Enquanto o Congresso estuda uma imoral e absurda ampliação do bilionário megafundo eleitoral para o pleito municipal de 2020, uma boa ideia vem do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): a corte, por iniciativa de seu vice-presidente, ministro Luís Roberto Barroso, montou um grupo de trabalho para estudar a adoção do sistema distrital misto já nas eleições do próximo ano nas cidades que tiverem mais de 200 mil habitantes. Em junho, a presidente da corte eleitoral, ministra Rosa Weber, já havia enviado ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), documento sobre a reforma eleitoral em que também se defende o voto distrital misto. Se adotado, este modelo representaria um enorme avanço em relação ao atual sistema proporcional.
Como já existem dois textos em tramitação no Congresso, ambos surgidos no Senado – os PLS 86/2017 e 345/2017, de autoria, respectivamente, de José Serra (PSDB-SP) e Eunício Oliveira (MDB-CE, não reeleito em 2018) –, não é intenção do TSE elaborar um novo anteprojeto de lei, mas apenas propor melhorias nos projetos que o Legislativo já vem avaliando. Isso porque mesmo dentro do sistema distrital misto há maneiras diferentes de se atribuir as vagas no Legislativo. A essência do modelo consiste em que metade das cadeiras seja disputada dentro dos distritos, em que cada partido apresenta apenas um candidato, e a outra metade seja distribuída de acordo com um segundo voto, dado normalmente ao partido.
Por mais que o TSE queira ver o voto distrital misto implantado já em 2020, é muito improvável que isso ocorra
Uma das opções é a “lista fechada”: uma relação pré-determinada de candidatos, dispostos em ordem, apresentada por cada partido antes da eleição. Se no voto partidário certa legenda conseguisse cinco cadeiras, por exemplo, seriam eleitos os cinco primeiros nomes dessa lista. Esta é a solução prevista nos dois PLs, e defendida no relatório do TSE. A lista fechada é usada em várias democracias mundo afora, mas no Brasil, dado o alto poder dos caciques partidários, a pouca transparência da maioria das legendas e o potencial uso da lista fechada para promover políticos impopulares (ou, pior ainda, envolvidos em escândalos), mas com prestígio interno, esta solução seria potencialmente problemática. Diante disso, mereceria consideração a alternativa, inclusive citada pelo TSE, da “lista semiflexível” ou “lista aberta”, em que o eleitor tem a opção de escolher, no voto partidário, um dos candidatos apresentados pela legenda para disputar essas cadeiras, e a ordem final na lista de cada partido seria definida de acordo com a votação obtida por cada um desses candidatos.
Além da opção pela lista fechada, os dois projetos de lei e o documento do TSE têm em comum a defesa da adoção do modelo alemão de voto distrital misto, cuja peculiaridade é a de fazer a distribuição total das vagas legislativas, inclusive as disputadas nos distritos, de acordo com o desempenho de cada legenda no segundo voto, o partidário. Em um Legislativo de 100 cadeiras, por exemplo, 50 seriam definidas nos distritos e outras 50, pelo voto partidário, mas seria este último que definiria a composição final do parlamento: uma legenda que conseguisse 20% dos votos partidários teria direito, assim, a 20 cadeiras. Supondo que este partido tivesse vencido 15 disputas distritais, elegeria estes 15 vencedores e outros cinco candidatos de sua lista (fechada ou aberta).
A vantagem de tal sistema é o de representar fielmente a preferência partidária do eleitorado, mas ele permite situações curiosas. O que ocorreria se aquele mesmo partido tivesse vencido 21 disputas distritais, tendo direito a apenas 20 cadeiras? Na Alemanha e no PLS 345, a solução é criar uma vaga adicional no parlamento, que seria fechada no próximo pleito. O TSE defende que essa regra não seja aplicada no Brasil, tanto pela resistência popular ao aumento na quantidade de parlamentares, quanto para que não haja o risco de algum estado exceder o número máximo de deputados federais definido constitucionalmente – aliás, como no fim das contas a distribuição de vagas legislativas continuaria obedecendo a métodos proporcionais, a adoção do voto distrital misto por esse modelo específico nem exigiria uma PEC, pois o artigo 45 da Constituição não precisaria ser mudado.
Por mais que o TSE queira ver este modelo implantado já em 2020, é muito improvável que isso ocorra, pois o Congresso precisaria aprovar algum dos dois projetos de lei até setembro deste ano – e, se a Câmara alterar os textos segundo as sugestões da corte, teria de remeter o projeto de volta ao Senado para nova votação naquela casa. Mesmo que não seja possível mudar as regras eleitorais para o ano que vem, essa discussão tem de continuar acesa, permitindo novas sugestões de melhorias, como no caso das listas partidárias, e votando os respectivos projetos de lei mais cedo ou mais tarde. O Brasil nunca esteve tão perto de adotar o voto distrital misto; que não desperdicemos esta chance.
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