de um trabalho profissional deveriam ficar de fora dessa tributação, como consultórios, instrumentos de diagnóstico e computadores. Mas quem trabalha em domicílio próprio poderia abater o valor de sua casa do imposto a pagar? E há ainda os intangíveis, como marcas, logotipos e pontos de venda.

Quando incide sobre capitais móveis (títulos, fundos de investimentos, ações, ouro e dinheiro) leva o risco da transferência das fortunas para outros países onde tal imposto não existe, como acima mencionado.

A enorme complexidade desse imposto e as questões jurídicas que podem ser suscitadas a cada momento e por múltiplos motivos têm levado muitos países a desistir da ideia. Como relata o documento da OCDE, 12 países que fazem parte do bloco tinham esse imposto em 1990. Em 2017, só quatro continuavam com ele: França, Noruega, Espanha e Suíça. A Áustria desistiu dele em 1994; Dinamarca e Alemanha, em 1997; a Holanda, em 2001; Finlândia, Islândia e Luxemburgo, em 2006; e Suécia, em 2007.

No Brasil, está previsto na Constituição de 1988. Mas todas as tentativas de regulamentação caíram no vazio, e a primeira delas foi a do então senador Fernando Henrique Cardoso, apresentada em 1989. A Câmara dos Deputados recebeu até agora 20 projetos, todos arquivados ou sem tramitação prevista. No Senado, há sete.

Até agora, vem prevalecendo o ponto de vista dos técnicos de que a cobrança deste imposto é complicada demais, é de baixa capacidade arrecadatória e produz atritos políticos altos demais.

Bolsominions e morominions estão à beira de um ataque de nervos - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 19/07

O que não estariam a dizer agora se a decisão de Toffoli tivesse nascido da defesa de Lula, Jaques Wagner ou Gleisi Hoffmann?


O presidente do Supremo, Dias Toffoli, fez valer a lei, e isso beneficia, por ora, um Bolsonaro. Ocorre que a decisão destrói a metafísica da empulhação que sustenta o discurso de bolsominions e morominions. Eles estão à beira de uma concussão cerebral. Vamos ver.

O ministro pode não ter ainda esmagado a cabeça da serpente, mas é certo que a pegou com um gancho e a colocou, por ora, ao menos, numa caixa. Se de lá ela vai escapar, junto com todos os males do mundo, numa orgia de mitos, isso é o que vamos ver.

É raro a gente se divertir escrevendo sobre política, ainda que, no caso, o divertimento seja quase sempre sarcasmo. Na terça-feira, Toffoli acordou o Tico e o Teco no cérebro dos bolsominions e dos morominions. E, até agora, eles não conseguiram entrar num acordo de vontades. É divertido.

Atendendo a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o ministro suspendeu todas as investigações criminais nascidas de dados compartilhados por órgãos de controle, como Coaf e Receita, sem prévia autorização judicial.

As várias instâncias do Papol —o Partido da Polícia— saíram gritando, exercitando aquele que tem sido o mais poderoso lobby da história recente do país: o do terror, que se alimenta da ignorância.

“Estão suspensas todas as investigações sobre lavagem de dinheiro no país”, grita um! “Agora ninguém mais investiga o PCC”, assegura o outro. “Entidades internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ativos ilegais romperão convênio com o Brasil”, tonitrua um terceiro.

E, é claro, vozes associadas à força-tarefa, ainda que não personalizadas, desta vez, no excepcionalmente discreto DeltanDallagnol, compareceram ao debate para reiterar o bordão: “Isso prejudica a Lava Jato”.

Ninguém tem o direito de se surpreender. Os diálogos entre Dallagnol e Sergio Moro e do procurador com seus pares, revelados por Folha, Veja e por este escriba, em parceria com o site The Intercept Brasil, têm evidenciado que a Constituição, o Código de Processo Penal, o Código de Ética da Magistratura, o Tratado de San José da Costa Rica e até a Declaração Universal dos Direitos do Homem atrapalham a Lava Jato...

Pergunto: essas e outras investigações eram conduzidas ao arrepio da Justiça? É isso o que se está a confessar? Alguém poderia, por favor, responder a este jornalista onde está a dificuldade de o Ministério Público ou a polícia, recebendo uma notificação do Coaf ou da Receita, encaminhar um pedido de quebra de sigilo a um juiz?

De pronto, lembro circunstâncias decorrentes da quebra formal e informal de sigilos. No primeiro caso, há ao menos a chance de responsabilizar eventuais vazadores, e todos os procedimentos decorrentes da devassa têm de ficar registrados nos autos.

Na quebra informal, é disso que se está a falar, tudo pode ser decidido numa mesa de bar ou nos porões de interesses escusos. Ah, sim! Os invasores de sigilo podem até ser pessoas bem-intencionadas. Um dia encontrarão seus pares naquela área mais densamente povoada do inferno. Além destas, há as pessoas más...

Quer dizer que se havia naturalizado no país a prática de órgãos administrativos de controle atuarem como braços de um Estado policial paralelo? Forneciam dados às polícias e ao Ministério Público ao arrepio da Justiça como ente, ainda que juízes, episodicamente, pudessem se associar à cadeia de ilegalidades, candidatando-se, quem sabe, a comandá-la? Sim, eu pensei em Moro.

