O GLOBO - 02/11
Temos uma aguda consciência das diferenças e dos abismos que separam e distinguem indivíduos e coletividades. Não há mais nenhum lugar inocente e sem sofrimento
Uma fábrica é uma máquina de igualdade. Seu objetivo é produzir coisas iguais, e sua reputação tem a ver com a capacidade de produzir perfeitamente o mesmo do mesmo. O problema é que, começando com o seu proprietário, a igualdade da produção em massa promove, em outros níveis, uma brutal desigualdade.
Por outro lado, é impossível não constatar a impossibilidade de produzir objetos idênticos em sociedades não industriais. Quando eu vivi com os índios apinayé, surpreendia-me o fato de todos saberem quem eram os autores dos objetos — cestas, esteiras, arcos, bordunas, flechas ou enfeites — que eu havia adquirido para o museu onde trabalhava.
O igual é o modelo do fabricado. Todos seriam iguais perante a lei e igualmente iguais perante certos bens e serviços oferecidos pelo Estado ou adquiridos por meio do dinheiro, cujo valor é — vale falar no óbvio — igual para todos. Mas não se pode esquecer do “perante”. É a lei que é igual para os diferentes entre si.
Numa sociedade cujo ideal é a igualdade, as desigualdades seriam lidas como anomalias, perversões e hóspedes não convidados. Mas nem nas sociedades tribais fundadas na família, com tecnologia produzida por seus próprios membros, existe uma igualdade concreta. Há desigualdades, mas elas são transformadas em particularidades e pertencimentos. Cada grupo interno — metades, associações, linhagens — diferencia produzindo interdependências sem as quais o sistema ficaria abalado.
Ademais, entre os apinayé os demiurgos Sol e Lua, inventaram a Humanidade atirando cabaças nas águas de um ribeirão. As cabaças afundavam e, quando voltavam à tona, estouravam, e delas saíam pessoas. Sol produziu gente sadia e bonita. Mas Lua interferiu e começou a dizer baixinho: feio, cego, surdo e assim surgiram as diferenças. Quando Sol interpelou Lua, ele replicou que um mundo sem diferenças não ia dar certo.
Eis uma concepção na qual a descontinuidade não é fruto da desobediência da criatura, mas é instituída pelos criadores. Acrescento, contudo, que antes do contato com o “civilizado”, as diferenças materiais entre os membros desta coletividade eram mínimas e que a dinâmica que os une e desune é a da filiação e da afinidade, debaixo de uma ética de reciprocidade.
No nosso caso, a questão é outra. Como diz Lévi-Strauss, nós vivemos num mundo incapaz de fidelidade a si mesmo. O vir-a-ser é o tema dominante da nossa cosmologia fundada no individualismo, no progresso e, consequentemente, num futuro no qual tudo vai (ou deveria) se resolver. Temos uma aguda consciência das diferenças e dos abismos que separam e distinguem indivíduos e coletividades. Não há mais nenhum lugar inocente e sem sofrimento. Vivemos o fim das Shangri-Lás, e ninguém sabe mais quem foi James Hilton.
A novidade de um mundo globalizado é a descoberta de que nenhuma sociedade é perfeita mais adiantada. A globalização obriga a rever utopias. As musas da modernidade — liberdade, fraternidade e igualdade — são complicadas na prática. Muita igualdade liquida a liberdade. Muita liberdade dramatiza os limites das diferenças e racionaliza a exploração humana. Se o planeta é de todos, como aceitar que alguns países tenham o poder de tudo destruir?
No Brasil, o problema é como acabar de vez com o “Você sabe com quem está falando?”, esse brasileirismo inventado como último recurso hierárquico e escravista contra a igualdade republicana que obriga a entrar na fila, ser parado por um guardinha qualquer, ser compelido a responsabilidade quando se ocupa um cargo público e — eis o escândalo dos escândalos — ser enjaulado por um crime porque a lei vale mesmo para todos, e a igualdade perante e lei acaba com os privilégios. Antes de sermos presidentes, ministros, juízes, senadores e donos de grandes empresas, somos todos cidadãos. Mas como lidar com a contradição que transforma um eleito pelo povo com o nosso dinheiro numa superpessoa acima da lei? Ontem ele pedia votos, hoje — eleito por meio de um fundo partidário! — ele acha legítimo assaltar os cofres públicos.
É desprezível essa batalha judicial (mistificada como política) para manter privilégios. Estou convencido de que o discurso quase sempre vazio que enquadra as pessoas no velho dualismo de direita e esquerda dissimula muito mal o cerne da questão: somos uma sociedade dividida entre aristocratas (ancorados no Estado) e babacas — as pessoas comuns. Os que conhecem os limites dos seus papéis sociais e, com o seu trabalho, sustentam um palacianismo kafkiano de direita e de esquerda, duro de eliminar. Somos os últimos escravos...
