REVISTA VEJA
Os donos do Brasil estatal desafiam a democracia
Daqui a cinco meses o Brasil vai ter eleições para escolher o novo presidente da República. O número de candidatos é quase tão grande quanto o de eleitores – fora um ou outro especialista muito atento, ninguém sabe dizer os nomes de todos, e menos ainda qual poderia ser a utilidade que qualquer deles teria para o país. O que se sabe, com certeza, é que nenhum está minimamente disposto a fazer o que seria a sua obrigação mais elementar – combater com clareza e sinceridade o mais infame inimigo que o povo brasileiro tem hoje em dia. Esse inimigo, um fato provado e sabido há muito tempo, é o estatismo. Não é a corrupção. Não é a extrema direita nem a extrema esquerda, nem qualquer outra força que está no meio do caminho entre as duas. Não é a incompetência terminal da administração pública, nem a burocracia que exige o CPF de Brahms para dar andamento a um processo envolvendo questões obscuras de direitos autorais na área da música clássica. Não é nem mesmo o crime sem controle ou os criminosos sem punição – ou a figura individual de Lula e de seus parceiros no Complexo PT-PSOL-etc. O inimigo mais nefasto do Brasil e dos brasileiros, cada vez mais, é o poder do “Estado”. É isso que oprime a população, explora o seu trabalho, talento e energia, mantém o país no subdesenvolvimento e torna a nossa democracia um número de circo de terceira categoria.
O estatismo, para simplificar a discussão, é a soma das regras que submetem o povo brasileiro ao alto funcionalismo público, às empresas do Estado e ao oceano de interesses materiais de tudo aquilo que se chama “corporações”. É essa multidão de procuradores, promotores, ouvidores, desembargadores, auditores, coletores, juízes, ministros – com todos os seus privilégios, os seus “auxílios-moradia”, os seus custos, o seu direito de viver fora do alcance das leis penais. São os sindicatos. São as federações e as confederações. São as “ordens” de advogados e demais ofícios que criam direitos para seus “inscritos”. São as centenas de repartições públicas que não produzem um único parafuso, mas têm o poder de proibir que os cidadãos produzam. São esses círculos do inferno que dão ou negam licenças, certidões, alvarás, atestados, registros, “habite-ses” e autorizações para praticamente todas as atividades conhecidas do ser humano. O Brasil só existe para servir essa gente – os cidadãos pagam em impostos entre 40% e metade do que ganhem, e o grosso do dinheiro arrecadado vai para o bolso destes senhores de engenho do século XXI, na forma de salários, benefícios, aposentadorias e o mais que conseguem arrancar do Erário.
Esse conjunto de inimigos do Brasil não vacila em desrespeitar as regras mais básicas da democracia para proteger os seus interesses. Não poderiam provar isso de forma mais clara do que as dezenas de juízes que têm tomado decisões a favor dos sindicatos e contra os trabalhadores na questão do imposto sindical. Esse imposto, considerado pela esquerda e pelas corporações como um “direito” – um caso único no mundo de tratar uma obrigação como benefício – foi, como se sabe, suprimido pelo Congresso Nacional na recente reforma trabalhista. Os sindicatos, depois disso, têm entrado na justiça pedindo que a lei, aprovada na Câmara e Senado, não seja cumprida – e que todos os trabalhadores brasileiros, sindicalizados ou não, continuem a pagar um dia de salário por ano para o cofre dos sindicatos. Juízes de vários lugares do Brasil acham que os sindicatos estão certos, e mandam as empresas desobedecerem a lei – e continuarem a descontar em folha o imposto sindical dos seus empregados. É um ato de promoção direta da desordem. Tira dinheiro de milhões para doá-lo aos donos dos sindicatos, espalha a incerteza sobre o que é ou não é legal, e desrespeita uma lei aprovada de forma absolutamente legítima pelo Congresso. Quem representa os cidadãos, bem ou mal, é o Congresso – esse aí mesmo, que é o único disponível. Não são os juízes. O fato de terem sido aprovados em concurso público não lhes dá o direito de aplicarem as leis que aprovam e anularem as que desaprovam. Mas é exatamente esse disparate que estão tentando colocar em pé.
Os juízes que agem dessa maneira atendem unicamente ao interesse das corporações. No caso, agem como parceiros dos sindicatos — e, tanto quanto isso, em defesa da “justiça do trabalho”, a máquina de empregos e privilégios que consideram ameaçada pela reforma trabalhista. Desde que a reforma entrou em vigor, no final do ano passado, o número de ações trabalhistas caiu em 50% — um imenso avanço para o progresso do Brasil, mas um horror para os “juízes”, “procuradores”, “vogais”, advogados e toda a imensa árvore de interesses diretamente enraizada nessa situação de absurdo que começa a tornar-se mais racional. Se as causas caíram pela metade, fica demonstrado que a outra metade era desnecessária – e a ideia de que um mandarim do serviço público possa, em consequência disso, tornar-se ainda mais inútil do que já é, parece simplesmente inaceitável para o mundo estatal. E quem defende a população nesta briga, em pleno ano de eleição presidencial? Até agora, ninguém.
quarta-feira, abril 25, 2018
A face não tão bela do Big Data - CRISTINA M. A. PASTORE
GAZETA DO POVO - PR - 25/04
Microtargeting não nos parece tão malévolo quando a Netflix nos sugere o filme perfeito para o momento, certo?
Quem não exclamou algo parecido com “é um absurdo!” sobre o recente escândalo envolvendo Facebook e Cambridge Analytica? Parece inadmissível considerar que empresas estejam usando nossas informações compartilhadas em uma rede social para nos manipular, principalmente porque não os autorizamos a usar estes dados. Mas talvez esta revolta não nos dê a visão mais completa.
No caso específico da Cambridge Analytica, tudo começou com o psicólogo e cientista de dados Michael Kosinsky, interessado em como a personalidade poderia afetar decisões, comportamentos e preferências. Ele criou um aplicativo de Facebook que prometia mapear a personalidade das pessoas a partir de suas respostas, ao mesmo tempo em que coletava dados pessoais dos usuários. A autorização era solicitada com uma frase parecida com “permitir que o aplicativo acesse seus dados de perfil” – certamente o leitor se lembra de já ter visto isso em alguma ocasião. Munido de uma gigante base de dados, Kosinsky criou um algoritmo preditivo relacionando os elementos de personalidade com o comportamento dos usuários no Facebook e divulgou o estudo. Daí ao uso deste tipo de dados e algoritmos para persuadir eleitores, foi um pulo.
Mas o que a estratégia da Cambridge Analytica tem de tão inovadora? Se entendermos eleitores como consumidores, pouca coisa. Eles usam dados individuais para gerar mensagens convincentes dentro do objetivo que têm, que poderia ser vender sabão em pó da marca A, mas é convencer a votar no candidato B. Na eleição de Trump, por exemplo, se você fosse eleitor nos Estados Unidos, poderia ter recebido mensagens dizendo “não vote em ninguém”, “vote em Trump”, “Hillary não é confiável” ou diversas outras, conforme sua propensão a concordar com isso ou aquilo. A estratégia se chama microtargeting e é a evolução da mídia de massa: em vez de enviar a mesma mensagem a muitos consumidores, o uso de dados como filtros direcionadores permite a comunicação de maneira one-to-one, em que a empresa pode dizer exatamente o que o consumidor espera ouvir.
