quinta-feira, agosto 11, 2016

Soluço da inflação - CELSO MING

ESTADÃO - 11/08

O IPCA de julho avançou 0,52% sobre o 0,35% de junho, mas já não assusta



A inflação deu um soluço em julho, mas não preocupa. A tendência é de baixa.

Avançou 0,52% sobre o 0,35% registrado em junho. Acumula nos primeiros sete meses do ano uma alta de 4,96% e, em 12 meses, 8,74%.

A estocada teve como principal causa a alta dos alimentos (1,32%). Pesaram aí o feijão e o leite, como consequência da quebra de produção pela estiagem. Neste ano, os preços do feijão carioca já subiram 150,61% e os do leite longa vida, 48,98%.





Essa inflação não assusta por três principais razões. Primeira, porque a alta dos alimentos tende a ser revertida ou, pelo menos, neutralizada. O que subiu muito deve deixar de subir ou, então, baixar de preço. Segunda razão, a recessão e, dentro dela, a demanda muito fraca continuam trabalhando como freio. E, terceira, a baixa do dólar (valorização do real) já está atuando para reduzir os preços dos produtos importados e, com base nisso, segurar a remarcação dos produzidos internamente. O mercado, auscultado semanalmente pela Pesquisa Focus, do Banco Central, espera uma inflação de 0,30% em agosto. Mas pode ser mais baixa. Os Top Five, as cinco instituições que mais acertam essas projeções, esperam 0,28%.

A esses fatores há quem contraponha o impacto inflacionário de uma possível nova carga de impostos, especialmente se com aumento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre combustíveis. Mas, se vier, dificilmente será para produzir inflação ainda neste ano.

O comportamento do câmbio merece considerações à parte. A enorme sobra de dólares lá fora só está esperando uma clareada nas condições da economia do Brasil para produzir revoadas seguidas para cá.

Isso já está acontecendo, uma vez que, só em 2016, as cotações do dólar já caíram 20,97%. (Veja o Confira).

A senha para novos aportes de moeda estrangeira e, portanto, para novas baixas do dólar deve ser a aprovação do impeachment pelo Senado, fato relevante que deve afastar a hipótese de retorno aos experimentos desastrosos da política econômica do primeiro período Dilma. A sagração de Michel Temer na Presidência da República está longe de resolver os problemas da economia, mas abre espaço para o exercício da boa governança, caso o governo queira de fato equacionar os problemas e não faça grandes bobagens.

Sempre há quem argumente que a mão pesada do Banco Central pode funcionar como a espada do chefe gaulês Breno que, no século 4.º antes de Cristo, a pousava sobre o outro prato da balança para exigir mais indenização em ouro dos vencidos romanos. Ou seja, o Banco Central sempre pode apertar para baixo o prato da balança para erguer no outro as cotações do dólar. Mas, apesar das crescentes pressões para que aja assim, está cada vez mais difícil reverter o processo de valorização do real – e mais o será, se a crise amainar.

Quando se fala de inflação fica inevitável falar sobre juros. Depois dos sinais enviados pelo Banco Central não dá para esperar por redução dos juros no dia 31, quando o Copom se reunir outra vez.

CONFIRA:



Aí está a trajetória das cotações do dólar. É um tombo e tanto.

Algo mudou

O ministro Henrique Meirelles vive um momento paradoxal. Está plenamente consciente de que está no governo para dar credibilidade e garantir responsabilidade fiscal à administração Temer. Mas, após três meses no cargo, não consegue convencer ninguém de que as concessões feitas aos governadores e aos funcionários públicos não comprometem a política de austeridade e o equilíbrio das contas públicas. O nível de credibilidade já não é o mesmo.

Segurança e crise econômica - CLAUDIO LAMACHIA

ZERO HORA - RS - 11/08

Estamos, sem exceção, com a liberdade cerceada. Presos atrás de grades que dão uma falsa sensação de segurança, com os vidros do carro permanentemente fechados e preocupados ao andar na rua e ao sair ou chegar em casa.

O fato é que nem mesmo a polícia e as autoridades estão imunes. Quantos carros oficiais foram alvo de roubo ou furto ao longo dos últimos anos? Quantos policiais foram covardemente assassinados?

