domingo, fevereiro 13, 2011

DANUZA LEÃO

Intuição ou sabedoria?
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/02/11

Dá para amar sem ter ciúmes? Meu gato, Haroldo, está sofrendo, desde que trouxe um gatinho novo


SE VOCÊ, que se pretende uma mulher intuitiva, acha que seu namorado está aprontando, pode ter certeza: ele deve estar mesmo. Mas cuidado: você pode também estar totalmente enganada.
Dizem que a intuição não falha e que os que têm esse dom devem confiar mais nele; e há quem diga que isso não existe e que é a experiência de vida que nos faz captar quando algo não muito claro está acontecendo. As mulheres acham que captam no ar, antes mesmo que as coisas aconteçam, e quando -e se- acontecem, acreditam, mais que nunca, que são intuitivas.
Já reparou que nunca se ouviu falar em intuição masculina? Já a delas é famosa. Quando uma mulher apaixonada está numa festa, e entra um tipo de mulher que pode balançar o coração do homem que ela ama, começa a ciumeira, antes mesmo que ele a veja.
Pode não acontecer nada, em nome da civilidade, dos bons costumes, sobretudo da falta de oportunidade. Mas se mesmo assim ela faz uma cena de ciúmes, é chamada de louca, e até com uma certa razão: mulheres ciumentas são mesmo um pouco loucas.
Eu conheço uma que não vai com o marido ao cinema, quando o filme é com determinada atriz, porque sabe que ele vai desejá-la -muito saudável da parte dela, aliás. Ele não verá jamais essa atriz a não ser na tela, a possibilidade de se conhecerem é uma em 1 trilhão, mas existe alguma coisa pior do que o homem que se ama desejar outra mulher? É uma traição, tão grave quanto uma de verdade, e só as mulheres que amam entendem isso.
Dá para amar sem ter ciúmes? Não me consta. Meu gato, Haroldo, está sofrendo, desde que trouxe um gatinho novo para casa; ele não chega mais perto de mim, e vive escondido pela casa. Fui aconselhada a abraçá-lo e a fazer muitas declarações de amor no seu ouvido, bem baixinho, para que seus ciúmes passem, mas estamos vivendo uma grande crise de relacionamento, devido à minha traição. Ele está coberto de razão.
Nas regiões mais remotas existem sábios, sempre pessoas muito idosas, que pelo soprar do vento sabem se vai chover, que às primeiras palavras que ouvem acreditam ou não no que estão ouvindo, e sabem, num olhar, em quem podem ou não confiar. Alguns já viveram tantas coisas que, num grupo desconhecido, percebem quem está interessado em quem e até se a história vai ou não rolar. Serão elas adivinhas? Não; têm apenas experiência de vida, e mais: têm o dom da percepção. Lamentavelmente, vírus não transmissíveis.
Continua a dúvida: é intuição ou experiência olhar e sacar se uma pessoa está doente, triste, deprimida, ou bem com a vida?
Um bom médico que possua esse dom terá muito mais chances de curar seu paciente do que aquele que fez todos os estudos em todos os países. Tenho perguntado sobre isso a amigos inteligentes, mas cada um tem lá suas opiniões, e alguns dizem que além da intuição e da experiência, é preciso ser muito atento. Mesmo concordando com todos, ainda não cheguei a uma conclusão definitiva.
Mas qualquer cachorro vira-lata sabe quem gosta dele; então, não é experiência de vida, é intuição -ou faro, se você preferir.

FERREIRA GULLAR

Um fazedor de espantos
FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/02/11

Em breve, acrescentava entre as matérias comuns um conto, um poema, criando uma seção literária


QUANDO ESCREVI, na crônica anterior, que mal suportara a notícia da morte de Dias Gomes, numa noite de 1999, jamais imaginaria que outra notícia igualmente doída me atingiria poucos dias depois: a morte de Reynaldo Jardim num hospital de Brasília. Mas não vou falar aqui dessa dor, e sim da pessoa que ele foi, ousada, criativa e, particularmente, em paz com a vida.
Creio que não ocorreria a ninguém, normal, propor-se reformular um suplemento feminino de um jornal que era, na verdade, um boletim de anúncios classificados. Mas ele o fez: foi à sede do "Jornal do Brasil", que era ali na avenida Rio Branco, pediu para falar com a condessa Pereira Carneiro, dona do jornal, e fez a ela a proposta. Aceita, pôs mãos à obra, começando por publicar um molde de vestido em cada número do suplemento.
Em breve, acrescentava entre as matérias comuns um conto, um poema, criando, assim, uma seção literária. Dessa seção nasceria o "Suplemento Dominical" do "Jornal do Brasil". Isso foi em 1956. Teve então a ideia de manter, nele, uma página de artes plásticas, uma de poesia e outra de ficção: a de poesia foi entregue a Mário Faustino por indicação de Oliveira Bastos, paraense como ele, e que também me indicou, amigos que éramos, de morar junto.
A ideia inicial era fazermos, os dois, a tal página, mas terminei assumindo o encargo sozinho. Ninguém ignora o papel que o "SDJB" teve na vida cultural brasileira daquela época, tornando-se o veículo da poesia concreta e, em seguida, do movimento neoconcreto.
Reynaldo, poeta que era e de muita qualidade, engajou-se, comigo, nos dois movimentos, mas a sua contribuição mais criativa se deu durante o movimento neoconcreto. Como, no fim de 1958, fui demitido do "JB", onde ocupava o cargo de chefe do copidesque, passei a colaborar, graças à conivência de Reynaldo, clandestinamente, no "SDJB". Pouco mais tarde, com a mudança ocorrida no direção do jornal, a condessa me mandou chamar de volta, mas preferi, em vez de retornar à Redação, ficar trabalhando com Reynaldo, como uma espécie de secretário do suplemento.
Isso coincidiu com o surgimento do movimento neoconcreto (começos de 1959), cujo manifesto foi publicado em edição especial numa primeira página, desenhada por Amilcar de Castro, que se tornou um exemplo de inovação gráfica, bela e audaciosa.
O "SDJB" fervia de novas ideias no campo das artes e da poesia, que, por sua vez, confundia-se com a expressão visual e plástica. Nasceram os livros-poema, os poemas espaciais, o "poema enterrado", os "bichos" de Lygia Clark e os "labirintos" de Hélio Oiticica. Formávamos uma patota que vivia a inventar coisas, propor coisas, discuti-las.
Os livros-poema nos levaram a bolar o "livro universo", que nunca realizamos mas daria origem ao "livro da criação", de Lygia Pape, e ao "livro infinito", inventado por Reynaldo e que nada deveu à nossa proposta original: era um livro com duas lombadas, tornando possível, ao chegar-se ao fim do primeiro "volume", prosseguir na leitura do segundo e assim, ao final deste, recomeçá-la. Inventou-o, realizou-o e o deixou de lado, pois já então o que lhe interessava era o "balé neoconcreto", que bolou com Lygia Pape: um balé sem bailarinos, apenas duas placas retangulares, coloridas, que se moviam no palco. Feito isso, foi em frente, pois era tão criativo que não conseguia deter-se no que acabara de criar.
Os anos se passaram, o Brasil mudou, o mundo mudou, nós mudamos. Reynaldo se mudou do Rio para Curitiba e depois para Brasília, onde desenvolveu intensa atividade como jornalista, realizador e estimulador de várias iniciativas culturais. E se manteve o poeta e o artista inovador que sempre foi.
No ano passado publicou um livro surpreendente, a começar pelo título: "Sangradas Escrituras". Um volume grande, pesado, de capa dura e sobrecapa em que reuniu seus poemas e muitas outras invenções, em que se misturam versos, desenhos, figuras inusitadas, experimentos poéticos e gráficos perturbadores e fascinantes. O verdadeiro "livro infinito"? Inesgotável, nos arrasta a seu abismo encantatório, do qual talvez não consigamos voltar. Quanto a Reynaldo, é ali que o encontraremos a partir de agora.