Depois da estupefação, vamos ao divertimento. Flávio não é o único eventual beneficiário imediato da decisão de Toffoli —que ainda será submetida ao pleno do Supremo porque há lá pendente uma questão de mérito, com julgamento previsto para novembro. Há outros. A petição que resultou na liminar, no entanto, foi apresentada por sua defesa.

O que não estariam a dizer agora bolsominions e morominions —e é possível que o próprio general Augusto Heleno não se contivesse e subisse num palanque— se essa decisão do ministro tivesse nascido de um recurso impetrado pela defesa, deixem-me ver, de Lula, Jaques Wagner ou Gleisi Hoffmann?

Estariam todos a tirar da gaveta a sua camiseta verde-amarela para ocupar as praças e ameaçar o país com a guerra civil das salivas, pelancas e bermudas marrons com meia preta —além de uma certa pança a evidenciar o ócio à espera da dignidade.

Ah, sim: desta feita, não apareceu nenhum general a ameaçar o STF com a cólera das legiões. Nem o embaixador do hambúrguer pensou em convocar um cabo e um soldado —sem nem o jipe— para fechar o tribunal. Divertido.

Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.

"Por que essa pressão em cima de um filho meu?", pergunta Bolsonaro. E eu respondo! - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 19/07

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) questionou, nesta quinta-feira (18), as criticas que vem recebendo pela indicação de seu filho, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Ele ressaltou a “competência” de Eduardo, que tem “bom relacionamento” com o atual presidente norte-americano, Donald Trump, e questionou a “pressão” sobre o assunto.

“Por que essa pressão em cima de um filho meu? Ele é competente ou não é competente? Dentro do quadro das indicações políticas, vários países fazem isso. E é legal fazer no Brasil também”, declarou ao sair do Palácio da Alvorada, em Brasília. “Tem algum impedimento? Não tem impedimento. Atende o interesse publico. Qual o grande papel do embaixador? Não é o bom relacionamento com o chefe de estado daquele outro país? Atende isso? Atende. É simples o negócio”, completou.

Bolsonaro citou, ainda, o caso do ex-deputado federal Tilden Santiago (PT-MG), que foi embaixador em Cuba quando não tinha sido eleito para um cargo público. “O Tilden Santiago não foi reeleito em 2002, foi ser embaixador em Cuba, ninguém falou nada”, argumentou.

E lá está o presidente usando o argumentum ad petistum, a nova moda do bolsonarismo. Ao se comparar sempre com o PT, o governo pretende nivelar por muito baixo as expectativas. Se o PT fez, então por que ele não poderia? Sendo que o presidente deixou de lado um “detalhe”: Tilden não era filho de Lula. E sim, vários criticaram a escolha na época, mas veja o destino: Cuba!

No caso atual estamos falando da embaixada mais importante, a americana. E além do parentesco com o presidente, Eduardo não tem experiência nisso, sequer fala inglês direito, e acabou de completar 35 anos, a idade mínima para o cargo. Tudo soa ruim, inadequado, favoritismo dinástico.

Bolsonaro acha que é bem simples: se dar bem com o governante do outro país. Não! Uma embaixada não precisa apenas disso. É algo bem mais complexo, que envolve relacionamento com vários estados, com vários empresários, com o mundo dos negócios e da geopolítica, que exigem determinado perfil diplomático que Eduardo passou longe de possuir. William Waack comentou sobre o caso:

“Ao se empenhar em colocar o filho Eduardo como embaixador do Brasil em Washington, o presidente Jair Bolsonaro decidiu ignorar um dos mais antigos princípios nas relações entre Estados. É o princípio segundo o qual países não têm amigos, têm interesses. […] Tomado no seu conjunto, o campo das relações internacionais é, por definição, o campo da impessoalidade. Os Estados Unidos não são de Trump, nem o Brasil é de Bolsonaro.”

Bruno Garschagen também comentou, lembrando que a eventual aprovação no Senado pode custar caro: “Eu acho essa escolha um erro do Bolsonaro, pelo fato do Eduardo ser filho dele. Poderia ter todas as credenciais, poderia ser um diplomata de carreira. Mas o fato de ser filho é um elemento que, na minha opinião, pesa contra essa indicação. No Senado, talvez seja a sabatina mais aguardada desde o início da República. Vai atrair muita atenção. Alguns senadores vão aproveitar para tentar negociar alguma coisa com o Governo”.

Mas os bolsonaristas querem que todos achem normal um pai indicar o filho para um cargo desses, sem a devida experiência e com um currículo totalmente aquém do necessário, só porque ele é “amigo” de Trump. E ainda teve gente que acreditou que, em contrapartida, o presidente americano indicaria seu filho Eric para a embaixada americana no Brasil! É uma turma engraçada, temos de admitir.

Enquanto isso… em meio às articulações para sua indicação como embaixador do Brasil nos EUA, Eduardo Bolsonaro viajou para a Indonésia, informa Igor Gadelha na Crusoé. O deputado aproveitará o recesso parlamentar para surfar no país asiático. E os deputados do PSL querem que seu irmão Flávio seja um dos presentes na sabatina do Senado, vejam que coisa mais republicana!