Segurança pública, assim como saúde, educação e justiça, faz parte de um conjunto de direitos da sociedade que, quando funcionam de maneira eficiente, têm a capacidade de promover a prosperidade.

Uma sociedade que vive com medo não tem condições de alcançar o seu desenvolvimento pleno e não terá condições de superar o ciclo vicioso do atraso, nem mesmo de superar as barreiras que hoje limitam o avanço social e econômico que enfrentamos.

Não há até agora uma gestão de segurança pública eficiente no combate ao avanço da criminalidade, ao mesmo tempo em que não se percebe qualquer efetividade nas atitudes dos governos para frear o caos.

Também não tem sido realizado o investimento necessário para a qualificação ou ampliação dos quadros de policiais. Não há policiamento ostensivo nem mesmo a utilização de métodos óbvios de vigilância, como o uso de câmeras de monitoramento ligadas às delegacias de polícia em número suficiente para prevenir a ação de criminosos.

Se faltam recursos para suprir necessidades tão básicas, como crer que o serviço de inteligência, capaz de prevenir ameaças de grande risco à sociedade, possa estar devidamente aparelhado?

A criminalidade não é apenas consequência da estagnação econômica que enfrentamos. Ela é também um dos fatores primordiais para que a pequena economia maior geradora de empregos não consiga se desenvolver. Esse ciclo vicioso precisa ser interrompido com urgência e criatividade.

Os governantes precisam comprometer-se com políticas efetivas que garantam o bem-estar da sociedade. Isso deve ser política de Estado, não de governos.

*Presidente nacional da OAB

Dívida das empresas aprofunda a crise econômica - LAURA CARVALHO

FOLHA DE SP - 11/08

Em artigo publicado no jornal "Valor Econômico" em 4/8, o economista Felipe Rezende, professor de economia de Hobart e William SmithColleges, é incisivo em atribuir à fragilidade financeira do setor privado e ao endividamento excessivo das empresas a explicação da crise econômica brasileira atual. Uma recessão de tamanha magnitude, como a queda de um avião, costuma ser explicada por um conjunto de fatores.

De fato, os dados do IBGE utilizados pelo economista indicam que os investimentos das empresas não financeiras passaram a superar seus lucros retidos já a partir de 2007, levando ao seu endividamento crescente. Com a queda na lucratividade e a frustração das expectativas de retorno para os investimentos realizados, desde 2011, a situação financeira das empresas se deteriorou cada vez mais.

Em um quadro muito estudado pelo economista Hyman Minsky, as empresas endividadas estariam preocupadas desde então em arcar com seus compromissos financeiros e recompor seus balanços, cortando despesas e contribuindo assim para aprofundar a crise econômica. "Logo, não deveria causar surpresa a queda dos investimentos há dez trimestres consecutivos (...)", conclui Rezende.

Mas e se em 2011, ao invés de realizar um forte ajuste fiscal e elevar o superavit primário em 1% do PIB, o governo tivesse mantido a expansão dos investimentos públicos que marcou o segundo mandato de Lula? E se o superciclo de valorização das commodities não tivesse se encerrado? E se a crise europeia não tivesse contribuído para a nova contração do comércio mundial a partir de 2012?

Se as expectativas das empresas para o crescimento da economia, que as levaram a investir tanto em 2007, 2008 e 2010, tivessem se concretizado, as empresas não teriam nenhuma dificuldade em pagar suas dívidas. Nesse sentido, o endividamento excessivo não é exatamente um causador da crise, e sim uma de suas consequências e um de seus agravantes.

De todo modo, diante do quadro descrito por Felipe Rezende, fica evidente a sucessão de erros de política econômica desde o primeiro mandato de Dilma. Quando as empresas buscam reduzir seu grau de endividamento, tentativas de recuperar o investimento privado pela redução na taxa de juros ou oferta maior de crédito via BNDES mostram-se inócuas. Desonerações tributárias, por outro lado, acabam servindo apenas para a recomposição de uma parte dos lucros perdidos, não sendo capazes de estimular novos investimentos.