JANIO DE FREITAS

 Aos olhos do mundo
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/02/11

Extraordinária foi a atração exercida pelo Egito: parte do planeta esteve empolgada e ansiosa por esse povo redivivo

ALÉM DA BELEZA ofertada pelo povo que se levanta contra a opressão, como se deu na Tunísia e no Egito, esses episódios têm dois componentes ainda mais extraordinários. Se, de uma parte, a resistência passiva ressurge, para ser vitoriosa, mais de meio século depois dos indianos de Gandhi contra o colonizador inglês, de outro a conduta das Forças Armadas egípcias revelou uma propriedade anormal em forças militares: a sutileza. A maneira como o conselho militar egípcio introduziu os sinais de que Mubarak estava afastado, de tão refinada, ficou até pouco percebida em seu sentido.
Distribuir as imagens da reunião do conselho militar sem o seu presidente, e com um marechal a substituí-lo, insinuou a indagação sobre a ausência de Mubarak e sugeriu o desligamento efetivo, não só em palavras simpáticas ao povo, entre a cúpula militar e o militar-ditador.
O "nº 1" anexado ao título "Comunicado" emitido pelo conselho, com definições para o futuro do Egito e compromissos imediatos com o povo, concentrava sua importância no número: era a informação sutil de que as decisões de poder estavam com quem emitia o comunicado e se seguiriam em novos números de boletins.
Depois, por certo bem recebidas as novidades pelos rebelados, em qualquer medida de sua compreensão, foi só divulgar a renúncia de Mubarak. Sem retirar, do povo para os militares, a força que levou ao ato final -como, na prática, retirou.
Os militares egípcios, a seguir os princípios de formação e mentalidade da espécie mundo afora, resistiriam a relegar o regime que lhes deu três décadas de benesses fartas. Para apoiar a criação da ditadura, apoiaram a inversão de toda a estratégia e a geopolítica egípcias, que o antecessor de Mubarak já redesenhava até ser por isso assassinado. Diante disso, é válido supor que os comandos militares pensaram no risco de ter pela frente uma guerra civil. Nem isso, porém, nega o caráter extraodinário de sua conduta.
Extraordinária foi também a atração exercida pelo Egito há tanto excluído do mapa internacional de atenções. Deixado pelas potências como um servo obediente e sem méritos, a inserção subalterna do Egito não faria imaginar o mundo interessado na reação do seu povo à opressão. Mas grande parte do planeta esteve, por 18 dias, mais do que atenta aos egípcios: esteve empolgada com esse povo de repente redivivo, e ansiosa por ele.
Os direitos e a liberdade postos em igualdade com a eclosão de guerras, as grandes calamidades, os dramas de mineiros nas profundezas. Extraordinário.
De onde viria a atração? A procura da resposta se justificaria de numerosos modos. Fica aí uma hipótese: não viria, tal identificação, de uma vontade insatisfeita de democracia verdadeira à volta de sua própria casa, na França como na Indonésia, na Itália como na Grécia e na Alemanha, por toda parte na fantasia das democracias?
A propósito, é irresistível sublinhar a reação à queda de Mubarak por parte do presidente da França, terra onde toda opressão foi motivo de mais ideias e exaltações do que em qualquer outra. Nicolas Sarkozy saudou "a coragem" do ditador de renunciar. Por sorte dos ouvintes, não rendeu sua homenagem a outras características mais autênticas de Mubarak e do povo egípcio.

CAETANO VELOSO

O Egito é a Bahia 
CAETANO VELOSO
O GLOBO - 13/02/11

Carlinhos Brown cantando “... e o Egito é a Bahia” em frente à catedral de Guadalajara, com a multidão mexicana na mão, lançou uma luz inesperada sobre as imagens do Cairo que passáramos a tarde vendo na TV. A frase é de “Sou faraó”, canção sua que é sucesso eterno e irresistível do carnaval de Salvador. Um cara com boa cara de jalisciense (de gente de Jalisco) vence cotovelos para me dar um exemplar usado da edição conjunta de “Pedro Paramo” e “Llano en llamas”, de Juan Rulfo. Esperava a hora de ler Rulfo: ganhar um livro assim, velho, sujo, impregnado de vida mexicana foi a senha. Começo a ler logo que acabe “Los detectives salvages”, de Bolaño, mexicano por adoção.

Desde talvez novembro do ano passado que eu não via ou falava com Gil. A secretaria de Cultura de Guadalajara nos pôs frente a frente no aeroporto Tom Jobim (o pior do Brasil, que os tem tão maus). Escrevi tantas vezes aqui sobre questões ligadas à sua gestão como ministro, sem sequer procurá-lo para comentar, que esse encontro não combinado por nós me deixou um tanto nervoso. Já contei que não vinha falando com os internetetes ultimamente. Mas Joyce talvez ache difícil de crer que não troquei uma só palavra com Gil durante todo esse tempo. Mas foi assim. Falei com Hermano Vianna (laconicamente e por e-mail) depois que alguns dos meus provocativos artigos já tinham sido publicados (na verdade, depois do último, em que zoei os fãs da web). Com Gil, nem isso. Como quando estive em desacordo com planos do seu ministério, também desta vez consegui ser claro em assumir posição e ajudá-lo a evitar dano à nossa amizade. E ele, como sempre, me ajudou a ajudá-lo. Mas, sinceramente, quando havia oposição (como no caso da Ancinav, que eu rejeitava terminantemente) era mais fácil conversar do que agora. É que não estou definido contra algo claro. Nem tenho argumentos (coisa que Gil logo foi me dizendo). Quando cito Andrew Keen (autor de “O culto do amador”, um panfleto contra a internet), faço-o para ver o que dizem meus amigos pró-Creative Commons sobre o livro — além de verem nele o mesmo tipo de reação que a prensa de Gutenberg provocou no seu tempo. E quando digo que acolher os pleitos dos internautas libertários é mérito do ministério Gil, façoo para ver o que me dizem meus amigos defensores da Lei do Direito Autoral existente. O fato é que ninguém diz ser contra os direitos — e ninguém diz ser contra a internet. Ou seja: ninguém quer pagar de burro. Deixar que a discussão se reduza a ciumadas de troca de turma seria uma burrice ainda maior do que qualquer dessas afirmações simplistas.

Jacques Attali (em artigo que Hermano me enviou) argumenta que a nova lei francesa, que limita os internautas a pretexto de defender os autores, está a serviço das corporações tradicionais: as majors
da música e do cinema. O jovem autor que quer ver sua criação difundida não ganha nada. E o jovem consumidor que quer ter acesso fácil a coisas difíceis também sai perdendo. Ele sugere que as fornecedoras de acesso financiassem uma licença global que forneceria a remuneração dos autores, dos intérpretes e
das gravadoras criativas (ideia não muito diferente da de Kassin, à qual voltarei em breve). É texto para provocar respostas de Fernando Brant, Dubas (uma gravadora criativa) e Aldir.

Direito torto. Um cara inventou o conceito de copyleft, em oposição a copyright (saquem o trocadilho com right — direita — e left — esquerda). Conheço de longa data. Mas volta e meia esqueço. Keen cita. Gostei de me lembrar dele agora porque muita gente pensa que é a esquerda que se opõe à troca livre na internet. Não é. Vou entregar Mautner mais uma vez: ele é que gosta de chamar os defensores do Creative Commons e similares de “comunistas cibernéticos”.

Consegui cantar em Guadalajara. A catedral estava linda, bem na minha frente. E havia uma lua que fez da “Tonada” de Simon Días algo tão bonito quanto deve ser. Mas toquei violão tão mal, me vi tão desprovido do senso do ritmo e da harmonia, que me senti envergonhado. E havia tantos músicos bons ali, da banda
de Gil e da banda de Brown. Fiquei triste. Quando minha pouca prática se expõe assim, penso em João Bosco, em Dori, em Chico Pinheiro e (outra vez) em Joyce: não me sinto no direito de estar entre essas pessoas. Agradeço e peço desculpas.

Insisto (no papo) porque confio no que há de alto nível nas personalidades de Gil e de Ana. Ruim mesmo foi a entrevista de Emir Sader que li sobre sua entrada na Casa de Rui Barbosa. Se há uma coisa de que não gostei no governo Dilma foi a troca de Zé Almino por ele. Posso parecer suspeito, mas toda a sofisticação discreta, todo o refinamento difícil (capaz de encarar as sutis complexidades da cultura e da política) de Almino contrastam enormemente com o estilo esquerda convencional de Sader. Sou amigo de Almino (amigo no coração, pois quase nunca o vejo) e nada tenho contra a pessoa de Sader (que não conheço). Mas o que se lê em sua entrevista é um anúncio de palestras das figuras marcadas da esquerda oficial: Zizek, Marilena
Chaui, Eduardo Galeano. Zizek é um astro pop. Amo Galeano, sua suavidade uruguaia e sua lealdade a sonhos de antigamente. Mas ler esses nomes na programação da Casa de Rui dá a sensação de empobrecimento de visão. Gosto de Marilena mas não de sua cantilena contra a mídia para absolver mensaleiros. Refrão que Sader repete na entrevista. Tou fora.

