O GLOBO - 03/03
“Argo” é um filme (eu ia escrevendo “um filmeco”) tão tipicamente americano que parece ter sido escrito nos anos 1950
É a Maria Amélia Mello que devo agradecimentos pela publicação da antologia da revista “Senhor”, não a Ana Maria. Peço desculpas pelo erro. Escrevi entre voos e voltas e terminei errando um nome que conhecia. Agora escrevo entre subidas e descidas às proximidades do Morro dos Prazeres, onde ensaio novo show. Muita música para definir, escolher, relembrar. Ficou rodando na memória a série de filmes que vi no avião, entre Paris e o Rio. O que me leva a filmes que vi em Salvador, antes de voar. Quase todos com indicações e/ou prêmios do Oscar. Vi a cerimônia (a palavra fica absurda quando a gente pensa nas piadas do Seth MacFarlane) pela televisão. Não entendo inglês falado com facilidade. Mas retirei a tradução simultânea, que faz a gente entender menos ainda. Perdi algumas piadas (que depois meu filho de 20 anos me contou) mas senti o ritmo. O gozado foi ver dois dos principais filmes no avião.
Dormi depois do jantar (coisa rara em voos). Acordei julgando que tinha dormido a viagem toda e que o comissário me responderia que já estávamos nos aproximando do Rio de Janeiro. Mas sua resposta à minha pergunta “Quanto tempo falta?” foi: “Sete horas”.
Liguei o vídeo e pus os fones de ouvido. Havia “comédias românticas”, “comédias”, “dramas”, “ação” e “lançamentos” para escolher. Entre estes estavam “Argo” e “Lincoln”.
Escolhi “Argo” porque julgava que veria “Lincoln” no cinema, quando voltasse, coisa que me parecia menos provável de fazer com o filme de Ben Affleck. Mal sabia eu que o sono não voltaria mais enquanto eu estivesse no avião e que, assim, eu veria “Lincoln” logo em seguida. Foi uma experiência hilária.
“Argo” é um filme (eu ia escrevendo “um filmeco”) tão tipicamente americano que parece ter sido escrito nos anos 1950. As sequências de montagem cruzada para intensificar o suspense são apertadíssimas, e os diálogos têm quick-wit, sem sombra de ironia. A gente, que está acostumado a Tarantino e Mauro Lima brincarem com isso, fica incrédulo de ver alguém fazê-lo candidamente. Affleck é um ator de má fama, certamente por sua cara inexpressiva. Ele surgiu como roteirista oscarizado, ao lado de Matt Damon, quando ainda os dois eram garotos. Depois atuou em comédias românticas com cara de envelope. Em “Argo” essa impassibilidade facial resulta, com a ajuda da barba, em convincente sobriedade de herói do mundo livre. Você torce pelo agente da CIA e é levado a aplaudir sua vitória juntamente com o elenco do filme. Como nos mais convencionais divertimentos hollywoodianos em que os bons vencem os maus (as plateias americanas são barulhentas e de fato batem palmas nas cenas em que aplausos são puxados pelos figurantes). Mas o suspense nesse filme funciona sempre. Seu lado mais infantil é convidado a torcer para que os do bem entrem no avião antes de os do mal conseguirem passar pelas barreiras. É um filme de entretenimento antiquado e eficaz. Acabei de ver o filme quase gargalhando sozinho na cadeira do avião. Mas faltavam ainda cinco horas de viagem. Botei “Lincoln”.
O contraste terminou sendo também bastante cômico. O filme de Spielberg era grave, escuro, sério. Sobretudo escuro. Parecia um americano escaldado de tanto fazer diversão tipo “Argo” decidindo provar que também pode ser grave. Tal como em “Argo”, tudo é conseguido a contento. Daniel Day- Lewis, cujo estilo britânico de atuar, fundado na composição milimétrica do personagem, parecendo que tudo começa pela roupa, pela barba, pela escolha do timbre de voz etc., até que um punk louro capaz de ter um caso de amor com um paquistanês que abre uma lavanderia, ou um homem capaz de mover apenas o pé esquerdo, ou um presidente que administra uma guerra e quer passar uma emenda constitucional abolindo a escravidão surja crível aos olhos do espectador, Daniel, eu dizia, está perfeito fazendo o oposto do que Marlon Brando faria (mas ninguém chamaria Brando para fazer Lincoln, embora ele tenha feito aquele indescritível Marco Antônio). Tommy Lee Jones é sensacional, e Sally Field também brilha. Mas o filme, embora informativo, ficou com cara de seriedade forçada.
Antes eu tinha visto “Django” e “Amour” na Bahia. Eu achava os comentários de Spike Lee chatos. Mas não me senti confortável com essa refação de “Bastardos Inglórios” com os negros no lugar dos judeus e Leonardo DiCaprio errando o francês como Brad Pitt errava o italiano — e o magnífico Christoph Waltz dando show de dicção e desembaraço. Hitler, todos sabemos que não morreu num cinema. Mas lutas de mandingos? E, no final, o mesmo fogo da vingança. Amei os sacos nas cabeças dos racistas. Ri. “Amour” parece que diminui o fascínio que Haneke exerce.
domingo, março 03, 2013
Saudades do metrô - ARTUR XEXÉO
O GLOBO - 03/03
Fevereiro de 2013. O ônibus, ao lado da Estação Siqueira Campos, está superlotado. Os passageiros descem e logo formam uma fila para entrar no metrô. Empurra-empurra, chega pra lá, confusão. O esquema que as autoridades organizaram para suprir a falta das estações Cantagalo e General Osório, do precário metrô do Rio, não está dando certo. Dizem que o usuário pode substituir o trem que pegava nessas estações pelo metrô de superfície, uma maneira irônica com que nossas autoridades costumam chamar os ônibus quando querem fingir que são responsáveis por um sistema de transporte eficiente. Que metrô de superfície é esse que para no sinal fechado e enfrenta, como qualquer outro veículo, as agruras de um engarrafamento no trânsito?
Março de 1979. Eu não conseguia esconder a empolgação. Depois de anos vendo trechos do Centro do Rio escondidos por tapumes, estava ali, na Estação Cinelândia, numa pequena fila, aguardando para comprar o meu bilhete do metrô. Não me lembro do preço. Mas me lembro do trajeto. Saí da Cinelândia e fui até a Estação Presidente Vargas. Ali, mudei de lado e retornei. Deslumbrado. Tudo era bonito. Mármore nas estações, trens limpinhos, confortáveis, espaço para todo mundo, boa sinalização. Não era para levar muito a sério. Servia só como passeio mesmo. O metrô, velho sonho da cidade, foi inaugurado com apenas cinco estações: além da Cinelândia e da Presidente Vargas, podíamos usar as da Praça Onze, da Central e da Glória. Só funcionava das nove da manhã às três da
tarde. Tinha quatro trens que chegavam a cada oito minutos. Transportava 60 mil pessoas por dia.
Naquela primeira viagem de 34 anos atrás, acreditei, como toda a população, que o Metrô tinha futuro. Hoje, são duas linhas, 35 estações e 640 mil passageiros por dia. E o caos. O ar refrigerado não funciona. Os trens vivem abarrotados. A limpeza dos primeiros anos transformou-se num mafuá onde se vende de tudo. As escadas rolantes não rolam. Os elevadores não se mexem. E a extensão, convenhamos, é ridícula. Tenho vergonha quando me dou conta de que nosso metrô cobre uma área menor que a do metrô de Brasília. Comparando com o de São Paulo, então, é bom nem falar.
Um sistema de transporte eficiente que integrasse toda a cidade ficou no sonho. O metrô carioca parece uma minhoca que se estende infinitamente. Era óbvio que não se encontraria uma alternativa para o o fechamento das duas última estações da Zona Sul. As linhas não se cruzam e as estações são muito distantes uma da outra. Perdendo-se uma estação, o usuário tem que apelar para outro tipo de transporte.
Quem está chegando agora pode pensar que foi sempre assim. Não é verdade. Durante quase 20 anos, a extensão de nosso metrô cresceu e a limpeza e eficiência continuaram funcionando. O caos se implantou a partir da concessão para uma empresa privada em 1998. O carioca nunca foi conhecido por cuidar de sua cidade. O metrô era uma exceção. Tornou-se exemplo de civilidade. Ninguém tinha coragem de jogar um papel de bala no chão. Com ele, aprendemos que, quando o serviço é bom, o usuário cuida e respeita. Hoje, o usuário trata mal o metrô. A culpa é do serviço. Ninguém gosta de pagar caro — e o metrô é caro à beça — por um produto medíocre.
Fevereiro de 2013. O ônibus, ao lado da Estação Siqueira Campos, está superlotado. Os passageiros descem e logo formam uma fila para entrar no metrô. Empurra-empurra, chega pra lá, confusão. O esquema que as autoridades organizaram para suprir a falta das estações Cantagalo e General Osório, do precário metrô do Rio, não está dando certo. Dizem que o usuário pode substituir o trem que pegava nessas estações pelo metrô de superfície, uma maneira irônica com que nossas autoridades costumam chamar os ônibus quando querem fingir que são responsáveis por um sistema de transporte eficiente. Que metrô de superfície é esse que para no sinal fechado e enfrenta, como qualquer outro veículo, as agruras de um engarrafamento no trânsito?
Março de 1979. Eu não conseguia esconder a empolgação. Depois de anos vendo trechos do Centro do Rio escondidos por tapumes, estava ali, na Estação Cinelândia, numa pequena fila, aguardando para comprar o meu bilhete do metrô. Não me lembro do preço. Mas me lembro do trajeto. Saí da Cinelândia e fui até a Estação Presidente Vargas. Ali, mudei de lado e retornei. Deslumbrado. Tudo era bonito. Mármore nas estações, trens limpinhos, confortáveis, espaço para todo mundo, boa sinalização. Não era para levar muito a sério. Servia só como passeio mesmo. O metrô, velho sonho da cidade, foi inaugurado com apenas cinco estações: além da Cinelândia e da Presidente Vargas, podíamos usar as da Praça Onze, da Central e da Glória. Só funcionava das nove da manhã às três da
tarde. Tinha quatro trens que chegavam a cada oito minutos. Transportava 60 mil pessoas por dia.
Naquela primeira viagem de 34 anos atrás, acreditei, como toda a população, que o Metrô tinha futuro. Hoje, são duas linhas, 35 estações e 640 mil passageiros por dia. E o caos. O ar refrigerado não funciona. Os trens vivem abarrotados. A limpeza dos primeiros anos transformou-se num mafuá onde se vende de tudo. As escadas rolantes não rolam. Os elevadores não se mexem. E a extensão, convenhamos, é ridícula. Tenho vergonha quando me dou conta de que nosso metrô cobre uma área menor que a do metrô de Brasília. Comparando com o de São Paulo, então, é bom nem falar.
Um sistema de transporte eficiente que integrasse toda a cidade ficou no sonho. O metrô carioca parece uma minhoca que se estende infinitamente. Era óbvio que não se encontraria uma alternativa para o o fechamento das duas última estações da Zona Sul. As linhas não se cruzam e as estações são muito distantes uma da outra. Perdendo-se uma estação, o usuário tem que apelar para outro tipo de transporte.
Quem está chegando agora pode pensar que foi sempre assim. Não é verdade. Durante quase 20 anos, a extensão de nosso metrô cresceu e a limpeza e eficiência continuaram funcionando. O caos se implantou a partir da concessão para uma empresa privada em 1998. O carioca nunca foi conhecido por cuidar de sua cidade. O metrô era uma exceção. Tornou-se exemplo de civilidade. Ninguém tinha coragem de jogar um papel de bala no chão. Com ele, aprendemos que, quando o serviço é bom, o usuário cuida e respeita. Hoje, o usuário trata mal o metrô. A culpa é do serviço. Ninguém gosta de pagar caro — e o metrô é caro à beça — por um produto medíocre.
A orla da virada - AGAMENON
O GLOBO - 03/03
Aqueles que, como eu, até hoje lamentam e choram o fim da legendária boate Help, na Avenida Atlântica, já tem um consolo. Pra quem não lembra, a mitológica boate de alta rotatividade Help foi, durante anos, um dos maiores centros de difusão de cultura, turismo e doenças venéreas da cidade e acabou fechada pela caretice conservadora dos fiscais da Vigilância Sanitária. Mas eis que surge na orla um novo point que promete resgatar os verdadeiros valores cariocas. Valores que hoje estão na casa de “a compreta é 100 real!”. É claro que estou falando do “Bitch Club”, a área VIP (Very Importante Piranhas) que fica encravado dentro do histórico Forte de Copacabana. É impressionante como o carioca é obcecado por áreas VIPs, esse viveiros de artistas, celebridades e famosos que se amontoam num cercadinho. Nosso povo faz qualquer coisa por um crachá ou uma pulseirinha colorida que dá direito a entrar nestes antros de lazer e em algumas mulheres.
Curioso por profissão, deixei de pagar esse mês o plano de saúde da Isaura,a minha patroa, para comprar um ingresso nesta reserva ecológicas, habitat de duas espécies que estão ameaçadas de extinção: os milionários e as piranhas. E eu que pensava que piranha só dava em rio. Nada disso: as piranhas também habitam o litoral e, em especial, o “Bitch Club”. Para causar sensação e dizer logo que eu não estava ali à passeio, cheguei no lugar vestindo uma sunga de crochê que o Gabeira me deu. A mulherada ficou louca ao ver a protuberância da minha carteira e do meu “18 do Forte” e, imediatamente, as vorazes profissionais de água doce caíram matando em cima da minha pessoa.
Apavorado, busquei refúgio no camarote de um milionário paulista desses que fazem a alegria das agências de publicidade. Para minha surpresa, adentrei naquela chiqueirinho exclusivo e deparei-me com mordomias que deixariam o Sarney morto de inveja. O que, aliás, não é má idéia... Em seguida, um mordomo de libré, customizado, me cedeu um felpudo roupão de algodão egípcio com as minhas iniciais, A.M.P., bordadas em fios de ouro. Ato contínuo, o solícito serviçal abriu uma garrafa de champagne, uma Dom Perignon 95, mais gelada que a Isaura,a minha patroa. Quando é que um modesto e mal remunerado jornalista como eu teria a oportunidade rara de sorver aquele precioso néctar dos vinhedos franceses? Nem na Ilha de Caras. Por falar em Caras, soube de fonte segura que o atual ex-papa Bento XVI cm, deprimido com os escândalos do Vaticano, vai para o Castelo de Caras, onde todas as pessoas entram com depressão e saem na capa da semana seguinte felizes e sorridentes.
Mas voltando às vacas frias do Bitch Club: ao constatar o meu estado de stress emocional, causado pelo ataque das garotas de programa carnívoras, o subserviente lacaio me levou até a sala de massagem. De repente, vi-me introduzido num misterioso ambiente oriental fedendo à incenso onde uma amassoterapeuta me aplicou uma vigorosa massagem tântrica com direito à happy end no final.
Revigorado, senti-me cheio de energia, talvez devido ao fio terra que experimentei naquela terapeia alternativa. Com a libido latejante, não tive dúvidas: agradeci ao milionário e peguei uma van até o centro. O centro da Isaura, a minha patroa. Lá onde o sol não bate, aproveitei para colocar em dia a nossa vida sexual que, aliás, andava mais atrasada que a conta de luz aqui de casa.
***
Se as caravelas de Cabral não tivessem aportado em Porto Seguro mas no Beach Club em Copacabana, o cronista Pero Vaz de Caminha, impressionado com a exuberância das nativas, teria escrito em sua carta “ aqui, em se pagando, todas dão!”
Agamenon Mendes Pedreira é Ratinho de praia.
Aqueles que, como eu, até hoje lamentam e choram o fim da legendária boate Help, na Avenida Atlântica, já tem um consolo. Pra quem não lembra, a mitológica boate de alta rotatividade Help foi, durante anos, um dos maiores centros de difusão de cultura, turismo e doenças venéreas da cidade e acabou fechada pela caretice conservadora dos fiscais da Vigilância Sanitária. Mas eis que surge na orla um novo point que promete resgatar os verdadeiros valores cariocas. Valores que hoje estão na casa de “a compreta é 100 real!”. É claro que estou falando do “Bitch Club”, a área VIP (Very Importante Piranhas) que fica encravado dentro do histórico Forte de Copacabana. É impressionante como o carioca é obcecado por áreas VIPs, esse viveiros de artistas, celebridades e famosos que se amontoam num cercadinho. Nosso povo faz qualquer coisa por um crachá ou uma pulseirinha colorida que dá direito a entrar nestes antros de lazer e em algumas mulheres.
Curioso por profissão, deixei de pagar esse mês o plano de saúde da Isaura,a minha patroa, para comprar um ingresso nesta reserva ecológicas, habitat de duas espécies que estão ameaçadas de extinção: os milionários e as piranhas. E eu que pensava que piranha só dava em rio. Nada disso: as piranhas também habitam o litoral e, em especial, o “Bitch Club”. Para causar sensação e dizer logo que eu não estava ali à passeio, cheguei no lugar vestindo uma sunga de crochê que o Gabeira me deu. A mulherada ficou louca ao ver a protuberância da minha carteira e do meu “18 do Forte” e, imediatamente, as vorazes profissionais de água doce caíram matando em cima da minha pessoa.
Apavorado, busquei refúgio no camarote de um milionário paulista desses que fazem a alegria das agências de publicidade. Para minha surpresa, adentrei naquela chiqueirinho exclusivo e deparei-me com mordomias que deixariam o Sarney morto de inveja. O que, aliás, não é má idéia... Em seguida, um mordomo de libré, customizado, me cedeu um felpudo roupão de algodão egípcio com as minhas iniciais, A.M.P., bordadas em fios de ouro. Ato contínuo, o solícito serviçal abriu uma garrafa de champagne, uma Dom Perignon 95, mais gelada que a Isaura,a minha patroa. Quando é que um modesto e mal remunerado jornalista como eu teria a oportunidade rara de sorver aquele precioso néctar dos vinhedos franceses? Nem na Ilha de Caras. Por falar em Caras, soube de fonte segura que o atual ex-papa Bento XVI cm, deprimido com os escândalos do Vaticano, vai para o Castelo de Caras, onde todas as pessoas entram com depressão e saem na capa da semana seguinte felizes e sorridentes.