Nós queremos que empresas armazenem nossos dados e os utilizem para gerar experiências de compra personalizadas
Veja por outro lado: microtargeting não nos parece tão malévolo quando a Netflix nos sugere o filme perfeito para o momento, certo? Ou quando buscamos algo específico no Google e a resposta ideal aparece logo no primeiro link patrocinado. Aliás, isso é justamente o que queremos hoje enquanto consumidores: customização. Esperamos que ao acessar o aplicativo de transporte nossas preferências de destino estejam salvas, que ao chegar a uma nova cidade outro aplicativo nos sugira restaurantes de acordo com nossas preferências, e que ao fazermos compras on-line possamos, na sequência, receber ofertas de produtos que “combinem”. Nós queremos justamente que empresas armazenem nossos dados e os utilizem para gerar experiências de compra personalizadas. Qual, então, o problema ético com a Cambridge Analytica, se ela fez essencialmente o mesmo? Falta de transparência? Tratar eleitores como consumidores? Ambos?
A linha limítrofe é tênue. Transparência na coleta de dados é fundamental para que a conduta seja ética e o consumidor não se sinta desrespeitado, mas não vejo, sinceramente, este fator como o centro da discussão. A busca por prazer e felicidade se tornou algo tão intenso nos últimos anos, com objetivos tão imediatistas e de curto prazo, que o risco do compartilhamento de informações parece pequeno no instante da decisão. Tornar a coleta mais transparente não fará com que deixe de acontecer. Veja a configuração do seu celular: quantos aplicativos monitoram sua localização geográfica em tempo real, oferendo em troca rapidez e customização?
Ao lado da “irresponsabilidade” dos consumidores, a forma como os dados são adquiridos é outro dos elementos centrais. A Cambridge Analytica não coletou dados, não pediu autorização aos eleitores ou ofereceu algo em troca; ela simplesmente comprou a base de dados do Facebook, plataforma que vende diversão, e os usou para criar uma comunicação convincente. Isso não pode acontecer em um mercado pautado por respeito, e é preciso que encontremos meios legais de garantir que não se repita no futuro. Regulamentar o acesso aos dados é vital para que não desvirtuemos a essência do uso de Big Data.
Um último ponto: deveria haver um limite para a persuasão. A medida de quão longe uma empresa pode ir utilizando dados dos consumidores não está definida e não sabemos qual a distância entre oferecer um produto e direcionar um voto. Talvez a Cambridge Analytica tenha feito um favor à sociedade, ao iluminar um problema que precisa ser resolvido. É hora de desmistificar o uso de Big Data, aceitar que nossa realidade hoje está apoiada na coleta e armazenamento de dados e, juntos, construir diretrizes que regulamentem seus pormenores.
Temos de lembrar que o uso de Big Data tem seu lado positivo e ele é enorme. Na área de saúde, por exemplo, o compartilhamento de dados de pacientes gera pesquisas que auxiliam no avanço de tratamentos e na criação de condutas adequadas. No direito, há algumas iniciativas que utilizam Big Data para auxiliar advogados e juízes a tomar melhores decisões. Existem índices de violência sendo criados pelo compartilhamento de dados, aqui mesmo no Brasil, cujo objetivo é aumentar a segurança pública. Todos partem de dados individuais para, de alguma forma, influenciar positivamente a vida de outras pessoas. Usar dados para customizar ações não é um problema em si, mas pode se tornar um – e dos grandes – sem atitudes éticas.
Microtargeting não nos parece tão malévolo quando a Netflix nos sugere o filme perfeito para o momento, certo?
Quem não exclamou algo parecido com “é um absurdo!” sobre o recente escândalo envolvendo Facebook e Cambridge Analytica? Parece inadmissível considerar que empresas estejam usando nossas informações compartilhadas em uma rede social para nos manipular, principalmente porque não os autorizamos a usar estes dados. Mas talvez esta revolta não nos dê a visão mais completa.
No caso específico da Cambridge Analytica, tudo começou com o psicólogo e cientista de dados Michael Kosinsky, interessado em como a personalidade poderia afetar decisões, comportamentos e preferências. Ele criou um aplicativo de Facebook que prometia mapear a personalidade das pessoas a partir de suas respostas, ao mesmo tempo em que coletava dados pessoais dos usuários. A autorização era solicitada com uma frase parecida com “permitir que o aplicativo acesse seus dados de perfil” – certamente o leitor se lembra de já ter visto isso em alguma ocasião. Munido de uma gigante base de dados, Kosinsky criou um algoritmo preditivo relacionando os elementos de personalidade com o comportamento dos usuários no Facebook e divulgou o estudo. Daí ao uso deste tipo de dados e algoritmos para persuadir eleitores, foi um pulo.
Mas o que a estratégia da Cambridge Analytica tem de tão inovadora? Se entendermos eleitores como consumidores, pouca coisa. Eles usam dados individuais para gerar mensagens convincentes dentro do objetivo que têm, que poderia ser vender sabão em pó da marca A, mas é convencer a votar no candidato B. Na eleição de Trump, por exemplo, se você fosse eleitor nos Estados Unidos, poderia ter recebido mensagens dizendo “não vote em ninguém”, “vote em Trump”, “Hillary não é confiável” ou diversas outras, conforme sua propensão a concordar com isso ou aquilo. A estratégia se chama microtargeting e é a evolução da mídia de massa: em vez de enviar a mesma mensagem a muitos consumidores, o uso de dados como filtros direcionadores permite a comunicação de maneira one-to-one, em que a empresa pode dizer exatamente o que o consumidor espera ouvir.
Nós queremos que empresas armazenem nossos dados e os utilizem para gerar experiências de compra personalizadas
Veja por outro lado: microtargeting não nos parece tão malévolo quando a Netflix nos sugere o filme perfeito para o momento, certo? Ou quando buscamos algo específico no Google e a resposta ideal aparece logo no primeiro link patrocinado. Aliás, isso é justamente o que queremos hoje enquanto consumidores: customização. Esperamos que ao acessar o aplicativo de transporte nossas preferências de destino estejam salvas, que ao chegar a uma nova cidade outro aplicativo nos sugira restaurantes de acordo com nossas preferências, e que ao fazermos compras on-line possamos, na sequência, receber ofertas de produtos que “combinem”. Nós queremos justamente que empresas armazenem nossos dados e os utilizem para gerar experiências de compra personalizadas. Qual, então, o problema ético com a Cambridge Analytica, se ela fez essencialmente o mesmo? Falta de transparência? Tratar eleitores como consumidores? Ambos?
A linha limítrofe é tênue. Transparência na coleta de dados é fundamental para que a conduta seja ética e o consumidor não se sinta desrespeitado, mas não vejo, sinceramente, este fator como o centro da discussão. A busca por prazer e felicidade se tornou algo tão intenso nos últimos anos, com objetivos tão imediatistas e de curto prazo, que o risco do compartilhamento de informações parece pequeno no instante da decisão. Tornar a coleta mais transparente não fará com que deixe de acontecer. Veja a configuração do seu celular: quantos aplicativos monitoram sua localização geográfica em tempo real, oferendo em troca rapidez e customização?