REGINA ALVAREZ E PATRÍCIA DUARTE

A conta que sobrou para Dilma
REGINA ALVAREZ  E  PATRÍCIA DUARTE
O GLOBO - 13/02/11
Estudo mostra que gastos aumentaram R$282 bi no governo Lula; 78,4% no segundo mandato




O quadro fiscal preocupante, que exigirá um aperto inédito de R$50 bilhões nos gastos públicos este ano, é parte da herança deixada para a presidente Dilma Rousseff pelo antecessor e mentor Luiz Inácio Lula da Silva. A farra de gastos no segundo mandato de Lula tem um preço, que já começou a ser pago pelo atual governo. A herança inclui inflação e taxa de juros em alta, uma carga tributária abusiva, um Orçamento engessado por despesas permanentes com pessoal, benefícios previdenciários e a impossibilidade de ampliar os investimentos. Estudo do economista Fernando Montero, da Convenção Corretora, mostra que os gastos cresceram R$282 bilhões no governo anterior (descontada a inflação): 78,4% desse aumento ocorreu no segundo mandato.

Só entre 2006 e 2010, as despesas do governo federal aumentaram R$221 bilhões, o que evidencia a guinada na política fiscal acentuada nos dois últimos anos de mandato, quando a crise global ofereceu ao governo uma justificativa para ampliar os gastos.

- O aumento da carga tributária, combinado com o crescimento do PIB ( Produto Interno Bruto) e a redução do superávit primário deram ao governo Lula um poder enorme para gastar - observa Montero.

Especialistas apontam a situação das contas públicas e os elevados gastos herdados do governo anterior como o maior problema econômico de Dilma neste início de mandato.

O cenário desfavorável na área fiscal influencia negativamente outras variáveis, como inflação e os juros -, embora, no caso dos preços, fatores externos também exerçam forte pressão, como a alta das commodities no mercado internacional.

Alcides Leite, especialista em contas públicas e professor da Trevisan, frisa que o aumento dos gastos correntes nos últimos anos, acima da expansão do PIB, impediu uma expansão mais robusta dos investimentos. E lembra que uma oferta maior de bens e serviços poderia minimizar a pressão inflacionária. Sem os investimentos, o país sente os efeitos no bolso, com preços maiores, já que a demanda continua bastante aquecida pela melhora de renda da população.

- É preciso sobrar mais dinheiro para investimentos. E tem de começar pelo ajuste fiscal (corte nos gastos de custeio) - recomenda.

Inflação voltou a preocupar em 2010

O corte de R$50 bilhões anunciado semana passada pelo governo é um primeiro passo, na visão do especialista, desde que os investimentos sejam preservados.

A curva de inflação no segundo mandato de Lula esteve sempre em alta, mas começou a preocupar em 2010, quando fechou em 5,91%, bem acima do centro da meta fixada pelo governo (4,5%). Entre as razões dessa escalada está o aquecimento da economia, turbinada pelo aumento dos gastos do governo no ano eleitoral.

Para 2011, a previsão é de inflação de 5,66%. Por isso, o Banco Central voltou a elevar a taxa básica de juros em janeiro, após cinco meses, para 11,25% ao ano. E deve continuar puxando a Selic para cima, até que a inflação esteja sob controle. O processo encarece as linhas de crédito, inibindo o consumo, com reflexos sobre o crescimento da economia.

Leite acha que o governo Lula teve um bom comportamento na área fiscal até a crise internacional de 2008 e 2009, quando as contas se deterioraram. De 2003 a 2008, o superávit primário (economia feita pelo setor público para pagamento de juros) praticamente dobrou, chegando a R$101,696 bilhões e as metas foram cumpridas.

Em 2009, a meta não foi alcançada, mas os especialistas aceitam a justificativa do governo, que adotou medidas anticíclicas para enfrentar a crise internacional, como a isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados de automóveis.

Em 2010, o governo se valeu de truques e artifícios para turbinar as receitas, abrindo espaço para a ampliação dos gastos do Orçamento. Na capitalização da Petrobras, fez uma manobra contábil que garantiu ao caixa um reforço de R$32 bilhões. Ainda assim, não conseguiu cumprir a meta de superávit primário pela segunda vez consecutiva. Economizou o equivalente a 2,78% do PIB, quando precisava chegar a 3,1%.

Dilma herdou uma carga tributária recorde, equivalente a 34,4% do PIB, e, no primeiro ano de mandato, não terá como promover qualquer tipo de desoneração, como planejava. O aperto fiscal, imposto pelo crescimento excessivo dos gastos correntes no governo anterior, impede Dilma de qualquer ação para melhorar o sistema tributário do país e a vida das empresas.

- Baixar imposto é exercício fácil, mas o governo precisa fechar as contas. Por isso, não pode abrir mão de arrecadação. Só quando houver redução de gastos, poderá se desenhar uma reforma tributária - diz o tributarista Ilan Gorin.

GOSTOSA

ELIANE CANTANHÊDE

Lenta e gradual. Segura?
ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/02/11

O Egito vive uma festa histórica, depois de mais de 10 milhões irem às ruas para derrubar o ditador Hosni Mubarak, que, em 30 anos, empobreceu dramaticamente a população e enriqueceu constrangedoramente a própria família.

Depois da festa, vem a ressaca e começa a acomodação de forças políticas e a definição do cronograma da redemocratização. Uma fase de divisões, conflitos, dissidências.

Na expectativa mais otimista, a Junta Militar e as oposições vão se unir para tirar o país da lama e do atraso, convocar eleições e articular uma constituinte. Mas... as Forças Armadas apoiavam no regime que caiu, e as oposições estão divididas em 14 partidos e agremiações, aí incluída a Irmandade Islâmica. Obter consenso de grupos tão heterogêneos e tão reprimidos durante tanto tempo não vai ser fácil.

Para quem prevê um destino a la Turquia, militarizada, ou a la Irã, teocrático, o embaixador Cesário Melantonio avisa que não é bem assim. Há nove anos e meio na região e há mais de três no Cairo, ele antes serviu exatamente nesses dois países. As diferenças são, antes de tudo, ancestrais: os três são muçulmanos, mas o Egito é árabe, a Turquia, otomana, e o Irã, persa.

Mas, se é para seguir exemplos, melhor que seja a Turquia, democrática e 27ª economia do mundo, enquanto o Egito é a 82ª, com metade da renda per capita. Já o Irã é xiita, confuso, mistura política e religião. O Egito é sunita, que separa.

Os próprios agentes das revoluções foram e agiram de formas bem diferentes. No Irã, os aiatolás assumiram. Na Turquia, os militares participaram da transição. No Egito, dois terços da população têm menos de 30 anos e metade tem internet, além de celular. Lutam não por teocracia, mas sim liberdade, crescimento e justiça social.

Apesar das naturais dificuldades do início, ou reinício, o processo no líder Egito é positivo e deve ter um efeito saneador no mundo árabe. As ditaduras que se cuidem.

MÍRIAM LEITÃO

Em boa hora
 Míriam Leitão
O GLOBO - 13/02/11

A hora é boa para analisar com visão estratégica a relação com os Estados Unidos, deixando de lado as birras do último governo e tendo uma atitude mais madura. Eles são e por muito tempo serão o maior mercado do mundo. Em quatro anos, o Brasil saiu de um superávit comercial de US$ 10 bilhões para um déficit de US$ 7,7 bilhões com os americanos. O que aconteceu?

Alguém pode dizer que é o câmbio valorizado do Brasil. Resposta insuficiente, por várias razões. O mundo tem superávit com os Estados Unidos e nós um déficit crescente. Eles eram, anos atrás, perto de um quarto da nossa corrente de comércio; hoje, representam menos de 10%. A boa razão dessa queda é que o Brasil aumentou a venda para outros mercados do mundo, diversificando mais o destino de nossas exportações.

Mas esse encolhimento é também fruto do descaso —e até implicância ideológica —que o Brasil dedicou aos Estados Unidos nos últimos anos. É boa hora para analisar toda a relação com os norte-americanos porque o presidente Barack Obama está vindo, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, acabou de vir em viagem preparatória, um novo governo começa no Brasil, e a virada da balança comercial tem números expressivos demais para serem ignorados.