Mas voltando às vacas frias do Bitch Club: ao constatar o meu estado de stress emocional, causado pelo ataque das garotas de programa carnívoras, o subserviente lacaio me levou até a sala de massagem. De repente, vi-me introduzido num misterioso ambiente oriental fedendo à incenso onde uma amassoterapeuta me aplicou uma vigorosa massagem tântrica com direito à happy end no final.
Revigorado, senti-me cheio de energia, talvez devido ao fio terra que experimentei naquela terapeia alternativa. Com a libido latejante, não tive dúvidas: agradeci ao milionário e peguei uma van até o centro. O centro da Isaura, a minha patroa. Lá onde o sol não bate, aproveitei para colocar em dia a nossa vida sexual que, aliás, andava mais atrasada que a conta de luz aqui de casa.
***
Se as caravelas de Cabral não tivessem aportado em Porto Seguro mas no Beach Club em Copacabana, o cronista Pero Vaz de Caminha, impressionado com a exuberância das nativas, teria escrito em sua carta “ aqui, em se pagando, todas dão!”
Entreouvidos por aí - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 03/03
“De todas as pessoas que eu conhecia, ela era a candidata menos provável de eu vir a ter uma história. Extremamente carola, cheia de nove horas, o oposto do meu estilo. Sou um cara moderno, livre, desimpedido em todos os sentidos.
Sempre gostei de mulheres bem resolvidas, e ela me parecia uma menininha à espera de um anjo salvador. No entanto, quando dei por mim, ela estava sob as minhas asas. Não era o que eu buscava na vida, não era mesmo. Não sei como chamar isso”.
“Se cruzassem nossos perfis em qualquer rede social, daria um curto-circuito. Ele não gosta de nada do que eu gosto, e eu tenho aversão ao jeito que ele se comporta. Mas, desavisados, numa festa trocamos um beijo que fez alguma coisa acender, e desde então é briga atrás de briga. Ambos se perguntam: o que justifica essa nossa insistência?”
“O Caetano tem uma música que diz: mexe qualquer coisa dentro doida. É bem assim que me sinto. É do departamento das loucuras inexplicáveis. Sou bonita, inteligente, bem educada. Sei que agrado, não ficaria sozinha jamais, a não ser que quisesse. No entanto, estou há dois anos namorando um colega de faculdade que me esnoba, mas não me deixa, e eu vou arrastando esse relacionamento na esperança de que ele amadureça. Tem nome um troço desses? Carência, doença, masoquismo?”
“Namoro uma mulher bem mais velha que eu. Minha mãe torce o nariz. Meus amigos me chamam para a balada a fim de que eu conheça umas garotas da minha idade. Ela própria acredita estar empatando a minha vida. Meu terapeuta acha que está tudo bem do jeito que está, e eu também acho, mas ninguém a minha volta parece compreender. Às vezes nem eu compreendo”.
“Meu casamento durou apenas quatro anos. Não conseguíamos viver bem, era um desgaste emocional que fazia ambos sofrerem. Decidimos terminar de comum acordo e nós dois estamos agora respirando melhor, com a vida mais destravada. Até já estou saindo com outro cara, mas quando toca o celular, fico torcendo para que seja meu ex. Queria entender o que se passa comigo”.
“Já fui casado e sei bem o que é uma relação saudável, bacana, estruturada. Estaria com ela até hoje se não tivesse enviuvado. Achei que nunca iria me recuperar do baque, mas anos depois comecei outra relação séria, só que era o oposto do primeiro casamento: um tumulto, parecia que falávamos idiomas diferentes, ninguém se entendia, mas a atração era incontrolável e estamos juntos até hoje, nem eu nem ela temos coragem de sair fora, mesmo sem entender o que nos faz ficar”.
“Sabe relação ioiô? Vai e volta, vai e volta? Nenhum dos dois têm mais paciência pra isso, é ridículo. Se não conseguimos nos acertar até aqui, qual a esperança de um milagre acontecer? Teimosia, é o nome disso. Se não é teimosia, não sei o que é”.
Quando a gente não sabe o que é, é amor.
“De todas as pessoas que eu conhecia, ela era a candidata menos provável de eu vir a ter uma história. Extremamente carola, cheia de nove horas, o oposto do meu estilo. Sou um cara moderno, livre, desimpedido em todos os sentidos.
Sempre gostei de mulheres bem resolvidas, e ela me parecia uma menininha à espera de um anjo salvador. No entanto, quando dei por mim, ela estava sob as minhas asas. Não era o que eu buscava na vida, não era mesmo. Não sei como chamar isso”.
“Se cruzassem nossos perfis em qualquer rede social, daria um curto-circuito. Ele não gosta de nada do que eu gosto, e eu tenho aversão ao jeito que ele se comporta. Mas, desavisados, numa festa trocamos um beijo que fez alguma coisa acender, e desde então é briga atrás de briga. Ambos se perguntam: o que justifica essa nossa insistência?”
“O Caetano tem uma música que diz: mexe qualquer coisa dentro doida. É bem assim que me sinto. É do departamento das loucuras inexplicáveis. Sou bonita, inteligente, bem educada. Sei que agrado, não ficaria sozinha jamais, a não ser que quisesse. No entanto, estou há dois anos namorando um colega de faculdade que me esnoba, mas não me deixa, e eu vou arrastando esse relacionamento na esperança de que ele amadureça. Tem nome um troço desses? Carência, doença, masoquismo?”
“Namoro uma mulher bem mais velha que eu. Minha mãe torce o nariz. Meus amigos me chamam para a balada a fim de que eu conheça umas garotas da minha idade. Ela própria acredita estar empatando a minha vida. Meu terapeuta acha que está tudo bem do jeito que está, e eu também acho, mas ninguém a minha volta parece compreender. Às vezes nem eu compreendo”.
“Meu casamento durou apenas quatro anos. Não conseguíamos viver bem, era um desgaste emocional que fazia ambos sofrerem. Decidimos terminar de comum acordo e nós dois estamos agora respirando melhor, com a vida mais destravada. Até já estou saindo com outro cara, mas quando toca o celular, fico torcendo para que seja meu ex. Queria entender o que se passa comigo”.
“Já fui casado e sei bem o que é uma relação saudável, bacana, estruturada. Estaria com ela até hoje se não tivesse enviuvado. Achei que nunca iria me recuperar do baque, mas anos depois comecei outra relação séria, só que era o oposto do primeiro casamento: um tumulto, parecia que falávamos idiomas diferentes, ninguém se entendia, mas a atração era incontrolável e estamos juntos até hoje, nem eu nem ela temos coragem de sair fora, mesmo sem entender o que nos faz ficar”.
“Sabe relação ioiô? Vai e volta, vai e volta? Nenhum dos dois têm mais paciência pra isso, é ridículo. Se não conseguimos nos acertar até aqui, qual a esperança de um milagre acontecer? Teimosia, é o nome disso. Se não é teimosia, não sei o que é”.
Quando a gente não sabe o que é, é amor.
Bolero - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
O ESTADÃO - 03/03
“Dormir avec vous madame
Dormir avec vous
C´est um merveilleux programe
Demandant surtout
Um endroit discret madame”
Charles Aznavour
Enfim um bolero, nest pas madame? Fui eu que subornei a orquestra. Agora podemos dançar juntos, eu sentindo os seus seios contra o meu peito, você sentindo as minhas medalhas. O bolero favorece a minha perna mecânica, ao contrário do tango, que também cultivo, mas só em teoria, senão eu caio na primeira rabanada.
O bolero também nos permite falar um no ouvido do outro, ao contrário dessas danças modernas, nas quais a única comunicação possível entre os pares é o sinal metafórico. Nenhuma conversa é tão privada e discreta quanto a de um homem e uma mulher dançando um bolero, o homem cuidando para não engatar os lábios num brinco ao mordiscar o lóbulo, onde a mulher é mais tenra, a mulher se permitindo dizer baixinho tudo que jamais diria em público, principalmente ao alcance dos ouvidos do marido. Existe um marido, pois não, madame?
Deve haver um marido, senão nada disto este salão, este bolero, seus seios contra o meu peito e a minha ereção tem sentido. O essencial numa sedução não é o sedutor nem a seduzida, é o marido. Todo o drama, toda a aventura, toda a glória e o prazer de uma sedução está centralizada no marido enganado.
Um caso sem marido é como um merengue sem recheio, uma casca farofenta encobrindo o nada. Seu marido está nos vendo? Está seguindo nossos passos, salivando como um cão raivoso? Sinto seus olhos na minha nuca, talvez medindo-a para um golpe de cutelo, como o que mata os touros que se recusam a morrer pela espada. Sim, também já fui toureiro.
O que a gente não faz para impressioná-las, hein madame? Posso desafiar o marido para um duelo, se lhe convier. Sim, sou do tempo dos duelos, quando a honra se lavava com sangue, nem que fosse apenas o sangue de um arranhão. Madame já adivinhou que sou um homem antigo.
Para mim, nada é mais apropriado do que um bolero acabar num duelo. Posso mandar seu marido para um hospital. Assim nem ele ficaria sem sua honra nem nós ficaríamos sem um marido enganado vivo para apimentar nossa união.
Como eu perdi minha perna? Foi numa dessas guerras, não me lembro mais qual. Foi em Waterloo, foi no Somme, foi no desembarque em Omaha Beach, quem se lembra? E tudo para impressioná-la, madame. Eu ainda não a conhecia, nem sentira os seus seios contra o meu peito, e já estava matando e morrendo e construindo civilizações para impressioná-la. Esta sedução não começa aqui, madame, começou há milhares de anos, quando nós descemos das árvores para a savana e passamos a andar de pé, com a genitália exposta.
Como isto não as impressionou muito, recorremos a outros meios de sedução. Brigas, guerras, atos de bravura e audácia intelectual, boleros. Tudo para dormir com você, madame. Dormir com você. Fazermos um programa maravilhoso num lugar discreto. Champanhe, alguns canapês, cortinas de veludo cerradas, um disco de vinil na vitrola (sou um homem antigo). Não queremos outra coisa além de dormir com você. Nunca quisemos. E... glubz! Desculpe madame. Acho que engoli o seu brinco.
“Dormir avec vous madame
Dormir avec vous
C´est um merveilleux programe
Demandant surtout
Um endroit discret madame”
Charles Aznavour
Enfim um bolero, nest pas madame? Fui eu que subornei a orquestra. Agora podemos dançar juntos, eu sentindo os seus seios contra o meu peito, você sentindo as minhas medalhas. O bolero favorece a minha perna mecânica, ao contrário do tango, que também cultivo, mas só em teoria, senão eu caio na primeira rabanada.
O bolero também nos permite falar um no ouvido do outro, ao contrário dessas danças modernas, nas quais a única comunicação possível entre os pares é o sinal metafórico. Nenhuma conversa é tão privada e discreta quanto a de um homem e uma mulher dançando um bolero, o homem cuidando para não engatar os lábios num brinco ao mordiscar o lóbulo, onde a mulher é mais tenra, a mulher se permitindo dizer baixinho tudo que jamais diria em público, principalmente ao alcance dos ouvidos do marido. Existe um marido, pois não, madame?
Deve haver um marido, senão nada disto este salão, este bolero, seus seios contra o meu peito e a minha ereção tem sentido. O essencial numa sedução não é o sedutor nem a seduzida, é o marido. Todo o drama, toda a aventura, toda a glória e o prazer de uma sedução está centralizada no marido enganado.
Um caso sem marido é como um merengue sem recheio, uma casca farofenta encobrindo o nada. Seu marido está nos vendo? Está seguindo nossos passos, salivando como um cão raivoso? Sinto seus olhos na minha nuca, talvez medindo-a para um golpe de cutelo, como o que mata os touros que se recusam a morrer pela espada. Sim, também já fui toureiro.
O que a gente não faz para impressioná-las, hein madame? Posso desafiar o marido para um duelo, se lhe convier. Sim, sou do tempo dos duelos, quando a honra se lavava com sangue, nem que fosse apenas o sangue de um arranhão. Madame já adivinhou que sou um homem antigo.
Para mim, nada é mais apropriado do que um bolero acabar num duelo. Posso mandar seu marido para um hospital. Assim nem ele ficaria sem sua honra nem nós ficaríamos sem um marido enganado vivo para apimentar nossa união.
Como eu perdi minha perna? Foi numa dessas guerras, não me lembro mais qual. Foi em Waterloo, foi no Somme, foi no desembarque em Omaha Beach, quem se lembra? E tudo para impressioná-la, madame. Eu ainda não a conhecia, nem sentira os seus seios contra o meu peito, e já estava matando e morrendo e construindo civilizações para impressioná-la. Esta sedução não começa aqui, madame, começou há milhares de anos, quando nós descemos das árvores para a savana e passamos a andar de pé, com a genitália exposta.
Como isto não as impressionou muito, recorremos a outros meios de sedução. Brigas, guerras, atos de bravura e audácia intelectual, boleros. Tudo para dormir com você, madame. Dormir com você. Fazermos um programa maravilhoso num lugar discreto. Champanhe, alguns canapês, cortinas de veludo cerradas, um disco de vinil na vitrola (sou um homem antigo). Não queremos outra coisa além de dormir com você. Nunca quisemos. E... glubz! Desculpe madame. Acho que engoli o seu brinco.
Ideias não geniais - MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA
América Latina é um celeiro de idéias aparentemente geniais que não resistem ao debate sério e persistente. Muitas delas refletem equivocadas visões da esquerda ou pregam soluções simplistas para questões complexas. Como dizia o jornalista americano Henry Mencken (1880-1956), "para cada problema complexo existe uma resposta clara, simples e errada".
Uma dessas idéias surgiu em 1971 com o livro As Veias Abertas da América Latina, do jornalista uruguaio Eduardo Galeano. Ele descreveu corretamente a tragédia da exploração predatória de riquezas regionais por colonizadores europeus, sobretudo os espanhóis, mas equivocou-se quando acusou os Estados Unidos de exercer exploração semelhante via empresas multinacionais. Em sucessivas edições, a obra tem seduzido muita gente. Galeano inspirou Plinio Apuleyo Mendoza (colombiano), Carlos Alberto Montaner (cubano) e Álvaro Vargas Llosa (peruano) a escrever o livro Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, que contém uma crítica bem-humorada sobre como pensam (e erram) autores esquerdistas locais. Imaginar, como fez Galeano, que a prosperidade americana dependeu da exploração imperialista das riquezas latino-americanas e não da qualidade de sua educação e da solidez de suas instituições é extremamente duvidoso. O livro influenciou líderes populistas latino-americanos.
No Brasil, uma dessas idéias propõe extrair do pré-sal apenas o petróleo suficiente para financiar um plano de desenvolvimento. O restante ficaria no subsolo, valorizando-se em decorrência de suposta elevação do seu preço. Acontece que explorar o petróleo tende a ser melhor do que guardá-lo, entre outras razões porque ele pode desvalorizar- se com a descoberta de novas jazidas e com avanços tecnológicos que reduzam o seu uso. Ahmed Yamani. ministro do Petróleo saudita, alertava para esses riscos e lembrava que "a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra". Deixar o petróleo debaixo da terra é nos submeter à perda de oportunidades e à sua desvalorização. Nada genial.
Recentemente, o ministro interino de Minas e Energia externou outra dessas idéias. Ao reclamar da recusa de algumas empresas em aceitar o plano de antecipar a renovação das concessões do setor elétrico, ele disparou: "Essas companhias privilegiaram seus acionistas, e não a população brasileira , Ora. a função essencial de uma empresa é gerar valor para seus acionistas. Nada de errado. Para tanto, ela precisa dar lucro, o que lhe permite investir, inovar e criar renda e riqueza, contribuindo para o bem-estar da população. Caso contrário, quebra, destrói valor e dispensa seus trabalhadores. A população perde.
O ministro da Educação adotou uma idéia não genial para enfrentar a carência de médicos nas áreas menos desenvolvidas. Agora, a instalação de novas faculdades de medicina dependerá da "demanda social" por médicos na região. A localidade geográfica será o principal critério a considerar. O ministro diz querer formar bons profissionais, em cursos dotados de residência médica, desde que eles estudem onde o governo determinar. Acontece que o local do curso não é determinante na fixação dos médicos. A maioria migra em busca de melhores oportunidades de emprego, Formação profissional e Qualidade de vida. Pesquisa recente, conduzida por Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, constatou que apenas 25% dos médicos que saíram para estudar fora permaneceram na cidade onde se graduaram. Cerca de 60% dos que ficaram na localidade onde se formaram estão nas sete maiores capitais. O dr. Scheffer diz que a medida é cosmética, pois "a desigualdade na distribuição dos profissionais somente será resolvida com um conjunto de medidas", entre as quais o combate à precarização do trabalho e a oferta de estrutura adequada. A meu ver, a ação intervencionista do governo pode produzir profissionais de baixa qualidade e não resolverá o déficit deles em certas áreas.
Idéias constituem a fonte básica da evolução institucional e da melhoria das políticas públicas. O desafio é descartar as equivocadas, o que requer submeter todas ao debate, ao escrutínio de bons especialistas e ao exame de sua viabilidade. Não parece ser o caso dessas quatro idéias não geniais.
Uma dessas idéias surgiu em 1971 com o livro As Veias Abertas da América Latina, do jornalista uruguaio Eduardo Galeano. Ele descreveu corretamente a tragédia da exploração predatória de riquezas regionais por colonizadores europeus, sobretudo os espanhóis, mas equivocou-se quando acusou os Estados Unidos de exercer exploração semelhante via empresas multinacionais. Em sucessivas edições, a obra tem seduzido muita gente. Galeano inspirou Plinio Apuleyo Mendoza (colombiano), Carlos Alberto Montaner (cubano) e Álvaro Vargas Llosa (peruano) a escrever o livro Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, que contém uma crítica bem-humorada sobre como pensam (e erram) autores esquerdistas locais. Imaginar, como fez Galeano, que a prosperidade americana dependeu da exploração imperialista das riquezas latino-americanas e não da qualidade de sua educação e da solidez de suas instituições é extremamente duvidoso. O livro influenciou líderes populistas latino-americanos.
No Brasil, uma dessas idéias propõe extrair do pré-sal apenas o petróleo suficiente para financiar um plano de desenvolvimento. O restante ficaria no subsolo, valorizando-se em decorrência de suposta elevação do seu preço. Acontece que explorar o petróleo tende a ser melhor do que guardá-lo, entre outras razões porque ele pode desvalorizar- se com a descoberta de novas jazidas e com avanços tecnológicos que reduzam o seu uso. Ahmed Yamani. ministro do Petróleo saudita, alertava para esses riscos e lembrava que "a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra". Deixar o petróleo debaixo da terra é nos submeter à perda de oportunidades e à sua desvalorização. Nada genial.