Para piorar, como sugere Rezende, quando o setor privado está cortando investimentos para reduzir seu grau de endividamento e o setor público adota exatamente a mesma atitude em um ajuste fiscal como o de 2015, a economia entra em uma espiral descendente. A única perspectiva de retomada em um cenário como esse viria de um crescimento da demanda no resto do mundo, que infelizmente ainda patina.

A adoção de uma atitude compensatória –anticíclica– pelo setor público, ou seja, de políticas que contribuam para elevar a demanda e gerar fluxo de caixa no setor privado, seria a única alternativa. O autor sugere, por exemplo, a retomada dos investimentos públicos em infraestrutura e do programa Minha Casa, Minha Vida.

Caso se confirme esse diagnóstico, o estabelecimento de um teto para as despesas do governo tal qual proposto na PEC 241 poderia prolongar por 20 anos o mau momento vivido hoje pela economia brasileira.

Herança maldita na infraestrutura - RAUL VELOSO

ESTADÃO - 11/08

Equívocos do governo Dilma sobre concessões rodoviárias implica ameaça ao esforço de expansão da infraestrutura



Uma noção clara do tamanho das dificuldades que a recente experiência de governos do PT deixará para o País não existirá tão cedo. Em artigo de 5/8 nesta página, com a discrição que sua função recomenda, o dirigente de uma associação da área tocou num ponto que talvez as pessoas ainda não tenham notado: o impacto devastador dos equívocos do governo Dilma sobre a última safra de concessões rodoviárias (2013). Isso implica séria ameaça ao esforço de expansão da infraestrutura, tão importante no difícil momento que vivemos. Não só são enormes os gargalos nesse segmento, como se trata de um dos setores em que é maior o efeito do aumento dos investimentos sobre o crescimento do PIB via aumento de produtividade.

Na busca de reeleição a qualquer custo, Dilma passou a adotar uma série de medidas populistas que provocaram forte deterioração no quadro macroeconômico do País, como se verifica pela comparação entre os valores efetivamente observados (ou as projeções atualizadas) das principais variáveis com impacto no retorno dos projetos e aqueles que se projetavam à época das licitações. Em consequência, a taxa de crescimento do PIB acumulada em 2014-2016 mostrou, pela primeira vez desde o início do século 20, um número negativo tão alto para três anos seguidos (-7%), enquanto a mediana das previsões de mercado para o mesmo cálculo indicava, como divulgou o Banco Central no início de 2013, algo ao redor de 11,4%. Juntando estas duas parcelas, chega-se à impressionante frustração de crescimento do PIB e, pois, de receita dos projetos licitados naquele ano, da ordem de 19,1%, considerando só o período 2014-2016. Esse foi, sem dúvida, um tiro certeiro no coração dos contratos de concessão acima referidos.

Somem-se a isso as perdas decorrentes das frustrações no comportamento de outras variáveis macroeconômicas relevantes para o cálculo da taxa de retorno dos projetos de concessão. O custo do dinheiro, por exemplo, representado pela Selic, terá aumentado 54% em 2014-2017, em relação às projeções feitas em 2013.

Outras intervenções governamentais que prejudicaram as concessionárias incluem, segundo se noticia, o atraso nas concessões de licenças ambientais e o descumprimento das promessas de financiamento pelo BNDES. Com a intenção de reduzir a tarifa ao mínimo imaginável para o usuário, o governo assumiu o compromisso de o BNDES financiar 70% dos projetos com juros subsidiados, o que reduziria substancialmente o custo de capital. Sob essa importante premissa, as concessionárias fizeram seus lances no leilão, só que, uma vez assinados os contratos, o governo voltou atrás e a participação do BNDES caiu para 45%, afetando fortemente sua rentabilidade.