Anos atrás, os Estado Unidos propuseram a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) Se aquele bloco seria bom ou não, é difícil dizer hoje, por que é uma espécie de acordo Porcina — foi, sem nunca ter sido. Só se saberia se ele seria bom se tivesse havido uma negociação. O Brasil copresidente da negociação com os EUA de um acordofez o que pôde, e com mau modos, para bloquear a negociação bem no seu início. A ideia de nos amarrar nu ma região de livre comércio com a maior economia do mundo talvez fosse mesmo uma má proposta,mas o Brasil teria que saber qual era o lance seguinte. E não soube Poderia ter tentado um acordo bilateral de comércio que fosse bom para as duas maiores economias das Américas. Em algumas áreas, as economias competem entre s como na produção de certa commodities, em outras, são complementares.

O desleixo com que foi deixada a relação com os Estados Unidos tinha um elemento estranho à diplomacia brasileira. Ela sempre foi, com raras exceções, independente e altiva. Sempre soube quando dizer “não” às pressões de Washington, mesmo no governo militar . Mas nos últimos anos entramos em brigas inúteis. De que nos serve, por exemplo, ecoar os gritos demagógicos de Hugo Chávez contra o “imperialismo” americano, se a Venezuela continua tendo nos Estados Unidos um enorme parceiro comercial? De que nos serve apoiar o programa nuclear como Irã, afiançando que ele é pacífico como o nosso, passando um recibo de ingenuidade ao mundo?




Bastava no caso do Irã manter uma boa relação, já que ele é nosso parceiro comercial, mas avalizar uma política nuclear cheia de perigosas ambiguidades é um equívoco. De que nos serve embirrar contra a solução encontrada para o impasse de Honduras?O Brasil estava certo quando ficou contra o golpe, errou quando passou a ser o protetor de Manuel Zelaya e deixou que a embaixada fosse usada como seu escritório político. De qualquer maneira, quando houve a eleição, o período presidencial de Zelaya já havia terminado. Mas o Brasil ainda não reconhece o governo de Honduras e com isso criamos situações embaraçosas do tipo “ou ele ou nós”, cada vez que se pensa em uma reunião dos países das Américas. Está na hora de avaliar todo o comércio com osEstados Unidos, passando raios X sobre oportunidades, contenciosos, cooperação e interesses para saber o que vamos propor nestas semanas em que se prepara avinda do presidente americano. Na diplomacia, quase tudo se conversa de véspera, por isso, a hora é esta.

Na política internacional, temos que avaliar melhor onde os conflitos com os Estados Unidos são inevitáveis e quais as brigas que eram apenas demonstrações infantis de independência. Não precisamos provar independência; sempre fomos independentes. Nossa política externa nunca foi caudatária. A diplomacia brasileira tem habilidade e esperteza suficientes para saber a diferença de uma briga realmente boa e as que são inúteis.O Brasil quer e merece ter uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, mas não deve depositar tudo nesse altar. Essa é uma grande divergência com os Estados Unidos. A eles, interessa manter o mesmo núcleo de países no Conselho formatado para um mundo que já foi transformado pela emergência de potências médias importantes, entre elas, o Brasil.O tempo corre anosso favor,mas atitudes estouvadas enfraqueceram a nossa posição.

Na diplomacia, o parceiro estratégico muda dependendo do tema. Brasil e Estados Unidos estão mais próximos em alguns temas e em posições opostas em outros. Portanto, é preciso reencontrar o caminho desse diálogo nos pontos em que os dois países se aproximam. A ideia de que o Brasil deve se alinhar à China contra os países desenvolvidos não faz sentido em várias questões. Na guerra cambial, tanto o dólar quanto o iuan estão desvalorizados, com a diferença de que a moeda chinesa é controlada, e o dólar reage a um excesso de emissão. Mas os dois países criam problemas para ao Brasil. Na luta contra as emissões dos gases de efeito estufa, nosso maior parceiro deveria ser a Europa, que há anos persegue seus cortes de emissão, e não a China, que é a maior emissora, ou os Estados Unidos, o maior emissor per capita e que não assinou o Protocolo de Kioto. É esse pragmatismo inteligente que precisa voltar a vigorar na diplomacia brasileira.

ANCELMO GÓIS

Segunda época
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 13/02/11

Veja um 3x4 do fracasso da educação no Brasil. Esta semana, Frei Betto foi abrir o ano letivo das escolas públicas do Vale do Aço, em Minas, e lotou, com umas 1.000 pessoas, a maioria professores, a catedral de Coronel Fabriciano.
Betto relata:
— Iniciei pedindo que levantasse a mão quem era professor. Quase todos. Em seguida, pedi que levantasse a mão quem sonhava ver o filho ou a filha professor. Contei seis mãos.

Breu na picanha
O Porcão da Barra, no Rio, espécie de Projac da picanha, vai pôr insulfilm nas janelas por causa dos paparazzi. A gota d’água foi a foto de Adriano tomando cerveja.

Verão da Dilma I
Dilma está fazendo moda nos salões de beleza da Barra. No Espaço Glecciano Luz, no bairro, 50 mulheres, desde janeiro, pediram corte igual ao dela.

Verão da Dilma II
Palavra de quem sabe. Os destemperos verbais de Dilma diminuíram muito em comparação a seus tempos de ministra.

Verão da Dilma III

De um atento observador das coisas de Brasília: “Lula tocava trombone. Dilma toca flauta.” Faz sentido.

No mais...
Dilma só esta há um mês e meio no poder — e, como se diz em Frei Paulo, no começo tudo são flores. Só o tempo vai dizer se esse chamego do Brasil com a presidente vai durar. Tomara que sim.

O acervo de Delfim
Delfim Neto, 82 anos, ex-ministro da Fazenda no regime militar, vai transferir sua biblioteca particular para a USP, onde foi professor emérito da faculdade de economia. O acervo, ouro em papel, reúne 315 mil itens.

Indústria do dano
Muito se fala, inclusive no Judiciário, de uma “indústria do dano moral”, em que consumidores processam empresas, sobretudo telefônicas, para ganhar indenizações gordas por reclamações, muitas vezes, miúdas. Pois o juiz Alexandre Leite, de Petrópolis, RJ, criou um modo original de driblar esta “indústria”: condenou Vivo e Claro a pagarem R$7 mil a um consumidor e mais R$13 mil a uma... instituição de caridade. Eu apoio.

Canções do exílio
“Canções do exílio: a labareda que lambeu tudo”, série dos coleguinhas Geneton Moraes Neto e Jorge Mansur, com Caetano, Gil, Jorge Mautner e Jards Macalé, sobre a onda de prisões pós-AI-5, exibida esta semana no Canal Brasil, vai virar filme.

Campo alternativo
Fla e Flu estão chegando à conclusão de que precisam de um estádio alternativo no Rio, ou melhor, no Grande Rio. As aulas de futsal no Viaduto de Madureira começam amanhã, numa parceria da Nike com a Cufa.

Rogério Bicudo lança CD na nova sede do Bola Preta, amanhã.

O engenheiro José Fernando Machado, da Graham Packaging, foi um dos 25 escolhidos no mundo para cursar o DDMI, no Japão.

Diretor do Departamento de Letras da PUC-Rio, Júlio Diniz fecha convênio com Consulado do Japão e Kyogen.

Amanhã, a partir das 19h, o Bloco de Segunda escolhe seu samba no Far Up, na Cobal do Humaitá.

O poeta Carlos Dimuro festeja hoje aniversário em família.

Luc Moullet está no Rio para a mostra de seus filmes no CCBB, até dia 20.

Franz Nelson
Alô, Eduardo Paes! Quem reparou foi o escritor e jornalista Flávio Moreira da Costa, biógrafo de Nelson Cavaquinho (foto), que faria 100 anos em 2011:
— Falta no Rio uma rua ou uma praça importante com o nome do grande compositor.

Aliás...
A rua em que o autor de “Folhas secas” morou no Jardim América tem nome de outro músico: Franz Liszt (1811-1886). Nada contra o compositor húngaro, claro. Mas Nelson merece homenagem igual.

É com esse que eu...

Outro compositor que faria 100 anos é Pedro Caetano, autor de mais de 400 músicas — entre elas, uma que diz assim: “É com esse que eu vou sambar até cair no chão/É com esse que eu vou desabafar na multidão...” O Instituto Cravo Albin celebra a data com uma exposição organizada pela filha do músico, Cristina Caetano.

Cena carioca
Há testemunhas. Papo entre duas manicures num salão de Copacabana, outro dia:
— Menina, agora, lá perto de casa, é uma alegria. É Bope, é Core, é Exército... os homão tudo sarado! Passei por um e disse: “É isso aí, ocupa mesmo, ocupa tudo, ocupa lá em casa!”