Recentemente, o ministro interino de Minas e Energia externou outra dessas idéias. Ao reclamar da recusa de algumas empresas em aceitar o plano de antecipar a renovação das concessões do setor elétrico, ele disparou: "Essas companhias privilegiaram seus acionistas, e não a população brasileira , Ora. a função essencial de uma empresa é gerar valor para seus acionistas. Nada de errado. Para tanto, ela precisa dar lucro, o que lhe permite investir, inovar e criar renda e riqueza, contribuindo para o bem-estar da população. Caso contrário, quebra, destrói valor e dispensa seus trabalhadores. A população perde.
O ministro da Educação adotou uma idéia não genial para enfrentar a carência de médicos nas áreas menos desenvolvidas. Agora, a instalação de novas faculdades de medicina dependerá da "demanda social" por médicos na região. A localidade geográfica será o principal critério a considerar. O ministro diz querer formar bons profissionais, em cursos dotados de residência médica, desde que eles estudem onde o governo determinar. Acontece que o local do curso não é determinante na fixação dos médicos. A maioria migra em busca de melhores oportunidades de emprego, Formação profissional e Qualidade de vida. Pesquisa recente, conduzida por Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, constatou que apenas 25% dos médicos que saíram para estudar fora permaneceram na cidade onde se graduaram. Cerca de 60% dos que ficaram na localidade onde se formaram estão nas sete maiores capitais. O dr. Scheffer diz que a medida é cosmética, pois "a desigualdade na distribuição dos profissionais somente será resolvida com um conjunto de medidas", entre as quais o combate à precarização do trabalho e a oferta de estrutura adequada. A meu ver, a ação intervencionista do governo pode produzir profissionais de baixa qualidade e não resolverá o déficit deles em certas áreas.
Idéias constituem a fonte básica da evolução institucional e da melhoria das políticas públicas. O desafio é descartar as equivocadas, o que requer submeter todas ao debate, ao escrutínio de bons especialistas e ao exame de sua viabilidade. Não parece ser o caso dessas quatro idéias não geniais.
Grillo, revolução ou bolha? - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 03/03
Por enquanto, está em curso uma mudança na "gramática da análise política", diz jornalista
MILÃO - Já na noite da apuração na Itália, Concita de Gregorio ("La Repubblica"), espantada com a espetacular votação do Movimento 5 Estrelas, do humorista contestatário Beppe Grillo, dizia que esse fenômeno obrigaria a "mudar a gramática da análise política".
É uma avaliação talvez precipitada, se se considerar que o mundo já viu a ascensão de vários movimentos de contestação ao establishment para, logo depois, vê-los murchar, flores de uma só primavera.
Não sei se as 5 Estrelas se apagarão logo ou de fato forçarão uma mudança na maneira como analisamos a política. Por enquanto, permanece o fato de que o que ocorreu na Itália tem uma dimensão extraordinária, com repercussões que claramente vão além deste país.
Primeiro, trata-se da primeira vez em que uma agrupação consegue se tornar a mais votada (considerados os partidos individualmente, não as coligações) em sua primeira experiência nas urnas, pelas contas de Alessandro Chiaramonte, da Universidade de Florença.
Há mais dados eloquentes: um de cada cinco jovens que votaram pela primeira vez o fez por Grillo.
O M5S foi o principal responsável por outro número impressionante: 16 milhões de eleitores mudaram de partido entre a eleição de 2008 e a de 2013, segundo pesquisa da empresa Manheimer.
Como os eleitores são 47 milhões, mas apenas 35 milhões votaram (arredondando os números), tem-se que os, digamos, "traidores" foram mais ou menos 45% do total.
Evidência brutal do fracasso da política tradicional, de resto admitida até por um dos mais tradicionais políticos italianos, Pier Luigi Bersani, líder do Partido Democrático e da coligação mais votada para a Câmara e para o Senado.
Um fracasso que leva até um empresário muito amigo de Silvio Berlusconi, o inoxidável líder da direita, a pensar em apoiar Grillo como eventual primeiro-ministro, a partir do seguinte argumento: "Não creio que Grillo seja mais estúpido do que aqueles que tivemos até agora", disse ao "Corriere della Sera" Leonardo Del Vecchio, dono da Luxottica e residente em Monte Carlo, para fugir aos impostos italianos.
Outro empresário -Franco Moscetti, administrador-delegado da Amplifon, líder em aparelhos acústicos- também muda a gramática da análise política ao dizer que "Grillo e os seus estão antecipando o futuro. A eleição do presidente da República via internet virá certamente. Eles compreenderam o valor/poder das novas tecnologias e estão se projetando no futuro, enquanto os partidos tradicionais estão impregnados dos ritos e da liturgia do passado".
Se o empresariado, a fatia mais relevante das elites que Grillo repudia com uma veemência extraordinária, começa a usar a tal "nova gramática", há duas possibilidades: ou estão se preparando para cooptar Grillo ou para aceitar uma mudança na gramática política.
Se ocorrer a segunda hipótese, haverá consequências além-fronteiras. Como escreve Miguel Mora para "El País": "O grito que vem da Itália é o primeiro sintoma de uma dissidência de massa".
Por enquanto, está em curso uma mudança na "gramática da análise política", diz jornalista
MILÃO - Já na noite da apuração na Itália, Concita de Gregorio ("La Repubblica"), espantada com a espetacular votação do Movimento 5 Estrelas, do humorista contestatário Beppe Grillo, dizia que esse fenômeno obrigaria a "mudar a gramática da análise política".
É uma avaliação talvez precipitada, se se considerar que o mundo já viu a ascensão de vários movimentos de contestação ao establishment para, logo depois, vê-los murchar, flores de uma só primavera.
Não sei se as 5 Estrelas se apagarão logo ou de fato forçarão uma mudança na maneira como analisamos a política. Por enquanto, permanece o fato de que o que ocorreu na Itália tem uma dimensão extraordinária, com repercussões que claramente vão além deste país.
Primeiro, trata-se da primeira vez em que uma agrupação consegue se tornar a mais votada (considerados os partidos individualmente, não as coligações) em sua primeira experiência nas urnas, pelas contas de Alessandro Chiaramonte, da Universidade de Florença.
Há mais dados eloquentes: um de cada cinco jovens que votaram pela primeira vez o fez por Grillo.
O M5S foi o principal responsável por outro número impressionante: 16 milhões de eleitores mudaram de partido entre a eleição de 2008 e a de 2013, segundo pesquisa da empresa Manheimer.
Como os eleitores são 47 milhões, mas apenas 35 milhões votaram (arredondando os números), tem-se que os, digamos, "traidores" foram mais ou menos 45% do total.
Evidência brutal do fracasso da política tradicional, de resto admitida até por um dos mais tradicionais políticos italianos, Pier Luigi Bersani, líder do Partido Democrático e da coligação mais votada para a Câmara e para o Senado.
Um fracasso que leva até um empresário muito amigo de Silvio Berlusconi, o inoxidável líder da direita, a pensar em apoiar Grillo como eventual primeiro-ministro, a partir do seguinte argumento: "Não creio que Grillo seja mais estúpido do que aqueles que tivemos até agora", disse ao "Corriere della Sera" Leonardo Del Vecchio, dono da Luxottica e residente em Monte Carlo, para fugir aos impostos italianos.
Outro empresário -Franco Moscetti, administrador-delegado da Amplifon, líder em aparelhos acústicos- também muda a gramática da análise política ao dizer que "Grillo e os seus estão antecipando o futuro. A eleição do presidente da República via internet virá certamente. Eles compreenderam o valor/poder das novas tecnologias e estão se projetando no futuro, enquanto os partidos tradicionais estão impregnados dos ritos e da liturgia do passado".
Se o empresariado, a fatia mais relevante das elites que Grillo repudia com uma veemência extraordinária, começa a usar a tal "nova gramática", há duas possibilidades: ou estão se preparando para cooptar Grillo ou para aceitar uma mudança na gramática política.
Se ocorrer a segunda hipótese, haverá consequências além-fronteiras. Como escreve Miguel Mora para "El País": "O grito que vem da Itália é o primeiro sintoma de uma dissidência de massa".
Um homem fiel - DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 03/03
Viver à beira do precipício é o maior combustível para uma paixão, e muitos confundem insegurança com sentimentos mais profundos
As mulheres são curiosas. Outro dia ouvi de uma amiga a seguinte pérola: "não é nem que eu esteja assim tão apaixonada, mas estou com XXX porque ele é incapaz de me trair".
A certeza com que ela disse isso -e a felicidade-, me levaram a pensar: será que essa é mesmo a maior qualidade que se pode querer de um homem? Que ele seja incapaz de nos trair? É um caso a pensar.
Naturalmente nenhuma mulher está querendo que o homem com quem pretende compartilhar a vida saia atrás da primeira mulher que passar pela frente; mas é preciso que o homem que se ama seja capaz de quase tudo, e nesse quase tudo está incluída a capacidade de achar graça em muitas mulheres; aliás, em quase todas. E é essa capacidade que põe a mulher louca -por ele.
Está-se falando de amor, claro, e qual a mulher que consegue amar sabendo que o homem que ama é incapaz de traí-la, que ela pode passar a vida fazendo qualquer coisa -ou nada- que vai ser amada da mesma maneira?
O que conserva o amor em altíssima temperatura é a incerteza, é a dúvida. Será que ele foi mesmo a um jantar de trabalho? Será que foi mesmo ao futebol? E quando o celular tocou e ele disse que não podia falar, que ligava depois, não seria uma mulher? Claro que era, ela vai pensar. E vai viver no fio da navalha, sem certeza alguma do que está se passando, razão mais do que suficiente para não conseguir dormir, para viver atenta, prestando atenção a tudo, sobretudo aos silêncios.
Viver à beira do precipício é o maior combustível para uma paixão, e muitos confundem insegurança com sentimentos mais profundos.
Uma mulher que não tem muita certeza da fidelidade do seu parceiro nunca será vista precisando pintar a raiz dos cabelos ou sem pelo menos um pouquinho de maquiagem. Ela sabe que vive sempre por um fio, e nada melhor para alguém se sentir viva do que saber que a qualquer momento pode ganhar -ou perder- a vida, o dinheiro, o homem amado.
Estabilidade? E alguém tem estabilidade em alguma coisa? Se alguém achar que tem, além de ser um ingênuo, vai perceber que é a morte em vida.
Que você seja a pessoa mais rica do mundo, mais bonita, mais poderosa, pode acontecer de um dia, em um minuto, perder tudo.
Se houver uma revolução, o mais rico de todos pode ficar pobre -e até ser preso; se a mais linda tiver a pouca sorte de passar num desses bueiros que no Rio às vezes explodem, corre o risco de ir para o hospital para cuidar de suas queimaduras, e dizem que dor maior não há; e o poder- bem, basta ler os jornais, qualquer um, de qualquer país, para ver que se trata de uma gangorra.
Faça um exercício de memória e lembre dos nossos governantes do passado, que saíram debaixo de escândalos, e onde eles estão agora, poderosíssimos de novo; nesse ramo, mais do que em qualquer outro, tudo acontece, inclusive o impossível.
É essa certeza de não poder saber nada sobre o futuro que pode, às vezes, trazer uma notícia maravilhosa -embora seja raro-, ou acabar com suas ilusões e até com seu mundo.
Complicado, mas esse talvez seja o sal da vida.
Viver à beira do precipício é o maior combustível para uma paixão, e muitos confundem insegurança com sentimentos mais profundos
As mulheres são curiosas. Outro dia ouvi de uma amiga a seguinte pérola: "não é nem que eu esteja assim tão apaixonada, mas estou com XXX porque ele é incapaz de me trair".
A certeza com que ela disse isso -e a felicidade-, me levaram a pensar: será que essa é mesmo a maior qualidade que se pode querer de um homem? Que ele seja incapaz de nos trair? É um caso a pensar.
Naturalmente nenhuma mulher está querendo que o homem com quem pretende compartilhar a vida saia atrás da primeira mulher que passar pela frente; mas é preciso que o homem que se ama seja capaz de quase tudo, e nesse quase tudo está incluída a capacidade de achar graça em muitas mulheres; aliás, em quase todas. E é essa capacidade que põe a mulher louca -por ele.
Está-se falando de amor, claro, e qual a mulher que consegue amar sabendo que o homem que ama é incapaz de traí-la, que ela pode passar a vida fazendo qualquer coisa -ou nada- que vai ser amada da mesma maneira?
O que conserva o amor em altíssima temperatura é a incerteza, é a dúvida. Será que ele foi mesmo a um jantar de trabalho? Será que foi mesmo ao futebol? E quando o celular tocou e ele disse que não podia falar, que ligava depois, não seria uma mulher? Claro que era, ela vai pensar. E vai viver no fio da navalha, sem certeza alguma do que está se passando, razão mais do que suficiente para não conseguir dormir, para viver atenta, prestando atenção a tudo, sobretudo aos silêncios.
Viver à beira do precipício é o maior combustível para uma paixão, e muitos confundem insegurança com sentimentos mais profundos.
Uma mulher que não tem muita certeza da fidelidade do seu parceiro nunca será vista precisando pintar a raiz dos cabelos ou sem pelo menos um pouquinho de maquiagem. Ela sabe que vive sempre por um fio, e nada melhor para alguém se sentir viva do que saber que a qualquer momento pode ganhar -ou perder- a vida, o dinheiro, o homem amado.
Estabilidade? E alguém tem estabilidade em alguma coisa? Se alguém achar que tem, além de ser um ingênuo, vai perceber que é a morte em vida.
Que você seja a pessoa mais rica do mundo, mais bonita, mais poderosa, pode acontecer de um dia, em um minuto, perder tudo.
Se houver uma revolução, o mais rico de todos pode ficar pobre -e até ser preso; se a mais linda tiver a pouca sorte de passar num desses bueiros que no Rio às vezes explodem, corre o risco de ir para o hospital para cuidar de suas queimaduras, e dizem que dor maior não há; e o poder- bem, basta ler os jornais, qualquer um, de qualquer país, para ver que se trata de uma gangorra.
Faça um exercício de memória e lembre dos nossos governantes do passado, que saíram debaixo de escândalos, e onde eles estão agora, poderosíssimos de novo; nesse ramo, mais do que em qualquer outro, tudo acontece, inclusive o impossível.
É essa certeza de não poder saber nada sobre o futuro que pode, às vezes, trazer uma notícia maravilhosa -embora seja raro-, ou acabar com suas ilusões e até com seu mundo.
Complicado, mas esse talvez seja o sal da vida.
Os pais da pátria - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 03/03
Estão lá, entre outros, Euclides da Cunha, Raymundo Faoro, Florestan Fernandes e Gilberto Freyre.
Segue...
O ex-presidente diz que a escolha dos nomes obedeceu a um critério muito pessoal:
—Não é um livro pretensioso. Não busca esgotar os mais importantes intelectuais que pensaram o país. Mas foram certamente os que mais me influenciaram.
Antropólogo da cidade
Em abril, completa um ano da morte do antropólogo Gilberto Velho.
A Zahar vai lançar “Um antropólogo na cidade”, com entrevista e capítulos de diversos livros selecionados por Hermano Vianna, Karina Kuschnir e Celso Castro.
A palavra é...
Dilma, diz um frequentador do Palácio, não suporta ouvir duas palavras: racionamento e inflação.
Zico no STF
Flamenguista, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, vai escrever um livro sobre o sessentão Zico.
No mais
A rejeição do Country ao ingresso de Guilhermina Guinle é um assunto que ninguém aguenta mais. No entanto, com o episódio, a cizânia tomou conta do clube.
Um expert diz que hoje seria mais fácil Danuza Leão, que chamou o clube de gagá, ser aceita como sócia do que certos conselheiros, caso eles, hipoteticamente, tentassem entrar no Country agora.
Mauá promovido
Durante quase toda a sua longa existência, a Associação Comercial do Rio, fundada em 1809, apresentava-se como a Casa do Barão de Mauá, porque o grande empresário chegou a presidir a entidade por um tempo.
Agora, a ACRJ decidiu em seus papéis chamar Mauá de visconde, e não de barão.
É que...
Mauá, que este ano faria 200 anos de nascido, tinha os dois títulos nobiliárquicos. Foram dados pelo imperador D. Pedro II.
Mas visconde é superior a barão. Ah, bom!
Samba do crioulo doido
Veja como é maluca a política de combustível brasileira. Ano passado, 57% da frota de carros brasileiros passaram a ser flex.
Em tese, isso abriria mais tanques para o etanol verde e amarelo. Mas não foi o que aconteceu. Em relação a 2009, a venda de etanol caiu 41%. Já a venda de gasolina, subsidiada, subiu 41% no período.
Zona Franca
O ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, publica suas decisões de 2012 no site: salomao.stj.jus.br/webstj/.
O advogado Luiz Edgard Montaury Pimenta representou o banco espanhol BBVA no Brasil. Jonas Lopes de Carvalho Neto é o presidente da Comissão de Direito dos Transportes da OAB/RJ. Abre quarta a mostra “Porto do Rio, história e futuro”, concepção e cenografia de Ana Borelli, Stand Porto Atlântico, da Odebrecht.
É hoje o Samba do Zé, na Mansão Niemeyer. É de Gisela Carboni a nova direção do Spoleto, do Shopping da Gávea.
Funcionários da Amil participam no Circuito das Estações, hoje.
O novo endereço eletrônico da Coluna do LAM, de Luiz Antonio Mello, é colunadolam.wordpress.com. O Fluminense fechou contrato com o jogador de polo aquático Felipe Perrone.
Trapiche Gamboa volta a ter samba às segundas.
Meninos do Rio
O ator francês Vincent Cassel e a mulher, a diva italiana Mônica Bellucci, que há dois meses trocaram a Europa pelo Rio, vão deixar o Arpoador.
Os dois alugaram a mansão do advogado Jorge Hilário Gouvêa Vieira, na Gávea.
Segue...
Não que o casal já tenha se cansado de morar de frente para o mar. Pelo contrário. Cassel se acostumou a surfar naquele canto da praia praticamente todos os dias.
O casal também gosta de caminhar por Ipanema e frequenta os mais badalados restaurantes da Rua Garcia d’Ávila.
Mas...
A escolha pela Gávea é por causa das filhas. Deva, de 9 anos, e Leonie, de 3, vão estudar na Escola Americana, ali pertinho.