Estamos vendo bem diante de nossos olhos o que significa a tal “nova era”, meus caros. A militância fica nas redes sociais xingando todo crítico, patrulhando até piada de humorista em defesa do “seu mito”, enquanto o filho vai curtir o longo recesso parlamentar na Indonésia, preparando-se para morar na mansão luxuosa em Washington e ganhar R$ 70 mil por mês, para tirar fotos com Trump e ver se aprende de uma vez a língua de Shakespeare.

Rodrigo da Silva, do Spotniks, resumiu bem a palhaçada: “Eduardo Bolsonaro na embaixada dos EUA não é defesa do Ocidente, preservação das instituições, manutenção dos princípios judaicos cristãos. É o exato oposto disso: é populismo, degradação institucional, nepotismo. Quem não entendeu isso até aqui não sabe o que é conservadorismo”.

E vale acrescentar: o pilar básico do conservadorismo é o ceticismo com os políticos. Ou seja, bajular políticos é tudo, menos atitude de conservador que se preza!

Rodrigo Constantino

O voto distrital misto ganha força - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - PR - 19/07

Enquanto o Congresso estuda uma imoral e absurda ampliação do bilionário megafundo eleitoral para o pleito municipal de 2020, uma boa ideia vem do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): a corte, por iniciativa de seu vice-presidente, ministro Luís Roberto Barroso, montou um grupo de trabalho para estudar a adoção do sistema distrital misto já nas eleições do próximo ano nas cidades que tiverem mais de 200 mil habitantes. Em junho, a presidente da corte eleitoral, ministra Rosa Weber, já havia enviado ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), documento sobre a reforma eleitoral em que também se defende o voto distrital misto. Se adotado, este modelo representaria um enorme avanço em relação ao atual sistema proporcional.

Como já existem dois textos em tramitação no Congresso, ambos surgidos no Senado – os PLS 86/2017 e 345/2017, de autoria, respectivamente, de José Serra (PSDB-SP) e Eunício Oliveira (MDB-CE, não reeleito em 2018) –, não é intenção do TSE elaborar um novo anteprojeto de lei, mas apenas propor melhorias nos projetos que o Legislativo já vem avaliando. Isso porque mesmo dentro do sistema distrital misto há maneiras diferentes de se atribuir as vagas no Legislativo. A essência do modelo consiste em que metade das cadeiras seja disputada dentro dos distritos, em que cada partido apresenta apenas um candidato, e a outra metade seja distribuída de acordo com um segundo voto, dado normalmente ao partido.


Por mais que o TSE queira ver o voto distrital misto implantado já em 2020, é muito improvável que isso ocorra

Uma das opções é a “lista fechada”: uma relação pré-determinada de candidatos, dispostos em ordem, apresentada por cada partido antes da eleição. Se no voto partidário certa legenda conseguisse cinco cadeiras, por exemplo, seriam eleitos os cinco primeiros nomes dessa lista. Esta é a solução prevista nos dois PLs, e defendida no relatório do TSE. A lista fechada é usada em várias democracias mundo afora, mas no Brasil, dado o alto poder dos caciques partidários, a pouca transparência da maioria das legendas e o potencial uso da lista fechada para promover políticos impopulares (ou, pior ainda, envolvidos em escândalos), mas com prestígio interno, esta solução seria potencialmente problemática. Diante disso, mereceria consideração a alternativa, inclusive citada pelo TSE, da “lista semiflexível” ou “lista aberta”, em que o eleitor tem a opção de escolher, no voto partidário, um dos candidatos apresentados pela legenda para disputar essas cadeiras, e a ordem final na lista de cada partido seria definida de acordo com a votação obtida por cada um desses candidatos.

Além da opção pela lista fechada, os dois projetos de lei e o documento do TSE têm em comum a defesa da adoção do modelo alemão de voto distrital misto, cuja peculiaridade é a de fazer a distribuição total das vagas legislativas, inclusive as disputadas nos distritos, de acordo com o desempenho de cada legenda no segundo voto, o partidário. Em um Legislativo de 100 cadeiras, por exemplo, 50 seriam definidas nos distritos e outras 50, pelo voto partidário, mas seria este último que definiria a composição final do parlamento: uma legenda que conseguisse 20% dos votos partidários teria direito, assim, a 20 cadeiras. Supondo que este partido tivesse vencido 15 disputas distritais, elegeria estes 15 vencedores e outros cinco candidatos de sua lista (fechada ou aberta).

A vantagem de tal sistema é o de representar fielmente a preferência partidária do eleitorado, mas ele permite situações curiosas. O que ocorreria se aquele mesmo partido tivesse vencido 21 disputas distritais, tendo direito a apenas 20 cadeiras? Na Alemanha e no PLS 345, a solução é criar uma vaga adicional no parlamento, que seria fechada no próximo pleito. O TSE defende que essa regra não seja aplicada no Brasil, tanto pela resistência popular ao aumento na quantidade de parlamentares, quanto para que não haja o risco de algum estado exceder o número máximo de deputados federais definido constitucionalmente – aliás, como no fim das contas a distribuição de vagas legislativas continuaria obedecendo a métodos proporcionais, a adoção do voto distrital misto por esse modelo específico nem exigiria uma PEC, pois o artigo 45 da Constituição não precisaria ser mudado.