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

De volta ao palanque
EDITORIAL

O Estado de S.Paulo

Durou exatos 38 dias o retiro sabático de Luiz Inácio Lula da Silva. Foi só surgirem as oportunidades - o 11.º Fórum Social Mundial, em Dacar, Senegal, e a festa do 31.º aniversário do PT, em Brasília - para o ex-presidente subir de novo no palanque. Para variar, disse algumas, poucas, coisas sensatas (como o puxão de orelha nos sindicalistas "oportunistas" que estão pressionando pelo aumento do salário mínimo acima do previamente combinado com o governo) e, como de hábito, confirmando o dito popular segundo o qual quem fala muito dá bom dia a cavalo, exibiu o melhor de seu repertório: banalidades, incongruências e demagogia. O mais notável, porém, foi a revelação de um sentimento insuspeitado: ciúmes. Lula deixou claro, exaltou-se mesmo, ao manifestar sua inconformidade com o fato de os "formadores de opinião" tenderem a aplaudir e elogiar o comportamento de Dilma Rousseff em suas primeiras semanas no poder. Para ele, isso significa que se está tentando "criar diferenças" entre o seu governo e o de sua sucessora, com o objetivo de "desconstruir" sua administração: "O sucesso do governo Dilma é o meu sucesso. O fracasso de Dilma é o meu fracasso. Se a grande desconstrução do governo Lula é falar bem do governo Dilma, eu posso morrer feliz". Descontada a patética demagogia barata dessa manifestação, ela pode ser interpretada também como um incisivo recado aos "formadores de opinião": parem de falar bem da Dilma!

E para que cada um entenda como quiser, garantiu, exaltado, que elegeu Dilma para ela fazer mais e melhor, porque "se fosse para fazer o mesmo, eu teria disputado o terceiro mandato". E, com a mesma desfaçatez, completou: "Eu apenas não estou no governo. Mas sou governo como qualquer companheiro que está no governo".

Compreende-se que o ex-presidente esteja ferido em sua egolatria, mas as diferenças entre seu governo e o atual não são invenção da mídia. Elas saltam aos olhos, mesmo quando se trata apenas de questão de estilo. Para citar apenas um exemplo, este no âmbito externo: Dilma já deixou claro que não mais ignorará o desrespeito aos direitos humanos de regimes autocráticos como o do Irã e o de Cuba. Mesmo assim, em Dacar, cobrado pelos jornalistas a respeito da incoerência que significa apoiar tanto as manifestações populares contra o governo do Egito quanto o regime fundamentalista dos aiatolás, Lula saiu-se com uma tirada que beira o cinismo: "É diferente. No Irã tem eleições". Como se não soubesse que no Egito também há eleições. Há outra diferença notável: em apenas duas ocasiões, em Dacar e Brasília, Lula falou muito mais do que Dilma em 40 dias de governo.

Além da revelação do ciúme de sua sucessora, o retorno do ex-presidente indicou, claramente, o papel que ele pretende desempenhar na cena internacional. Lula e seus conselheiros diplomáticos gostam de se jactar de que em oito anos de intensa participação conseguiram transformar o Brasil, de mero coadjuvante, em protagonista dos foros diplomáticos. Não passa, é claro, de uma pretensão desmontada pelas evidências. O Itamaraty não obteve, durante os dois mandatos de Lula, sequer uma conquista diplomática significativa. Ao contrário, protagonizou uma série de intervenções desastradas - Honduras e Irã, para citar apenas dois exemplos - e comprometeu qualquer possibilidade de êxito a curto prazo de sua maior ambição diplomática: a admissão do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Apesar disso, Lula está convencido, e o demonstrou em seu discurso no Fórum Social Mundial, de que tem um importante papel a cumprir como líder na luta contra os "países ricos" que só pensam em infelicitar a Humanidade: "Não pensem que lá (no G-20) tem sensibilidade para o problema da fome, para os problemas dos pobres do mundo. (...) Só fomos chamados para a reunião dos países ricos quando eles entraram em crise e precisaram do nosso apoio". Lula esbaldou-se falando mal dos Estados Unidos e da Comunidade Europeia, para uma plateia entusiasmada de "esquerdistas" de todos os matizes e procedências. É o velho Lula que volta com tudo e - quem diria! - com ciúmes de Dilma.

GOSTOSA

SUELY CALDAS

Dilma e os erros do passado
SUELY CALDAS
O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/02/11
Quando os ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo propuseram um plano de corte gradual nos gastos do governo até zerar o déficit público nominal, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, desqualificou a ideia, acusando-a de "rudimentar". Dilma ganhou a briga e o plano, o lixo. Cinco anos depois, no papel de presidente, e Palocci, no de seu principal ministro, Dilma começa a gestão efetuando um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento do governo. Se em 2005 concordasse com a proposta de Palocci, muito provavelmente o desequilíbrio fiscal seria hoje uma página virada e Dilma estaria cuidando de planejar investimentos em vez de cortá-los.

Mas a trajetória de crescimento econômico seria a mesma? Difícil prever com exatidão um futuro que não aconteceu. Mas o quadro econômico da época era favorável, o mundo surfava numa onda de crescimento que sustentou a expansão do PIB no País por pelo menos três ou quatro anos. Ou seja, mais do que o mercado interno, a economia externa garantiu o aumento de produção nesse período. Portanto, cortes de despesas do governo pouco afetariam o desempenho econômico. O plano Palocci/Bernardo veio num momento raro na história, uma oportunidade ímpar para o País resolver seu dilema fiscal que, desde a ditadura militar, impede a queda dos juros, expande a dívida pública e cria riscos ao crescimento contínuo e sustentado.

Às vezes a vida impõe lições que só aprendemos depois do erro. No governo passado, Dilma errou. Por inexperiência? Provavelmente. Por arroubos ideológicos? Certamente menos. Embora trouxesse na bagagem um modelo de ação em que o Estado não apenas regula, mas interfere, ocupa espaços que não deve e nem a ele cabem. Por vezes confundiu funções de Estado com de governo. Caso das agências reguladoras.

Em 2003, Dilma rejeitava a ideia de dar às agências autonomia de ação e decisão, caracterizando-as como funções típicas de Estado. Enfraqueceu-as e transferiu suas atribuições para os ministérios. Não entendeu que para bem servir a população as agências precisam estar longe de onde atuam os políticos, propondo suas barganhas e favores. Mas ela aprendeu com o erro. Tanto que, no discurso da vitória, garantiu: "As agências reguladoras terão todo meu respaldo para atuar com determinação e autonomia". Dilma hoje é diferente da arrojada e estreante ministra de Minas e Energia do passado. E, aparentemente, sem traumas ideológicos.

Embora esse corte de R$ 50 bilhões (6,1%) seja maior do que o de 2003 (5,13%), o mercado financeiro olhou atravessado e a desconfiança refletiu-se no mercado futuro de juros, que subiu em vez de cair. Diferentemente do corte de 2003 - anunciado por Palocci e Mantega (esse, ministro do Planejamento na época) e recebido com confiança, até susto. E por que agora não?

Entre outras razões, o desempenho de Mantega em relação aos indicadores econômicos de 2010 deixou sequelas. Afinal, ele passou o ano inteiro insistindo em que a meta cheia de superávit primário seria rigorosamente cumprida - e não o foi. Recorreu a maquiagens grosseiras (empréstimos ao BNDES e capitalização da Petrobrás) para engrossar a receita, desmoralizando o contorcionismo matemático do governo. E, finalmente, deixou correrem livremente os exagerados gastos eleitorais de Lula. Se o ministro é o mesmo, como confiar?

Os analistas esperam o detalhamento dos cortes - prometido para a próxima semana - para uma avaliação mais segura do futuro. Oxalá a descrença seja desfeita. Mas, se o ministro aparecer com novo empréstimo ao BNDES, transformando débito em crédito, não há como recuperar a confiança.