Que sejam felizes!
Crime e castigo
O MP do Rio denunciou um psiquiatra, de 65 anos, sob a acusação de ter abusado sexualmente de uma paciente dentro de seu consultório na Zona Norte.
A vítima contou à polícia que o médico a hipnotizava antes de praticar os abusos.
Portas fechadas
Padres das paróquias da Zona Sul do Rio estão preocupados em encontrar casas para hospedar os jovens que virão em julho para a Jornada Mundial.
O bairro onde é mais difícil encontrar fiéis que abram suas casas é o Leblon, terra de bacanas.
POPULAÇAO DE RUA NO RIO CRESCEU 31,25% DESDE 2010
Há uma aparente contradição. O mercado de trabalho está aquecido na cidade do Rio e, ao mesmo tempo, parece não parar de crescer a população de rua. Copacabana (veja nas fotos), por exemplo, está tomada pela mendicância.
Mas para o vice-prefeito e secretário de Desenvolvimento Social, Adilson Pires, “a sensação de que há mais gente na rua existe porque essa população fica concentrada”. Ainda assim, Pires reconhece que “o vício em drogas, como o álcool e o crack, tira muita gente de casa”.
Pelas contas da prefeitura, há hoje 6.300 pessoas morando nas ruas da cidade (desse total, 65,6% têm família no Rio). Só que, em meados de 2010, a mesma prefeitura estimou esses miseráveis em 4.800 pessoas. Ou seja, neste caso, houve aumento de 31,25% em pouco mais de dois anos e meio.
O professor Dário Sousa e Silva Filho, da Uerj, que tem mergulhado no tema, explica que são muitos os fatores que levam as pessoas a essa situação, como o desemprego, o uso de drogas ou doenças psiquiátricas. E eles variam conforme a faixa etária.
— Muitos meninos e meninas estão nas ruas por causa da violência doméstica. Essa população, em geral, vive à margem dos programas de transferência de renda e de emprego.
Ele lembra que há nas ruas uma “rede de sobrevivência” que faz com que a pessoa viva melhor na mendicância do que, por exemplo, numa favela da periferia.
Em 2012, a prefeitura fez 22.321 abordagens a moradores de rua. E, em 145 delas, o sem-teto era... estrangeiro. Mas aí é outra história.
Na catedral da física - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 03/03
O bóson de Higgs é mais uma entidade onipresente do que uma sombra; está por toda parte, como o ar
Passei esta semana no Cern, o laboratório europeu de física de partículas onde, em julho do ano passado, foi descoberto o famoso bóson de Higgs, infelizmente também conhecido como "partícula de Deus".
Já havia estado lá antes, como pesquisador visitante, por três meses. Isso foi bem antes da grande descoberta do ano passado, mas, para nós, físicos, o Cern já era famoso. Foi lá, em 1983, que foram descobertos outros bósons muito importantes, com os nomes menos sugestivos de W+, W-, e Z0.
Esse trio de partículas confirmou a previsão feita por teóricos, ainda na década de 1960, de que as forças eletromagnéticas e fracas (estas responsáveis pelo decaimento radioativo) comportam-se da mesma forma a altas energias. Nesta outra realidade, as duas podem ser vistas como facetas distintas da mesma força unificada, a força "eletrofraca".
Na busca por explicações cada vez mais abrangentes dos fenômenos naturais, nada mais atrativo do que teorias que unificam entidades distintas dentro de uma mesma explicação.
A descoberta do bóson de Higgs marca o início de um novo capítulo da física de partículas. Os dados ainda não são suficientes para que se confirmem muitas das propriedades da partícula. É como se soubéssemos que a sombra que vimos projetada na parede é de um ser humano, mas ainda não sabemos se é homem ou mulher, jovem ou velho, a cor dos olhos etc. Para os detalhes, serão necessários mais dados, ou seja, mais colisões e estudos.
Como aceleradores de partículas podem ser vistos como uma espécie de supermicroscópio, quanto maior a energia da colisão (equivalente ao poder de magnificação), mais podemos decifrar das intricadas propriedades das partículas elementares de matéria.
Infelizmente, o acelerador foi fechado semana retrasada, e permanecerá assim por dois anos. O objetivo é atingir o dobro da energia atual quando reabrir em 2015. Com isso, poderemos entender melhor que sombra é essa que vimos.
O bóson de Higgs é mais uma entidade onipresente do que uma sombra; está por toda parte, como o ar que respiramos em nossa atmosfera. Aparentemente imaterial, tem substância e interage com todas as outras partículas de matéria, incluindo as que transmitem as forças entre elas, como os bósons acima mencionados. A exceção é o fóton, a partícula de luz, que parece ser imune ao charme do Higgs. Essa imunidade explica por que o fóton é única partícula sem massa. (Talvez exista outra, o gráviton, a suposta partícula responsável pela gravidade. Mas, por enquanto, o gráviton permanece uma especulação.)
Como um espírito arredio, o bóson de Higgs é muito difícil de encontrar. Quando surge, desaparece quase que imediatamente, em menos de um trilionésimo de segundo. Ao pensar que, para encontrá-lo, foi necessária a maior máquina já construída na história da humanidade, alojada dentro de estruturas gigantescas, fica difícil não pensar nas antigas catedrais, também imensas, também dedicadas à busca de entidades um tanto etéreas.
As diferenças são muitas, mas a analogia é tentadora. A busca da ciência não deixa de ser uma forma de peregrinação.
O bóson de Higgs é mais uma entidade onipresente do que uma sombra; está por toda parte, como o ar
Passei esta semana no Cern, o laboratório europeu de física de partículas onde, em julho do ano passado, foi descoberto o famoso bóson de Higgs, infelizmente também conhecido como "partícula de Deus".
Já havia estado lá antes, como pesquisador visitante, por três meses. Isso foi bem antes da grande descoberta do ano passado, mas, para nós, físicos, o Cern já era famoso. Foi lá, em 1983, que foram descobertos outros bósons muito importantes, com os nomes menos sugestivos de W+, W-, e Z0.
Esse trio de partículas confirmou a previsão feita por teóricos, ainda na década de 1960, de que as forças eletromagnéticas e fracas (estas responsáveis pelo decaimento radioativo) comportam-se da mesma forma a altas energias. Nesta outra realidade, as duas podem ser vistas como facetas distintas da mesma força unificada, a força "eletrofraca".
Na busca por explicações cada vez mais abrangentes dos fenômenos naturais, nada mais atrativo do que teorias que unificam entidades distintas dentro de uma mesma explicação.
A descoberta do bóson de Higgs marca o início de um novo capítulo da física de partículas. Os dados ainda não são suficientes para que se confirmem muitas das propriedades da partícula. É como se soubéssemos que a sombra que vimos projetada na parede é de um ser humano, mas ainda não sabemos se é homem ou mulher, jovem ou velho, a cor dos olhos etc. Para os detalhes, serão necessários mais dados, ou seja, mais colisões e estudos.
Como aceleradores de partículas podem ser vistos como uma espécie de supermicroscópio, quanto maior a energia da colisão (equivalente ao poder de magnificação), mais podemos decifrar das intricadas propriedades das partículas elementares de matéria.
Infelizmente, o acelerador foi fechado semana retrasada, e permanecerá assim por dois anos. O objetivo é atingir o dobro da energia atual quando reabrir em 2015. Com isso, poderemos entender melhor que sombra é essa que vimos.
O bóson de Higgs é mais uma entidade onipresente do que uma sombra; está por toda parte, como o ar que respiramos em nossa atmosfera. Aparentemente imaterial, tem substância e interage com todas as outras partículas de matéria, incluindo as que transmitem as forças entre elas, como os bósons acima mencionados. A exceção é o fóton, a partícula de luz, que parece ser imune ao charme do Higgs. Essa imunidade explica por que o fóton é única partícula sem massa. (Talvez exista outra, o gráviton, a suposta partícula responsável pela gravidade. Mas, por enquanto, o gráviton permanece uma especulação.)
Como um espírito arredio, o bóson de Higgs é muito difícil de encontrar. Quando surge, desaparece quase que imediatamente, em menos de um trilionésimo de segundo. Ao pensar que, para encontrá-lo, foi necessária a maior máquina já construída na história da humanidade, alojada dentro de estruturas gigantescas, fica difícil não pensar nas antigas catedrais, também imensas, também dedicadas à busca de entidades um tanto etéreas.
As diferenças são muitas, mas a analogia é tentadora. A busca da ciência não deixa de ser uma forma de peregrinação.
E o vencedor é... a CIA! - SÉRGIO AUGUSTO
O ESTADÃO - 03/03
Nat Silver, o mago da estatística que previu a reeleição de Barack Obama quando até este parecia descrer da vitória, acertou mais um palpite. Com equivalente antecedência, cantou a pedra que Argo levaria o Oscar de "melhor filme"; previsão arriscada, pois filme cujo diretor não concorre ao Oscar em sua categoria sempre perde a corrida (Conduzindo Miss Daisy, vencedor em 1989, foi uma exceção). Mais com base nessa lógica do que em qualquer outra variável, colunistas e blogueiros debocharam da avaliação de Silver e dobraram suas apostas em Lincoln.
A revelação de que o envelope com o resultado seria aberto por Michelle Obama, direto da Casa Branca, reforçou a desconfiança de que Spielberg levaria a melhor. Nenhum concorrente parecia mais afinado com a atual administração do que a batalha de Lincoln pela emenda constitucional que libertou os negros da América e prenunciou a chegada de Obama ao poder.
Django Livre? Também trata de escravos, mas não tem a "respeitabilidade", a ponderosa postura histórica de Lincoln, é quase um gibi operístico, um pasticho de faroeste espaguete (dupla homenagem ao Django de Sergio Corbucci e aos longueurs de Sergio Leone), uma espalhafatosa quimera antirracista entulhada de referências cinematográficas (e uma piscadela de olho para o Ésquilo de Prometeu Acorrentado), um desabrido exercício em "whitenegroism" (a negritude radical de brancos como Norman Mailer - e, agora, Quentin Tarantino), se não politicamente incorreto, ideologicamente transviado. Ou seja, um pouco muito para ser crismado pela primeira-dama dos Estados Unidos, mesmo sendo ela Michelle Obama, diante de 1 bilhão de telespectadores.
"E se na cartela do envelope aberto por Michelle estivesse escrito Zero Dark Thirty (A Hora mais Escura)?", especulou o veterano colunista político Robert Scheer, na revista The Nation. Não seria um resultado absurdo: a caçada final a Osama bin Laden foi uma façanha timbrada por Obama e por ele assistida de camarote. Mas pegaria mal, avaliou Scheer. Poderia soar como um endosso oficial à tortura como método válido de interrogatório no combate ao terrorismo.
Àquela altura, o docuthriller de Kathryn Bigelow já perdera força na competição, difamado até por senadores democratas e aliados do presidente como um filme indigno de confiança, não tanto por fazer a apologia da tortura, como muitos insistem, mas por induzir o público a acreditar que a CIA só conseguiu chegar a Bin Laden após supliciar um punhado de jihadistas ligados à Al-Qaeda. O filme se apresenta como fiel aos fatos, mas à menor cobrança de fidelidade Bigelow e os demais envolvidos na produção se desfazem, pressurosos, do rótulo de documentário e invocam o inalienável direito de todo cineasta à liberdade de expressão e à ambiguidade.
Se documentário fosse, a personagem de Jessica Chastain, Maya, não existiria. Apesar de agentes femininos terem participado da perseguição a Bin Laden, quem durante uma década encasquetou com a suspeita de que o líder da Al-Qaeda vivia malocado em Abbottabad foi um marmanjo da agência chamado John. Suspeita-se que Maya entrou na história para satisfazer a agenda feminista de Ms. Bigelow.
Tortura houve, ao menos no início da operação, conforme revelou o ex-diretor da CIA Leon Panetta, mas nem sempre deu certo. O suposto cérebro do 11 de Setembro, Khalid Sheikh Mohammed, foi submetido a 183 sessões de afogamento simulado ("waterboarding") e não apenas escondeu a verdade como enganou seus torturadores e os desviou do caminho certo.
Depois de dois anos de bajulação eurocêntrica (O Discurso do Rei, O Artista), a Academia de Hollywood voltou a valorizar as raízes e os grandes temas da civilização e da cultura americanas: violência, racismo, sexismo, fé, esperança, superação, vingança, jingoísmo. Sem, contudo, renegar o velho maquiavelismo europeu. A condescendência à tortura é uma aceitação de que os fins justificam os meios. Pobre Maquiavel, nunca explicitou tal coisa (quem decretou, com todas as letras, que "quando o fim é bom, também são os meios" foi o teólogo jesuíta Hermann Busenbaum), mas acabou levando a fama.
No afã de aprovar a 13ª Emenda, a Lei Áurea americana, Lincoln apelou para todos os meios nos limites do lícito com o ilícito: trapaceou, comprou votos com empregos, enganou meio mundo. Em suma, o impoluto patrono da democracia americana contribuiu um bocado para aumentar a descrença do povo na classe política. Ok, a abolição não podia esperar. Há quem duvide dessa inadiabilidade, mas o fato é que as trampas deram certo, e o pragmatismo americano faturou mais uma.
Ao contrário de Lincoln, Django não luta contra a escravidão, mas contra aqueles que lhe roubaram a mulher, sua ação é puramente vingativa, um ajuste de contas pessoal, catártico para ele e a plateia, como mil vezes se viu em westerns de feitura mais prosaica. A vingança também é a obsessão maior da heroína de A Hora mais Escura. Seu ajuste de contas é com o 11 de Setembro. A morte de Bin Laden virou bônus.
A vitória de Argo caiu do céu. Previamente chancelado por vários prêmios, inclusive o Golden Globe, nenhum dos concorrentes preenchia tantos quesitos positivos. Não me refiro a virtudes cinematográficas (o filme é um thriller convencional, tecnicamente bem realizado, que só fica enfadonho no final, com aquele fabricado suspense no aeroporto), mas ao seu empenho em exaltar a eficiência dos órgãos de segurança dos Estados Unidos, a imaginação e coragem de seus agentes. Faz um curioso pendant patriótico com A Hora mais Escura, sem as arestas deste. Sua premiação, a rigor, só incomodou o governo iraniano.
As autoridades de Teerã o acusaram de fazer propaganda política e distorcer a história. Procede a queixa. A breve (e útil) lição de história que abre o filme, contextualizando a crise que culminou com a invasão da embaixada americana em 1979, não se complementa com uma narrativa à altura da complexidade da situação. Acompanhamos a crise exclusivamente da perspectiva americana, o que não seria de todo reprovável se os iranianos ("dublados" por turcos) não fossem retratados de forma tão maniqueísta, como uma horda de gente feia, pobre, ruidosa, fanaticamente religiosa e ignorante.
Como os seis diplomatas resgatados pelo agente Tony Mendez na verdade passaram na flauta pela vigilância do aeroporto de Teerã, todo aquele frisson no final foi inventado para criar suspense (de resto inútil para quem sabe como se deu o desfecho) e pôr em cena mais iranianos de má catadura, truculentos e falsamente ladinos. A coda mostrando o heroico Mendez no recesso do lar, como marido e pai exemplar, é outro clichê com endereço certo, uma concessão ao que os americanos chamam de "family values".
Em meio às ameaças de retaliação que se seguiram à festa do Oscar (o cineasta Ataollah Salmanian acenou com uma réplica cujo roteiro já estaria pronto e o roteirista Farhad Tohidi anunciou uma série de TV prestes a ir ao ar), um episódio pitoresco: antes de retransmitir a imagem de Michelle Obama premiando Argo, a TV oficial iraniana fez um photoshop no decote da primeira-dama, cobrindo-lhe braços, ombros e parte do colo, como exige a pudicícia islâmica fundamentalista. Ao menos respeitaram a padronagem do vestido original.
A consagração de Argo e o sucesso de A Hora mais Escura, na esteira de premiações recém-conquistadas pela telessérie Homeland, reafirmam o novo e surpreendente status que a CIA passou a desfrutar depois de anos e anos de vilania, de justa identificação com as mais execráveis práticas de espionagem. Essa inversão de papéis foi um legado da derrubada das torres gêmeas. As telesséries 24 Horas e Alias: Codinome Perigo não surgiram no final de 2001 por obra do acaso.
Todos os citados têm algo em comum além da restauração da imagem da CIA e da normalização da violência como modus operandi; para não falar da tortura, impunemente praticada a três por dois em 24 Horas. Maya, a obstinada agente de A Hora mais Escura, por exemplo, já no trailer lembra Carrie Mathison, a psicótica agente encarnada por Claire Danes em Homeland.
As duas imagens da CIA se espelham, complementam e confrontam em Argo: a CIA golpista que derrubou o último líder secular do Irã (Mossadegh) para devolver o poder à despótica monarquia do xá Reza Pahlevi, abrindo caminho para a insana teocracia dos aiatolás, que até hoje perdura, e uma CIA socorrista, mais próxima da Swat e daquela trupe de falsos atores poloneses tentando escapar dos nazistas na comédia de Lubitsch Ser ou não Ser, depois refilmada por Mel Brooks. A última imagem é a que fica.
Há 17 anos que Hollywood mantém estreito contato com a CIA, que aos produtores presta consultoria técnica e exerce um controle nada negligenciável sobre o conteúdo e a composição dos personagens de determinados filmes para o cinema e a televisão. Exemplos mais ou menos recentes: JAG - Asas Invencíveis, Inimigo do Estado, A Soma de Todos os Medos. Ex-agentes alugaram seu know how a Syriana, Quebra de Sigilo, O Suspeito, Red - Aposentados e Perigosos.
Desconheço quanto a CIA interferiu - se é que interferiu - no roteiro de Argo, mas como Ben Affleck é casado com a atriz Jennifer Garner, a agente Sydney Bristow de Alias e assumida garota propaganda da agência, a colaboração talvez tenha sido espontânea.
Nat Silver, o mago da estatística que previu a reeleição de Barack Obama quando até este parecia descrer da vitória, acertou mais um palpite. Com equivalente antecedência, cantou a pedra que Argo levaria o Oscar de "melhor filme"; previsão arriscada, pois filme cujo diretor não concorre ao Oscar em sua categoria sempre perde a corrida (Conduzindo Miss Daisy, vencedor em 1989, foi uma exceção). Mais com base nessa lógica do que em qualquer outra variável, colunistas e blogueiros debocharam da avaliação de Silver e dobraram suas apostas em Lincoln.