Por mais que o TSE queira ver este modelo implantado já em 2020, é muito improvável que isso ocorra, pois o Congresso precisaria aprovar algum dos dois projetos de lei até setembro deste ano – e, se a Câmara alterar os textos segundo as sugestões da corte, teria de remeter o projeto de volta ao Senado para nova votação naquela casa. Mesmo que não seja possível mudar as regras eleitorais para o ano que vem, essa discussão tem de continuar acesa, permitindo novas sugestões de melhorias, como no caso das listas partidárias, e votando os respectivos projetos de lei mais cedo ou mais tarde. O Brasil nunca esteve tão perto de adotar o voto distrital misto; que não desperdicemos esta chance.

O alcance da desestatização - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 19/07

Desestatização pode render até R$ 450 bilhões


A despeito dos programas de desestatização executados pelos diferentes governos desde a década de 1990 – mas com pouco ou nenhum empenho no período lulopetista (2003-2016) –, a presença das empresas estatais na economia brasileira continua excessiva. Ainda existem, segundo dados oficiais, 46 estatais sob controle direto da União e 88 sob controle indireto. A União tem ainda participação minoritária em 58 empresas privadas e públicas. Somando-se às estatais federais as empresas controladas pelos Estados e pelos municípios, o número deve superar 440 – o total pode ser até 50% maior –, de acordo com estimativas do secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar.

Esses números, apresentados na reportagem de José Fucs publicada pelo Estado, dão a dimensão que pode alcançar um amplo programa de desestatização, como o que o governo pretende executar de maneira acelerada após a aprovação da reforma da Previdência. A eles podem ser acrescentados os valores de outorga de cessão onerosa de áreas do pré-sal e de duas rodadas de licitações de petróleo e gás. Ainda falta a votação da reforma em segundo turno na Câmara e em dois turnos no Senado, mas a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, já fez vários cálculos do valor que o Tesouro poderá obter.

Levantamento do Estado indica que o programa federal de desestatização pode render até R$ 450 bilhões. Esse valor inclui 132 participações acionárias diretas da União com potencial para negociação de maneira pulverizada ou em bloco e os valores mínimos para a outorga de áreas do pré-sal e a receita com as rodadas de licitação de gás e petróleo. Nele estão consideradas todas as operações de privatização, desinvestimentos, abertura de capital e venda de participações minoritárias das estatais e suas subsidiárias. Só as participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio de sua controlada BNDESPar, em empresas de capital aberto e fechado têm atualmente valor de mercado de R$ 143,7 bilhões.

O ministro Paulo Guedes já estimou em R$ 1 trilhão o total que pode ser arrecadado pela União até 2022 com a desestatização. A estimativa do secretário Salim Mattar é mais conservadora, de R$ 635 bilhões, com as privatizações. As outorgas e a venda de imóveis da União poderiam render mais R$ 115 bilhões. Há também estimativas de instituições financeiras, próximas de R$ 450 bilhões.

Todos esses valores são muito maiores do que os alcançados em governos anteriores. Mesmo que o programa do governo alcance apenas a metade da estimativa mais conservadora, resultando em receita de R$ 200 bilhões a R$ 225 bilhões para o Tesouro, será o maior gerado por desestatizações na história do País.

Vistas pelo valor de mercado ou por critérios contábeis e financeiros, são imensas, de fato, as perspectivas para o programa de desestatização – e, por extensão, para o programa de ajuste fiscal do governo federal. Para que essas possibilidades de obtenção de receita e de drástica redução da presença do Estado na economia se concretizem, no entanto, muitos obstáculos terão de ser superados. Eles são de natureza política e boa parte está dentro do próprio governo do presidente Jair Bolsonaro. Há resistências à privatização da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), da Valec, da EBC, da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), da Finep, dos Correios e outras mais.

A definição de modelos de privatização e de concessões, de sua parte, será decisiva para despertar o interesse de investidores nacionais e estrangeiros e estimular entre eles a competição que assegure receitas adequadas para a União.

Ainda que tudo ocorra de acordo com a projeção mais otimista, a presença do Estado na atividade econômica por meio de empresas controladas pela União continuará expressiva. A lista das empresas privatizáveis não inclui Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES, todas com forte atuação em seus mercados.

República de bananas, hambúrguer e laranjas - CRISTIAN KLEIN

Valor Econômico - 19/07

Cavalo de Calígula, até onde se sabe, não estava preparado

Uma das explicações mais convincentes para a renitência de Jair Bolsonaro em defender o que é radical e estapafúrdio - mesmo depois de assumir o cargo de presidente - é o fato de nunca ter perdido uma eleição. A falta de derrotas - como aconteceu com Lula, por exemplo - teria preservado o temperamento. Conquistas sucessivas cultivaram a soberba com que, entre outros desatinos, o leva a querer indicar o próprio filho a embaixador em Washington. Caberá aos senadores decidir se alimentam ou não, no chefe do Executivo, o sentimento de soberania ilimitada, reforçado ao longo do tempo.

Bolsonaro ganhou a primeira eleição a vereador do Rio em 1988 e as sete seguintes (1990, 94, 98, 2002, 06, 10 e 14) para deputado federal. Em sua carreira, sempre foi um vitorioso nas urnas, apesar de ter perambulado pela Câmara, como um lobo solitário, à margem das representações partidárias. Abaixo da média do baixo clero, nunca influenciou o debate público em questões amplas ou profundas. Mas colheu muitos votos graças ao papel de sindicalista dos militares. Na tipologia de quadros políticos - que inclui o pragmático e o ideólogo - Bolsonaro é o lobista. O ocupante do Planalto foi um jogo de palavras: um lobo solitário lobista. Mas solitário em termos. Pois tem a prole.