Ao lado da “irresponsabilidade” dos consumidores, a forma como os dados são adquiridos é outro dos elementos centrais. A Cambridge Analytica não coletou dados, não pediu autorização aos eleitores ou ofereceu algo em troca; ela simplesmente comprou a base de dados do Facebook, plataforma que vende diversão, e os usou para criar uma comunicação convincente. Isso não pode acontecer em um mercado pautado por respeito, e é preciso que encontremos meios legais de garantir que não se repita no futuro. Regulamentar o acesso aos dados é vital para que não desvirtuemos a essência do uso de Big Data.
Um último ponto: deveria haver um limite para a persuasão. A medida de quão longe uma empresa pode ir utilizando dados dos consumidores não está definida e não sabemos qual a distância entre oferecer um produto e direcionar um voto. Talvez a Cambridge Analytica tenha feito um favor à sociedade, ao iluminar um problema que precisa ser resolvido. É hora de desmistificar o uso de Big Data, aceitar que nossa realidade hoje está apoiada na coleta e armazenamento de dados e, juntos, construir diretrizes que regulamentem seus pormenores.
Temos de lembrar que o uso de Big Data tem seu lado positivo e ele é enorme. Na área de saúde, por exemplo, o compartilhamento de dados de pacientes gera pesquisas que auxiliam no avanço de tratamentos e na criação de condutas adequadas. No direito, há algumas iniciativas que utilizam Big Data para auxiliar advogados e juízes a tomar melhores decisões. Existem índices de violência sendo criados pelo compartilhamento de dados, aqui mesmo no Brasil, cujo objetivo é aumentar a segurança pública. Todos partem de dados individuais para, de alguma forma, influenciar positivamente a vida de outras pessoas. Usar dados para customizar ações não é um problema em si, mas pode se tornar um – e dos grandes – sem atitudes éticas.
Cristina M. A. Pastore é professora e pesquisadora de marketing e comportamento do consumidor na PUCPR, pesquisadora visitante de Neurociência do Consumo no Tech3Lab/HEC Montreal e consultora de gestão estratégica de marketing na Mefil.
Alta do dólar não deve piorar situação da dívida do governo e das empresas - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 25/04
Quando real perde valor, governo e o setor privado veem seus ativos em moeda estrangeira protegidos
A acumulação de reservas ajudou o país a se tornar mais estável. O processo que se iniciou em janeiro de 2004 dotou o país de um volume expressivo de divisas que podem ser usadas em caso de alterações bruscas nas condições financeiras globais.
No fim de 2008, por exemplo, o BC ofertou dólares, inclusive para o financiamento das exportações, quando os bancos internacionais se retraíam. Isso limitou o contágio e permitiu a recuperação mais rápida da economia naquele momento em comparação a um cenário em que empresas não tivessem acesso a essa modalidade de crédito.
Há, obviamente, uma discussão ainda em curso sobre os benefícios e os custos das reservas, o que naturalmente desemboca na pergunta do nível ótimo de reservas, mas não é desse assunto que pretendo tratar aqui.
Menos conhecida, mas não menos importante, é a acumulação privada de ativos estrangeiros, principalmente na forma de investimentos diretos. Em parte pela liberação a partir de abril de 2005 (empresas tinham antes de obter permissão para investir mais do que US$ 50 milhões no exterior), em parte por sua maior integração à economia global, houve um aumento apreciável do estoque de investimentos brasileiros no exterior.
Considerando apenas a participação no capital, ao fim de 2017 o investimento brasileiro atingiu US$ 333 bilhões (ante US$ 54 bilhões em 2004). Somado aos empréstimos a subsidiárias e controladoras, isso chegou a US$ 359 bilhões no fim do ano passado, pouco menos que as reservas (US$ 375 bilhões).
Tal desenvolvimento tem consequências importantes. Embora o país ainda apresente um passivo externo (dívidas e investimentos estrangeiros) superior ao seu ativo (US$ 1,6 trilhão, ante US$ 861 bilhões), a composição de passivos e ativos em termos das moedas se tornou bem mais favorável ao Brasil.
Colocado de forma bastante simples, “devemos” a estrangeiros em reais (o equivalente a US$ 1 trilhão) e somos seus “credores” em dólares (US$ 320 bilhões). Assim, quando o real perde valor, tanto o governo quanto o setor privado veem seus ativos em dólares protegidos, enquanto seus passivos encolhem.
Isso não é uma teoria.
Entre junho e dezembro de 2008, quando o dólar saltou de R$ 1,60 para R$ 2,40 (desvalorização de 50%), o passivo externo total caiu de US$ 1 trilhão para US$ 665 bilhões. Da mesma forma, quando o real se depreciou quase 50% ao longo de 2015, o passivo externo encolheu de US$ 1,5 trilhão no fim de 2014 para US$ 1,2 trilhão no fim de 2015. Em ambos os eventos, os ativos externos ficaram praticamente inalterados.
No caso do setor privado, embora empresas brasileiras tenham dívidas no exterior, o balanço do conjunto delas mostra ativos em dólares um pouco maiores do que passivos (algo como US$ 22 bilhões). Para o setor público, a diferença é ainda maior: quase US$ 300 bilhões.
Assim, ao contrário do que ocorreu em outros momentos, a desvalorização da moeda nacional não deve piorar a situação de endividamento do setor privado, nem do setor público. O primeiro, em seu conjunto, registraria ganhos modestos, enquanto o segundo teria ganhos bem mais expressivos.
A liberação do mercado de câmbio em 2005 tornou as empresas menos vulneráveis aos movimentos do dólar, movimento voluntário e que, portanto, reflete o balanço de incentivos e riscos do setor privado.
Mais uma lição a ser estudada, num país que resiste como poucos ao aprendizado.
Quando real perde valor, governo e o setor privado veem seus ativos em moeda estrangeira protegidos
A acumulação de reservas ajudou o país a se tornar mais estável. O processo que se iniciou em janeiro de 2004 dotou o país de um volume expressivo de divisas que podem ser usadas em caso de alterações bruscas nas condições financeiras globais.
No fim de 2008, por exemplo, o BC ofertou dólares, inclusive para o financiamento das exportações, quando os bancos internacionais se retraíam. Isso limitou o contágio e permitiu a recuperação mais rápida da economia naquele momento em comparação a um cenário em que empresas não tivessem acesso a essa modalidade de crédito.
Há, obviamente, uma discussão ainda em curso sobre os benefícios e os custos das reservas, o que naturalmente desemboca na pergunta do nível ótimo de reservas, mas não é desse assunto que pretendo tratar aqui.
Menos conhecida, mas não menos importante, é a acumulação privada de ativos estrangeiros, principalmente na forma de investimentos diretos. Em parte pela liberação a partir de abril de 2005 (empresas tinham antes de obter permissão para investir mais do que US$ 50 milhões no exterior), em parte por sua maior integração à economia global, houve um aumento apreciável do estoque de investimentos brasileiros no exterior.
Considerando apenas a participação no capital, ao fim de 2017 o investimento brasileiro atingiu US$ 333 bilhões (ante US$ 54 bilhões em 2004). Somado aos empréstimos a subsidiárias e controladoras, isso chegou a US$ 359 bilhões no fim do ano passado, pouco menos que as reservas (US$ 375 bilhões).