Na quarta-feira, Mantega deu três alternativas de destino à eventual sobra, caso a receita fiscal engorde a meta definida. Nenhuma delas contempla pagar o principal e reduzir o estoque da dívida pública. Se assumisse com seriedade tal compromisso, poderia abrir caminho para restabelecer a credibilidade. E daria uma chance à presidente Dilma de corrigir o erro cometido em 2005.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Angra receberá R$ 1,8 bilhão neste ano
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/02/11

A usina nuclear Angra 3 deve receber neste ano um aporte de R$ 1,8 bilhão, dos cerca de R$ 10 bilhões que estão programados para serem injetados no projeto.
Os investimentos começam a engrenar, segundo a estatal responsável, Eletrobras Eletronuclear.
Em 2010, ano de retomada da construção, foram direcionados R$ 300 milhões ao empreendimento, que se encontra na fase inicial das obras civis, com cerca de 10% da construção realizada até janeiro.
A retomada do ritmo também se traduz em número de trabalhadores, de acordo com a estatal. Mais de 2.200 pessoas estão hoje empregadas pela Andrade Gutierrez, empresa responsável pelas obras civis. Cerca de 4.000 postos devem ser criados nessa primeira fase.
Será lançado neste mês o edital para a contratação dos serviços da montagem eletromecânica, licitação estimada em R$ 1,5 bilhão.
O projeto da obra de Angra 3 ficou parado por 23 anos. A construção foi interrompida em 1986 por falta de recursos públicos, custo alto e dúvidas sobre a conveniência da matriz nuclear.
A previsão agora é que a nova unidade entre em operação no final de 2015.
Até janeiro, foram renegociados 17 contratos para equipamentos e serviços, acordos que haviam sido firmados nos anos 1980.
O valor dos contratos novos ou renegociados até agora chega a aproximadamente R$ 1,7 bilhão.


MOTOR LIGADO
Após dar fim a uma disputa na Justiça com seu antigo revendedor nacional, a dona da marca norte-americana de motocicletas Harley-Davidson anuncia nesta semana a sua estratégia própria para o Brasil.
A Harley-Davidson do Brasil, subsidiária da Harley-Davidson Motor Company, vai iniciar suas atividades como prioridade da corporação.
"O plano é transformar a subsidiária brasileira em uma das maiores operações da empresa fora dos EUA", de acordo com o diretor Longino Morawski.
A primeira ação é expandir a rede de lojas. Na fase inicial, serão 13 concessionárias nos próximos meses.
O conflito com o revendedor Grupo Izzo terminou em acordo no final do ano passado. A disputa envolvia os prazos do contrato de exclusividade de venda que o Izzo possuía no Brasil.
As lojas do Izzo passam a levar o nome de outras marcas que distribui, como Ducati e KTM.

VIDA SEGURA
A procura por seguros de vida cresceu em 2010, segundo empresas do setor.
A Marítima Seguros registrou aumento de 23,3% ante 2009 e os prêmios na carteira de seguros de pessoas atingiram R$ 60,4 milhões.
A empresa tem mais de 355 mil clientes entre seguros de vida e de acidentes pessoais.
"Seguros de vida ainda têm espaço para crescer", diz o superintendente da companhia, Samy Hazan. "Na Marítima, a expectativa é de aumento de 15% nos resulatados", acrescenta Hazan.
O volume das vendas de apólices de vida da Porto Seguro em 2010 foi de R$ 311,8 milhões, uma alta de 16,4%.
A SulAmérica, por sua vez, teve alta de 8,3% e chegou a 2,3 milhões de clientes no ramo de vida.

ARQUIVE-SE
A Intel Semicondutores, subsidiária da norte-americana Intel Corporation, conseguiu cancelar na Justiça o registro de uma empresa brasileira que utilizava a marca Intel no nome comercial.
Não há mais a possibilidade de recurso.
Os advogados argumentaram que a empresa estava há mais de dez anos sem enviar documentos à Junta Comercial. Nesse caso, ela é considerada inativa e precisa ter seu registro cancelado.
A decisão pode ser usada por outras companhias na mesma situação, afirma Andrew Bellingall, do escritório Daniel Advogados, defensor da Intel. "A Junta Comercial tem de arquivar o nome da empresa inativa", diz.

O QUE ESTOU LENDO

Alexandre Gama, presidente da Neogama/BBH

O presidente da agência de publicidade Neogama/BBH se dedica à leitura de "Em Alguma Parte Alguma", do maranhense Ferreira Gullar. No livro, o poeta reflete sobre a existência, a morte e outros temas. "Gullar escreve sobre o estranhamento de si mesmo, do mundo e das coisas. Mas um estranhamento que, de alguma forma, desemboca em deslumbramento", diz o publicitário sobre o autor. "Os textos e poemas extraem mágica da realidade do dia a dia e da vida. O poeta atingiu um nível de maturidade que só muitos anos de vida e conteúdo podem adicionar a quem já tem tanto talento", afirma Gama. Gullar é colunista da Folha.
Reprodução


EM ALGUMA PARTE ALGUMA
de Ferreira Gullar
EDITORA José Olympio
QUANTO R$ 30 (144 págs.)
GÊNERO Poesia

Negócios... A Amcham (Câmara Americana de Comércio Brasil-EUA) promove sua segunda missão comercial para a China em abril, mesmo mês em que a presidente Dilma Rousseff viaja para o país.

...do Oriente
As empresas que participaram da primeira missão, em outubro, melhoraram as condições dos negócios com os chineses, de acordo com a entidade.

Tequila A brasileira Cristália quer lançar seu remédio contra disfunção erétil no México. A patente do concorrente Viagra ainda vale no país, o que impede a entrada de genéricos e favorece a de concorrentes com outros princípios.

Para 2014 
A Oi disponibilizou banda larga por fibra ótica em Manaus, consolidando rede nas cidades da Copa.

com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK, VITOR SION e ANDRÉA MACIEL

MUITO, MUITO RICO

VINICIUS TORRES FREIRE

Ainda a tesourada
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/02/11
Pouco se discute a baixa da qualidade do gasto público causada por ajustes fiscais improvisados e abruptos

CORTAR OS gastos do governo de uma hora para outra parece um pouco com virar a noite estudando para uma prova depois de um semestre inteiro de vadiagem na escola. Em geral, dá em besteira.
O improviso atabalhoado do corte de R$ 50 bilhões do Orçamento federal é um aspecto pouco mencionado nos debates. É fato que nem o governo ainda tem muita ideia de onde vai cortar, o que dificulta a discussão da qualidade da tesourada.
No entanto, um conhecimento básico dos engessamentos da despesa do governo federal permite intuir que um corte dessa dimensão, realizado num ano apenas, vai acabar prejudicando os investimentos. Aliás, trata-se quase de uma tradição, o "ajuste via investimento".
Sim, o governo Dilma Rousseff merece o benefício da dúvida, ou ao menos o direito de não ser criticado antes de apresentar a planilha de mágicas e milagres com suas intenções de contenção de despesas. Mas vai conseguir cumprir sua promessa de não mexer na despesa com benefícios sociais e nos investimentos?
Como escreveu Maurício Oreng, economista do Itaú, em relatório divulgado na quinta-feira passada: "A magnitude dos cortes orçamentários anunciados ontem naturalmente envolve riscos de execução. Em nossa opinião, para esse ajuste se materializar, são estritamente necessárias reduções nos investimentos federais, além das economias com custeio da máquina".
Em outro estudo sobre problemas fiscais, de janeiro, mas ainda compatível com o presente corte prometido pelo governo, o pessoal do Itaú estimava que, para um aumento real da despesa de 2% em 2011, haveria crescimento de 5% dos custos com a folha de pagamento, de 3% com as aposentadorias, de 19% com outras despesas obrigatórias e uma queda brutal de 19% com as despesas de investimento. Ruim.
Há outras estimativas na praça, mas todas elas desconfiam da possibilidade de que o investimento do governo fique intocado.
Trata-se de uma degradação na qualidade do gasto federal. Embora crescente além da conta nos anos Lula, o gasto era de melhor qualidade -sua composição melhorava. De 2009 para 2010, a despesa com investimento subira 15%; entre 2004 e 2008, 21% ao ano. Nesses mesmos anos, a despesa com servidores subira 7% e 6%, respectivamente. Com aposentadorias, 7% e 8%.
Um problema ainda mais ignorado é a degradação contínua da qualidade "política" da execução orçamentária. Primeiro, o Congresso aumenta despesas, já altas demais, com base em previsões amalucadas de crescimento da arrecadação de impostos e da economia. Segundo, um governo que já não é obrigado a cumprir as determinações de gastos (deve observar apenas o teto das despesas) reorganiza como quer a bagunça do Congresso.
Ou seja, a gente dá de barato que o Congresso não cumpra nem possa cumprir o papel primevo dos parlamentos: controlar o arbítrio do rei.
A degradação não para por aí. O governo pode executar despesas autorizadas por orçamentos dos anos anteriores e empurrar com a barriga despesas previstas para este ano. Aumenta ainda mais o seu poder de arbítrio, de barganha política menor e, de resto, desorienta a expectativa de cidadãos a respeito de serviços públicos e de empresas a respeito de investimentos. Primitivo.