O sucesso de Bolsonaro é maior quando se considera que sempre amealhou triunfos ao utilizar o capital político para emplacar os filhos no Legislativo. O mais velho, Flávio, ganhou cinco eleições: quatro a deputado estadual (2002, 06, 10 e 14) e uma a senador pelo Rio (18). Carlos, o Zero Dois, também venceu cinco disputas a vereador (2000, 04, 08, 12 e 16). O terceiro filho, Eduardo, elegeuse deputado federal em 2014, por São Paulo, e sua reeleição bateu recorde, em 2018, na esteira da candidatura do pai à Presidência.

O único revés do clã Bolsonaro foi há três anos, quando Flávio concorreu à Prefeitura do Rio, à revelia do patriarca e dos irmãos. Vem daí a animosidade entre o senador e Carlos, que não o ajudou na campanha municipal e com quem mal fala, desde então. De olho na eleição presidencial, Bolsonaro temia que a derrota do filho à prefeitura pudesse lhe prejudicar - o que não se confirmou. Em 30 anos, o quarteto ganhou nada menos do que 21 de 22 eleições. Já seria uma façanha o desempenho até o ano passado (18 em 19). Mas a vitória ao Planalto - a despeito dos escassos recursos e de tempo de TV - somada à explosão do bolsonarismo elevou a sensação de invencibilidade do clã num outro patamar.

O pai, depois de uma facada, ganhou contornos de guerreiro imortal ao vencer o petismo. Flávio conquistou a primeira vaga ao Senado. Eduardo tornou-se o deputado federal mais votado da história. Catapultado pelo ex-capitão do Exército, o PSL, de legenda nanica, virou a segunda maior bancada na Câmara e a maior nas Assembleias Legislativas de quase todo o Sudeste (São Paulo, Rio e Espírito Santo) e do Paraná.

O atual ocupante do Planalto liderou, mas também é resultado, do maior fenômeno eleitoral já visto no país. Um acontecimento raro, surgido num ambiente de anomia, com escândalos de corrupção, descrédito da classe política, antipetismo ferrenho e a maior crise econômica da história brasileira. Incapaz de perceber os elementos estruturais da ascensão de um movimento que leva o seu nome, Bolsonaro dá demonstrações cotidianas de egolatria - ainda que contrarie o que dizia em campanha.

O homem que bradava "A mamata vai acabar!", elogiava a meritocracia e criticava o Estado aparelhado pelos adversários políticos é o mesmo que defende a indicação de Eduardo a embaixador, sem as credenciais para o cargo, exceto a de ser filho de quem é e por ter "fritado hambúrguer" nos Estados Unidos. O salário - quase R$ 70 mil - passaria a ser o dobro do que recebe o deputado. E na embaixada, como destacou, o filho seria garantia de que "ninguém com estrelinha vermelha vai entrar".

Para Bolsonaro, basta um ato de vontade para que o imoral, o ilegítimo, o inconstitucional ou o improvável se concretize. Da corrida de Fórmula 1 no Rio ao decreto sobre armas. O presidente se vê acima do bem, do mal, das instituições e da opinião alheia: "Se estão criticando é porque está certo". As atualizações do "LÉtat cest moi" foram realizadas com sucesso.

Bolsonaro tem um quê de Luís XIV mas também de Calígula. O imperador romano nomeou senador seu cavalo preferido, Incitatus, que, até onde se sabe, não estava preparado para exercer a função. Um cavalo investido de poderes é uma bizarrice. Mas pode ser menos ofensivo e imprudente do que um filho no lugar errado.

A indicação do Zero Três à embaixada em Washington pode ser considerada a próxima batalha eleitoral da família Bolsonaro, desta vez pelo voto dos 81 senadores. É um teste de força para o rebento apontado como plano B, caso o presidente não concorra à reeleição. A fotografia de Eduardo entre o pai e o presidente americano Donald Trump - ambos apontando para ele - é daquelas peças de marketing já prontas para a entrega.

Se desse importância para os assuntos internos, Bolsonaro escalaria o filho como articulador do governo no Congresso, onde, porém, tal como o pai era, só não pode ser chamado de zero à esquerda por uma contradição ideológica. Na Câmara, Eduardo já disse que se vê "engessado, quase sendo mais um entre os 513 deputados".

Foi a resposta que deu, há dois dias, pelo Instagram, a um simpatizante que lhe pedia que fique no Brasil, para avançar "os projetos contra o Foro de São Paulo". O deputado argumentou que no posto em Washington seria um "porta-voz" ideológico "não só para os EUA mas para boa parte da mídia internacional". "Hoje os
únicos que fazem essa conexão são da extrema esquerda", escreveu, sem citar nome influente do PSTU ou do PCO que faça a cabeça da imprensa estrangeira.

Uma derrota de Eduardo no Senado representaria importante choque de realidade a Bolsonaro, cujos seguidores menos radicais se mostram silenciosos ou até contrários à indicação, dado o nepotismo flagrante. Referendar a escolha é reforçar a imagem de uma república que o presidente teima em construir: de hambúrguer, bananas e laranjas.