Tal desenvolvimento tem consequências importantes. Embora o país ainda apresente um passivo externo (dívidas e investimentos estrangeiros) superior ao seu ativo (US$ 1,6 trilhão, ante US$ 861 bilhões), a composição de passivos e ativos em termos das moedas se tornou bem mais favorável ao Brasil.
Colocado de forma bastante simples, “devemos” a estrangeiros em reais (o equivalente a US$ 1 trilhão) e somos seus “credores” em dólares (US$ 320 bilhões). Assim, quando o real perde valor, tanto o governo quanto o setor privado veem seus ativos em dólares protegidos, enquanto seus passivos encolhem.
Isso não é uma teoria.
Entre junho e dezembro de 2008, quando o dólar saltou de R$ 1,60 para R$ 2,40 (desvalorização de 50%), o passivo externo total caiu de US$ 1 trilhão para US$ 665 bilhões. Da mesma forma, quando o real se depreciou quase 50% ao longo de 2015, o passivo externo encolheu de US$ 1,5 trilhão no fim de 2014 para US$ 1,2 trilhão no fim de 2015. Em ambos os eventos, os ativos externos ficaram praticamente inalterados.
No caso do setor privado, embora empresas brasileiras tenham dívidas no exterior, o balanço do conjunto delas mostra ativos em dólares um pouco maiores do que passivos (algo como US$ 22 bilhões). Para o setor público, a diferença é ainda maior: quase US$ 300 bilhões.
Assim, ao contrário do que ocorreu em outros momentos, a desvalorização da moeda nacional não deve piorar a situação de endividamento do setor privado, nem do setor público. O primeiro, em seu conjunto, registraria ganhos modestos, enquanto o segundo teria ganhos bem mais expressivos.
A liberação do mercado de câmbio em 2005 tornou as empresas menos vulneráveis aos movimentos do dólar, movimento voluntário e que, portanto, reflete o balanço de incentivos e riscos do setor privado.
Mais uma lição a ser estudada, num país que resiste como poucos ao aprendizado.
Iluminismo ou marxismo? - ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA
ESTADÃO - 25/04
Sem balizar as duas concepções o ‘ativismo judicial à brasileira’ será uma nau sem rumo
Em 2016 conheci in loco o sólido e milenar sistema jurídico da Inglaterra. Dele se orgulham os cidadãos ingleses, porque garante segurança jurídica e confere estabilidade econômica ao País.
Lorde Tom Bingham (1933-2010) foi um grande jurista e presidiu a Suprema Corte do Reino Unido. No seu clássico livro The Rule of Law explica a concepção britânica do Estado de Direito: 1) Nenhum homem será punido, castigado corporalmente ou privado de seus bens, a não ser em caso de violação do Direito vigente; 2) essa violação será apurada pelos tribunais ordinários, jamais por um tribunal composto de juízes escolhidos para julgar segundo o interesse do governo; e 3) os juízes devem ser independentes e imparciais. Por fim citava Thomas Fuller (1654-1734): “Você nunca será tão alto, a lei está acima de você”.
Por muito admirar e respeitar o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, preocupa-me a ponderada crítica do notável professor Ives Gandra da Silva Martins ao protagonismo crescente daquela Corte. É preciso – defende – resgatar a efetiva autonomia e independência dos Poderes. Nenhum deles invadirá seara alheia: “Para mim, o Supremo não é um ‘legislador constituinte’, mas exclusivamente um guardião da Carta da República” (Consultor Jurídico, 12/7/2016).
Eros Roberto Grau, outro portento das letras jurídicas nacionais e ex-ministro do STF, sustenta que o Direito moderno deve assegurar o desenvolvimento da vida social em clima de paz e segurança: “Submetemo-nos ao poder exercido pelo Estado moderno em troca de garantias mínimas de segurança, por ele bem ou mal asseguradas. Sem a calculabilidade e a previsibilidade de comportamentos instaladas pelo Direito moderno, o mercado não poderia existir” (Princípios, a (in)segurança jurídica e o magistrado, revista Amagis Jurídica, n.º 7, 2012).
Após sua rica experiência na suprema magistratura, já aposentado, Eros Grau publicou a excelente obra Por que Tenho Medo dos Juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios), de 2013. Sustenta que a invasão da competência do Poder Legislativo pelo Judiciário é alarmante. Não mais vivemos “Estado de Direito”, porém submissos a um “Estado de juízes”. Destaca o autor que “é necessário afirmar bem alto: os juízes aplicam o direito, os juízes não fazem justiça! Vamos à Faculdade de Direito aprender direito, não justiça. Justiça é com a religião, a filosofia, a história. (…). Assim é o juiz: interpreta o direito cumprindo o papel que a Constituição lhe atribui”.
Lembrei-me dessas reflexões a propósito da manifestação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, há pouco mais de quatro anos, quando votou pela inconstitucionalidade das doações de empresas para campanhas eleitorais. “Temos um sistema eleitoral que comporta lista aberta e financiamento empresarial que é um foco de antirrepublicanismo e corrupção”, afirmou.
Para ele, o financiamento por empresas viola o princípio democrático, pois desiguala os candidatos em função do poder aquisitivo: “Se o peso do dinheiro é capaz de desequiparar as pessoas, acho que este modelo apresenta um problema”.
Barroso afirmou ainda não viver a fantasia de ignorar a existência da desigualdade. Entretanto, considera papel do Direito minimizar o impacto do dinheiro na criação de desequilíbrios: “O modelo em si precisa ser transformado e cabe ao STF empurrar a história nesse sentido. (...) Às vezes é preciso uma vanguarda iluminista que empurre a história, mas que não se embriague desta possibilidade, pois as vanguardas também são perigosas quando se tornam pretensiosas” (Consultor Jurídico, 12/12/2013).
Sou antigo leitor e sincero admirador do professor Barroso. Contudo preocupa-me conceber a necessidade de uma “vanguarda iluminista”, no Supremo Tribunal Federal ou em qualquer outro órgão judiciário, para “empurrar a história”.
Vislumbro – ainda que possa não ter sido essa a intenção do culto professor e magistrado – uma insolúvel mixórdia de liberalismo com marxismo.
O Iluminismo foi a ideologia marcante do século 18, o “Século das Luzes”. Na política, propugnava o liberalismo, opunha-se ao absolutismo e renegava o direito divino dos reis. Na economia, traduzia as aspirações da burguesia emergente: “Laissez faire, laissez passer, le monde va de lui même” (“deixai fazer, deixai passar, que o mundo caminha por si mesmo”). O Estado não deve intervir no mercado.
“Empurrar a história” é ideia que nos remete ao “materialismo histórico”, de Karl Marx e Friedrich Engels: “A história não é um progresso linear e contínuo, uma sequência de causa e efeitos, mas um processo de transformações sociais determinadas pelas contradições entre os meios de produção e as forças produtivas. A luta de classes exprime tais contradições e é o motor da história. Por afirmar que o processo histórico é movido por contradições sociais, o materialismo histórico é dialético” (Marilena Chaui, Filosofia, págs. 238 e 239).
O marxismo contrapõe-se ao liberalismo. Apregoa a luta emancipadora do proletariado contra o domínio burguês (luta de classes). Ora, a dominação da burguesia, repelida pela ideologia de Karl Marx, é sustentada pelo ideário liberal...