Roberto DaMatta é antropólogo
ESTADÃO - 02/11
Na era cibernética, até o castigo ‘avoa’ nos ares para o PT de Lula e o chefão tucano Aécio
O principal derrotado nas eleições municipais de outubro de 2016 foi o Partido dos Trabalhadores (PT). E com ele afundaram nas urnas seus sucedâneos e tradicionais aliados de esquerda: de Rede, PSOL e PCdoB a nanicos revolucionários – os de centro-esquerda e os mais extremados.
Isso quer dizer que a centro-direita venceu a disputa, levando em conta estatísticas avassaladoras do gênero: 80% das prefeituras do País foram conquistadas por legendas, das gigantes às mínimas, todas componentes da base de apoio do governo-tampão de Michel Temer? Ou, ainda, o maior partido da oposição nos desgovernos petistas de Lula e Dilma, o PSDB, ganhou 863, ou seja, 25% dos pleitos, um recorde histórico? Nada disso!
Acreditar em tal lorota – ou na análise oportunista e apressada do advogado, empresário e político Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil do governo federal, de que os eleitores derrotaram nas urnas a hipótese estapafúrdia do “impeachment sem crime é golpe” – é dar alguma razão a quem ainda insiste nessa total tolice.
Quem rotula PSDB e PMDB de centro-direita acredita em contos de fadas e bruxas nos quais Lula, insubstituível líder do PT, é esquerdista. Os tucanos, atarantados sócios da maior legenda que se opôs aos 13 anos, 4 meses e 12 dias sob o ex-sindicalista e a ex-guerrilheira, são farinha do mesmo saco de que se nutriu o partido que foi comandado por Ulysses Guimarães. Foram produzidos na luta gloriosa contra a ditadura militar e civil, esta, sim, de direita, que promoveu o milagre econômico e a repressão brutal dos anos 60 a 80. Mas foram separados na feira em que se puseram à venda nas vicissitudes da democracia que sucedeu ao arbítrio.
Ao contrário do que reza a doutrina esquizofrênica da esquerda, dominante nas escolas e nos palanques, o autoritarismo não ruiu aos pés dos “heróis” da guerra suja, mas da prática democrática da sociedade e dos parlamentos liderados pela oposição civil, mesmo sob dura ameaça permanente.
O longo processo que depôs a quarta gestão federal petista nunca foi contaminado em um segundo que fosse pelo vício da ilegitimidade. A teoria do “gópi” – apud senadora Fátima Bezerra (PT-RN) – nunca sequer foi levada em conta pelo cidadão comum na hora de votar em seu prefeito. O engano de Padilha nem precisa ser negado por pesquisas de opinião que constatam índices massacrantes de impopularidade de seu chefe no Palácio de Planalto. Pois esta é percebida, por qualquer brasileiro de posse das faculdades mentais, em casa, no trabalho e nas ruas. Mas, como ficou rouca de insistir Dilma, impopularidade não tira legitimidade de presidente nenhum. E a maioria que a sufragou nele votou, ora bolas!
Das profundezas de sua tumba o Conselheiro Acácio, criado por Eça de Queiroz, mandou avisar que os vencedores das eleições municipais, a salvo de todas as ilusões, foram os candidatos que tiveram mais votos. Em São Paulo, João Doria precisou muito de Geraldo Alckmin para afastar Andrea Matarazzo da legenda tucana, exilando com ele os figurões Fernando Henrique, José Serra e Alberto Goldman. Mas o governador paulista não contribuiu com os votos necessários para a vitória nas urnas.
A eleição folgada em segundo turno do ex-bispo (isso existe?) da Igreja Universal Marcelo Crivella, no Rio, não representa uma adesão em massa da maioria católica dos cariocas às barbas do pretenso profeta Edir Macedo. Os mapas eleitorais da cidade que já foi maravilhosa desvendam um triunfo obtido na periferia miserável sobre os bairros dos abonados que, isolados, elegeriam Marcelo Freixo. Na verdade, este foi derrotado porque sua tolerância com traficantes e vândalos mascarados fere mais a suscetibilidade do pobre, que não pode sair da favela onde nasceu, do que a segurança do rico, apto a comprar a própria paz com uma parte ínfima da mais-valia a que tem acesso.
Segurança é uma senha evidente para definir o voto majoritário de outubro, mas não é a única. Nem a principal. O sinal disso foi dado pela transformação do agressivo cinturão vermelho que cingia a Grande São Paulo por um diáfano diadema azul. Nunca antes na História deste país, no ABC, berço do sindicalismo autêntico, do PT e do carisma de Lula, bandeiras rubras foram enroladas nas festas de vitórias municipais. A região teve a terrível oportunidade de testemunhar que o poder nas mãos dos sindicalistas e os cofres públicos escancarados pela renúncia fiscal às montadoras não poderiam resultar em nada diferente do desemprego em massa, que esvaziou as despensas dos lares operários. A fuga das estrelas encarnadas das ruas do ABC paulista é o melhor símbolo da consciência do eleitorado de ter sido vitimado pela corrupção, pela inépcia e pelo aparelhamento petista da máquina pública, que resultaram na crise econômica, na quebradeira das empresas e na tragédia do desemprego galopante.