A revelação de que o envelope com o resultado seria aberto por Michelle Obama, direto da Casa Branca, reforçou a desconfiança de que Spielberg levaria a melhor. Nenhum concorrente parecia mais afinado com a atual administração do que a batalha de Lincoln pela emenda constitucional que libertou os negros da América e prenunciou a chegada de Obama ao poder.
Django Livre? Também trata de escravos, mas não tem a "respeitabilidade", a ponderosa postura histórica de Lincoln, é quase um gibi operístico, um pasticho de faroeste espaguete (dupla homenagem ao Django de Sergio Corbucci e aos longueurs de Sergio Leone), uma espalhafatosa quimera antirracista entulhada de referências cinematográficas (e uma piscadela de olho para o Ésquilo de Prometeu Acorrentado), um desabrido exercício em "whitenegroism" (a negritude radical de brancos como Norman Mailer - e, agora, Quentin Tarantino), se não politicamente incorreto, ideologicamente transviado. Ou seja, um pouco muito para ser crismado pela primeira-dama dos Estados Unidos, mesmo sendo ela Michelle Obama, diante de 1 bilhão de telespectadores.
"E se na cartela do envelope aberto por Michelle estivesse escrito Zero Dark Thirty (A Hora mais Escura)?", especulou o veterano colunista político Robert Scheer, na revista The Nation. Não seria um resultado absurdo: a caçada final a Osama bin Laden foi uma façanha timbrada por Obama e por ele assistida de camarote. Mas pegaria mal, avaliou Scheer. Poderia soar como um endosso oficial à tortura como método válido de interrogatório no combate ao terrorismo.
Àquela altura, o docuthriller de Kathryn Bigelow já perdera força na competição, difamado até por senadores democratas e aliados do presidente como um filme indigno de confiança, não tanto por fazer a apologia da tortura, como muitos insistem, mas por induzir o público a acreditar que a CIA só conseguiu chegar a Bin Laden após supliciar um punhado de jihadistas ligados à Al-Qaeda. O filme se apresenta como fiel aos fatos, mas à menor cobrança de fidelidade Bigelow e os demais envolvidos na produção se desfazem, pressurosos, do rótulo de documentário e invocam o inalienável direito de todo cineasta à liberdade de expressão e à ambiguidade.
Se documentário fosse, a personagem de Jessica Chastain, Maya, não existiria. Apesar de agentes femininos terem participado da perseguição a Bin Laden, quem durante uma década encasquetou com a suspeita de que o líder da Al-Qaeda vivia malocado em Abbottabad foi um marmanjo da agência chamado John. Suspeita-se que Maya entrou na história para satisfazer a agenda feminista de Ms. Bigelow.
Tortura houve, ao menos no início da operação, conforme revelou o ex-diretor da CIA Leon Panetta, mas nem sempre deu certo. O suposto cérebro do 11 de Setembro, Khalid Sheikh Mohammed, foi submetido a 183 sessões de afogamento simulado ("waterboarding") e não apenas escondeu a verdade como enganou seus torturadores e os desviou do caminho certo.
Depois de dois anos de bajulação eurocêntrica (O Discurso do Rei, O Artista), a Academia de Hollywood voltou a valorizar as raízes e os grandes temas da civilização e da cultura americanas: violência, racismo, sexismo, fé, esperança, superação, vingança, jingoísmo. Sem, contudo, renegar o velho maquiavelismo europeu. A condescendência à tortura é uma aceitação de que os fins justificam os meios. Pobre Maquiavel, nunca explicitou tal coisa (quem decretou, com todas as letras, que "quando o fim é bom, também são os meios" foi o teólogo jesuíta Hermann Busenbaum), mas acabou levando a fama.
No afã de aprovar a 13ª Emenda, a Lei Áurea americana, Lincoln apelou para todos os meios nos limites do lícito com o ilícito: trapaceou, comprou votos com empregos, enganou meio mundo. Em suma, o impoluto patrono da democracia americana contribuiu um bocado para aumentar a descrença do povo na classe política. Ok, a abolição não podia esperar. Há quem duvide dessa inadiabilidade, mas o fato é que as trampas deram certo, e o pragmatismo americano faturou mais uma.
Ao contrário de Lincoln, Django não luta contra a escravidão, mas contra aqueles que lhe roubaram a mulher, sua ação é puramente vingativa, um ajuste de contas pessoal, catártico para ele e a plateia, como mil vezes se viu em westerns de feitura mais prosaica. A vingança também é a obsessão maior da heroína de A Hora mais Escura. Seu ajuste de contas é com o 11 de Setembro. A morte de Bin Laden virou bônus.
A vitória de Argo caiu do céu. Previamente chancelado por vários prêmios, inclusive o Golden Globe, nenhum dos concorrentes preenchia tantos quesitos positivos. Não me refiro a virtudes cinematográficas (o filme é um thriller convencional, tecnicamente bem realizado, que só fica enfadonho no final, com aquele fabricado suspense no aeroporto), mas ao seu empenho em exaltar a eficiência dos órgãos de segurança dos Estados Unidos, a imaginação e coragem de seus agentes. Faz um curioso pendant patriótico com A Hora mais Escura, sem as arestas deste. Sua premiação, a rigor, só incomodou o governo iraniano.
As autoridades de Teerã o acusaram de fazer propaganda política e distorcer a história. Procede a queixa. A breve (e útil) lição de história que abre o filme, contextualizando a crise que culminou com a invasão da embaixada americana em 1979, não se complementa com uma narrativa à altura da complexidade da situação. Acompanhamos a crise exclusivamente da perspectiva americana, o que não seria de todo reprovável se os iranianos ("dublados" por turcos) não fossem retratados de forma tão maniqueísta, como uma horda de gente feia, pobre, ruidosa, fanaticamente religiosa e ignorante.
Como os seis diplomatas resgatados pelo agente Tony Mendez na verdade passaram na flauta pela vigilância do aeroporto de Teerã, todo aquele frisson no final foi inventado para criar suspense (de resto inútil para quem sabe como se deu o desfecho) e pôr em cena mais iranianos de má catadura, truculentos e falsamente ladinos. A coda mostrando o heroico Mendez no recesso do lar, como marido e pai exemplar, é outro clichê com endereço certo, uma concessão ao que os americanos chamam de "family values".
Em meio às ameaças de retaliação que se seguiram à festa do Oscar (o cineasta Ataollah Salmanian acenou com uma réplica cujo roteiro já estaria pronto e o roteirista Farhad Tohidi anunciou uma série de TV prestes a ir ao ar), um episódio pitoresco: antes de retransmitir a imagem de Michelle Obama premiando Argo, a TV oficial iraniana fez um photoshop no decote da primeira-dama, cobrindo-lhe braços, ombros e parte do colo, como exige a pudicícia islâmica fundamentalista. Ao menos respeitaram a padronagem do vestido original.
A consagração de Argo e o sucesso de A Hora mais Escura, na esteira de premiações recém-conquistadas pela telessérie Homeland, reafirmam o novo e surpreendente status que a CIA passou a desfrutar depois de anos e anos de vilania, de justa identificação com as mais execráveis práticas de espionagem. Essa inversão de papéis foi um legado da derrubada das torres gêmeas. As telesséries 24 Horas e Alias: Codinome Perigo não surgiram no final de 2001 por obra do acaso.
Todos os citados têm algo em comum além da restauração da imagem da CIA e da normalização da violência como modus operandi; para não falar da tortura, impunemente praticada a três por dois em 24 Horas. Maya, a obstinada agente de A Hora mais Escura, por exemplo, já no trailer lembra Carrie Mathison, a psicótica agente encarnada por Claire Danes em Homeland.
As duas imagens da CIA se espelham, complementam e confrontam em Argo: a CIA golpista que derrubou o último líder secular do Irã (Mossadegh) para devolver o poder à despótica monarquia do xá Reza Pahlevi, abrindo caminho para a insana teocracia dos aiatolás, que até hoje perdura, e uma CIA socorrista, mais próxima da Swat e daquela trupe de falsos atores poloneses tentando escapar dos nazistas na comédia de Lubitsch Ser ou não Ser, depois refilmada por Mel Brooks. A última imagem é a que fica.
Há 17 anos que Hollywood mantém estreito contato com a CIA, que aos produtores presta consultoria técnica e exerce um controle nada negligenciável sobre o conteúdo e a composição dos personagens de determinados filmes para o cinema e a televisão. Exemplos mais ou menos recentes: JAG - Asas Invencíveis, Inimigo do Estado, A Soma de Todos os Medos. Ex-agentes alugaram seu know how a Syriana, Quebra de Sigilo, O Suspeito, Red - Aposentados e Perigosos.
Desconheço quanto a CIA interferiu - se é que interferiu - no roteiro de Argo, mas como Ben Affleck é casado com a atriz Jennifer Garner, a agente Sydney Bristow de Alias e assumida garota propaganda da agência, a colaboração talvez tenha sido espontânea.
Mentiras petistas e tucanas - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 03/03
Pibinhos e Pibões não dizem tudo sobre um governo; debate está partidarizado além da conta
ESTÁ DIFÍCIL de achar um canto onde a conversa sobre Pibinhos e Pibões não esteja adulterada por mentiras cruas, pílulas douradas e outras malversações da inteligência e da dignidade.
O descaramento das turumbambas entre tucanos e petistas contribui muito para a degradação da conversa, como se sabe.
Mas por que damos de barato que a política politiqueira grossa domine todo o debate político entre os partidos que muito mal e mal ainda merecem tal nome? Pior que isso, a grossura domina muito do debate entre simpatizantes mais instruídos e menos envolvidos na refrega eleitoral.
Democracias costumam suscitar comportamentos demagógicos e populistas. Mas exageramos até no debate que deveria ter mais substância e clareza. Nem explicitamos interesses de classe (ou algo assim) ou a lógica econômica dos argumentos.
Exemplo. Muita gente sensata diz que consumimos demais, investimos menos, com o que crescemos pouco. Isto quer dizer, desculpem, que devemos consumir menos e investir mais (mesmo que isso apenas não resolva nossos problemas).
Como? Por exemplo, limitando gastos correntes do governo (afora investimento) e salários, uma intersecção que de imediato sugere restrição ao aumento do salário mínimo e de benefícios sociais, por algum tempo.
Certo ou errado, é o que está na cabeça da maioria dos economistas públicos mais relevantes e é mesmo dito de modo disfarçado pela maioria dessa maioria.
Dilma Rousseff chutaria o eleitorado se fizesse tal coisa. Mesmo que achasse correto fazê-lo, o tempo político é curto. A próxima eleição está sempre ali na esquina. Os danos seriam imediatos; eventuais benefícios viriam no governo seguinte.
Mas o que governo, sindicatos ou movimentos sociais propõem para lidar com inflação (excesso de consumo), custos produtivos, poupança ínfima, investimento baixo? Aliás, calam-se também todos os muitos empresários beneficiados por subsídios e proteções do governo.
Mais exemplo. Governos podem ser avaliados apenas por Pibinhos e Pibões? Não. Petistas e tucanos mentem sobre o passado e o presente. Quando a economia se arrastava sob Lula 1, tucanos faziam troça da inépcia petista. Quando crescemos a mais de 4%, passaram a dizer que o sucesso se devia à herança de FHC.
Petistas chutam a "herança maldita" de FHC. Qual? Menos inflação, fim da esbórnia fiscal dos Estados, controle da baita crise bancária, empresas algo mais eficientes? Pode-se maldizer heranças fernandinas, claro, mas gente civilizada do governo petista não cospe nesse prato (mas não o dizem de público).
Sim, governos podem causar danos imediatos. Mas muitas de suas melhores ações farão efeito mais tarde (como iniciativas de Dilma, como a maioria das decisões de FHC). Surtos de crescimento ou crise muita vez dependem de ações passadas, de efeitos externos ou de incógnitas. De resto, decisões de política econômica são, bidu, políticas; o debate não se resolve num seminário acadêmico. Mas fomos longe demais no partidarismo.
Pibinhos e Pibões não dizem tudo sobre um governo; debate está partidarizado além da conta
ESTÁ DIFÍCIL de achar um canto onde a conversa sobre Pibinhos e Pibões não esteja adulterada por mentiras cruas, pílulas douradas e outras malversações da inteligência e da dignidade.
O descaramento das turumbambas entre tucanos e petistas contribui muito para a degradação da conversa, como se sabe.
Mas por que damos de barato que a política politiqueira grossa domine todo o debate político entre os partidos que muito mal e mal ainda merecem tal nome? Pior que isso, a grossura domina muito do debate entre simpatizantes mais instruídos e menos envolvidos na refrega eleitoral.
Democracias costumam suscitar comportamentos demagógicos e populistas. Mas exageramos até no debate que deveria ter mais substância e clareza. Nem explicitamos interesses de classe (ou algo assim) ou a lógica econômica dos argumentos.
Exemplo. Muita gente sensata diz que consumimos demais, investimos menos, com o que crescemos pouco. Isto quer dizer, desculpem, que devemos consumir menos e investir mais (mesmo que isso apenas não resolva nossos problemas).
Como? Por exemplo, limitando gastos correntes do governo (afora investimento) e salários, uma intersecção que de imediato sugere restrição ao aumento do salário mínimo e de benefícios sociais, por algum tempo.
Certo ou errado, é o que está na cabeça da maioria dos economistas públicos mais relevantes e é mesmo dito de modo disfarçado pela maioria dessa maioria.
Dilma Rousseff chutaria o eleitorado se fizesse tal coisa. Mesmo que achasse correto fazê-lo, o tempo político é curto. A próxima eleição está sempre ali na esquina. Os danos seriam imediatos; eventuais benefícios viriam no governo seguinte.
Mas o que governo, sindicatos ou movimentos sociais propõem para lidar com inflação (excesso de consumo), custos produtivos, poupança ínfima, investimento baixo? Aliás, calam-se também todos os muitos empresários beneficiados por subsídios e proteções do governo.
Mais exemplo. Governos podem ser avaliados apenas por Pibinhos e Pibões? Não. Petistas e tucanos mentem sobre o passado e o presente. Quando a economia se arrastava sob Lula 1, tucanos faziam troça da inépcia petista. Quando crescemos a mais de 4%, passaram a dizer que o sucesso se devia à herança de FHC.
Petistas chutam a "herança maldita" de FHC. Qual? Menos inflação, fim da esbórnia fiscal dos Estados, controle da baita crise bancária, empresas algo mais eficientes? Pode-se maldizer heranças fernandinas, claro, mas gente civilizada do governo petista não cospe nesse prato (mas não o dizem de público).
Sim, governos podem causar danos imediatos. Mas muitas de suas melhores ações farão efeito mais tarde (como iniciativas de Dilma, como a maioria das decisões de FHC). Surtos de crescimento ou crise muita vez dependem de ações passadas, de efeitos externos ou de incógnitas. De resto, decisões de política econômica são, bidu, políticas; o debate não se resolve num seminário acadêmico. Mas fomos longe demais no partidarismo.
Riscos de uma guerra antecipada - GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 03/03
O dicionário da política brasileira é farto em hipóteses. Uma delas diz respeito à periodicidade das eleições: quanto maior a frequência de pleitos, maior a conscientização do eleitor. Quer dizer, se todo ano houvesse eleição, o brasileiro seria o mais habilitado do mundo a votar de maneira cívica. Essa é uma das razões que a esfera política destaca para não votar o projeto que contempla a unificação das eleições no País. A alternância de pleitos municipais com pleitos estaduais e federais daria lugar a uma eleição geral a cada quatro anos.
A melhoria dos padrões políticos, frise-se, não deriva do uso intensivo do sufrágio eleitoral, mas de educação para o exercício da cidadania e, claro, de reformas que aperfeiçoem a vida partidária, o sistema de voto e a própria modelagem de caríssimas campanhas. Basta ver que, a par de custos diretos, para sustentar o aparato eleitoral há um custo indireto, que abarca o uso (e abuso) de máquinas administrativas, agenda dos servidores, desvios de programas, ou seja, o custo Brasil de uma cultura de desleixo, acomodação e indisciplina.
Sob o desenho acima, podem-se apontar os malefícios causados pela antecipação do processo eleitoral. Vamos ao caso: ao lançar a presidente Dilma Rousseff à reeleição, no evento de comemoração dos dez anos do PT no poder, Luiz Inácio disparou o primeiro tiro da guerra de 2014. Eventuais candidatos, como Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), começam a formar seus arsenais, fazendo articulação e atiçando o discurso. O ex-presidente, que respira política pelos poros, deve ter sólidos argumentos para subir logo ao palanque, dentre eles a sinalização de que rejeita pressão de grupos petistas com o apelo de "volta, Lula". Ademais, Campos só continuaria a parceria com o PT caso Lula fosse o candidato. O fato é que, da parte do PT e do PSDB, os pré-candidatos aprontam as baterias para a longa batalha, enxergando-se, de um lado, o comandante petista iniciando um périplo pelo País, e o tucano-mor, Fernando Henrique, abrindo o verbo em Belo Horizonte, onde sugeriu que o tucano Aécio incorpore em sua proposta "novo choque de capitalismo".
Uma campanha tradicional costuma seguir um roteiro de seis fases: pré-lançamento do candidato no ano eleitoral (dois, três meses antes da convenção), lançamento (durante a convenção, maio/junho), crescimento (dois meses seguintes, julho/agosto), consolidação (setembro), clímax (coincidindo com a semana da eleição), declínio (momento de angústia que periga ocorrer antes do pleito). Se os atores começam a zoeira antes dos prazos normais, desmantelando o calendário, os ciclos deslocam-se, gerando atropelos, esticando a luta e estourando os cofres partidários. Imagine-se um time de candidatos começando o tiroteio com muita antecedência. Tudo será levado de roldão pela pororoca eleitoral. As agendas serão organizadas com o olho nas urnas; a articulação será balizada pela meta de ampliar parcerias e tempos de programas eleitorais, sob uma teia de pressões e contrapressões, agressividade discursiva, plantações de notas no jardim midiático, fabricação de dossiês, emboscadas a torto e a direito. O meio ambiente tornar-se-á mais tenso, enquanto as pautas congressuais se encherão de polêmica, com acentuada perda da racionalidade política.