Será o financiamento eleitoral “luta de classes”? O Supremo Tribunal Federal, ao eliminar o financiamento de empresas aos partidos e candidatos e “equilibrar” as disputas eleitorais, age em prol das “classes oprimidas”? É esse o “iluminismo” que faz “mover a história”? Iluminismo ou marxismo? É preciso que essas concepções sejam devidamente balizadas. Do contrário, o “ativismo judicial à brasileira” será uma nau sem rumo.
No mais, a extinta União Soviética, os países da “cortina de ferro”, a China maoista, a Coreia do Norte e Cuba mostram-nos claramente no que pode desaguar o “mover da história”...
* ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA É DOUTOR PELA UFMG, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO, DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS
Sem balizar as duas concepções o ‘ativismo judicial à brasileira’ será uma nau sem rumo
Em 2016 conheci in loco o sólido e milenar sistema jurídico da Inglaterra. Dele se orgulham os cidadãos ingleses, porque garante segurança jurídica e confere estabilidade econômica ao País.
Lorde Tom Bingham (1933-2010) foi um grande jurista e presidiu a Suprema Corte do Reino Unido. No seu clássico livro The Rule of Law explica a concepção britânica do Estado de Direito: 1) Nenhum homem será punido, castigado corporalmente ou privado de seus bens, a não ser em caso de violação do Direito vigente; 2) essa violação será apurada pelos tribunais ordinários, jamais por um tribunal composto de juízes escolhidos para julgar segundo o interesse do governo; e 3) os juízes devem ser independentes e imparciais. Por fim citava Thomas Fuller (1654-1734): “Você nunca será tão alto, a lei está acima de você”.
Por muito admirar e respeitar o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, preocupa-me a ponderada crítica do notável professor Ives Gandra da Silva Martins ao protagonismo crescente daquela Corte. É preciso – defende – resgatar a efetiva autonomia e independência dos Poderes. Nenhum deles invadirá seara alheia: “Para mim, o Supremo não é um ‘legislador constituinte’, mas exclusivamente um guardião da Carta da República” (Consultor Jurídico, 12/7/2016).
Eros Roberto Grau, outro portento das letras jurídicas nacionais e ex-ministro do STF, sustenta que o Direito moderno deve assegurar o desenvolvimento da vida social em clima de paz e segurança: “Submetemo-nos ao poder exercido pelo Estado moderno em troca de garantias mínimas de segurança, por ele bem ou mal asseguradas. Sem a calculabilidade e a previsibilidade de comportamentos instaladas pelo Direito moderno, o mercado não poderia existir” (Princípios, a (in)segurança jurídica e o magistrado, revista Amagis Jurídica, n.º 7, 2012).
Após sua rica experiência na suprema magistratura, já aposentado, Eros Grau publicou a excelente obra Por que Tenho Medo dos Juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios), de 2013. Sustenta que a invasão da competência do Poder Legislativo pelo Judiciário é alarmante. Não mais vivemos “Estado de Direito”, porém submissos a um “Estado de juízes”. Destaca o autor que “é necessário afirmar bem alto: os juízes aplicam o direito, os juízes não fazem justiça! Vamos à Faculdade de Direito aprender direito, não justiça. Justiça é com a religião, a filosofia, a história. (…). Assim é o juiz: interpreta o direito cumprindo o papel que a Constituição lhe atribui”.
Lembrei-me dessas reflexões a propósito da manifestação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, há pouco mais de quatro anos, quando votou pela inconstitucionalidade das doações de empresas para campanhas eleitorais. “Temos um sistema eleitoral que comporta lista aberta e financiamento empresarial que é um foco de antirrepublicanismo e corrupção”, afirmou.
Para ele, o financiamento por empresas viola o princípio democrático, pois desiguala os candidatos em função do poder aquisitivo: “Se o peso do dinheiro é capaz de desequiparar as pessoas, acho que este modelo apresenta um problema”.
Barroso afirmou ainda não viver a fantasia de ignorar a existência da desigualdade. Entretanto, considera papel do Direito minimizar o impacto do dinheiro na criação de desequilíbrios: “O modelo em si precisa ser transformado e cabe ao STF empurrar a história nesse sentido. (...) Às vezes é preciso uma vanguarda iluminista que empurre a história, mas que não se embriague desta possibilidade, pois as vanguardas também são perigosas quando se tornam pretensiosas” (Consultor Jurídico, 12/12/2013).
Sou antigo leitor e sincero admirador do professor Barroso. Contudo preocupa-me conceber a necessidade de uma “vanguarda iluminista”, no Supremo Tribunal Federal ou em qualquer outro órgão judiciário, para “empurrar a história”.
Vislumbro – ainda que possa não ter sido essa a intenção do culto professor e magistrado – uma insolúvel mixórdia de liberalismo com marxismo.
O Iluminismo foi a ideologia marcante do século 18, o “Século das Luzes”. Na política, propugnava o liberalismo, opunha-se ao absolutismo e renegava o direito divino dos reis. Na economia, traduzia as aspirações da burguesia emergente: “Laissez faire, laissez passer, le monde va de lui même” (“deixai fazer, deixai passar, que o mundo caminha por si mesmo”). O Estado não deve intervir no mercado.
“Empurrar a história” é ideia que nos remete ao “materialismo histórico”, de Karl Marx e Friedrich Engels: “A história não é um progresso linear e contínuo, uma sequência de causa e efeitos, mas um processo de transformações sociais determinadas pelas contradições entre os meios de produção e as forças produtivas. A luta de classes exprime tais contradições e é o motor da história. Por afirmar que o processo histórico é movido por contradições sociais, o materialismo histórico é dialético” (Marilena Chaui, Filosofia, págs. 238 e 239).
O marxismo contrapõe-se ao liberalismo. Apregoa a luta emancipadora do proletariado contra o domínio burguês (luta de classes). Ora, a dominação da burguesia, repelida pela ideologia de Karl Marx, é sustentada pelo ideário liberal...
Será o financiamento eleitoral “luta de classes”? O Supremo Tribunal Federal, ao eliminar o financiamento de empresas aos partidos e candidatos e “equilibrar” as disputas eleitorais, age em prol das “classes oprimidas”? É esse o “iluminismo” que faz “mover a história”? Iluminismo ou marxismo? É preciso que essas concepções sejam devidamente balizadas. Do contrário, o “ativismo judicial à brasileira” será uma nau sem rumo.
No mais, a extinta União Soviética, os países da “cortina de ferro”, a China maoista, a Coreia do Norte e Cuba mostram-nos claramente no que pode desaguar o “mover da história”...
* ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA É DOUTOR PELA UFMG, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO, DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS
Controlar o purgatório? - ROBERTO DAMATTA
O Globo - 25/04
Brasil republicano não deixou de ser imperial nas práticas e nos estilos de manter privilégios, sobrevivência aristocrática num sistema destinado a ser meritocrático.
A noção de um lugar intermediário, marcado por intensidades e definido por pertencer simultaneamente a dois hemisférios — céu e inferno, culpa e inocência, casa e rua, pessoalidade e impessoalidade — manifesta uma óbvia visão relacional. Um ponto de vista no qual o elo (o meio ou a ponte) é mais saliente do que regras e indivíduos. Não há nenhum sistema social sem relações, mas não é em todo lugar que elas são valor e ética, como no caso brasileiro.