Numa concessão, o ente privado assina um contrato que contempla uma distribuição de riscos capaz de garantir remuneração justa para si e tarifas adequadas para os usuários. Ainda que riscos de mercado sejam tipicamente responsabilidade do setor privado, o prejuízo decorrente de eventos totalmente imprevisíveis e de alto impacto sobre as variáveis de mercado, com forte repercussão sobre a rentabilidade de um projeto, não pode recair inteiramente sobre as concessionárias, especialmente quando atos do governo são a causa básica do problema. Para cobrir tal risco, o valor das tarifas teria de ser absurdamente alto, inviabilizando a concessão. O ideal, assim, seria permitir uma renegociação ampla dos contratos, conforme explicarei em maior detalhe no Fórum Nacional do Inae (www.inae.org.br), em 14-15 de setembro. Imagino que, sem isso, as concessionárias terão pouca escolha. Serão compelidas à decisão extrema de devolver a concessão, o que lhes infligiria, de qualquer forma, um enorme prejuízo nos atuais tempos bicudos, e praticamente inviabilizaria a expansão da infraestrutura pela única porta aberta neste que é um país onde, vira e mexe, estamos às voltas com alguma crise fiscal aguda.

No fio da navalha - MATIAS SPEKTOR

FOLHA DE SP - 11/08

As delações da Odebrecht envolvendo José Serra podem sacudir o governo com força. Nos próximos dias e semanas, o grupo que ocupa o poder buscará blindar o ministro e tirá-lo do fio da navalha. O chanceler será obrigado a enfrentar a batalha.

Nesse processo, porém, Serra também poderá fazer aquilo que ninguém fez: inserir a política externa na vanguarda das reformas impostas pela Lava Jato.

Isso significa responder à demanda por diplomacia anticorrupção que emana dos setores que mais precisam de instrumentos internacionais para avançar na matéria: o Ministério Público e a Polícia Federal. A necessidade de cooperação externa é vasta.

Há seis anos, por exemplo, esses órgãos esperam a ratificação do acordo que cria equipes conjuntas de investigação e mandado de captura no Mercosul. O instrumento ajudaria a ordenar a Tríplice Fronteira, terra de doleiros brasileiros de voo internacional.

Há dez, existe um anteprojeto de lei de cooperação jurídica global, mas ele continua parado. O Brasil não assinou ou não ratificou os três instrumentos ibero-americanos que permitiriam criar equipes conjuntas de investigação, obtenção de provas e uso de videoconferências em processos penais. E o Itamaraty criou, mas nunca convocou, um grupo de trabalho dedicado a conceber um acordo com a agência europeia de cooperação criminal.

Vincular o Brasil a acordos multilaterais na área de combate à corrupção é essencial para dar vazão à mudança em curso. Ao fazê-lo, reduz-se a burocracia embutida na negociação de um acordo diferente para cada país.

Se o Brasil aderisse às convenções de cooperação penal do Conselho da Europa, por exemplo, estaria automaticamente vinculado a uma rede de mais de 40 países de auxílio judiciário e transferência de pessoas condenadas. O mesmo valeria se o país aderisse à convenção sobre cibercriminalidade, o tipo de ilícito que mais cresce no sistema financeiro nacional.

Uma diplomacia para-lamas também ajudaria o próprio Itamaraty.

Isso porque a Lava Jato criou insegurança inédita para os diplomatas brasileiros. Ao lançar dúvidas sobre a legalidade e legitimidade da promoção de nossas empreiteiras no exterior, a investigação pôs em xeque práticas que há décadas são corriqueiras.

A maneira de lidar com o problema — e impedir que a famigerada diplomacia comercial sofra novo recuo — é o Itamaraty conceber um guia de "boas práticas", alinhando o trabalho dos diplomatas às novas demandas por transparência.

Pela primeira vez desde que a Lava Jato começou, estão dadas as condições para pôr a política externa na linha de frente da transformação que vive o Estado brasileiro.

Sinal de fraqueza - FÁBIO ALVES

ESTADÃO - 11/08

As medidas enviadas ao Congresso resultaram em benefício dos parlamentares


A farta liquidez internacional está anestesiando os investidores quanto aos fundamentos fiscais do governo Michel Temer: o recuo derradeiro na renegociação da dívida dos Estados com a União não deveria ser ignorado, como pode ser observado nos preços dos ativos. É uma complacência irracional.

A obsessão pelo afastamento definitivo de Dilma Rousseff não deveria turvar o mercado sobre o que acontece com o ajuste fiscal que Temer e o seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, prometeram antes de assumirem os cargos em maio. Enquanto ainda não se viu corte efetivo de gastos, um ajuste fiscal estrutural não passa de promessa.