ADRIANA FERNANDES

O 'gastador' Mantega agora tem de fechar o cofre
ADRIANA FERNANDES
O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/02/11
BRASÍLIA - O ministro da Fazenda é o mesmo, mas o Guido Mantega do governo Dilma Rousseff perdeu as certezas que tinha no governo Lula. É uma "desenvolvimentista" que agora tem de ser "fiscalista", mas ainda não consegue convencer o mercado das intenções apregoadas. Está no meio de um debate cruzado e com medo de virar o ministro que pode derrubar o crescimento da economia. No governo Lula, a posição era confortável: brigava com o Banco Central de Henrique Meirelles e navegava na fama de fazer "o que Lula mandava", um ministro colado em um chefe com 80% de popularidade.


Agora, Mantega tem uma chefe que entende e debate economia, tem Antonio Palocci, chefe da Casa Civil, tem Alexandre Tombini no BC - que não faz grande diferença em relação a Meirelles -, mas tem a oposição de técnicos no próprio Ministério da Fazenda.


Ajuste de verdade. Com a obrigação de enfrentar a pressão da inflação herdada do governo Lula, Mantega está sendo cobrado para fazer um ajuste fiscal de verdade, e não os R$ 50 bilhões anunciados na quarta-feira passada - quase 40% são cortes de emendas dos parlamentares.


Preservando todo o custeio em saúde, educação e assistência social, como prometido, o ajuste de Mantega só seria possível se não comprasse uma resma de papel para manter a máquina burocrática.


Parte da equipe da Fazenda avalia que os cortes prometidos e os que virão - se o ajuste fiscal for para valer - reduzirão os investimentos e afetarão a atividade econômica. Esses técnicos defendem um norte mais claro para a política econômica do governo Dilma.


Para esse grupo, o ministro estaria errando no tom ao apoiar a tese de que o aumento dos gastos públicos tem papel decisivo no aumento da demanda. A visão contraposta diz que a inflação em alta estaria mais associada à mudanças estruturais na economia brasileira, que ainda não foram atacadas.


Um exemplo seria a política de reajustes reais do salário mínimo - 53% no governo Lula -, que teve papel decisivo nos últimos anos para o aumento da distribuição de renda. Esses aumentos é que estariam agora puxando a inflação.


Ambiguidades. No cenário de debate contido, Mantega começa a amplificar publicamente as ambiguidades do discurso cotidiano. Em uma semana negocia com empresários a desoneração da folha de pagamentos e novas medidas de estímulo setorial. Dias depois, anuncia cortes no Orçamento e coloca em banho-maria a discussão sobre as desonerações.


Nos bastidores, alguns integrantes da equipe econômica dizem que para cada desoneração haverá uma nova tributação. É a política do cobertor curto: para abrir mão dos impostos sobre a folha de pagamentos terá de haver uma reposição da arrecadação. Traduzindo: liberar com uma mão e cobrar um novo tributo com a outra.


O ministro sabe que os empresários resistirão ao truque, mas, mesmo cultivando a contradição, também não quer abandonar a discussão, que é uma promessa de campanha de Dilma. Mantega mantém o debate na esperança que haja uma recuperação da arrecadação de tributos e ele possa emplacar uma solução negociada para a desoneração da folha.


"Gastador". Além do constrangimento no combate à inflação, Mantega carrega outro fardo: a desconfiança que o "ministro gastador", responsável por sancionar uma política de aumento recorde de despesas durante o governo Lula, levanta diante de tantas incertezas quanto à manutenção do superávit primário em níveis adequados para um País com dívida pública interna na casa do R$ 1,7 trilhão.


Mantega sempre combateu a fama de "gastador" com o discurso da garantia de cumprimento das metas fiscais. Usou e abusou dessa ambiguidade, mas no fim do ano se rendeu à realidade: só conseguiu fechar as contas públicas com o superávit prometido - 3,1% do PIB - recorrendo a artifícios contábeis. Fez 2,78% e precisou completar abatendo da meta despesas do PAC.


Essa contradição marcou a gestão de Mantega nos dois mandatos de Lula e o preço está sendo cobrado agora, no momento em que o aperto nos gastos públicos voltou para a lista de exigências dos agentes econômicos. O governo não está refém do mercado, mas o pessimismo em torno da inflação ganhou espaço. Mais que isso: preocupa o Planalto.


Diante de uma inflação em alta, a batalha do ministro, que precisa passar credibilidade, é para fazer de 2011 o ano de ajuste fiscal. E agora Mantega chama o controle de gastos de "consolidação fiscal".


Durante a campanha eleitoral, a então candidata Dilma Rousseff prometeu não fazer o ajuste fiscal em "hipótese nenhuma". Ao assumir, em janeiro, Dilma, sem querer dar um choque na taxa de juros para conter a alta da inflação, optou pelo ajuste.


Mudança de roteiro. A mudança nos roteiros e discursos da presidente da República e de Mantega é atribuída ao novo momento econômico. Depois da fase de aceleração do crescimento e, mais tarde, de combate à crise financeira, o ministro tem agora de colocar o País numa trajetória de expansão sustentável. O governo já sabe que vai demorar mais tempo para trazer a inflação para o centro da meta e que o ritmo de crescimento terá de desacelerar na direção do chamado PIB potencial (o quanto a economia tem condições de crescer sem comprometer o controle da inflação), estimado entre 4,5% e 5%.


Enquanto isso, um desconfortável Mantega exercita a prática do equilibrismo.

GOSTOSA

CLÓVIS ROSSI

O Egito e seus dois mistérios
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/02/11

A manchete desta Folha de sábado capturou em apenas duas linhas, com rara felicidade, 30 anos de história: "Em 18 dias de protestos, egípcios derrubam ditador de 3 décadas".

O título embute duas questões que eu pelo menos não consegui responder, por mais que tenha me dedicado com toda a paixão à conjuntura desde a eclosão da revolta na Tunísia, a mãe de todas elas.

Primeira questão: por que agora, depois de 30 anos? Na verdade, muito mais de 30 anos. Para ficar só no Egito, apenas no século 19 houve algo que se poderia chamar de democracia, mesmo assim com muita liberdade poética.

Nem havia agora a pressão, adicional à falta de democracia, de uma situação econômica dramática. Ao contrário, o país vem crescendo à média de 5%, mais do que a média brasileira dos últimos oito anos de glorificação do governante.

Claro que o crescimento é terrivelmente mal distribuído, mas essa é uma característica eterna nos países periféricos e que começa a contaminar os desenvolvidos.

Por que então, de repente, as massas saem às ruas e nela ficam 18 dias ininterruptos, até ganhar?

Segunda questão: foram os egípcios, assim anonimamente, que derrubaram o ditador? Não havia aiatolás a instigá-los, como no Irã de 1979, especialmente uma figura mitológica como Khomeini. Não havia igrejas protestantes a dar-lhes abrigo, como no início dos protestos na então Alemanha Oriental. Não havia um sindicato Solidariedade a desafiar a institucionalidade comunista como na Polônia.

Talvez - e forçando a mão - a única similitude seja entre o jornalista Camille Desmoulins, arengando à massa até a tomada da Bastilha, em 1789, e Wael Ghonim, o executivo do Google iniciando a convocação dos protestos no Egito.

O fato é que o Egito - 2011 representa um tremendo desafio para jornalistas e historiadores.

MERVAL PEREIRA

Valores universais
Merval Pereira
O GLOBO - 13/02/11

As revoluções ocorridas na Tunísia e no Egito, para o ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio, Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, são a melhor ilustração de que os direitos humanos, tal como a democracia, são valores universais e, como tais, devem prevalecer nos países árabes.

“O que vimos os seus povos reclamar? Liberdade, direitos e democracia”, comemora, para ressaltar: “Quem pretendia que as divisões entre o Norte e o Sul do Mediterrâneo eram clivagens de civilização tem nesses exemplos amais bela demonstração de que assim não é”. Jorge Sampaio destaca que “não vimos coptas (egípcios cujos ancestrais abraçaram o cristianismo,um dos principais grupos etno-religiosos do país) contra muçulmanos, nem condenações de religião alguma. Não vimos guerras entre etnias, nem raças, nem culturas, nem religiões. Vimos apenas homens e mulheres reivindicando liberdade, dignidade, justiça e democracia”.Em definitivo, diz ele, estamos perante direitos universais, “mas a verdade é que não se trata de bens exportáveis, a sua realização não obedece a um formato único. Ignorá-lo e pretender impô-los é a melhor forma de aliená-los”.

