FOLHA DE SP - 03/03
Viver à beira do precipício é o maior combustível para uma paixão, e muitos confundem insegurança com sentimentos mais profundos
As mulheres são curiosas. Outro dia ouvi de uma amiga a seguinte pérola: "não é nem que eu esteja assim tão apaixonada, mas estou com XXX porque ele é incapaz de me trair".
A certeza com que ela disse isso -e a felicidade-, me levaram a pensar: será que essa é mesmo a maior qualidade que se pode querer de um homem? Que ele seja incapaz de nos trair? É um caso a pensar.
Naturalmente nenhuma mulher está querendo que o homem com quem pretende compartilhar a vida saia atrás da primeira mulher que passar pela frente; mas é preciso que o homem que se ama seja capaz de quase tudo, e nesse quase tudo está incluída a capacidade de achar graça em muitas mulheres; aliás, em quase todas. E é essa capacidade que põe a mulher louca -por ele.
Está-se falando de amor, claro, e qual a mulher que consegue amar sabendo que o homem que ama é incapaz de traí-la, que ela pode passar a vida fazendo qualquer coisa -ou nada- que vai ser amada da mesma maneira?
O que conserva o amor em altíssima temperatura é a incerteza, é a dúvida. Será que ele foi mesmo a um jantar de trabalho? Será que foi mesmo ao futebol? E quando o celular tocou e ele disse que não podia falar, que ligava depois, não seria uma mulher? Claro que era, ela vai pensar. E vai viver no fio da navalha, sem certeza alguma do que está se passando, razão mais do que suficiente para não conseguir dormir, para viver atenta, prestando atenção a tudo, sobretudo aos silêncios.
Viver à beira do precipício é o maior combustível para uma paixão, e muitos confundem insegurança com sentimentos mais profundos.
Uma mulher que não tem muita certeza da fidelidade do seu parceiro nunca será vista precisando pintar a raiz dos cabelos ou sem pelo menos um pouquinho de maquiagem. Ela sabe que vive sempre por um fio, e nada melhor para alguém se sentir viva do que saber que a qualquer momento pode ganhar -ou perder- a vida, o dinheiro, o homem amado.
Estabilidade? E alguém tem estabilidade em alguma coisa? Se alguém achar que tem, além de ser um ingênuo, vai perceber que é a morte em vida.
Que você seja a pessoa mais rica do mundo, mais bonita, mais poderosa, pode acontecer de um dia, em um minuto, perder tudo.
Se houver uma revolução, o mais rico de todos pode ficar pobre -e até ser preso; se a mais linda tiver a pouca sorte de passar num desses bueiros que no Rio às vezes explodem, corre o risco de ir para o hospital para cuidar de suas queimaduras, e dizem que dor maior não há; e o poder- bem, basta ler os jornais, qualquer um, de qualquer país, para ver que se trata de uma gangorra.
Faça um exercício de memória e lembre dos nossos governantes do passado, que saíram debaixo de escândalos, e onde eles estão agora, poderosíssimos de novo; nesse ramo, mais do que em qualquer outro, tudo acontece, inclusive o impossível.
É essa certeza de não poder saber nada sobre o futuro que pode, às vezes, trazer uma notícia maravilhosa -embora seja raro-, ou acabar com suas ilusões e até com seu mundo.
Complicado, mas esse talvez seja o sal da vida.
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