Bolsonaro insiste em desatinos e esquece economia - BRUNO BOGHOSSIAN

FOLHA DE SP - 19/07

Prioridades estapafúrdias e vacilação embaçam perspectiva de recuperação do PIB

Jair Bolsonaro teve tempo para falar de muita coisa na cerimônia que marcou os 200 dias de seu governo. Reclamou do filme “Bruna Surfistinha”, reforçou a campanha para dar uma embaixada ao próprio filho e fez piada com a gravata rosa do presidente do Senado.

Em mais um balanço de seus primeiros meses no cargo, o presidente se ocupou de sua caçada ideológica tacanha e de outros desatinos. “Acho que eu falei um pouco demais”, admitiu, no fim. Não achou um minuto, porém, para apontar soluções para os tropeços da economia.

As prioridades estapafúrdias de Bolsonaro e sua própria vacilação diante das propostas da equipe do governo embaçam as perspectivas de recuperação. Enquanto o time econômico busca um canudinho para respirar embaixo d’água com o dinheiro do FGTS, o presidente parece mais preocupado em procurar espaços para sua família no poder.

Bolsonaro ficou satisfeito com a primeira aprovação da reforma da Previdência, mas seus auxiliares foram obrigados a reconhecer que a proposta não tira a economia do atoleiro. Enquanto a Câmara aprovava o texto, na semana passada, o governo teve que reduzir a previsão de crescimento do PIB de 1,6% para 0,81%.

O núcleo de Paulo Guedes planeja medidas emergenciais e tenta emplacar uma reforma tributária, incluindo a criação de um tributo sobre operações financeiras, nos moldes da CPMF. Há poucos sinais de que o presidente seja capaz de desatar esse nó. Na verdade, assim como na Previdência, pode até atrapalhar.

Bolsonaro sempre foi um opositor da cobrança. Votou duas vezes contra a CPMF no governo Lula, disse que a proposta era “contra o povo” e, na campanha, chamou de “notícias mal intencionadas” os relatos de que Guedes defendia a contribuição.

O presidente parece acreditar que manterá sua popularidade com ataques ao ativismo no cinema e com o envio do filho para os EUA. Ele deve saber que a ladainha ideológica e o favorecimento da família não sustentam a economia por quatro anos.

Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

Dúvidas e polêmicas - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 19/07


O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), pretende conversar com seus colegas para ver as condições de antecipar o julgamento do compartilhamento de provas em investigação criminal, marcado para novembro.

A decisão que tomou, suspendendo todas as investigações que tenham sido feitas sem autorização judicial, está provocando polêmicas que precisam ser esclarecidas o mais cedo possível.

Um debate que haverá logo na reabertura do Judiciário, no fim do recesso, em agosto, é sobre os processos que estão suspensos. A tese dos advogados dos investigados é que esses processos não poderão ser retomados, mesmo com a autorização judicial, pois os dados já revelados invalidam as provas.

Por essa tese, o senador Flavio Bolsonaro, cuja investigação pelo Ministério Público Federal do Rio motivou o recurso que foi o estopim da decisão de Toffoli, ficaria livre da investigação. Há outra linha de ação que diz que, como nos Estados Unidos, esses processos podem ser retomados, adequados às novas normas, se o Supremo aderir à tese de Toffoli de que os dados detalhados das movimentações só podem ser dados com autorização judicial.

Há ministros no Supremo, como Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello, que consideram que nenhum dado, mesmo genérico, pode ser entregue pelo Coaf sem decisão judicial. Mesmo derrotado, Marco Aurélio disse que teme não ser constitucional a decisão do presidente do Supremo.

O STF tem diversas decisões, seja no plenário, seja nas Turmas, autorizando as investigações das operações atípicas detectadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), sem necessariamente passar pela autorização judicial.

O ministro Toffoli, que em 2016 votou a favor dessas investigações, salientou em seu voto que as informações deveriam ser fornecidas em números globais, e o detalhamento só poderia ser feito com decisão judicial.

A interpretação que vigora, no entanto, é mais ampla, como acontece nos Estados Unidos e Europa. O detalhamento das movimentações atípicas ajuda na investigação, e suprime uma etapa burocrática que pode retardar a ação da Polícia Federal ou do Ministério Público no combate ao narcotráfico e crimes de lavagem de dinheiro.

A agilidade nas investigações é o objetivo da autorização mais ampla, mas somente quando o Supremo julgar o assunto em definitivo é que haverá a chamada “repercussão geral”, isto é, uma decisão que serve de parâmetro para o Judiciário e para os órgãos de investigação.

A decisão monocrática de Toffoli, durante o recesso do Judiciário, foi tomada a pedido da defesa do hoje senador Flávio Bolsonaro, que alega que o Ministério Público do Rio quebrou seu sigilo bancário sem autorização judicial.

Desde que o plenário do STF aprovou, por 9 votos a 2, a autorização para que os órgãos de investigação recebessem dados considerados suspeitos, o Coaf tem enviado informações detalhadas dos gastos dos investigados sem autorização da Justiça, o que não significa tecnicamente quebra do sigilo bancário.