Para ele, “independentemente do quadro jurídico por que se pautará esta fase de transição até às eleições, importa que a sociedade civil se organize, que o espaço político se estruture também, de forma a que se criem as condições de um regime democrático pluralista”. Jorge Sampaio acha que, embora as chamadas redes sociais tenham sido fundamentais para a mobilização, estas só funcionaram “porque o descontentamento era partilhado por largas franjas da população, que se uniu para defender o que entendeu ser essencial para o seu futuro e o do país”. O ex-presidente de Portugal acha difícil imaginar que grupos islâmicos, como a Irmandade Muçulmana no Egito, não terão influência nas mudanças, mas diz que se deve, em primeiro lugar, “evitar o reflexo corrente da demonização”.

Importa também, ressalta, “evitar estereótipos que não traduzem devidamente a complexidade da realidade — éo caso da “Irmandade Muçulmana”, porque ninguém sabe bem a que corresponde hoje, como evoluiu nas últimas décadas e como se vai desenvolver agora num regime democrático”. Para Jorge Sampaio, o que importa é “ver como tal grupo se vai acomodar ao sistema partidário em que se baseia qualquer democracia pluralista”.



O mais importante, diz ele, “é criar condições de diálogo e concertação políticas que deverão prevalecer sobre a exclusão, que é sempre força de radicalização”. O Alto Representante daONU para a Aliança das Civilizações admite que haja o perigo de essas reivindicações desaguarem em governos radicais, como aconteceu no Irã depois da queda do Xá, “porque de momento a incerteza é grande e tudo permanece ainda em aberto. Mas não há nenhum determinismo, portanto cessemos de utilizar o medo como forma de condicionamento.

Cada país deve encontrar o seu caminho e a democracia não é de tamanho único”. Em vez de especularmos sobre os perigos, diz Jorge Sampaio, “importa cooperar com essas sociedades porque a democracia, o diálogo e o pluralismo também se aprendem. Importa utilizar todos os fóruns de cooperação — bilateral e multilateral — para fazer dessas revoluções democráticas um sucesso para os povos e a Humanidade”.

O ex-presidente de Portugal diz que essas sociedades “precisam de planos maciços de cooperação—não só econômica,mas também social e política, a nível governamental,mas também das sociedades civis — para que possam fazer a transição de uma forma pacífica e sustentada”. Ele acha que está em tempo de a União Europeia “realizar o sonho subjacente ao processo de Barcelona, mais tarde retomado pela União para o Mediterrâneo. A melhor forma de prevenir que essas reivindicações deságuem em governos radicais é fazer por eles o que a Europa e a perspectiva da integração europeia trouxe a Portugal e Espanha quando fizemos a nossa transição democrática”.

Sampaio comenta, a propósito da mudança de atuação dos Estados Unidos de Barack Obama na crise, que “em política externa é essencial não repetir erros. Tanto o Egito como os Estados Unidos são parceiros demasiado importantes, quer no plano das suas relações bilaterais quer no tabuleiro geopolítico-estratégico da região. A política da exclusão só ajuda o extremismo e a radicalização”. Por outro lado, diz ele, “está claro também que, para além do hardpower, é essencial investir em instrumentos de softpower e na capacitação acrescida das sociedades civis”.

Jorge Sampaio não tem dúvidas acerca da importância do acordo de paz entre o Egito e Israel ser crucial “não só para as duas partes, mas para toda a região e não só, pois é bem sabido que se existe alguma região globalizada é a do Médio Oriente”. Pela sua “excepcional e extrema importância”, ele acredita que o acordo fará parte “dos pilares da fase de transição, por um lado, e que, depois das eleições, a democracia egípcia o saberá preservar como pedra basilar da sua política externa”. Mas Sampaio acredita que este processo de democratização do Egito “é tão excepcional”, que qualquer democracia —em especial a israelense — “deveria também pesar o impacto de expressar a sua solidariedade para com o povo egípcio, com gestos de semelhante excepcionalidade”.

■ ■ ■ ■ ■ ■

Na abertura da coluna de ontem, ficou sobrando um “que” na primeira frase. A correta é: “O fato de, durante os vários dias que duraram as manifestações no Egito, até o fecho com a renúncia do ditador Hosni Mubarak, não ter havido nem bandeias de outros países queimadas, nem slogans que não fossem relacionados com as reivindicações nacionais, é ‘inédito e muito significativo’ para Jorge Sampaio, ex-presidente de Portugal e atual Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações”.

SEMPRE ATRASADO

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

Copa: preparativos abagunçados
EDITORIAL

O Estado de S.Paulo - 13/02/11

Orçamentos estourados, obras atrasadas, falhas graves nos projetos, risco de prática de sobrepreço e falta de clareza nos documentos e atos oficiais são algumas das irregularidades detectadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) nas ações para a Copa do Mundo de 2014. No primeiro relatório consolidado sobre os preparativos para a Copa, assinado pelo ministro Valmir Campelo, o TCU adverte que os problemas já identificados criam condições para que se repita o que ocorreu com as obras dos Jogos Pan-Americanos de 2007 no Rio de Janeiro, cujo custo foi 300% maior do que o previsto.

No início de 2010, o governo federal assinou com os governos estaduais e as prefeituras das cidades que sediarão os jogos da Copa as "matrizes de responsabilidade", que fixam as competências de cada nível de governo, definem o cronograma das ações e apontam os valores a serem investidos em cada projeto. O relatório do TCU adverte que essas matrizes "não estão sendo rigorosamente observadas pelos diversos entes federativos envolvidos no evento, dado que existe divergência nos valores previstos e descumprimento de diversos prazos determinados". Esse fato, de acordo com o relator, indica "possível fragilidade no processo de acompanhamento por parte do Ministério do Esporte, característica que dificulta muito as ações de controle".

Um dos integrantes do governo Lula mantidos no cargo pela presidente Dilma Rousseff, o ministro do Esporte, Orlando Silva, ocupa o Ministério desde 2006, tendo sido responsável, na esfera federal, pelas obras do Pan-2007. No caso dos preparativos para a Copa, ele ainda não enviou ao TCU as "matrizes de responsabilidades" para as obras nos portos e aeroportos, elaboradas em julho do ano passado, "dificultando a transparência das ações", observou Campelo.

Grandes diferenças entre o valor registrado na "matriz de responsabilidade" e o valor do contrato foram constatadas pelo TCU. As obras do novo estádio da Fonte Nova, em Salvador, por exemplo, estavam orçadas em R$ 591 milhões, mas foram contratadas por R$ 1,6 bilhão. O projeto de construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) em Brasília tinha orçamento de R$ 364 milhões na "matriz de responsabilidade", mas a obra foi contratada por R$ 1,55 bilhão.

Na reforma do Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, o TCU constatou diferença de preços (orçada em R$ 600 milhões, a reforma foi contratada por R$ 705 milhões), mas esse não é o principal problema do contrato. Faltam detalhes das obras. Nas reformas dos Estádios Verdão, em Cuiabá, e Mineirão, em Belo Horizonte, foram apresentadas, respectivamente, 702 e 1.309 plantas. Na do Maracanã, apenas 37.

"Como não há projetos de engenharia suficientes para caracterizar os serviços contratados, a planilha (de custos) beira a mera peça de ficção", afirma o relatório. A fragilidade da planilha pode dar margem a diversas revisões contratuais, de modo que o custo final poderá ser muito maior do que o valor contratado. "Não há qualquer segurança de que a planilha contratual, derivada do orçamento-base, contemplará o custo real e efetivo da obra", adverte o relatório.

Por causa disso, o TCU recomendou ao BNDES que libere apenas 20% do financiamento de R$ 400 milhões para a reforma do Maracanã (o governo fluminense entrará com os R$ 305 milhões restantes).

Também contratos na área de transportes apresentam falhas, atrasos e estouro nos orçamentos. Das obras anunciadas, algumas nem têm projeto básico, como a do monotrilho de São Paulo. No caso do monotrilho de Manaus, a Controladoria-Geral da União emitiu nota demonstrando a inviabilidade do projeto, por causa de seu alto custo e do risco de não ser concluído até a Copa. Além do custo excessivo, o contrato do VLT de Brasília apresentou irregularidades que exigiram a suspensão e a paralisação da obra, da qual só foram executados 2%.

Medidas preventivas foram sugeridas pelo TCU aos responsáveis pelas obras, para evitar que elas sejam paralisadas no futuro por irregularidades. Resta saber se elas serão suficientes para proteger com rigor o dinheiro público.