Da beatitude celestial ninguém sai — tal como acontecia com as arcaicas garantias legais dos senhores sobre seus escravos ou a das generosas aposentadorias dos funcionários do Estado que, sendo seus filhos, passavam seus cargos para seus descendentes. Da punição que o grande Dante etnografou descrevendo em detalhe os castigos do inferno, ninguém igualmente sai exceto, talvez, no maravilhoso dia do Juízo Final, quando os vivos e os mortos vão se reunir e, quem sabe, a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo vai redimir este vale de lágrimas no qual estamos encerrados.
A grande novidade do purgatório, como só um erudito francês — Jacques LeGoff — foi capaz de aquilatar, introduz no cosmos cristão a intensidade ambígua de um brasileirismo. Com o purgatório, legitima-se o “mais ou menos”; reacende-se o elo entre os puros e os pecadores, que se comunicam e têm a oportunidade de adiar, anular ou diminuir suas penas graças às instâncias, recursos e demandas dos seus parentes, amigos, companheiros e advogados terrenos.
Lutero mudou o curso da religiosidade ocidental no seu protesto contra todo tipo de meio-termo, sobretudo das indulgências como um comércio. Este vosso cronista tem vergonha de um sistema judiciário no qual o larápio da coisa pública é diferenciado do bandido comum e colocado no purgatório legal dos que cometem crimes especiais, eufemisticamente chamados de “colarinho-branco” — delitos obviamente superiores —, e livram-se da cadeia por meio de embargos, protelações e recursos, essas indulgências brasileiríssimas vigentes no grande purgatório que é o sistema jurídico nacional. Na Europa do século XVI, elas acenderam a Reforma; no Brasil do século XXI, elas podem ou não confirmar a impunidade dos poderosos ou a grande transformação igualitária desejada pela maioria.
A noção de um lugar intermediário, marcado por intensidades e definido por pertencer simultaneamente a dois hemisférios — céu e inferno, culpa e inocência, casa e rua, pessoalidade e impessoalidade — manifesta uma óbvia visão relacional. Um ponto de vista no qual o elo (o meio ou a ponte) é mais saliente do que regras e indivíduos. Não há nenhum sistema social sem relações, mas não é em todo lugar que elas são valor e ética, como no caso brasileiro.
Da beatitude celestial ninguém sai — tal como acontecia com as arcaicas garantias legais dos senhores sobre seus escravos ou a das generosas aposentadorias dos funcionários do Estado que, sendo seus filhos, passavam seus cargos para seus descendentes. Da punição que o grande Dante etnografou descrevendo em detalhe os castigos do inferno, ninguém igualmente sai exceto, talvez, no maravilhoso dia do Juízo Final, quando os vivos e os mortos vão se reunir e, quem sabe, a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo vai redimir este vale de lágrimas no qual estamos encerrados.
A grande novidade do purgatório, como só um erudito francês — Jacques LeGoff — foi capaz de aquilatar, introduz no cosmos cristão a intensidade ambígua de um brasileirismo. Com o purgatório, legitima-se o “mais ou menos”; reacende-se o elo entre os puros e os pecadores, que se comunicam e têm a oportunidade de adiar, anular ou diminuir suas penas graças às instâncias, recursos e demandas dos seus parentes, amigos, companheiros e advogados terrenos.
Lutero mudou o curso da religiosidade ocidental no seu protesto contra todo tipo de meio-termo, sobretudo das indulgências como um comércio. Este vosso cronista tem vergonha de um sistema judiciário no qual o larápio da coisa pública é diferenciado do bandido comum e colocado no purgatório legal dos que cometem crimes especiais, eufemisticamente chamados de “colarinho-branco” — delitos obviamente superiores —, e livram-se da cadeia por meio de embargos, protelações e recursos, essas indulgências brasileiríssimas vigentes no grande purgatório que é o sistema jurídico nacional. Na Europa do século XVI, elas acenderam a Reforma; no Brasil do século XXI, elas podem ou não confirmar a impunidade dos poderosos ou a grande transformação igualitária desejada pela maioria.
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Seria um delírio do cronista sugerir que no mundo global o “mais ou menos” do purgatório existe a seu modo no Brasil?
Este Brasil republicano que não deixou de ser imperial nas práticas políticas e nos estilos de manter privilégios e empenhos — uma sobrevivência aristocrática num sistema destinado a ser meritocrático, competitivo e impessoal.
A grande tarefa do Supremo Tribunal Federal é a de conjugar e balizar o que vem da sociedade e o que está consagrado na Lei Maior. O bom senso é contrariado quando se tenta mudar jurisprudência sobre a prisão após julgamento em segunda instância e quando se passa por cima Lei da Ficha Limpa, uma norma popular e inovadora. Teria o STF a índole de ser contra esses marcos da experiência democrática brasileira?
Penso que é imprudente ficar tanto ao lado das hermenêuticas atadas à lei vigente quanto a ouvir as demandas da sociedade convulsionada e revoltada precisamente pelos privilégios e conchavos facilitada por um sistema legal ultrapassado. Nem tanto ao céu nem tanto ao inferno e nem tanto ao brasileiríssimo purgatório. Não se fica contra Lei Maior, mas a quem serve a Constituição, senão à sociedade brasileira? Ouvir a sociedade não é abandonar a Constituição.
A grande demanda é acabar com a transformação da política numa atividade compadresco-partidária, desonesta e alérgica ao republicanismo que exige a igualdade meritocrática e eficiente na distribuição de recursos públicos. Não se trata de acabar a política pelo legalismo. A questão é não deixar que o legalismo jurídico afeito ao purgatório acabe com a política!
PS: A Academia Brasileira de Letras fica mais rica com Joaquim Falcão. A sociedade e essa mesma ABL ficam mais pobres com a morte do Nelson Pereira dos Santos — um cineasta que muito contribuiu para libertar o Brasil de seus preconceitos.
Este Brasil republicano que não deixou de ser imperial nas práticas políticas e nos estilos de manter privilégios e empenhos — uma sobrevivência aristocrática num sistema destinado a ser meritocrático, competitivo e impessoal.
A grande tarefa do Supremo Tribunal Federal é a de conjugar e balizar o que vem da sociedade e o que está consagrado na Lei Maior. O bom senso é contrariado quando se tenta mudar jurisprudência sobre a prisão após julgamento em segunda instância e quando se passa por cima Lei da Ficha Limpa, uma norma popular e inovadora. Teria o STF a índole de ser contra esses marcos da experiência democrática brasileira?
Penso que é imprudente ficar tanto ao lado das hermenêuticas atadas à lei vigente quanto a ouvir as demandas da sociedade convulsionada e revoltada precisamente pelos privilégios e conchavos facilitada por um sistema legal ultrapassado. Nem tanto ao céu nem tanto ao inferno e nem tanto ao brasileiríssimo purgatório. Não se fica contra Lei Maior, mas a quem serve a Constituição, senão à sociedade brasileira? Ouvir a sociedade não é abandonar a Constituição.
A grande demanda é acabar com a transformação da política numa atividade compadresco-partidária, desonesta e alérgica ao republicanismo que exige a igualdade meritocrática e eficiente na distribuição de recursos públicos. Não se trata de acabar a política pelo legalismo. A questão é não deixar que o legalismo jurídico afeito ao purgatório acabe com a política!