Foi necessário o holerite desaparecer em todos os municípios para os brasileiros notarem quanto os empobrece o enriquecimento dos políticos, cujo furto fica mais cruel quando se acompanha do desencanto com o lorotário ideológico.
Por incrível que pareça, a pré-racionalidade do eleitorado (apud Mauro Guimarães) também cobrou duramente do maior adversário de Lula e principalmente Dilma, o tucano mineiro Aécio Neves, que perdeu a eleição em Belo Horizonte para um cartola de futebol que disse que “roba” (sic), mas não pega propina. Neto de Tancredo Neves, que avisava sabiamente que ninguém se elege presidente se não for capaz de unir o próprio berço, Aécio trouxe agora à tona a mentira de que em 2014 teria sido derrotado no Nordeste, mas foi vencido mesmo em Minas Gerais.
Agora disputará a indicação do partido com Geraldo Alckmin, que elegeu um prefeito em cada quatro cidades paulistas, sendo uma delas a maior de todas. Nesta era cibernética até o castigo “avoa” nos ares.
*Jornalista, poeta e escritor
ESTADÃO - 02/11
Não dá para ignorar a necessidade de mudanças no sistema financeiro brasileiro
Entre o vigoroso debate sobre a PEC dos gastos e a acalorada discussão vindoura sobre a reforma da Previdência, pouco se fala a respeito de outra reforma de sumária importância para o Brasil: a reforma do sistema financeiro. Não se trata apenas do eterno debate sobre o nível anômalo dos juros brasileiros, mas de idiossincrasias que tornam o Brasil um país para lá de esquisito, país onde a política monetária não apenas opera com escopo bastante reduzido, mas traz consequências pouco conhecidas sobre papel distributivo de natureza única, verdadeira guariroba brasileira.
Por diversas vezes discorri sobre o papel do crédito subsidiado e do crédito direcionado no Brasil. O crédito direcionado é aquele destinado a setores e programas específicos, sem que se tenha clareza sobre tais decisões alocativas. Entre 2008, antes da crise internacional, e 2015, o crédito direcionado como proporção do crédito total aumentou de uns 30% para cerca de 50%. Ou seja, metade do crédito oferecido hoje no País por grandes bancos públicos e privados não é o que economistas chamam de “crédito livre”, isto é, recursos que não estão sujeitos a algum tipo de normativa.
O crédito direcionado custa cerca de 25% do crédito dito livre, ou seja, quem o recebe obtém baita vantagem sobre os reles mortais que a ele não têm acesso. Quem o recebe? De modo geral, são as grandes empresas no setor de serviços, de energia e de produtos manufaturados, além da parte que se destina à agricultura. De onde vêm os recursos para financiar a benesse? Cerca da metade provém diretamente do governo – ou, dito de outra forma, apenas em 2015 fluxos destinados ao financiamento do crédito subsidiado custaram 3,5% da receita do governo. Enquanto o governo compromete parte relevante da gestão fiscal com o financiamento do crédito subsidiado, uns 40% dos recursos para financiá-lo saem indiretamente do bolso do trabalhador. Como? Na forma de subremuneração dos fundos de poupança forçada como o FGTS – enquanto o FGTS rende, em média, uns 7% ao ano ao trabalhador, títulos do governo atrelados à Selic rendem mais ou menos o dobro.
O crédito subsidiado, portanto, cria distorções na alocação de recursos, na política fiscal, no custo do crédito, na remuneração indireta dos fundos de poupança forçada do trabalhador. Todas essas distorções aumentaram sobremaneira desde 2008 sem que a sociedade tenha conta do que isso significa. No que diz respeito ao investimento, diversos estudos mostram que o aumento do crédito subsidiado entre 2008 e 2015 não teve qualquer efeito sobre as taxas de investimento. Ou seja, a maior disponibilidade de dinheiro barato para grandes empresas em nada contribuiu para o aumento da produtividade e do crescimento da economia. O que se viu foi, em grande medida, empresas com acesso a outras fontes de crédito reduzindo despesas financeiras sem alavancar os benefícios crescentes de tamanha generosidade.
No que diz respeito à política monetária, não é de hoje que insisto nos efeitos danosos do crédito direcionado. Se há tanto crédito dessa natureza em circulação, a Selic não age sobre parte relevante do mercado de crédito brasileiro. O resultado disso é que, para alcançar determinado resultado inflacionário, é preciso elevar os juros muito mais do que se fosse o mercado de crédito brasileiro menos idiossincrático. Novamente, insisto: esse problema aumentou imensamente após 2008.
A esquisitice da política monetária brasileira ante a existência do crédito subsidiado e direcionado não se restringe à sua relativa perda de potência. Como o crédito direcionado favorece setores específicos, parcialmente protegidos das ações do Banco Central, a política monetária acaba levando a impactos redistributivos a partir da elevação do custo do crédito. Dito de outra maneira, se o setor X recebe crédito direcionado e o setor Y não o recebe, quem sofrerá mais com a elevação das taxas de empréstimo derivadas de um aperto monetário será o setor Y. Esse impacto será tão maior quanto mais espaço ocupar o crédito subsidiado no sistema financeiro.