A fatura que os parlamentares e outros grupos de interesse vêm cobrando – e Temer concordando em pagar – para votar pelo impeachment de Dilma está cara demais: reajustes a várias categorias de servidores públicos, socorro aos Estados, exigindo-se muito pouco para que o descontrole não se repita, e nomeações duvidosas para vários escalões do governo. As medidas enviadas por Temer e aprovadas pelo Congresso até agora resultaram, em algum grau, em benefício dos próprios parlamentares, como o rombo de R$ 170,5 bilhões na meta fiscal de 2016.

No primeiro teste de restrição de gastos para o futuro, Temer fraquejou, retirando a cláusula de proibição de reajustes salariais a servidores estaduais por dois anos do projeto de lei aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados.

Diante de tantas concessões feitas por Temer, quem garante que o projeto de reforma da Previdência não chegue diluído à votação final no Congresso? Será mesmo que somente a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) limitando o crescimento de gastos públicos à inflação do ano anterior é suficiente para colocar a dívida pública numa trajetória sustentável?

Em termos de ajuste fiscal, até o momento, Temer só decepcionou. E, à semelhança do que Dilma fez em várias ocasiões com o então ministro da Fazenda Joaquim Levy, o desfecho da renegociação da dívida dos Estados representou uma derrota a Meirelles. No fim das contas, o governo abriu mão de receber R$ 50 bilhões até 2018 e a contrapartida resume-se à inclusão dos Estados na PEC do teto de gastos.

É essa PEC um avanço? Sim, mas diante da trajetória desastrosa das contas fiscais nos últimos anos e da dinâmica explosiva da dívida que assoma no médio e longo prazo, limitar o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior não pode ser chamado de remédio amargo. Aliás, isso somente reforça a indexação na economia.

Exemplo: os analistas de mercado projetam o índice oficial de inflação (IPCA) em 7,20% neste ano e 5,14% em 2017. Se a regra do teto já estivesse em vigor, os gastos públicos cresceriam a uma taxa maior do que se espera da inflação no ano que vem. E provavelmente mais do que o aumento esperado da arrecadação, numa economia ainda fraca.

A leniência dos investidores ao que está acontecendo neste momento explica-se pelo fato de eles estarem confiantes de que o governo Temer conseguirá aprovar a idade mínima de aposentadoria aos 65 anos e a desvinculação dos benefícios da Previdência ao salário mínimo.

É uma aposta que se torna demasiadamente otimista hoje, diante do que vem sendo a marca de Temer na relação com o Congresso: a incapacidade de o presidente interino dizer “não” aos parlamentares. Cadê sua base aliada?

O mais preocupante do desfecho da renegociação da dívida dos Estados é o simbolismo da derrota imposta a Meirelles, pois no dia anterior ele se expôs em entrevista à imprensa para explicar a proposta do governo para o tema, que incluía a proibição dos reajustes de servidores estaduais por dois anos. Ele definiu essa cláusula como “inegociável”.

O risco para os investidores – se o vento favorável que hoje sopra do mercado externo virar – é acordarem para a realidade que ainda prevalece no Brasil: gasta-se, gasta-se e gasta-se.

Deixe a lei como está - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 11/08

Mexer na LRF é correr o risco de enfraquecer a lei. Este é o momento de maior força da Lei de Responsabilidade Fiscal. Com base nela, está se votando no Senado o encerramento do mandato da presidente Dilma Rousseff. Por isso, é um espanto que o governo esteja falando em “atualizar” a LRF. Melhor não mexer na lei, antes que, por algum descuido ou tibieza, o ordenamento fiscal construído a duras penas seja mudado.

Na votação da renegociação das dívidas dos estados ficou claro como o ambiente político é fluido e o plenário, perigoso. Quando um assunto vai ao Congresso, e o governo tem fragilidades, o projeto pode virar um bumerangue. Foi assim que aconteceu quando o governo Dilma apresentou a proposta de reduzir as pensões das viúvas jovens e acabou colhendo a queda do fator previdenciário, exatamente no meio da escalada do déficit da previdência. No projeto da renegociação das dívidas dos estados, o governo ficou nessas idas e vindas que revelaram falta de compreensão do jogo legislativo.