PS: A Academia Brasileira de Letras fica mais rica com Joaquim Falcão. A sociedade e essa mesma ABL ficam mais pobres com a morte do Nelson Pereira dos Santos — um cineasta que muito contribuiu para libertar o Brasil de seus preconceitos.
Candidatos têm de se posicionar sobre a Previdência - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 25/04
Aspirantes ao Planalto precisam dizer o que pensam do sistema de seguridade, para que se saiba qual será o país a partir de 2019, se melhor ou pior que o atual
Pesquisas de opinião têm detectado, entre as preocupações da população, que a corrupção ganhou grande relevância —, o que é compreensível. Às vezes à frente dos clássicos saúde, educação e segurança.
Há, porém, temas como a Previdência, de extrema importância, mas que não costumam frequentar o ranking das maiores dores de cabeça das pessoas, porque sua deterioração ocorre aos poucos, de forma invisível para a maioria da população. Até que, um dia, entra em rápida contagem regressiva para a explosão, arruinando a vida de milhões. O exemplo clássico, não custa repetir, é o da Grécia, na crise iniciada em 2010, derivada das turbulências na zona do euro.
É no estágio da antessala de graves problemas que se encontra o sistema previdenciário brasileiro: sem controle, as despesas com aposentadorias e pensões correm à frente das receitas e levarão a que, provavelmente em 2020, o teto constitucional dos gastos seja rompido. A depender de quem for eleito em outubro, será defendida a revogação do teto. Significará apenas quebrar o termômetro. A crise fiscal se aprofundará do mesmo jeito.
Diante da precariedade estrutural do sistema — o “regime geral”, do INSS, sob o qual estão os assalariados do setor privado; e o “regime próprio”, dos servidores públicos —, os candidatos ao Planalto, mesmo antes das respectivas convenções partidárias que os sacramentarão, já devem dizer o que pensam da reforma deste principal item de despesas do Orçamento.
Aposentadorias e pensões já representam mais da metade dos gastos primários da União — que não incluem a conta de juros da dívida pública —, e continuam em ascensão. Há vários indicadores que reforçam, de forma muito clara, a imperiosidade de uma reforma que estabeleça um limite mínimo de idade para a aposentadoria — 65 anos para homens e 62, no caso das mulheres, como está no projeto estacionado na Câmara —, atualize normas para pensões etc.
Um dado indiscutível: quando um país ainda relativamente jovem como o Brasil tem uma despesa previdenciária de 11% do PIB, na mesma faixa do Japão, conhecido pela longevidade da população, isso significa que há sério desbalanceamento no sistema brasileiro.
É crucial os candidatos se posicionarem diante do tema, porque, a partir do que pensem sobre a Previdência, será possível estimar se o país crescerá menos ou mais, do que dependerão emprego, qualidade de vida, investimentos e assim por diante.
Ficou tão grave a situação da Previdência que, a depender do que o próximo presidente faça ou não neste campo, será possível prever com razoável margem de acerto sua chance de sucesso ou fracasso.
Os distúrbios na Nicarágua são um alerta. A população se rebelou contra o aumento da contribuição previdenciária e o corte de benefícios. Deve ter entendido que o governo nacional-populista de Daniel Ortega não seria capaz de avançar sobre a Previdência. Mas não há outra alternativa a não ser reformar o sistema, independentemente de ideologia. O pior cenário é quando a inflação faz um ajuste selvagem.
Pesquisas de opinião têm detectado, entre as preocupações da população, que a corrupção ganhou grande relevância —, o que é compreensível. Às vezes à frente dos clássicos saúde, educação e segurança.
Há, porém, temas como a Previdência, de extrema importância, mas que não costumam frequentar o ranking das maiores dores de cabeça das pessoas, porque sua deterioração ocorre aos poucos, de forma invisível para a maioria da população. Até que, um dia, entra em rápida contagem regressiva para a explosão, arruinando a vida de milhões. O exemplo clássico, não custa repetir, é o da Grécia, na crise iniciada em 2010, derivada das turbulências na zona do euro.
É no estágio da antessala de graves problemas que se encontra o sistema previdenciário brasileiro: sem controle, as despesas com aposentadorias e pensões correm à frente das receitas e levarão a que, provavelmente em 2020, o teto constitucional dos gastos seja rompido. A depender de quem for eleito em outubro, será defendida a revogação do teto. Significará apenas quebrar o termômetro. A crise fiscal se aprofundará do mesmo jeito.
Diante da precariedade estrutural do sistema — o “regime geral”, do INSS, sob o qual estão os assalariados do setor privado; e o “regime próprio”, dos servidores públicos —, os candidatos ao Planalto, mesmo antes das respectivas convenções partidárias que os sacramentarão, já devem dizer o que pensam da reforma deste principal item de despesas do Orçamento.
Aposentadorias e pensões já representam mais da metade dos gastos primários da União — que não incluem a conta de juros da dívida pública —, e continuam em ascensão. Há vários indicadores que reforçam, de forma muito clara, a imperiosidade de uma reforma que estabeleça um limite mínimo de idade para a aposentadoria — 65 anos para homens e 62, no caso das mulheres, como está no projeto estacionado na Câmara —, atualize normas para pensões etc.
Um dado indiscutível: quando um país ainda relativamente jovem como o Brasil tem uma despesa previdenciária de 11% do PIB, na mesma faixa do Japão, conhecido pela longevidade da população, isso significa que há sério desbalanceamento no sistema brasileiro.
É crucial os candidatos se posicionarem diante do tema, porque, a partir do que pensem sobre a Previdência, será possível estimar se o país crescerá menos ou mais, do que dependerão emprego, qualidade de vida, investimentos e assim por diante.
Ficou tão grave a situação da Previdência que, a depender do que o próximo presidente faça ou não neste campo, será possível prever com razoável margem de acerto sua chance de sucesso ou fracasso.
Os distúrbios na Nicarágua são um alerta. A população se rebelou contra o aumento da contribuição previdenciária e o corte de benefícios. Deve ter entendido que o governo nacional-populista de Daniel Ortega não seria capaz de avançar sobre a Previdência. Mas não há outra alternativa a não ser reformar o sistema, independentemente de ideologia. O pior cenário é quando a inflação faz um ajuste selvagem.
Um ornitorrinco econômico - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 25/04
Incentivos fiscais ou monetários poderão ser pouco eficazes, nos próximos meses, se crescer o risco de retorno à irresponsabilidade na política econômica
Com bico de pato, corpo peludo, rabo de castor, patas traseiras com cartilagens e sem orelhas externas, o ornitorrinco, um mamífero carnívoro e semiaquático, foi considerado uma impossibilidade, até uma fraude, quando um primeiro exemplar empalhado foi exibido na Inglaterra. Mas esse bicho era real, embora tão surpreendente como a aposta no crescimento brasileiro depois da recuperação inicial, de caráter cíclico. Mas essa aposta tem sido renovada, como se o horizonte estivesse claro. A política de governo só ofereceu até agora um incentivo material à continuação da retomada, o corte de juros básicos pelo Banco Central (BC). Com dificuldade até para reduzir, sem eliminar, seu déficit primário, o governo central de nenhum modo poderia oferecer estímulos sob a forma de gastos maiores ou impostos menores. Mas em breve até o único estímulo material poderá ser interrompido, depois de mais uma redução da Selic, a taxa básica de juros, prevista para maio.