Em tempos de reformas e apelos à transparência, urge repensar o papel do crédito direcionado no Brasil. Não dá mais para ignorar a necessidade de uma profunda reforma no sistema financeiro brasileiro.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
FOLHA DE SP - 02/11
Implícita ou explicitamente, muitos dos argumentos contra a austeridade fiscal se apoiam na ideia (errada) de que a contenção dos gastos nos levará a um cenário de estagnação, ou baixo crescimento. Não por menos, comparações com o desempenho europeu nos últimos anos pipocam nas análises sobre o assunto.
Há, por trás dessa noção, a crença de que apenas o gasto público poderia impulsionar a demanda e assim levar à recuperação da atividade. Essa análise peca tanto no que se refere à teoria quanto à realidade local, bastante distinta da enfrentada pelos países ricos.
Do ponto vista teórico, ignora que, exceto em condições bastante específicas, que jamais se materializaram no Brasil, há uma troca entre o gasto público e as taxas de juros. Uma política fiscal mais frouxa, como a defendida pelos keynesianos de quermesse, implica taxas de juros mais elevadas e vice-versa, ou seja, há fortes razões para crer que um programa de estabilização fiscal bem-sucedido se transforme em taxas de juros mais baixas, por pelo menos dois canais.
Em primeiro lugar, gastos menores tendem a reduzir a inflação, o que, como notado pelo Banco Central em sua comunicação mais recente, abre espaço para taxas de juros mais baixas.
Em segundo lugar, no caso de economias em que o descontrole fiscal implica elevação do risco-país (o tanto a mais que o governo precisa pagar na sua dívida em comparação a países percebidos como bons pagadores), sua correção leva à queda.
Não se trata de um delírio teórico: o risco brasileiro caiu à metade, de cerca de 5% ao ano no início de 2016 para algo em torno de 2,5% ao ano agora, queda impulsionada em larga medida pelas medidas que começaram a sinalizar desenvolvimentos mais positivos no caso das contas públicas. Note-se que há ainda muito terreno a recuperar: há poucos anos o risco Brasil seguia de perto o risco México; hoje, mexicanos podem tomar recursos pagando a seus investidores 1% ao ano a menos do que brasileiros.
Já no que se refere à taxa de juros doméstica, o progresso foi ainda mais extraordinário. Embora a Selic tenha sido reduzida em apenas 0,25 ponto, as taxas mais longas caíram muito mais.
Mesmo se deixarmos de lado os níveis distorcidos do começo do ano, que apontavam para uma taxa real de juros para 2017 acima de 10% ao ano, tínhamos valores na casa de 6,5%-7,5% ao ano pouco antes do afastamento da presidente.
Hoje, porém, a taxa real de juros para 2017 se encontra ao redor de 5,5% ao ano, ainda elevada, mas, como previsto pela teoria, muito inferior à observada antes da adoção de medidas de ajuste fiscal de longo prazo. Seus efeitos sobre o crescimento devem se fazer sentir em 2017 e 2018.
Essa dinâmica não pôde se materializar nos países europeus, onde taxas de juros se encontravam próximas a zero, dada a inflação baixa. Já em nosso caso, em circunstâncias bastante diversas, o ajuste fiscal contribuiu fortemente para a redução da taxa real de juros e pode continuar a fazê-lo, caso medidas adicionais sejam aprovadas nos meses à frente.
É incrível como esse pessoal, depois de quebrar o país com sua mistura de má teoria e desrespeito aos dados, ainda se ache capaz de participar do debate brandindo os mesmo defeitos. Por sorte, ninguém mais os ouve fora de seus próprios círculos.
FOLHA DE SP - 02/11
O governo inventou um modo de aumentar impostos em 2017, um jeito quase sem custos. De quebra, seria um tributo sobre grandes fortunas, para dizer a coisa de modo sarcástico.
Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, anunciou nesta terça (1º) que vai propor projeto de lei a fim de reabrir o programa de "repatriação", a declaração de dinheiros mantidos ilegalmente no exterior.
O prazo da primeira "repatriação" terminou na segunda-feira (31). Nesta rodada, o governo arrecadou R$ 50,9 bilhões em multas e impostos, cobrados de uma base de R$ 169,9 bilhões declarados à Receita.
Calheiros diz que apresenta o projeto na semana que vem. De acordo com um senador envolvido no assunto e com gente do Ministério da Fazenda, a nova chance de regularizar o dinheiro vai custar mais caro.
O plano é aumentar imposto e multa de 15% para 17,5%, "para a nova chance não sair de graça para os atrasados". Não está certo ainda se o novo programa começa em janeiro ou fevereiro. Não haveria gambiarra para permitir que políticos regularizem dinheiro clandestino. Esse era um lobby que movia o projeto de reabertura do prazo de "repatriação" na Câmara, que gorou.