O ano é de eleições municipais, os deputados estão de olho em suas bases. Neste momento, o governo propõe aos parlamentares o congelamento dos salários de servidores estaduais. Isso depois de elevar os salários dos funcionários federais. Evidentemente enfrentaria resistências e teria que retirar a proposta. Elementar para um governo que se diz hábil no jogo parlamentar.

Durante a negociação com os estados, o governo concluiu que a LRF tem falhas e precisa ser atualizada. Beleza. Tudo sempre precisa. A questão que ele tem que se perguntar é se, ao abrir esse tema, será capaz de segurar o Congresso e impedir mudanças que enfraqueçam a lei? Se não tiver certeza, esqueça. Deixe a lei como está.

Aqui neste espaço, escrevi no ano passado uma coluna com o título “Deixem cair a 664”. A MP tratava da redução da pensão de viúvas ou viúvos jovens. Em outros países, essas pessoas não têm direito a pensão integral e vitalícia, principalmente quando não têm filhos. Escrevi que a MP seria usada como veículo para um jabuti gigante, que foi o fim do fator previdenciário, antes de se preparar um bom projeto para substituí-lo, por isso o melhor era deixá-la perder a validade. A equipe do governo Dilma manteve o projeto e o que se poupou com a mudança foi muito menor do que o que houve de aumento de despesas.

Agora o governo interino de Michel Temer fala em mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal para atualizá-la. Foi o que disse o ministro Henrique Meirelles. Ele se refere ao fato de que os estados ao contabilizarem as despesas de pessoal estão excluindo gastos que também são de pessoal, como auxílio moradia e a conta dos terceirizados. A bem da verdade, o cumprimento da lei exige o registro correto das despesas com a folha salarial, mas não é o caso de reabrir a LRF para rever nem este nem outro ponto. O ministro disse que fará isso a médio prazo. Que o tempo trabalhe a favor da sensatez.

A LRF está, neste momento, mostrando como pode ser incômoda para governantes que quiserem desrespeitar seus princípios com pedaladas e com maquiagens estatísticas. Foi com ofensas a ela e aos seus princípios que a presidente Dilma acabou sendo afastada e agora responde, como ré, a processo no Senado. É a hora de achar que a lei é fraca, insuficiente, desatualizada?

O que houve foi que na negociação da dívida dos estados o governo interino achou que tinha mais poderes do que tem. Todo credor que começa concedendo vantagens para depois exigir contrapartidas pode ter dissabores. Tudo fica mais incerto se essas contrapartidas têm que ser aprovadas por parlamentares. Diante disso, o melhor a fazer é continuar negociando com cada estado para garantir que eles usarão o tempo de carência dado para tentar organizar as despesas e ter capacidade de voltar a pagar integralmente as prestações em 2018. O melhor caminho não é o de ir ao Congresso para mudar uma legislação forte como esta, achando que isso imporá restrições aos estados. Se o governo federal não consegue garantias de que o pagamento da dívida será normalizado, ao fim do atual alívio, que encontre outra saída menos perigosa do que um projeto — por melhor que lhes pareça — de mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Melhor deixá-la como está.

Trump com o dedo no gatilho - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 11/08

Veio do governador de Connecticut, o democrata Dan Malloy, a reação mais significativa a respeito do enorme perigo que representam as declarações do candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, sugerindo que, talvez, o pessoal da Segunda Emenda (a que garante o direito ao uso de armas) poderia evitar que sua adversária, Hillary Clinton, a derrubasse.

Malloy disse à rede MSNBC: "Pensei instantaneamente a respeito de [o primeiro-ministro Yitzhak] Rabin em Israel. Havia comícios em Israel em que se gritava 'morte a Rabin', e os políticos se omitiam".

Rabin, o primeiro-ministro que arquitetara os acordos de Oslo, que quase trouxeram a paz entre Israel e palestinos, foi assassinado, em 1995, por um extremista judeu.