Essa perspectiva foi reafirmada na segunda-feira passada pelo presidente do BC, Ilan Goldfajn, num evento em São Paulo. Na próxima reunião, o Copom poderá decidir mais um corte adicional. Com isso ficará encerrado o ciclo de afrouxamento da política monetária. As autoridades deverão esperar novos dados sobre a atividade, sobre a evolução e a projeção dos preços e, naturalmente, sobre o conjunto de riscos. Se decidirem proporcionar algum novo estímulo, será a partir dessas análises, mas, por enquanto, a pauta da política monetária indica uma provável interrupção dos cortes.
E aí, como ficarão as perspectivas? O cenário político é obscuro e o resultado possível da eleição presidencial é um mistério dos mais espessos. A maior parte dos pré-candidatos demonstra pouco ou nenhum compromisso com a consolidação dos fundamentos econômicos e a busca do crescimento sustentável. Alguns se alinharão, quase certamente, contra a limitação dos gastos públicos e a contenção da alta de preços, exceto, talvez, por meio da intervenção nos mercados.
O Índice de Confiança Empresarial diminuiu 2,3 pontos em abril, para 56,7, segundo sondagem periódica da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Continua acima da média do período iniciado em abril de 2012 (54,2 pontos) e se mantém superior à linha de indiferença (50 pontos). Números abaixo dessa linha indicam pessimismo. Mas convém levar em conta o recuo, mesmo ligeiro, do otimismo.
Esse recuo surgiu depois da divulgação de dados menos animadores sobre consumo, emprego e produção industrial nos primeiros meses do ano. A demonstração de menor confiança dos empresários pode estar vinculada aos sinais de menor dinamismo dos negócios em janeiro e fevereiro. Autoridades econômicas deveriam levar em conta esse conjunto de informações?
O crescimento continua, de toda forma, com números de produção, consumo e até de investimento melhores que os de um ano antes. Os juros terão tido alguma influência? Há polêmica sobre isso entre os economistas. Segundo alguns, o afrouxamento da política monetária foi pouco sentido entre os tomadores de crédito.
Dados da CNI divulgados no mês passado apontam o contrário: a redução de juros alcançou o mercado e contribuiu para o barateamento do capital de giro no ano passado. O aumento do consumo de bens de alto valor corrobora informações sobre aumento do crédito a pessoas físicas. Juros menores podem ter reforçado uma tendência normal de recuperação cíclica, com uso da capacidade ociosa. Mas a aposta na continuidade, mesmo sem incentivos, surpreende.
Se houver sinais de convergência da inflação para a meta de 4,5%, o Copom terá uma forte razão para interromper o corte de juros. Mas, se o fizer, como ficará a economia, diante de tantas incertezas e riscos políticos e sem outro incentivo material? Mesmo incentivos fiscais ou monetários poderão ser pouco eficazes, nos próximos meses, se crescer o risco de retorno à irresponsabilidade na política econômica. Nesse caso, a continuidade do crescimento será ainda mais espantosa que o ornitorrinco.
Incentivos fiscais ou monetários poderão ser pouco eficazes, nos próximos meses, se crescer o risco de retorno à irresponsabilidade na política econômica
Com bico de pato, corpo peludo, rabo de castor, patas traseiras com cartilagens e sem orelhas externas, o ornitorrinco, um mamífero carnívoro e semiaquático, foi considerado uma impossibilidade, até uma fraude, quando um primeiro exemplar empalhado foi exibido na Inglaterra. Mas esse bicho era real, embora tão surpreendente como a aposta no crescimento brasileiro depois da recuperação inicial, de caráter cíclico. Mas essa aposta tem sido renovada, como se o horizonte estivesse claro. A política de governo só ofereceu até agora um incentivo material à continuação da retomada, o corte de juros básicos pelo Banco Central (BC). Com dificuldade até para reduzir, sem eliminar, seu déficit primário, o governo central de nenhum modo poderia oferecer estímulos sob a forma de gastos maiores ou impostos menores. Mas em breve até o único estímulo material poderá ser interrompido, depois de mais uma redução da Selic, a taxa básica de juros, prevista para maio.
Essa perspectiva foi reafirmada na segunda-feira passada pelo presidente do BC, Ilan Goldfajn, num evento em São Paulo. Na próxima reunião, o Copom poderá decidir mais um corte adicional. Com isso ficará encerrado o ciclo de afrouxamento da política monetária. As autoridades deverão esperar novos dados sobre a atividade, sobre a evolução e a projeção dos preços e, naturalmente, sobre o conjunto de riscos. Se decidirem proporcionar algum novo estímulo, será a partir dessas análises, mas, por enquanto, a pauta da política monetária indica uma provável interrupção dos cortes.
E aí, como ficarão as perspectivas? O cenário político é obscuro e o resultado possível da eleição presidencial é um mistério dos mais espessos. A maior parte dos pré-candidatos demonstra pouco ou nenhum compromisso com a consolidação dos fundamentos econômicos e a busca do crescimento sustentável. Alguns se alinharão, quase certamente, contra a limitação dos gastos públicos e a contenção da alta de preços, exceto, talvez, por meio da intervenção nos mercados.
O Índice de Confiança Empresarial diminuiu 2,3 pontos em abril, para 56,7, segundo sondagem periódica da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Continua acima da média do período iniciado em abril de 2012 (54,2 pontos) e se mantém superior à linha de indiferença (50 pontos). Números abaixo dessa linha indicam pessimismo. Mas convém levar em conta o recuo, mesmo ligeiro, do otimismo.
Esse recuo surgiu depois da divulgação de dados menos animadores sobre consumo, emprego e produção industrial nos primeiros meses do ano. A demonstração de menor confiança dos empresários pode estar vinculada aos sinais de menor dinamismo dos negócios em janeiro e fevereiro. Autoridades econômicas deveriam levar em conta esse conjunto de informações?
O crescimento continua, de toda forma, com números de produção, consumo e até de investimento melhores que os de um ano antes. Os juros terão tido alguma influência? Há polêmica sobre isso entre os economistas. Segundo alguns, o afrouxamento da política monetária foi pouco sentido entre os tomadores de crédito.
Dados da CNI divulgados no mês passado apontam o contrário: a redução de juros alcançou o mercado e contribuiu para o barateamento do capital de giro no ano passado. O aumento do consumo de bens de alto valor corrobora informações sobre aumento do crédito a pessoas físicas. Juros menores podem ter reforçado uma tendência normal de recuperação cíclica, com uso da capacidade ociosa. Mas a aposta na continuidade, mesmo sem incentivos, surpreende.
Se houver sinais de convergência da inflação para a meta de 4,5%, o Copom terá uma forte razão para interromper o corte de juros. Mas, se o fizer, como ficará a economia, diante de tantas incertezas e riscos políticos e sem outro incentivo material? Mesmo incentivos fiscais ou monetários poderão ser pouco eficazes, nos próximos meses, se crescer o risco de retorno à irresponsabilidade na política econômica. Nesse caso, a continuidade do crescimento será ainda mais espantosa que o ornitorrinco.
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