Os exércitos acionarão suas artilharias de defesa e de combate, despejando números e estatísticas, ouvindo-se, de um lado, loas a programas e projetos e, de outro, a desconstrução destes. Em meio à profusão verborrágica a dispersão se instala, esgarçando o escopo de prioridades, entortando a régua de um bom senso que, em tempos de normalidade, costuma pautar estratégias e planos. Parcela ponderável das energias da Nação se perde no torvelinho eleitoreiro. Lembre-se que a contenda desce da esfera federal para os territórios estaduais e municipais. O grande debate, do qual se poderiam extrair soluções para tapar buracos nas frentes da economia e da infraestrutura e nas redes sociais, acaba sendo inócuo. FHC propõe, por exemplo, que Aécio adote o dito "novo choque de capitalismo", contrapondo-se ao "desenvolvimentismo sob impulso estatal" do PT. Sugere que o tucanato dê prioridade à nova economia e à criação de empregos qualificados para as "classes emergentes". Na mesma linha, Marina Silva, que organiza a Rede Sustentabilidade, defende a mudança do modelo de desenvolvimento, enfatizando que nem a presidente Dilma nem o PSDB "entendem a nova agenda que se coloca para o mundo".
Eis aí matéria-prima para um saudável embate, a começar pela indagação: o que seria essa nova economia? Não teria sido essa a proposta de Mário Covas quando, em junho de 1989, propôs um "choque de capitalismo"? Naquela época, o conceito implicava capitalismo com responsabilidade fiscal e social, cortes de subsídios e incentivos, mais eficiência e transparência, escudos para abrigar as áreas de saúde e educação e regulação das atividades econômicas com vista à proteção dos consumidores, da vida urbana e do meio ambiente. O PT alega ser exatamente esse o ideário que implanta no País. O "novo" de FHC não quer significar ajustes nos programas de concessão/privatização, consolidação das agências reguladoras, controles mais apurados das metas de responsabilidade fiscal, inflação e câmbio? O presidente da economia do Plano Real não se refere ao aprofundamento de medidas microeconômicas, particularmente no campo das reformas previdenciária, tributária, trabalhista, mercado de capitais, sistema educacional, etc.? Se a pauta for essa, o que se defende, na verdade, são propostas de consolidação/aprofundamento, qualificação de serviços, flexibilização, etc. O tal "novo choque de capitalismo" seria apenas um adereço no tabuleiro do marketing.
É pena que um debate de horizontes tão promissores esteja condenado a fenecer diante da Torre de Babel que já se ergue na arena de 2014.
O dicionário da política brasileira é farto em hipóteses. Uma delas diz respeito à periodicidade das eleições: quanto maior a frequência de pleitos, maior a conscientização do eleitor. Quer dizer, se todo ano houvesse eleição, o brasileiro seria o mais habilitado do mundo a votar de maneira cívica. Essa é uma das razões que a esfera política destaca para não votar o projeto que contempla a unificação das eleições no País. A alternância de pleitos municipais com pleitos estaduais e federais daria lugar a uma eleição geral a cada quatro anos.
A melhoria dos padrões políticos, frise-se, não deriva do uso intensivo do sufrágio eleitoral, mas de educação para o exercício da cidadania e, claro, de reformas que aperfeiçoem a vida partidária, o sistema de voto e a própria modelagem de caríssimas campanhas. Basta ver que, a par de custos diretos, para sustentar o aparato eleitoral há um custo indireto, que abarca o uso (e abuso) de máquinas administrativas, agenda dos servidores, desvios de programas, ou seja, o custo Brasil de uma cultura de desleixo, acomodação e indisciplina.
Sob o desenho acima, podem-se apontar os malefícios causados pela antecipação do processo eleitoral. Vamos ao caso: ao lançar a presidente Dilma Rousseff à reeleição, no evento de comemoração dos dez anos do PT no poder, Luiz Inácio disparou o primeiro tiro da guerra de 2014. Eventuais candidatos, como Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), começam a formar seus arsenais, fazendo articulação e atiçando o discurso. O ex-presidente, que respira política pelos poros, deve ter sólidos argumentos para subir logo ao palanque, dentre eles a sinalização de que rejeita pressão de grupos petistas com o apelo de "volta, Lula". Ademais, Campos só continuaria a parceria com o PT caso Lula fosse o candidato. O fato é que, da parte do PT e do PSDB, os pré-candidatos aprontam as baterias para a longa batalha, enxergando-se, de um lado, o comandante petista iniciando um périplo pelo País, e o tucano-mor, Fernando Henrique, abrindo o verbo em Belo Horizonte, onde sugeriu que o tucano Aécio incorpore em sua proposta "novo choque de capitalismo".
Uma campanha tradicional costuma seguir um roteiro de seis fases: pré-lançamento do candidato no ano eleitoral (dois, três meses antes da convenção), lançamento (durante a convenção, maio/junho), crescimento (dois meses seguintes, julho/agosto), consolidação (setembro), clímax (coincidindo com a semana da eleição), declínio (momento de angústia que periga ocorrer antes do pleito). Se os atores começam a zoeira antes dos prazos normais, desmantelando o calendário, os ciclos deslocam-se, gerando atropelos, esticando a luta e estourando os cofres partidários. Imagine-se um time de candidatos começando o tiroteio com muita antecedência. Tudo será levado de roldão pela pororoca eleitoral. As agendas serão organizadas com o olho nas urnas; a articulação será balizada pela meta de ampliar parcerias e tempos de programas eleitorais, sob uma teia de pressões e contrapressões, agressividade discursiva, plantações de notas no jardim midiático, fabricação de dossiês, emboscadas a torto e a direito. O meio ambiente tornar-se-á mais tenso, enquanto as pautas congressuais se encherão de polêmica, com acentuada perda da racionalidade política.
Os exércitos acionarão suas artilharias de defesa e de combate, despejando números e estatísticas, ouvindo-se, de um lado, loas a programas e projetos e, de outro, a desconstrução destes. Em meio à profusão verborrágica a dispersão se instala, esgarçando o escopo de prioridades, entortando a régua de um bom senso que, em tempos de normalidade, costuma pautar estratégias e planos. Parcela ponderável das energias da Nação se perde no torvelinho eleitoreiro. Lembre-se que a contenda desce da esfera federal para os territórios estaduais e municipais. O grande debate, do qual se poderiam extrair soluções para tapar buracos nas frentes da economia e da infraestrutura e nas redes sociais, acaba sendo inócuo. FHC propõe, por exemplo, que Aécio adote o dito "novo choque de capitalismo", contrapondo-se ao "desenvolvimentismo sob impulso estatal" do PT. Sugere que o tucanato dê prioridade à nova economia e à criação de empregos qualificados para as "classes emergentes". Na mesma linha, Marina Silva, que organiza a Rede Sustentabilidade, defende a mudança do modelo de desenvolvimento, enfatizando que nem a presidente Dilma nem o PSDB "entendem a nova agenda que se coloca para o mundo".
Eis aí matéria-prima para um saudável embate, a começar pela indagação: o que seria essa nova economia? Não teria sido essa a proposta de Mário Covas quando, em junho de 1989, propôs um "choque de capitalismo"? Naquela época, o conceito implicava capitalismo com responsabilidade fiscal e social, cortes de subsídios e incentivos, mais eficiência e transparência, escudos para abrigar as áreas de saúde e educação e regulação das atividades econômicas com vista à proteção dos consumidores, da vida urbana e do meio ambiente. O PT alega ser exatamente esse o ideário que implanta no País. O "novo" de FHC não quer significar ajustes nos programas de concessão/privatização, consolidação das agências reguladoras, controles mais apurados das metas de responsabilidade fiscal, inflação e câmbio? O presidente da economia do Plano Real não se refere ao aprofundamento de medidas microeconômicas, particularmente no campo das reformas previdenciária, tributária, trabalhista, mercado de capitais, sistema educacional, etc.? Se a pauta for essa, o que se defende, na verdade, são propostas de consolidação/aprofundamento, qualificação de serviços, flexibilização, etc. O tal "novo choque de capitalismo" seria apenas um adereço no tabuleiro do marketing.
É pena que um debate de horizontes tão promissores esteja condenado a fenecer diante da Torre de Babel que já se ergue na arena de 2014.
De volta à avenida - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 03/03
O desfile é um acontecimento único no mundo, demonstração da criatividade do brasileiro
Depois de vários anos, voltei, no domingo de Carnaval, à passarela do samba, para assistir ao desfile das escolas, a convite do amigo Eduardo Paes, prefeito do Rio. O que me afastara desse desfile foi, entre muitas outras coisas, o som altíssimo dos alto-falantes, que não apenas me deixava atordoado como me impedia de ouvir a escola cantar.
Isso não mudou, até piorou.
A impressão que tive, desta vez, foi que o som estava mais alto do que antes. Já temendo isso, levei algodão para tapar os ouvidos e o fiz, mas não adiantou muito. Devo, porém, admitir que, não os houvesse tapado, não teria ficado muito tempo ali.
Entendo que, dado o tamanho da passarela, com vastas e altas arquibancadas, os alto-falantes tornam-se necessários, uma vez que, sem eles, uma boa parte dos espectadores não seria tocado mais intensamente pelo espetáculo.
Isso pode, porém, ser resolvido sem ampliar o som de modo insuportável, com acontece agora. Bastaria erguer, naquelas arquibancadas, postes com alto-falantes. Desse modo, creio, teríamos um espetáculo menos estressante e mais fiel à natureza mesma do desfile que, no passado, não contava com esse sistema de som.
O resultado é que, naquela época, se ouvia os foliões cantando o samba, no momento mesmo em que passavam diante de nós. Hoje, não se ouve voz alguma, a não ser a do puxador do samba, num berreiro atordoante. Neste domingo, houve um momento em que o som dos alto-falantes falhou e foi uma maravilha: não durou dois minutos, mas foi o suficiente para ouvirmos a escola cantando e, num impulso, o público inteiro aplaudiu.
Mas nada tira o brilho desse espetáculo único no mundo, que é o desfile das escolas de samba. Falo de cadeira, porque comecei a assisti-lo em 1956, quando me enamorei da carioca Thereza Aragão. O desfile ainda era na avenida Presidente Vargas, depois passou para a Rio Branco e, finalmente, para a Marquês de Sapucaí, ainda com arquibancadas desmontáveis, de madeira.
A passarela atual -mal apelidada de sambódromo- foi invenção de Darcy Ribeiro, que convidou
Oscar Niemeyer para projetá-la. Nenhum dos dois nunca havia assistido a um desfile.
A praça da Apoteose foi imaginada por Darcy como o lugar onde o desfile de cada escola se encerraria como apoteótico espetáculo de dança. Disse a ele que isso jamais aconteceria e não aconteceu: a praça da Apoteose, apesar do nome pomposo, tornou-se o lugar de dispersão, como tinha que ser.
O que piorou muito, nestes últimos anos, foi a letra dos sambas-enredo. Isso já vinha ocorrendo e se acentuou a partir do momento em que os traficantes de drogas passaram a mandar nas escolas de samba e a impor seus comparsas como autores dos sambas. O principal sintoma disso foi o aumento do número de parceiros: de um ou dois compositores passaram a cinco, seis, sete.
Outro fator foi a necessidade de desfilar com tempo determinado, o que provocou a aceleração do ritmo, e o samba virou marcha. Este ano, à exceção talvez do samba da Vila Isabel, que teve Martinho da Vila como um de seus autores, os outros são péssimos.
As letras, além de banais, são desconexas, frases soltas, incongruentes, sem sentido algum. A melodia às vezes escapa, mas nada que se compare aos sambas-enredo do passado. Tanto que ninguém os decora nem os canta durante o desfile, como antigamente. O que salva o desfile hoje em dia são as baterias que, quando passam, empolgam o público e o fazem sambar.
De qualquer modo, o desfile das escolas de samba é um acontecimento único no mundo, demonstração da criatividade do povo brasileiro. Um espetáculo belo e empolgante, a que nenhum outro se compara, realizado a céu aberto com a participação apaixonada da plateia.
E há mais: a criatividade dos carnavalescos que inventam alegorias belíssimas, em que a inventividade plástica e cromática se soma muitas vezes à poesia e ao humor.
Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, nos anos 1960, revolucionaram as alegorias e as fantasias, abrindo caminho para as inovações de um Paulo Barros, que hoje encanta o público com suas invenções surpreendentes. Neste ano não deixou a desejar e, sim, pelo contrário, arrebatou a plateia com um extraordinário navio fantasma, que me pareceu alcançar o nível da melhor arte contemporânea.
O desfile é um acontecimento único no mundo, demonstração da criatividade do brasileiro
Depois de vários anos, voltei, no domingo de Carnaval, à passarela do samba, para assistir ao desfile das escolas, a convite do amigo Eduardo Paes, prefeito do Rio. O que me afastara desse desfile foi, entre muitas outras coisas, o som altíssimo dos alto-falantes, que não apenas me deixava atordoado como me impedia de ouvir a escola cantar.
Isso não mudou, até piorou.
A impressão que tive, desta vez, foi que o som estava mais alto do que antes. Já temendo isso, levei algodão para tapar os ouvidos e o fiz, mas não adiantou muito. Devo, porém, admitir que, não os houvesse tapado, não teria ficado muito tempo ali.
Entendo que, dado o tamanho da passarela, com vastas e altas arquibancadas, os alto-falantes tornam-se necessários, uma vez que, sem eles, uma boa parte dos espectadores não seria tocado mais intensamente pelo espetáculo.
Isso pode, porém, ser resolvido sem ampliar o som de modo insuportável, com acontece agora. Bastaria erguer, naquelas arquibancadas, postes com alto-falantes. Desse modo, creio, teríamos um espetáculo menos estressante e mais fiel à natureza mesma do desfile que, no passado, não contava com esse sistema de som.
O resultado é que, naquela época, se ouvia os foliões cantando o samba, no momento mesmo em que passavam diante de nós. Hoje, não se ouve voz alguma, a não ser a do puxador do samba, num berreiro atordoante. Neste domingo, houve um momento em que o som dos alto-falantes falhou e foi uma maravilha: não durou dois minutos, mas foi o suficiente para ouvirmos a escola cantando e, num impulso, o público inteiro aplaudiu.
Mas nada tira o brilho desse espetáculo único no mundo, que é o desfile das escolas de samba. Falo de cadeira, porque comecei a assisti-lo em 1956, quando me enamorei da carioca Thereza Aragão. O desfile ainda era na avenida Presidente Vargas, depois passou para a Rio Branco e, finalmente, para a Marquês de Sapucaí, ainda com arquibancadas desmontáveis, de madeira.
A passarela atual -mal apelidada de sambódromo- foi invenção de Darcy Ribeiro, que convidou
Oscar Niemeyer para projetá-la. Nenhum dos dois nunca havia assistido a um desfile.
A praça da Apoteose foi imaginada por Darcy como o lugar onde o desfile de cada escola se encerraria como apoteótico espetáculo de dança. Disse a ele que isso jamais aconteceria e não aconteceu: a praça da Apoteose, apesar do nome pomposo, tornou-se o lugar de dispersão, como tinha que ser.
O que piorou muito, nestes últimos anos, foi a letra dos sambas-enredo. Isso já vinha ocorrendo e se acentuou a partir do momento em que os traficantes de drogas passaram a mandar nas escolas de samba e a impor seus comparsas como autores dos sambas. O principal sintoma disso foi o aumento do número de parceiros: de um ou dois compositores passaram a cinco, seis, sete.
Outro fator foi a necessidade de desfilar com tempo determinado, o que provocou a aceleração do ritmo, e o samba virou marcha. Este ano, à exceção talvez do samba da Vila Isabel, que teve Martinho da Vila como um de seus autores, os outros são péssimos.
As letras, além de banais, são desconexas, frases soltas, incongruentes, sem sentido algum. A melodia às vezes escapa, mas nada que se compare aos sambas-enredo do passado. Tanto que ninguém os decora nem os canta durante o desfile, como antigamente. O que salva o desfile hoje em dia são as baterias que, quando passam, empolgam o público e o fazem sambar.
De qualquer modo, o desfile das escolas de samba é um acontecimento único no mundo, demonstração da criatividade do povo brasileiro. Um espetáculo belo e empolgante, a que nenhum outro se compara, realizado a céu aberto com a participação apaixonada da plateia.
E há mais: a criatividade dos carnavalescos que inventam alegorias belíssimas, em que a inventividade plástica e cromática se soma muitas vezes à poesia e ao humor.
Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, nos anos 1960, revolucionaram as alegorias e as fantasias, abrindo caminho para as inovações de um Paulo Barros, que hoje encanta o público com suas invenções surpreendentes. Neste ano não deixou a desejar e, sim, pelo contrário, arrebatou a plateia com um extraordinário navio fantasma, que me pareceu alcançar o nível da melhor arte contemporânea.
Os pontos e as linhas - ALDIR BLANC
O GLOBO - 03/03
O verdadeiro multiuniverso, falado pelos cosmólogos e físicos após o surgimento da Teoria das Cordas, é o bate-papo. O Big-Bang foi uma conversa singular que terminou em porrada. Os cientistas usam muitos nomes. Não pega bem um sábio dizer que tudo se resume a um bom papo. O bóson de Higgs, por exemplo. É uma hipótese sobre o encontro de personagens do imortal Chico Anysio: Bozó, Coalhada, Azambuja, todos sacudindo o rabo da cascavel, feito FHC I e II, meio de porre no Sambódromo, antes de um assessor tomar-lhe o copo. Deixa o Fernando biritar!
Retomando o papo: antes de escolher a palavra bóson, Higgs cogitou léron, muito mais bacana. O carnavalesco da Tijuca ia usar o bóson no enredo, mas teve medo do carro alegórico desaparecer em outra dimensão. Ele jura que vai tentar ano que vem. A blogueira cubana será o destaque, com a fantasia “Incerteza Quântica”, ou “Viro tucana? Quanto?”.
Papo cura pânico. João Bosco e eu temos pluripapos no telefone nos quais abordamos desde a chuva de meteoros até o ministério da ex-cultura, na gestão da Mar(mo)tha. No caso dos corpos celestes, Bosco leva o assunto a sério. Eu acho que são lascas de obras superfaturadas para a Copa & Olimpíadas. No Princípio e no Fim, caros, é a Verba que manda. Num desses multipapos, Bosco disse uma frase que abriu uma cratera em minha cuca:
— Tem uma linha ligando o desprezo pela vida humana, que matou os jovens em Santa Maria, e os sorrisos de Collor e Renan na casa de tolerância. O problema é que há muitos pontos e vemos raras linhas. Não aprendemos a ligar os pontos.