A comparação é válida. Eu mesmo ouvi de Leah Rabin, a viúva, acusações contra os políticos do Likud, o partido então mais à direita em Israel, que ela culpava por discursos que fomentaram o ambiente de ódio que armou a mão de Ygal Amir, o extremista que matou seu marido.

Ao jornal americano "Los Angeles Times", Leah disse que "seguramente eu os culpo. Se você tivesse ouvido seus discursos, compreenderia o que quero dizer" (Leah morreu no ano 2000).

Por muito que considere Trump um tremendo perigo para os Estados Unidos e o mundo, não posso acreditar que ele tenha realmente sugerido disparar sobre Hillary.

O problema é a facilidade com que os norte-americanos puxam o gatilho. "Já tivemos assassinatos demais. Já tivemos mortes demais e temos que rejeitar isso [as palavras de Trump]", como diz Malloy.

Não custa lembrar que, sem incitações abertas ou veladas, três presidentes americanos já foram alvejados. Dois morreram (Abraham Lincoln e John Fitzgerald Kennedy ) e um ficou ferido (Ronald Reagan ).

Para não mencionar os incontáveis episódios de assassinatos em massa praticados por adeptos incondicionais da Segunda Emenda.

Lucia Graves, colunista do jornal britânico "The Guardian" nos Estados Unidos, recorreu a Gabrielle Giffords, deputada do Arizona que sobreviveu, gravemente ferida, a um desses episódios, para ilustrar o risco de declarações como a de Trump.

"Indivíduos responsáveis e estáveis não levarão a retórica de Trump ao pé da letra, mas suas palavras podem fornecer inspiração ou permissão para aqueles inclinados a derramar sangue".

A recomendação, sensata, de Giffords: "Estabelecer uma brilhante luz vermelha entre discurso político e sugestões de violência".

Mesmo que Trump não tenha pretendido sugerir assassinar Hillary, permanece o fato de que ele mentiu descaradamente ao dizer que sua adversária pretende derrubar a Segunda Emenda.

Lembra o jornal americano "The Washington Post": "Clinton jamais disse que quer eliminar a Segunda Emenda. Mesmo que tivesse dito, nem o presidente nem a Suprema Corte nem juízes federais de nível inferior têm o poder para fazê-lo. Há dois caminhos para alterar a Constituição. Um requer 2/3 dos votos do Congresso e, então, aprovação por 3/4 dos Legislativos estaduais. A outra requer a convocação de uma constituinte e, de novo, aprovação por 3/4 dos Estados".

Tudo somado, está mais que claro que Trump é um perigo.

Mais do que confiança - CIDA DAMASCO

ESTADÃO - 11/08

Com baixa rentabilidade, as empresas precisam de fôlego para voltar a investir


O desfecho cada vez mais próximo da batalha do impeachment anima todos aqueles que ligam a retomada da confiança à eliminação das incertezas sobre a continuidade do governo Temer. Nada mais natural, uma vez que a tomada de decisões de impacto não costuma combinar com dúvidas sobre mudanças nas regras do jogo.

É verdade que os indicadores que medem as expectativas em relação à economia já vêm detectando um ligeiro avanço do otimismo – ou pelo menos um recuo do pessimismo. Basta ver, por exemplo, a evolução da pesquisa Focus, do Banco Central, que capta os “sentimentos” do mercado financeiro: mais uma semana de queda, ainda que modesta, nas estimativas de inflação e de redução do PIB. Ou o indicador antecedente de emprego, da FGV, que atingiu em julho o nível mais favorável desde março de 2014. Ou ainda o índice de confiança dos empresários das pequenas indústrias, feito pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que mostrou, também em julho, o melhor resultado desde setembro de 2013,

Confiança, porém, não dura para sempre. E não resolve, por si só, todos os problemas. Em primeiro lugar, é preciso deixar bem claro de que confiança estamos falando. Mais ainda, de como cada segmento conta com o governo para sustentar esse clima.