Deve haver modificação na lei de modo a "tornar mais claro" que não haverá risco de os contribuintes agora arrependidos se sujeitarem a processos criminais. Em escritórios de advocacia que assessoram interessados na "repatriação", se diz que esse risco teria "inibido clientes".
Calheiros disse que podem vir mais R$ 50 bilhões. Escritórios de advocacia chutam que R$ 25 bilhões seria um número razoável. Para gente do governo, o valor pode ser um pouco maior, mas ainda não haveria estimativa confiável. Advogados dizem que já têm gente na fila, clientes que se atrasaram, esperavam mudanças de regras na Câmara ou "não estavam atentos" para os riscos de não regularizar o patrimônio.
O risco é o de ser flagrado com dinheiro irregular no exterior, que vai aumentar com a troca de informações entre os fiscos de vários países.
Para o governo, esse "imposto sobre grandes fortunas" pode ser um alívio. A perspectiva de fechar as contas no ano que vem é no mínimo nebulosa.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse outra vez na segunda-feira que, com a aprovação do "teto" para os gastos do governo, não seria necessário aumentar impostos. Não é possível afirmar tal coisa, a não ser que o governo não esteja nem aí para a meta de saldo primário que anunciou para 2017. Não está?
O "teto" limita despesas, mas não garante receitas. Se a receita for insuficiente, não se cumpre a meta, aumenta o deficit primário (receitas menos despesas, afora gastos com juros da dívida pública), aumenta a dívida.
Até setembro, a receita nominal (sem descontar a inflação) vinha crescendo apenas 1,1% ao ano. Para atingir a meta fiscal de 2017, o governo parece contar com um aumento de 9,9% da arrecadação. Com R$ 25 bilhões de impostos e multas da "repatriação", teria pelo menos 2,3% extras.
Sim, trata-se de dinheiro extraordinário, que não vai entrar de novo em 2018. Mas, na pindaíba medonha de agora, é um alívio na dívida. Sem o custo econômico e político de aumentar impostos.
FOLHA DE SP - 02/11
RIO DE JANEIRO - Um leitor me recorda que, há anos, sugeri nesta coluna que o Brasil instituísse o recall eleitoral. Ou seja, que, em qualquer momento, os eleitores pudessem pedir de volta os votos que haviam dado a um candidato e o ajudado a se eleger. Se esse recall fosse significativo, o governante deveria devolver o mandato, pegar o boné e retirar-se da cena política.
A ideia revelou-se impraticável, mas parece que, sem bagunçar o calendário, o Brasil fez algo do gênero nessas últimas eleições. Pediu de volta os votos que havia confiado a muita gente e os depositou na conta de outros políticos, alguns dos quais mal tinham entrado na história. Ou apenas os jogou no lixo.
O maior rombo foi no PT. Teve de devolver toneladas de votos, perdeu dois terços das prefeituras que comandava, entre as quais as de todas as grandes cidades e as do ex-"cinturão vermelho", o ABCD paulista, e caiu do terceiro para o décimo lugar entre os partidos — rumo à zona do rebaixamento. E sempre que suas figurinhas carimbadas, Lula e Dilma, subiram ao palanque de um candidato para apoiá-lo, este batia na madeira e via os seus votos baterem asas rumo ao adversário.
No caso de Lula, parece um recall a priori. É como se o eleitorado já estivesse lhe retirando, às mancheias, os votos de que ele se gabava para 2018 — resta ver se lhe sobrará algum. E Dilma, cujos 54 milhões de votos em 2014 foram martelados à náusea por sua tropa de choque no Senado, pode hoje, cassada, pedalar sua desimportância por Rio e Porto Alegre — ninguém a afaga, ninguém a hostiliza.
Mas não somente o PT saiu desidratado. Todos os caciques regionais — Aécio Neves em Minas Gerais, José Sarney no Maranhão, Renan Calheiros em Alagoas, a família Campos em Pernambuco — perderam índios em massa. Cada índio, um voto. A tribo debandou.
ESTADÃO - 02/11
Fala-se de 'virada' à direita como se algum dia o Brasil tivesse sido de esquerda
Concluídas as eleições, inicia-se a fase das conclusões. No geral, apressadas quando se trata de fazer projeções. A mais difundida no momento é a que põe nas mãos do governador Geraldo Alckmin a legenda do PSDB para concorrer à Presidência da República em 2018, como consequência da vitória em primeiro turno de João Doria para a Prefeitura de São Paulo, da conquista de importantes cidades no Estado e da derrota do candidato do senador Aécio Neves à prefeitura de Belo Horizonte.
Nesses casos de A + B=C, somam-se bananas com laranjas e trata-se a política como se fosse ciência exata ou como algo que funcione no piloto automático. No meio, entre um acontecimento e outros há os fatos, há as circunstâncias e há gente, espécie humana, categoria instável, sujeita aos efeitos da chuva e das trovoadas.