Bosco tem razão. Sugiro que a gente use novos pontos e linhas para ver as relações entre o que parece não ter nada em comum. Bento Calibre XVI renuncia. Um cardeal foi afastado do conclave por azarar seminaristas. Outros dois, que encobriram o mesmo crime, estarão presentes, sendo que um com chance de fumacê branco. Liguem os pontos.
Um simples livro de entretenimento, “Por sua conta e risco”, de Josh Bazell, conta coisas assim: o primeiro “negócio” de Baby Bush foi financiado por Salim e Khalid. Sobrenomes? bin Laden. Liguem os pontos. 61% das baixas americanas no Vietnã tinham menos de 21 anos. A candidata a vice dos EUA, Sarah Palin, achava que a África era um país, ofereceu 150 dólares a quem matasse um lobo atirando de avião, e, na época da indicação, não sabia quem era Thatcher. O paisinho dela divertia-se explodindo, com balaços de rifle, cabeças de mamíferos que subiam para respirar nas águas geladas.
Querem ligar pontos no Brasil? No Engenhão, há estátuas de Garrincha, Nilton Santos e Jairzinho. A próxima seria do Didi, mas os cartolas irão de Zagalo. A razão? Já está paga pelo Marins, o “Ide-A-Mim” o ouro dos meninos no bolso, presidente da CBF.
A violência e as chacinas continuam em Santa Catarina, São Paulo etc., porque os detentos estão governando de dentro das cadeias. Vendo Collor e Renan numa boa, eles acham, com razão, que o crime compensa. Os presos já ligaram os pontos...
O verdadeiro multiuniverso, falado pelos cosmólogos e físicos após o surgimento da Teoria das Cordas, é o bate-papo. O Big-Bang foi uma conversa singular que terminou em porrada. Os cientistas usam muitos nomes. Não pega bem um sábio dizer que tudo se resume a um bom papo. O bóson de Higgs, por exemplo. É uma hipótese sobre o encontro de personagens do imortal Chico Anysio: Bozó, Coalhada, Azambuja, todos sacudindo o rabo da cascavel, feito FHC I e II, meio de porre no Sambódromo, antes de um assessor tomar-lhe o copo. Deixa o Fernando biritar!
Retomando o papo: antes de escolher a palavra bóson, Higgs cogitou léron, muito mais bacana. O carnavalesco da Tijuca ia usar o bóson no enredo, mas teve medo do carro alegórico desaparecer em outra dimensão. Ele jura que vai tentar ano que vem. A blogueira cubana será o destaque, com a fantasia “Incerteza Quântica”, ou “Viro tucana? Quanto?”.
Papo cura pânico. João Bosco e eu temos pluripapos no telefone nos quais abordamos desde a chuva de meteoros até o ministério da ex-cultura, na gestão da Mar(mo)tha. No caso dos corpos celestes, Bosco leva o assunto a sério. Eu acho que são lascas de obras superfaturadas para a Copa & Olimpíadas. No Princípio e no Fim, caros, é a Verba que manda. Num desses multipapos, Bosco disse uma frase que abriu uma cratera em minha cuca:
— Tem uma linha ligando o desprezo pela vida humana, que matou os jovens em Santa Maria, e os sorrisos de Collor e Renan na casa de tolerância. O problema é que há muitos pontos e vemos raras linhas. Não aprendemos a ligar os pontos.
Bosco tem razão. Sugiro que a gente use novos pontos e linhas para ver as relações entre o que parece não ter nada em comum. Bento Calibre XVI renuncia. Um cardeal foi afastado do conclave por azarar seminaristas. Outros dois, que encobriram o mesmo crime, estarão presentes, sendo que um com chance de fumacê branco. Liguem os pontos.
Um simples livro de entretenimento, “Por sua conta e risco”, de Josh Bazell, conta coisas assim: o primeiro “negócio” de Baby Bush foi financiado por Salim e Khalid. Sobrenomes? bin Laden. Liguem os pontos. 61% das baixas americanas no Vietnã tinham menos de 21 anos. A candidata a vice dos EUA, Sarah Palin, achava que a África era um país, ofereceu 150 dólares a quem matasse um lobo atirando de avião, e, na época da indicação, não sabia quem era Thatcher. O paisinho dela divertia-se explodindo, com balaços de rifle, cabeças de mamíferos que subiam para respirar nas águas geladas.
Querem ligar pontos no Brasil? No Engenhão, há estátuas de Garrincha, Nilton Santos e Jairzinho. A próxima seria do Didi, mas os cartolas irão de Zagalo. A razão? Já está paga pelo Marins, o “Ide-A-Mim” o ouro dos meninos no bolso, presidente da CBF.
A violência e as chacinas continuam em Santa Catarina, São Paulo etc., porque os detentos estão governando de dentro das cadeias. Vendo Collor e Renan numa boa, eles acham, com razão, que o crime compensa. Os presos já ligaram os pontos...
O novo já foi antigo - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 03/03
O retorno das duas linhas de quatro e da dupla de atacantes são as 'novidades' do futebol
As declarações do ministro do Esporte, Aldo Rebelo, ao jornal "O Estado de S. Paulo", de que é a favor da anistia das dívidas e da isenção fiscal dos clubes, alegando que eles não visam lucro, são absurdas e demagógicas, no momento em que o futebol é, cada vez mais, um grande negócio, com grandes negociatas.
Na Copa de 1966, a seleção inglesa, campeã do mundo, inovou ao jogar com duas linhas de quatro e dois atacantes. Um meia de cada lado voltava para marcar ao lado dos volantes. A única diferença desse antigo sistema tático para o atual, com três meias e um centroavante, é que havia uma dupla de atacantes, em vez de um meia de ligação e um centroavante.
O Brasil sempre ignorou as duas linhas de quatro. Hoje, 47 anos depois, a maioria das equipes, do Brasil e de todo o mundo, joga dessa forma. O Corinthians faz isso com a rigidez dos times europeus. Neymar terá hoje, diante do Corinthians, contra as duas linhas de quatro e com pouco espaço entre elas, a mesma dificuldade que tem quando enfrenta equipes da Europa.
Hoje, na maioria das partidas, especialmente na Europa, um time ataca, e o outro recua e marca com duas linhas de quatro, para contra-atacar. Quando o time que ataca perde a bola, a situação se inverte. O Barcelona é a exceção, pois nunca joga com duas linhas de quatro. Durante os 90 minutos, pressiona e dá o contra-ataque ao adversário.
A maioria das equipes pequenas, até o boliviano Strongest, contra o São Paulo, sabe formar duas linhas de quatro, perto da área, e dificultar para o outro time.
Outra novidade no futebol brasileiro e no mundial é a volta da dupla de atacantes. Corinthians, Fluminense, Grêmio, Manchester United, Manchester City e muitas outras equipes costumam jogar com uma dupla na frente. Apesar de Tardelli ser, na prancheta, um atacante pela direita, ele está sempre perto de Jô e da área.
Escrevi essa coluna antes do jogo de ontem, entre Real Madrid e Barcelona, pelo Espanhol. Na terça, o Real eliminou o Barça da Copa do Rei. O time catalão já tinha perdido do Milan. Os apressados, os que torcem sempre contra o time mais festejado e que acham que o Barcelona contraria a maneira de atuar de todas as outras equipes, ficaram eufóricos e já decretaram até a decadência do Barcelona.
Gosto de ver o Barcelona jogar, por ser diferente, mesmo quando perde, desde que não seja frequente. Não fiquei surpreso com as últimas derrotas. Sempre achei que o Barcelona, pelo estilo e por não ter um excelente jogador pelos lados, quando Messi, Xavi e Iniesta são anulados, contra grandes equipes, corre sempre muito risco de perder.
Se o Barcelona golear o Milan e se classificar, o que não ficarei também surpreso, tudo voltará a seu lugar. E o futebol continuará, com seus segredos.
O retorno das duas linhas de quatro e da dupla de atacantes são as 'novidades' do futebol
As declarações do ministro do Esporte, Aldo Rebelo, ao jornal "O Estado de S. Paulo", de que é a favor da anistia das dívidas e da isenção fiscal dos clubes, alegando que eles não visam lucro, são absurdas e demagógicas, no momento em que o futebol é, cada vez mais, um grande negócio, com grandes negociatas.
Na Copa de 1966, a seleção inglesa, campeã do mundo, inovou ao jogar com duas linhas de quatro e dois atacantes. Um meia de cada lado voltava para marcar ao lado dos volantes. A única diferença desse antigo sistema tático para o atual, com três meias e um centroavante, é que havia uma dupla de atacantes, em vez de um meia de ligação e um centroavante.
O Brasil sempre ignorou as duas linhas de quatro. Hoje, 47 anos depois, a maioria das equipes, do Brasil e de todo o mundo, joga dessa forma. O Corinthians faz isso com a rigidez dos times europeus. Neymar terá hoje, diante do Corinthians, contra as duas linhas de quatro e com pouco espaço entre elas, a mesma dificuldade que tem quando enfrenta equipes da Europa.
Hoje, na maioria das partidas, especialmente na Europa, um time ataca, e o outro recua e marca com duas linhas de quatro, para contra-atacar. Quando o time que ataca perde a bola, a situação se inverte. O Barcelona é a exceção, pois nunca joga com duas linhas de quatro. Durante os 90 minutos, pressiona e dá o contra-ataque ao adversário.
A maioria das equipes pequenas, até o boliviano Strongest, contra o São Paulo, sabe formar duas linhas de quatro, perto da área, e dificultar para o outro time.
Outra novidade no futebol brasileiro e no mundial é a volta da dupla de atacantes. Corinthians, Fluminense, Grêmio, Manchester United, Manchester City e muitas outras equipes costumam jogar com uma dupla na frente. Apesar de Tardelli ser, na prancheta, um atacante pela direita, ele está sempre perto de Jô e da área.
Escrevi essa coluna antes do jogo de ontem, entre Real Madrid e Barcelona, pelo Espanhol. Na terça, o Real eliminou o Barça da Copa do Rei. O time catalão já tinha perdido do Milan. Os apressados, os que torcem sempre contra o time mais festejado e que acham que o Barcelona contraria a maneira de atuar de todas as outras equipes, ficaram eufóricos e já decretaram até a decadência do Barcelona.
Gosto de ver o Barcelona jogar, por ser diferente, mesmo quando perde, desde que não seja frequente. Não fiquei surpreso com as últimas derrotas. Sempre achei que o Barcelona, pelo estilo e por não ter um excelente jogador pelos lados, quando Messi, Xavi e Iniesta são anulados, contra grandes equipes, corre sempre muito risco de perder.
Se o Barcelona golear o Milan e se classificar, o que não ficarei também surpreso, tudo voltará a seu lugar. E o futebol continuará, com seus segredos.
PROGRAMAÇÃO ESPORTINA NA TV - 03/03
8h - Barcelona x Caja Laboral, Espanhol de basquete, Bandsports
10h - Brest x Lyon, Francês, ESPN Brasil
10h - Superliga de futsal, final, SporTV 2
11h - Catania x Inter de Milão, Italiano, Fox Sports
11h - Stock Car, etapa de São Paulo, SporTV
11h30 - Hoffenheim x Bayern, Alemão, ESPN +
13h - Tottenham x Arsenal, Inglês, ESPN
13h - O. Marselha x Troyes, Francês, ESPN Brasil
13h - Santo André x São José, Liga de Basquete Feminino, SporTV 2
13h30 - Macerata x Lannutti Cuneo, Italiano de vôlei masc., Bandsports
14h - Besiktas x Fenerbahce, Turco, ESPN +
15h - Málaga x Atlético de Madri, Espanhol, ESPN
15h - Liga de Desenvolvimento de Basquete, final, SporTV 2
16h - Santos x Corinthians, Paulista, Band e Globo (para SP)
16h - Flamengo x Botafogo, Estadual do Rio, Band e Globo (menos SP)
16h - Ceará x Fortaleza, Copa do Nordeste, Esporte Interativo
16h30 - Beira-Mar x Benfica, Português, Bandsports
17h - Nascar, etapa de Phoenix, Fox Sports
18h30 - Penapolense x São Paulo, Paulista, SporTV
18h30 - Ceará x ASA, Copa do Nordeste, Esporte Interativo
20h15 - Boca Juniors x Santa Fé, Argentino, Fox Sports
21h30 - Portland Timbers x New York Red Bulls, Americano, ESPN +
21h30 - Boston Bruins x Montreal Canadiens, hóquei no gelo, ESPN
Doping libertário - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 03/02
SÃO PAULO - Deu no "New York Times" que até aqueles pescadores que fazem um buraco no gelo e ficam esperando os peixes morderem estão sendo submetidos a exames antidoping. Embora ninguém saiba ao certo se existe alguma droga no arsenal da farmacologia que teria o poder de dar-lhes uma "ajuda indevida", as autoridades esportivas dos EUA já estão em seu encalço.
E não é só a pesca sobre o gelo. Praticantes de xadrez, dardo de botequim, minigolfe, cabo de guerra e outros esportes com ambições olímpicas também já se colocaram na mira da Wada, a agência mundial antidoping. A pergunta é: isso tem lógica?
John Hoberman tenta respondê-la em seu "Testosterone Dreams" (sonhos de testosterona), em que traça um amplo panorama histórico da utilização de hormônios e outras drogas para melhorar a performance nos mais variados ramos de atividade, da cama aos esportes. A obra, que é de 2006, não pega os últimos desenvolvimentos da corrida armamentista entre a Wada e a indústria farmacêutica, mas descreve bem a essência da discussão, que passa por definir para que serve a medicina.
Para Hoberman, existem dois modelos. No primeiro, cabe ao médico preservar ou restaurar funções normais do organismo que foram perdidas. O pressuposto é o de que existem limites para o corpo e a mente com os quais não convém mexer.
Já no segundo modelo, que encerra uma concepção mais libertária da medicina, é o próprio paciente, orientado pelo médico, que define quais problemas devem ser considerados "doença" e quais intervenções contam como "tratamento".
O problema é que, enquanto todo o mundo pende para a segunda opção, como o atesta o uso cada vez mais disseminado de drogas performáticas como Prozac (modula o humor), Ritalina (aumenta a atenção) e Viagra (melhora vocês sabem o que), o esporte se obstina no primeiro modelo. Por quanto tempo resistirão?
SÃO PAULO - Deu no "New York Times" que até aqueles pescadores que fazem um buraco no gelo e ficam esperando os peixes morderem estão sendo submetidos a exames antidoping. Embora ninguém saiba ao certo se existe alguma droga no arsenal da farmacologia que teria o poder de dar-lhes uma "ajuda indevida", as autoridades esportivas dos EUA já estão em seu encalço.
E não é só a pesca sobre o gelo. Praticantes de xadrez, dardo de botequim, minigolfe, cabo de guerra e outros esportes com ambições olímpicas também já se colocaram na mira da Wada, a agência mundial antidoping. A pergunta é: isso tem lógica?
John Hoberman tenta respondê-la em seu "Testosterone Dreams" (sonhos de testosterona), em que traça um amplo panorama histórico da utilização de hormônios e outras drogas para melhorar a performance nos mais variados ramos de atividade, da cama aos esportes. A obra, que é de 2006, não pega os últimos desenvolvimentos da corrida armamentista entre a Wada e a indústria farmacêutica, mas descreve bem a essência da discussão, que passa por definir para que serve a medicina.
Para Hoberman, existem dois modelos. No primeiro, cabe ao médico preservar ou restaurar funções normais do organismo que foram perdidas. O pressuposto é o de que existem limites para o corpo e a mente com os quais não convém mexer.
Já no segundo modelo, que encerra uma concepção mais libertária da medicina, é o próprio paciente, orientado pelo médico, que define quais problemas devem ser considerados "doença" e quais intervenções contam como "tratamento".
O problema é que, enquanto todo o mundo pende para a segunda opção, como o atesta o uso cada vez mais disseminado de drogas performáticas como Prozac (modula o humor), Ritalina (aumenta a atenção) e Viagra (melhora vocês sabem o que), o esporte se obstina no primeiro modelo. Por quanto tempo resistirão?
Um fiasco em números - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S. PAULO - 03/03
Com a pífia expansão de 0,9%, o Brasil teve no ano passado um desempenho econômico bem pior que o dos Estados Unidos, um país em crise, e muito inferior ao da maior parte do mundo em desenvolvimento. A economia americana avançou 2,2%, apesar das dificuldades políticas enfrentadas pelo governo. Emergentes mais ligados ao mercado internacional e mais sujeitos a choques externos fecharam 2012 com resultados satisfatórios. A Rússia cresceu 3.4%; a índia, 5%; o México, 3,9%; e o Peru, 6,3%. A China, apesar de alguma retração, ainda se expandiu 7,8%. Além disso, o Brasil acumulou crescimento de apenas 3,6% no primeiro biênio da presidente Dilma Rousseff. Mais que um fiasco ocasional, essa estagnação é um claro indício de graves problemas estruturais.
Alguns desses problemas ficam evidentes quando se examinam detalhes das contas nacionais divulgadas na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O mais sério - o baixo nível de investimento - tornou-se mais preocupante no ano passado. O valor aplicado em máquinas, equipamentos, construções civis e obras de infraestrutura foi 4% menor que o do ano anterior.
A comparação do total investido com o tamanho da economia torna mais fácil perceber o retrocesso. A proporção entre o investimento e o Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 19,3% em 2011 para 18,1% no ano passado. O País precisaria investir uns 25% do PIB para crescer com segurança em ritmo igual ou pouco superior a 5% ao ano. Essa proporção tem sido apontada por muitos economistas e foi repetida nessa semana pela presidente Dilma Rousseff, em Brasília, durante encontro com empresários.
Para este ano, o governo provavelmente já ficará muito satisfeito se o investimento chegar a um nível próximo de 20% do PIB. Para isso o País dependerá tanto de recursos externos como de um aumento da poupança interna. No ano passado o Brasil precisou de uma participação maior do capital estrangeiro, porque a poupança gerada internamente, de 14,8% do PIB, ficou bem abaixo da alcançada em 2011 (17,2%). Essa evolução foi certamente determinada pela piora das finanças públicas.
Mais uma vez a economia foi puxada, em seu escasso crescimento, pelos gastos de consumo. Com expansão de 3,1%, o consumo das famílias cresceu pelo nono ano consecutivo. Segundo o relatório divulgado pelo IBGE, esses gastos foram sustentados pela evolução de 6,7% da massa de salários e pelo aumento do crédito. O saldo nominal dos financiamentos com recursos livres a pessoas físicas elevou-se 14%. A explicação teria sido mais completa se incluísse os incentivos fiscais concedidos a alguns setores, como o automobilístico e o de produtos domésticos da linha branca.