Mas há quem entenda no Judiciário, principalmente no STF, que há muito abuso nessas investigações, e a decisão de Toffoli é vista como “um freio de arrumação”.

O entendimento do plenário, em 2016, foi que seria incoerente impedir que o Coaf envie os dados para investigação quando essa é sua função primordial, o órgão tem a obrigação legal de fazê-lo, e o servidor que não sinalizar uma movimentação atípica pode ser acusado de prevaricação.

Toffoli alega que existe uma legislação regulamentando esse procedimento que impede o envio de detalhamento dos gastos do investigado. Para ele, a solução é simples: o Coaf envia uma informação geral, e o órgão investigador pede permissão à Justiça para detalhá-la.

O STF precisa explicar o que acontece agora com as investigações em andamento. As novas investigações, a partir da decisão, serão feitas com base em relatório sucinto dos órgãos de fiscalização, que depois da permissão da Justiça serão detalhados.

Mas, e os processos anteriores, estão anulados? Será preciso que o plenário do STF julgue o mais rápido possível, dando uma decisão definitiva sobre essas investigações, para que o país não seja punido duplamente: pela inviabilização do combate aos crimes financeiros, e pela rejeição de órgãos internacionais, como a OCDE, que exigem legislação dura contra a lavagem de dinheiro internacional.


Não é republicano pai nomear filho para embaixada - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 19/07

Intenção de Bolsonaro vai contra preceitos seguidos nos países democráticos


Declarações e ideias bizarras de Jair Bolsonaro levam a se especular sobre a possibilidade de haver uma lógica por trás de tudo. Como ser uma forma de sempre desafiar o “politicamente correto” cultivado pela esquerda, escolhida por ele, desde sempre, o grande adversário.

Mais uma vez, constata-se alguma semelhança entre Bolsonaro e o histriônico presidente Trump, mestre em atropelar preceitos seguidos tradicionalmente pela Casa Branca na diplomacia, por exemplo.

A intenção de Bolsonaro de nomear embaixador em Washington o filho Eduardo, o 03, deputado federal, pode não ter sido levada muito a sério. Mas a ideia, reprovável em vários sentidos — um deles, devido aos danos que provocará à imagem do país e da sua diplomacia, historicamente bem vista —, ganha fôlego, e isso preocupa. Com 130 anos de República, o Brasil volta à monarquia.

O aspecto até folclórico e cômico dos argumentos do filho para representar o país em Washington — ter “fritado hambúrguer no Maine” — começa a ficar em segundo plano, enquanto o que parecia “mais uma” do presidente ganha contornos de realidade. Cresce o temor de que o rocambolesco ocorra.

Como se temia, já surge na imprensa estrangeira o termo “República de Banana” sendo usado para qualificar o Brasil, que estaria repetindo comportamentos típicos de nações latino-americanas atrasadas e subservientes aos Estados Unidos. Um dos pontos considerados fortes por Jair e Eduardo para a nomeação é a suposta proximidade pessoal do deputado com Trump e filhos. Mas o relacionamento de países é algo muito mais complexo do que entre as pessoas físicas de seus representantes. Se assim não fosse , a política externa se subordinaria a normas de antigos livros de autoajuda do tipo “como fazer amigos”. E se Trump não se reeleger no ano que vem?

O conjunto dos interesses nacionais pode levar a que presidentes contrariem países dito amigos, porque política externa, na sua verdadeira acepção, congrega incontáveis fatores que muitas vezes extrapolam alianças mesmo que históricas. O que dirá de relacionamentos pessoais.

Exemplo é a decisão do presidente Ernesto Geisel, general, na ditadura militar, década de 70, de reconhecer o governo de Angola, instalado pelo movimento de guerrilha MPLA, com o apoio de Cuba. Uma heresia, mas bem fundamentada por quadros competentes do então Itamaraty. E eles estavam certos, haja vista o desenvolvimento das relações entre os dois países, independentemente de seus governantes. Ou seja, a diplomacia não é mesmo para amadores, parentes ou não do presidente.

Se o capricho presidencial persistir, o caso Eduardo Bolsonaro deve chegar ao Supremo, onde há uma súmula antinepotismo, embora exista a brecha de embaixador ser considerado cargo político. A melhor alternativa é o Senado, em que candidatos a embaixador são sabatinados, cumprir sua função republicana e não decidir preocupado com sobrenomes.

Para manter a solidez externa - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 19/07

O Brasil precisa melhorar contas públicas e ganhar poder de competição para manter balanço externo em bom estado, adverte FMI.



Depois de anos de crise, o Brasil mantém o balanço externo em bom estado e dispõe de um volume seguro de reservas, hoje em torno de US$ 380 bilhões, mas até para manter essas condições o País precisa melhorar suas contas públicas e ganhar poder de competição. Isto resume alguns dos principais pontos da avaliação incluída no Relatório do Setor Externo recém-publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). São desafios especialmente importantes num quadro global inseguro, marcado por medidas protecionistas e, segundo o documento, pelos perigos associados à tensão entre Estados Unidos e China, as duas maiores economias. Divulgado uma vez por ano, esse estudo contém um amplo retrato do comércio internacional de bens e serviços, do movimento de capitais, da variação de reservas e das políticas de câmbio, além de uma avaliação das condições e das perspectivas globais dos mercados.