Experiente no tema, Alckmin tratou anteontem de declarar algo que certamente não pensa: que, no momento, a disputa de 2018 não está na agenda dele nem do PSDB. É claro que está, mas é daquelas coisas que o político precavido não assume. Entre outros motivos para não se queimar e ver se consegue atravessar a distância entre uma eleição e outra com chance de sucesso na tarefa de ultrapassar obstáculos.
São inúmeros. Na seara tucana há dois com nomes e sobrenomes: José Serra e Aécio Neves. Sem contar os respectivos aliados internos e externos. O primeiro é chanceler e um interlocutor privilegiado no PMDB. Importantíssimo para a eventualidade da conquista desse apoio caso o partido de Michel Temer não concorra ou não chegue ao segundo turno em 2018. O segundo é senador e presidente do PSDB; tem a máquina, portanto. Ambos contam com visibilidade garantida, além de não terem seus destinos ligados ao êxito ou fracasso de alguém, como Alckmin precisa de que João Doria corresponda às expectativas do maior eleitorado do País.
Além disso, a própria história de eleições fornece milhões de exemplos de desconexão entre resultados bons e maus. Dois deles: em 2008, Geraldo Alckmin não chegou ao segundo turno na eleição municipal em São Paulo, disputada entre Marta Suplicy e Gilberto Kassab, o vitorioso; em 2014, Aécio Neves teve menos votos que Dilma Rousseff em Minas Gerais, seu reduto principal, mas por pouco não ganhou dela na final pela Presidência.
Vamos a outro caso de conclusão apressada que, aliás, dá título a este texto: a tal da onda conservadora que supostamente varre o País. Por causa da derrota ampla, geral e irrestrita do PT? Pela eleição de Marcelo Crivella no Rio de Janeiro? Pela vitória de Doria?
Ora, o fiasco do PT não tem nada a ver com ideologia. Tem a ver com corrupção e desatino na administração da economia. Ademais, quem disse que os petistas detém o monopólio do pensamento de esquerda? Governou com e para a direita atrasada, tratou os mais pobres como consumidores – algo típico do coronelato arcaico dos grotões. Além disso, seu líder máximo quando sindicalista declarava não ser de esquerda. Lula vestiu essa roupagem quando precisou dela para construir um partido.
Doria venceu em São Paulo por ter sabido encarnar com eficiência o antipetismo. Crivella ganhou no Rio em boa medida pela autossuficiência do prefeito Eduardo Paes que insistiu em apoiar um candidato eleitoralmente inviável. De onde o segundo turno entre o bispo aposentado e um candidato visto como representante de uma esquerda amalucada. Marcelo Freixo, convenhamos, não chega perto de ser um Fernando Gabeira, que, aliás, perdeu de pouco para Paes em 2008 quando, pela régua dos arautos da onda conservadora, o Brasil era de esquerda.
Em momento algum o País teve a prevalência da corrente de esquerda. Não nos esqueçamos: Lula só ganhou a eleição quando adaptou seu discurso ao centro e fez uma Carta aos Brasileiros jurando fidelidade à política econômica qualificada pejorativa e equivocadamente como neoliberal.
O GLOBO - 02/11
Às vezes, o saber que não se sabe é tão importante quanto aquilo que se sabe. Em outras palavras, a ignorância é coisa valiosa. Depois de uma eleição, é comum e até mesmo saudável que se produzam explicações, quase sempre lógicas, aparentemente definitivas. Assim:
O PSDB e Geraldo Alckmin foram os grandes vencedores da eleição municipal.
Abatido pelos próprios malfeitos, o PT arruinou-se e, com ele, a esquerda, seja lá o que isso signifique. A eleição de 2016 marca a ascensão de uma maré conservadora na vida nacional.
Essas três conclusões estão certas. O problema surge quando, a partir delas, projeta-se o futuro. Voltando-se o relógio para 2012, pode-se visitar a sabedoria da ocasião.
Entre o primeiro e o segundo turno da eleição municipal, o Supremo Tribunal Federal julgou o processo do mensalão, José Dirceu foi condenado e, semanas depois, foi para a cadeia de braços erguidos e punho fechado.
O PT saiu da eleição como o partido mais votado do país, e Fernando Haddad elegeu-se prefeito de São Paulo. Seria uma boa aposta numa futura eleição presidencial. Se não fosse ele, poderia ser o petista Luiz Marinho, ex-ministro da Previdência e do Trabalho, reeleito para a prefeitura de São Bernardo do Campo. Na ponta do PMDB, Eduardo Paes reelegeu-se prefeito do Rio de Janeiro, com perto de dois terços dos votos. Vinham por aí a Copa do Mundo e, acima de tudo, a Olimpíada. Seria uma boa aposta para o governo do estado em 2018, ou, quem sabe, para a Presidência da República. Por via das dúvidas, ele lançava um candidato a vice de Dilma Rousseff, na vaga de Michel Temer. Era o governador Sérgio Cabral, nos dedos de cuja senhora brilhavam os diamantes da Van Cleef presenteados por Fernando Cavendish, o bem-aventurado empreiteiro da Delta.