Ao mesmo tempo, o consumo da administração pública avançou 3,2%. Esse item corresponde ao custo de produção dos serviços total ou parcialmente gratuitos prestados por todos os níveis de governo.
Houve, como em 2011, um forte descompasso entre a demanda de consumo e a capacidade de oferta interna. O volume produzido pela indústria de transformação foi 2,5% menor que o de 2011. Essa diferença acabou refletida, em boa parte, nos índices de preços. O governo atribui a inflação, principalmente, ao encarecimento de algumas commodities, com destaque para os produtos agrícolas. Mas o fenômeno foi certamente mais amplo. Os aumentos de preços foram disseminados, atingiram a maior parte dos setores e foram favorecidos por uma demanda muito mais forte que a produção.
Nos últimos dois anos, o governo tentou reativar a economia principalmente por meio de estímulos ao consumo - redução de tributos sobre certos bens e aumento do crédito. Ações a favor da produção e da competitividade foram escassas e só recentemente ganharam destaque na agenda oficial. Hoje o governo corre atrás de investidores estrangeiros e nacionais para enormes programas de infraestrutura. Mas é preciso reconquistar a confiança, prejudicada por intervenções desastradas na área de petróleo e por outros erros, cometidos, por exemplo, em relação a empresas do setor elétrico e dos serviços portuários.
Alguns desses problemas ficam evidentes quando se examinam detalhes das contas nacionais divulgadas na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O mais sério - o baixo nível de investimento - tornou-se mais preocupante no ano passado. O valor aplicado em máquinas, equipamentos, construções civis e obras de infraestrutura foi 4% menor que o do ano anterior.
A comparação do total investido com o tamanho da economia torna mais fácil perceber o retrocesso. A proporção entre o investimento e o Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 19,3% em 2011 para 18,1% no ano passado. O País precisaria investir uns 25% do PIB para crescer com segurança em ritmo igual ou pouco superior a 5% ao ano. Essa proporção tem sido apontada por muitos economistas e foi repetida nessa semana pela presidente Dilma Rousseff, em Brasília, durante encontro com empresários.
Para este ano, o governo provavelmente já ficará muito satisfeito se o investimento chegar a um nível próximo de 20% do PIB. Para isso o País dependerá tanto de recursos externos como de um aumento da poupança interna. No ano passado o Brasil precisou de uma participação maior do capital estrangeiro, porque a poupança gerada internamente, de 14,8% do PIB, ficou bem abaixo da alcançada em 2011 (17,2%). Essa evolução foi certamente determinada pela piora das finanças públicas.
Mais uma vez a economia foi puxada, em seu escasso crescimento, pelos gastos de consumo. Com expansão de 3,1%, o consumo das famílias cresceu pelo nono ano consecutivo. Segundo o relatório divulgado pelo IBGE, esses gastos foram sustentados pela evolução de 6,7% da massa de salários e pelo aumento do crédito. O saldo nominal dos financiamentos com recursos livres a pessoas físicas elevou-se 14%. A explicação teria sido mais completa se incluísse os incentivos fiscais concedidos a alguns setores, como o automobilístico e o de produtos domésticos da linha branca.
Ao mesmo tempo, o consumo da administração pública avançou 3,2%. Esse item corresponde ao custo de produção dos serviços total ou parcialmente gratuitos prestados por todos os níveis de governo.
Houve, como em 2011, um forte descompasso entre a demanda de consumo e a capacidade de oferta interna. O volume produzido pela indústria de transformação foi 2,5% menor que o de 2011. Essa diferença acabou refletida, em boa parte, nos índices de preços. O governo atribui a inflação, principalmente, ao encarecimento de algumas commodities, com destaque para os produtos agrícolas. Mas o fenômeno foi certamente mais amplo. Os aumentos de preços foram disseminados, atingiram a maior parte dos setores e foram favorecidos por uma demanda muito mais forte que a produção.
Nos últimos dois anos, o governo tentou reativar a economia principalmente por meio de estímulos ao consumo - redução de tributos sobre certos bens e aumento do crédito. Ações a favor da produção e da competitividade foram escassas e só recentemente ganharam destaque na agenda oficial. Hoje o governo corre atrás de investidores estrangeiros e nacionais para enormes programas de infraestrutura. Mas é preciso reconquistar a confiança, prejudicada por intervenções desastradas na área de petróleo e por outros erros, cometidos, por exemplo, em relação a empresas do setor elétrico e dos serviços portuários.
Um imposto obsoleto - SUELY CALDAS
O ESTADO DE S. PAULO - 03/03
Na quarta-feira o ministro do Trabalho, Brizola Neto, anunciou novas regras para "endurecer" a obtenção de registro de novos sindicatos no Ministério. Há dez meses no cargo, seria o primeiro grande anúncio da gestão de Brizola, o cumprimento de promessa feita no ato da posse. Mas a notícia não ganhou destaque na mídia. Primeiro, por se tratar de um paliativo: se o governo quer mesmo acabar com a multiplicação de sindicatos fantasmas, que elimine o imposto sindical, que os alimenta. Segundo, porque a novidade em nada muda a arcaica estrutura sindical brasileira, que permanece a mesma há 70 anos e precisa mudar para responder aos avanços tecnológicos nas relações de trabalho e melhor representar e defender os interesses dos trabalhadores.
O País tem hoje 10 mil sindicatos de trabalhadores, centenas de federações, confederações e sete centrais sindicais que, na estrutura sindical, exercem o mesmo papel das confederações. A cada ano o Ministério do Trabalho recebe mais de mil pedidos de registros de novos sindicatos e federações e, hoje, segundo o ministro, há 2,3 mil pedidos parados na fila e mais 1,8 mil espalhados no Ministério. Essa estrutura sindical foi concebida e opera perseguindo um objetivo central: as entidades apossarem-se de um pedaço do bilionário bolo do imposto sindical, que este ano deve superar a cifra de R$ 2 bilhões. Criado em julho de 1940, na ditadura Vargas.este imposto é pago, uma vez por ano, por 42 milhões de trabalhadores com carteira assinada e seu valor eqüivale a um dia de salário. Como o débito é feito em março, ao final deste mês esses 42 milhões de brasileiros receberão seus salários reduzidos, sem terem nunca sido consultados. Apesar de ser dinheiro público, originário de tributo, por força de lei sua aplicação não é fiscalizada, nem pelos Tribunais de Contas nem pelo Ministério do Trabalho, que o arrecada, distribui entre as entidades sindicais e desconhece o que dele é feito.
Com tais facilidades, qualquer um pode forjar documentação, ter seu registro homologado e passar a receber dinheiro do imposto. São os sindicatos fantasmas, de carimbo, ignorados pelos trabalhadores que os sustentam e dizem representar. E não só eles. Às entidades degraus acima na hierarquia (federações, confederações e centrais sindicais) interessa multiplicar o número de sindicatos filiados para aumentar a fatia do bolo que recebem do imposto. Funciona como bola de neve de incentivo a fraudes. As centrais sindicais, por exemplo, passaram a receber dinheiro do imposto no governo Lula, há cinco anos. Daí a criar cinco novas foi o passo imediato, juntando-se à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical, que já existiam. As sete recebem anualmente cerca de R$ 400 milhões. Em recente varredura, o Ministério suspendeu os registro de 40 federações e 940 sindicatos, todos fantasmas.
A única voz destoante da mamata é a CUT, que defende a extinção do imposto sindical e sua substituição por uma contribuição não obrigatória, voluntária e aprovada em assembléia da categoria profissional. "Para fortalecera negociação (comas empresas), é fundamental fortalecer os sindicatos, torná-los atuantes, independentes, com trabalho de base. É preciso acabar com os sindicatos de gaveta. E o fim do imposto sindical é determinante para isso", defende o ex-presidente da CUT Artur Henrique, hoje articulador da entidade junto com sindicatos internacionais. Ele argumenta que a multiplicação de sindicatos põe o Brasil na contramão do sindicalismo mundial: "Na Europa e nos EUA, sindicatos combativos, como os dos metalúrgicos, dos siderúrgicos e dos químicos, discutem a unificação com outras categorias profissionais para fortalecer o poder de negociação e de ação sindical".
Esse deveria ser o caminho do ministro Brizola Neto. Medidas burocráticas, exigência de mais este ou aquele documento para registro do sindicato jamais acabarão com a fraude, pois seu alimento é justamente o imposto que ele insiste em manter. Talvez porque a Força Sindical, ligada ao partido do ministro, é a maior defensora da negociata.
Na quarta-feira o ministro do Trabalho, Brizola Neto, anunciou novas regras para "endurecer" a obtenção de registro de novos sindicatos no Ministério. Há dez meses no cargo, seria o primeiro grande anúncio da gestão de Brizola, o cumprimento de promessa feita no ato da posse. Mas a notícia não ganhou destaque na mídia. Primeiro, por se tratar de um paliativo: se o governo quer mesmo acabar com a multiplicação de sindicatos fantasmas, que elimine o imposto sindical, que os alimenta. Segundo, porque a novidade em nada muda a arcaica estrutura sindical brasileira, que permanece a mesma há 70 anos e precisa mudar para responder aos avanços tecnológicos nas relações de trabalho e melhor representar e defender os interesses dos trabalhadores.
O País tem hoje 10 mil sindicatos de trabalhadores, centenas de federações, confederações e sete centrais sindicais que, na estrutura sindical, exercem o mesmo papel das confederações. A cada ano o Ministério do Trabalho recebe mais de mil pedidos de registros de novos sindicatos e federações e, hoje, segundo o ministro, há 2,3 mil pedidos parados na fila e mais 1,8 mil espalhados no Ministério. Essa estrutura sindical foi concebida e opera perseguindo um objetivo central: as entidades apossarem-se de um pedaço do bilionário bolo do imposto sindical, que este ano deve superar a cifra de R$ 2 bilhões. Criado em julho de 1940, na ditadura Vargas.este imposto é pago, uma vez por ano, por 42 milhões de trabalhadores com carteira assinada e seu valor eqüivale a um dia de salário. Como o débito é feito em março, ao final deste mês esses 42 milhões de brasileiros receberão seus salários reduzidos, sem terem nunca sido consultados. Apesar de ser dinheiro público, originário de tributo, por força de lei sua aplicação não é fiscalizada, nem pelos Tribunais de Contas nem pelo Ministério do Trabalho, que o arrecada, distribui entre as entidades sindicais e desconhece o que dele é feito.
Com tais facilidades, qualquer um pode forjar documentação, ter seu registro homologado e passar a receber dinheiro do imposto. São os sindicatos fantasmas, de carimbo, ignorados pelos trabalhadores que os sustentam e dizem representar. E não só eles. Às entidades degraus acima na hierarquia (federações, confederações e centrais sindicais) interessa multiplicar o número de sindicatos filiados para aumentar a fatia do bolo que recebem do imposto. Funciona como bola de neve de incentivo a fraudes. As centrais sindicais, por exemplo, passaram a receber dinheiro do imposto no governo Lula, há cinco anos. Daí a criar cinco novas foi o passo imediato, juntando-se à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical, que já existiam. As sete recebem anualmente cerca de R$ 400 milhões. Em recente varredura, o Ministério suspendeu os registro de 40 federações e 940 sindicatos, todos fantasmas.
A única voz destoante da mamata é a CUT, que defende a extinção do imposto sindical e sua substituição por uma contribuição não obrigatória, voluntária e aprovada em assembléia da categoria profissional. "Para fortalecera negociação (comas empresas), é fundamental fortalecer os sindicatos, torná-los atuantes, independentes, com trabalho de base. É preciso acabar com os sindicatos de gaveta. E o fim do imposto sindical é determinante para isso", defende o ex-presidente da CUT Artur Henrique, hoje articulador da entidade junto com sindicatos internacionais. Ele argumenta que a multiplicação de sindicatos põe o Brasil na contramão do sindicalismo mundial: "Na Europa e nos EUA, sindicatos combativos, como os dos metalúrgicos, dos siderúrgicos e dos químicos, discutem a unificação com outras categorias profissionais para fortalecer o poder de negociação e de ação sindical".
Esse deveria ser o caminho do ministro Brizola Neto. Medidas burocráticas, exigência de mais este ou aquele documento para registro do sindicato jamais acabarão com a fraude, pois seu alimento é justamente o imposto que ele insiste em manter. Talvez porque a Força Sindical, ligada ao partido do ministro, é a maior defensora da negociata.
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
FOLHA DE SP - 03/03
Governo precisa fortalecer setor de autopeças, diz Abeiva
Prestes a decidir pela construção da primeira fábrica no Brasil, o presidente da Jaguar/Land Rover para a América Latina e da Abeiva (associação brasileira das empresas importadoras de veículos), Flávio Padovan, defende mais competitividade e inovação para as autopeças.
Para ele, o governo inverteu a aplicação do Inovar-Auto -programa que dá desconto no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para empresas automotivas que investirem em inovação tecnológica- ao beneficiar só as montadoras, quando também deveria fortalecer as autopeças.
O programa, segundo Padovan, vai aumentar a demanda por peça, pois incentiva a instalação de fábricas no Brasil. O temor é que alguns equipamentos possam faltar.
Um dos gargalos é o da indústria de airbags. A partir de 2014, todos os veículos, obrigatoriamente, terão de sair de fábrica com o equipamento de segurança. Mas os fabricantes ainda são poucos.
No caso da Land Rover, devido à alta tecnologia de seus veículos, o fornecimento de peças pode ficar prejudicado no que diz à exigência de conteúdo nacional.
O segmento de autopeças, por sua vez, registrou deficit de US$ 5,8 bilhões na balança comercial do setor em 2012. Já a queda no faturamento foi de 13,5%, segundo dados do Sindipeças (sindicato da indústria de componentes para veículos).
IPI
Na Abeiva, Padovan defende os interesses de 29 importadores associados. Durante 13 meses (setembro de 2011 a outubro de 2012), eles pagaram 30 pontos percentuais a mais no IPI para trazer os veículos ao Brasil.
A medida foi encarada pelos associados como lobby das montadoras nacionais e derrubou as vendas dos importados em 35,2% no último ano, um duro golpe para quem quase dobrou as vendas em 2011.
Sob o novo regime do Inovar-Auto, 14 das 29 importadoras apresentaram projeto de fabricar no Brasil e ganharam autorização para importar com IPI reduzido, mas na cota de 4.800 unidades.
Para conseguir o abatimento dos 30 pontos percentuais, elas têm de realizar seis -das 12 doze- etapas fabris da produção no Brasil, depois aumentar esse número para sete (em 2014) e oito (2016).
No caso da marca inglesa, a cota auxilia a não impactar os preços dos veículos com o IPI maior sobre o excedente. Em 2012, foram comercializados 8.180 unidades -queda de 0,2% ante o ano anterior.
Segundo Padovan, a decisão para instalação da fábrica da Land Rover no Brasil deve ser tomada até o final do primeiro semestre deste ano.
Pacote Federal em estudo
O governo federal ainda não chegou a conclusão de como criar um programa de estímulo às autopeças com o objetivo de desenvolvê-las mais rápido para atender às demandas dos fabricantes de veículos instalados no país.
Estudos estão sendo realizados por uma equipe do Ministério do Desenvolvimento, mas sem definição das regras que serão adotadas.
O programa deverá incluir formas de financiamento para investimento, programas de qualificação a empregados e medidas para alavancar as exportações.
Outro problema também preocupa o governo: o fim do acordo automotivo entre Brasil e Argentina em 2014.
As autopeças argentinas querem vender mais para o Brasil, mas não conseguem e acreditam que o Inovar-Auto possa prejudicá-las. Em retaliação, a entrada dos produtos brasileiros no comércio local também está difícil.
A Argentina é o principal destino das autopeças fabricadas no Brasil. Cerca de 36% das exportações do ano passado foram para o país. Porém, as vendas caíram 12%, segundo dados do Sindipeças (sindicato da indústria de componentes para veículos).
O negócio da arte
Taxas de juros baixas transformam obras em ativos mais atraentes para investidores
Um setor ainda sem dados oficiais no Brasil, mas que, de acordo com estimativas de especialistas, movimenta mais de R$ 200 milhões por ano.
Informações concretas, somente do volume de exportações do mercado primário: US$ 60 milhões (cerca de R$ 120 milhões) em 2011, de acordo com dados da Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos).
Apenas as empresas que trabalham nesse mercado primário do setor cresceram 44% em 2010 e 2011.
Esse é o perfil do mercado de arte brasileiro, que se consolidou na última década.
"Em 2004, passava 30 dias sem que entrasse alguém na galeria. Você conhecia todos os compradores. Hoje aparece gente que você não conhece e todo dia tem visitação", diz Alessandra d'Aloia, sócia da galeria Fortes Vilaça.
A arte se expandiu e ultrapassou a esfera cultural, transformou-se em investimento.
"Com a queda dos juros, muita gente está vendo a arte como uma reserva de valor. Existe, sim, esse movimento, e ele é internacional", diz o advogado Pierre Moreau, sócio da Casa do Saber, que organiza um curso sobre o mercado de arte.
O setor, porém, tem incertezas como a Bolsa: há ativos com maior ou menor liquidez e sobe e desce de preços.
"Artistas modernos costumam desvalorizar menos, pois a crítica já estabilizou sua opinião. Pode ser uma opção para quem quer uma reserva de valor", afirma Moreau.
"As [opiniões sobre] obras contemporâneas estão sendo formadas e os trabalhos podem sofrer grandes valorizações, mas também desvalorizações. Isso tudo ainda sofre alterações. Não podemos colocar como definitivo", diz.
"Não é um negócio tão simples para investir. O mercado não tem liquidez imediata. Tem que estar envolvido com galeristas e conhecer os profissionais. Os trabalhos de um artista, por exemplo, precisam estar em galerias importantes para que uma determinada obra dele ganhe rentabilidade", diz d'Aloia.
O leiloeiro Aloísio Cravo, especializado em pintura brasileira, porém, afirma não conhecer um investidor de arte "como figura fria".
"Ele sempre tem alguma relação com a obra. Não é verdade que alguém compra uma obra só porque é um bom negócio. Primeiro, a pessoa se interessa pela arte, depois, como ela é um ativo, ele vai perguntar sobre como é o mercado", diz Cravo.
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