O Brasil é uma das 30 grandes economias selecionadas para análise individual no fim do relatório. Em 2018, ano tomado como referência, a posição externa do Brasil estava “amplamente em linha” com os fundamentos de longo prazo e com “as políticas desejáveis”. O buraco nas transações correntes, um dos menores nas economias analisadas, correspondeu a 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e foi facilmente financiado com investimento estrangeiro direto. O País, segundo o texto, “continua atraindo consideráveis fluxos de capital”.

A política de câmbio flexível, bem avaliada, tem facilitado a absorção de choques externos. O volume de reservas, de US$ 375 bilhões no fim de 2018 e hoje superior a US$ 380 bilhões, é visto como adequado. O governo, recomendam os autores do relatório, deveria manter fortes amortecedores.

O texto se limita a essa recomendação, no caso do volume de reservas. A equipe econômica deveria levar em conta esse ponto de vista. Já surgiu, no atual governo, proposta de venda de reservas para cobrir parte da dívida pública. É uma ideia obviamente perigosa. Se as causas do endividamento permanecerem, a dívida pública voltará a crescer, o estoque de dólares terá diminuído e o País estará menos seguro se ocorrer um choque externo mais perigoso.

O relatório contém outras advertências importantes. Se a economia crescer mais rapidamente do que nos últimos anos, o déficit em transações correntes deverá aumentar e talvez atingir 2% do PIB. Não será uma condição de alto risco, mas será preciso manter as contas externas sob controle. Para isso – e também para garantir uma prosperidade sustentável – será indispensável arrumar as contas públicas e isso deverá incluir a reforma da Previdência.

A expansão econômica mais firme dependerá de mais investimentos produtivos. Será conveniente aumentar a capacidade interna de poupança, além de continuar atraindo poupança externa. O relatório menciona também a criação de um ambiente mais favorável aos negócios, um detalhe geralmente lembrado nos estudos sobre competitividade.

No caso do Brasil, mesmo um exame das contas externas, o lado mais saudável da economia, acaba levando a recomendações sobre a pauta de ajustes e reformas e sobre as condições necessárias a um maior poder de competição. O País deve continuar atraindo capitais de fora e isso será um importante fator de segurança, mas o interesse dos investidores estrangeiros, advertem os técnicos do FMI, poderá diminuir, se falhar o ataque aos problemas estruturais.

No exame do quadro global, o relatório chama a atenção para a insuficiência das medidas protecionistas quando se trata de combater grandes desequilíbrios. Isso é visível no caso dos Estados Unidos. Os desajustes continuaram, apesar das barreiras contra produtos chineses. Além disso, o protecionismo distorce as condições do comércio e, quando praticado por grandes potências, pode prejudicar a economia global. Se as barreiras já implantadas forem mantidas e surgirem novas medidas protecionistas, o PIB global em 2020 poderá ser diminuído de 0,5%. Todos perderão com a briga das maiores potências.

Quem perturba - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 19/07

Rápida adesão a site para bloquear ligações indesejadas deveria servir de alerta


O fato de que um serviço recém-criado para bloquear ligações indesejadas de telemarketing tenha recebido, apenas no primeiro dia de funcionamento, a inscrição de quase 1 milhão de brasileiros, dá bem a medida do tormento provocado pelo abuso dessa prática.

Há muito —e devido a uma confluência de fatores tais como regulação falha, terceirizações precárias, protocolos de atendimentos inadequados e operadores mal treinados— a oferta de produtos e serviços por telefone se converteu em violação da privacidade e das horas de repouso dos consumidores.

Além de incômodo, esse assédio telefônico promovido pelas empresas mostra-se generalizado.
Em pesquisa realizada em abril pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, 92,5% dos entrevistados relataram receber chamadas de telemarketing indesejadas —e 65% disseram recebê-las até dez vezes por semana, incluindo casos em que a ligação não se completa ou fica muda.

A plataforma Não Me Perturbe, criada por empresas de telecomunicações em cumprimento a uma determinação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), deve atenuar parte dessas agruras.
Os consumidores que inscreverem seus nomes na lista deixarão de receber em até 30 dias ligações das companhias participantes do serviço —Algar, Claro, Oi, Nextel, Sercomtel, Sky, TIM e Vivo.

As operadoras, ademais, comprometeram-se a implementar até setembro um mais do que necessário código de conduta, bem como mecanismos de autorregulação das práticas cotidianas de ofertas telefônicas de produtos.

Por mais bem-vindas que sejam, entretanto, tais medidas estão longe de resolver por inteiro o problema das chamadas abusivas. A agência reguladora ainda estuda, por exemplo, como combater o estorvo gerado por ligações mudas, realizadas por robôs.

De acordo com o levantamento feito pela Senacon, quase metade dos telefonemas incômodos é efetuada dessa maneira.

Além disso, a plataforma, por abranger apenas empresas sob regulação da Anatel, será incapaz de coibir a maior parte dos casos de telemarketing invasivo. Segundo o órgão, citando estudos de mercado, a venda de serviços de telecomunicações constitui apenas um terço das chamadas indesejadas.

A rápida adesão de um contingente expressivo ao novo cadastro deveria servir de incentivo, se não de alerta, para que os demais setores venham a adotar práticas semelhantes. Agastar o consumidor, afinal, não parece ser uma estratégia de vendas muito eficiente.