Esse era o mundo de 2012, e todas as projeções pareciam lógicas. Lava-Jato era o nome que se dava aos lugares onde se lavavam carros, Sérgio Moro era um juiz que ficara a pé na investigação das roubalheiras do Banestado, a Operação Castelo de Areia, onde a Camargo Corrêa fora apanhada pela Polícia Federal, virara pizza no Superior Tribunal de Justiça e Teori Zavascki era juiz que acabara de ser indicado para o Supremo. Sabia-se dele que falava pouco.
Deu tudo errado. Passados quatro anos, Lula, o fabricante de postes, nem sequer foi votar no segundo turno, o PT foi moído, Dirceu está conformado na cadeia, Cavendish entregou ao Ministério Público a nota fiscal do anel de madame Cabral, o presidente da República chama-se Michel Temer e Dilma Rousseff também não votou no segundo turno de Porto Alegre.
As projeções lógicas de 2012 tinham nexo, mas não tiveram futuro. As de 2016 também parecem razoáveis. Falta lembrar que vêm por aí a colaboração da Odebrecht, com mais de 50 narrativas, e o rastro da supercaixa do tucanato. Isso e mais a da OAS. Provavelmente, também a de Eduardo Cunha. O poderoso PSDB é o convidado de honra em todas elas. Além disso, é condômino do governo de Michel Temer, que disputa a marca de impopularidade de Dilma Rousseff. No fundo, todas as previsões são exercícios de sabedoria, mas não se deve menosprezar a eterna ignorância dos viventes em relação ao futuro.
O Globo - 02/11
Com a confirmação do relator da comissão especial de combate à corrupção, deputado Onyx Lorenzoni, de que propostas contra a prática de caixa 2 “com dinheiro lícito” estão previstas no relatório que será lido para aprovação na semana que vem, está aberta nova etapa na tentativa de estabelecer uma linha divisória para a punição de parlamentares e ex-parlamentares que foram financiados de modo ilegal nos últimos anos.
Os políticos resolveram assumir abertamente a tese de que é preciso criminalizar o caixa 2, sem darem ênfase, porém, aos efeitos da nova lei, que é anistia ampla e suprapartidária. Eles não estão preocupados com os já presos na Lava-Jato, mas com os que podem vir a ser presos depois das delações da Odebrecht e outras empresas envolvendo doações aos políticos. Do mesmo modo, as empresas também têm interesse nessa definição legal.
A tal ponto que o deputado Lúcio Vieira Lima, irmão do ministro Geddel Vieira Lima, disse que, se a comissão especial de combate à corrupção não enfrentar o assunto, a comissão que trata da reforma eleitoral tratará dele. A postura é muito diferente da de meses atrás, quando tentaram aprovar na surdina, com voto de liderança, um projeto de lei com o mesmo objetivo.
Denunciada a manobra aqui na coluna, acabaram desistindo dela naquele momento. Agora, estão dispostos até mesmo a aceitar uma votação nominal, como pretende requerer o deputado Miro Teixeira, alegando que cada um terá de assumir sua responsabilidade nessa decisão.
Há na Justiça Eleitoral disputa de entendimentos sobre se o caixa 2 é crime ou só infração eleitoral. No artigo 350 do Código Eleitoral, está dito que é crime “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”. Muitos juízes interpretam esse texto como a definição do crime do caixa 2, mas outros consideram que não está tipificado aí o crime.
Se o Congresso aprovar um projeto de lei sobre o assunto, o Tribunal Superior Eleitoral vai ter que se definir sobre a questão, eé o que os parlamentares querem, pois, a partir da nova lei, a punição não poderá retroceder, com base no artigo 1º do Código Penal, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
A base do projeto é a medida 8 de combate à corrupção apresentada pelo MP de Curitiba sob o título “Responsabilização dos partidos e criminalização do caixa 2”. A proposta do MP é a modificação da lei 9.096/95, que fixa as normas para funcionamento dos partidos, “para prever a responsabilização objetiva dos partidos políticos em relação à sua contabilidade paralela (caixa 2),e à prática de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida pela legislação”.
Também responderá o partido que utilizar, para fins eleitorais, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida pela legislação. A pena é de multa.
A medida é importante, ressaltam os procuradores, porque, até então, apenas os dirigentes (pessoas físicas) respondiam por eventuais crimes cometidos em benefício do partido. No mesmo sentido, propõem a criminalização do caixa 2, inclusive para as pessoas físicas diretamente envolvidas na movimentação e utilização desses recursos, parlamentares e corruptores. A pena é de reclusão de 4 a 5 anos.
Os parlamentares querem especificar na nova lei o que é caixa 2 para financiamento de campanha, separando do que seja propina, para fins pessoais ou do partido. O difícil será separar a doação de caixa 2 supostamente feita com dinheiro lícito daquela que utiliza dinheiro originário de ações ilegais. Continuará havendo a possibilidade de o parlamentar ser denunciado por lavagem de dinheiro ou corrupção passiva, abrindo uma grande discussão na Justiça.
No mensalão, Ayres Britto já deu uma clareada na situação ao dizer que não há caixa 2 com dinheiro público, mas, sim, peculato. Também Cármen Lúcia se pronunciou naquele julgamento afirmando que caixa 2 é crime, em qualquer circunstância.
ESTADÃO - 02/11
O resultado colhido até o meio-dia de ontem pela consulta pública promovida pelo Senado na página e-Cidadania de seu site: cerca de 95% das quase 300 mil pessoas que haviam se manifestado são contra a PEC do Teto
Começou a tramitar ontem no Senado a PEC do Teto, já com parecer favorável, sem emendas, do relator Eunício Oliveira (PMDB-CE). Aprovada em dois turnos por ampla maioria na Câmara, essa proposta, considerada vital pelo governo, será votada agora, também em dois turnos, pelo Senado. O Palácio do Planalto confia em que a decisão da Câmara será tranquilamente confirmada pelos senadores, permitindo que a PEC seja promulgada até 13 de dezembro. Chama a atenção, contudo, o resultado colhido até o meio-dia de ontem pela consulta pública promovida pelo Senado na página e-Cidadania de seu site: cerca de 95% das quase 300 mil pessoas que haviam se manifestado são contra a PEC do Teto.
Das duas, uma: ou o Congresso está prestes a tomar uma decisão ao arrepio da vontade da maioria dos brasileiros ou essa pesquisa não reflete exatamente a realidade. A verdade, como de hábito em questões muito polêmicas, parece estar no meio. Há, efetivamente, no Senado, uma minoria oposicionista, integrada principalmente pelo finado PT e aliados, que perdem o pelo, mas não perdem o vício. Quem acompanhou o aguerrido desempenho dessa turma na comissão do Senado que aprovou o processo de impeachment sabe como ela atua: muito grito e pouco senso, porque quando a derrota é inevitável o que importa é marcar posição. E não se pode ignorar que o tipo de consulta feita pelo Senado se presta à manipulação por qualquer grupo militante.
Por outro lado, a proposta de estabelecer um teto para os gastos públicos é, por definição, impopular, principalmente num país em que o predomínio do patrimonialismo – que anda de braço dado com o populismo – habituou as pessoas, especialmente as mais humildes e desinformadas, a acreditar na ideia de que o governo é o Grande Provedor e que as pessoas não precisam conquistar nada por si mesmas. Basta votar nos seus protetores, que eles se encarregarão de “distribuir” a riqueza entre todos.
Contando com tão sedutor argumento, petistas – que agora se agarram a qualquer coisa para sobreviver – e “esquerdistas” em geral partiram para o ataque à PEC do Teto, com a mentira de que a medida “congela por 20 anos” os gastos, principalmente em educação e saúde. E imediatamente os estudantes passaram a ocupar as escolas – não necessariamente as suas – e as organizações sociais saudosas das benesses oficiais se prepararam para sair às ruas e deflagrar uma “greve geral”. Tudo para impedir que o governo dito golpista, com o apoio da mídia monopolizada, ouse subtrair “um direito sequer” dos trabalhadores.
A tropa de choque petista, ainda que lambendo as feridas da surra nas urnas, mantém-se mais ativa do que nunca no Senado. A Comissão de Direitos Humanos, sob a coordenação da senadora Fátima Bezerra (PT-RN), promoveu debates sobre os “cortes de recursos para educação e saúde”, para os quais foram escolhidos a dedo “debatedores” unanimemente contrários à ideia de reduzir os gastos. Não faltou nem mesmo a musa das ocupações de escola, a estudante secundarista paranaense elevada à condição de porta-voz dos fracos e oprimidos, que arrancou delirantes aplausos, e algumas lágrimas, ao declarar que os senadores que ousarem aprovar a PEC ficarão com “as mãos sujas de sangue”. Os pais dessa menor de idade, ao que parece, permitem gostosamente que a filha seja usada politicamente – e o mesmo ocorre com as autoridades, que deveriam resguardar a adolescente.
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ré no STF por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, apresentou emenda para que a PEC do Teto, se aprovada no Senado, seja submetida a referendo popular antes de ser promulgada. A justificativa é que a grande maioria dos brasileiros não sabe exatamente o que é a PEC do Teto e por isso, antes de entrar em vigor, a emenda precisa passar por uma ampla discussão e pela aprovação popular. Argumento que coloca em xeque a consulta pública promovida pelo Senado, pois, mais uma vez, das duas, uma: ou bem a população não conhece a proposta ou bem 95% dela conhece e está contra. Outra hipótese plausível é a de que o resultado dessa consulta pública não interessa apenas aos petistas, mas convém também ao presidente do Senado, Renan Calheiros, e outros senadores, na medida em que valoriza substancialmente o precioso bem que eles têm a oferecer ao governo: a aprovação da PEC do Teto.