1) Os grandes agentes econômicos, principalmente o mercado financeiro, clamam por um ajuste fiscal rápido e profundo, ancorado no corte de gastos, e já criticam abertamente a excessiva “flexibilidade” da equipe econômica. Para os mais impacientes, o que tem vigorado até agora, como no caso da renegociação das dívidas dos Estados, é a lei do “pressionou, levou”. Além disso, veem com bons olhos a cautela na política de juros do BC.

2) O setor produtivo aguarda informações mais consistentes sobre as reformas previdenciária e trabalhista, e torce por uma queda rápida dos juros. Também não quer nem ouvir falar sobre aumento de impostos.

3) O cidadão comum não vê a hora de que o País vire a página do ajuste fiscal e entre de novo na rota do crescimento. Com a retomada do emprego, a melhora da renda e tudo mais a que tem direito. E, em alguns bolsões da classe média, há até o sonho de alguma “folguinha” na cotação do dólar, que permita a volta às viagens e ao consumo lá fora.

A pergunta que fica é se dá para conciliar todos esses objetivos. E principalmente em que prazo. Se tudo correr bem para Temer, no embate final do impeachment, e se os sustos com a Lava Jato não passarem de sustos, ainda assim o tempo é inimigo do governo.

As eleições vêm aí e, como se sabe, campanha e trabalho no Congresso são coisas incompatíveis. Além disso, não há porque se iludir que as pressões contra o ajuste desaparecerão. Por último, falta ainda uma ponta para unir confiança e retomada do crescimento. Com baixa rentabilidade e alto endividamento, as empresas também precisam de tempo para retomar o fôlego e embarcar numa nova rodada de investimentos.

Bem-vindo de volta - TANIA ZAGURY

O Globo - 11/08


Causa perplexidade verificar que o abandono do currículo único significou deixar de ensinar capítulos importantes de História, Geografia, Matemática


Em breve, teremos nova versão do Currículo Nacional Único — atualmente em construção. Quase com certeza, pouco depois leremos nas mídias várias matérias — parte das quais comemorando “a novidade que já devia ter acontecido”.

O que muitos não sabem é que, até em torno dos anos 1970, o Brasil tinha currículo único. Quando comecei a lecionar, meus colegas e eu recebíamos do MEC o que chamávamos de lençol, um livreto que, aberto, se desdobrava em folhas enormes (daí o apelido), que traziam, disciplina por disciplina, série por série, os conteúdos que deviam ser desenvolvidos em todo o país. Num dado momento, porém, as teorias pedagógicas começaram a preconizar a ideia de que cada município devia definir, por si, o que ensinar para que, assim, se respeitassem regionalidades.

Hoje, volta-se a defender a necessidade de um mínimo comum. Fico aliviada com o retorno dessa base unificada, que, a meu ver, jamais se deveria ter abandonado. A primeira versão apresentada pelo MEC necessitava de tantos reparos — verdadeira reconstrução — que a próxima talvez careça de outra mais. Causa perplexidade, porém, verificar que o abandono do currículo único — sob a alegação de atender a singularidades regionais —, na prática significou deixar de ensinar capítulos importantes de História, Geografia, Matemática — de tudo! A que regionalidade, afinal, se atende, ao suprimir o Holocausto da Segunda Guerra? Que característica se respeita quando não se ensina a interpretar gráficos?

A pretexto de respeitar especificidades, deixou-se de dar formação cultural, leitura compreensiva e cálculos aos brasileirinhos. Hoje, 57% dos alunos de 8 anos não superam os dois primeiros níveis de leitura. E Matemática também faz corar: apenas 58% alcançaram os dois níveis iniciais! Dá para compreender que o novo documento seja esperado com ansiedade ....

Importa frisar, porém, que colocar no currículo único a responsabilidade de, a partir de sua implantação, superarmos os parcos resultados é vã quimera. Há outras providências que precisam ser tomadas. A qualificação docente e a superação da insustentável situação da indisciplina, que consome professores e os adoece, são duas delas. É preciso dizer, por outro lado, que “modismos na educação” não acometem só o Brasil. A Austrália também demorou a perceber a necessidade de se voltar ao currículo único, mas o fez em 2012.

Agora, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determina que o currículo tenha base nacional comum e parte diversificada, coadunando as duas necessidades. O que o currículo único faz é definir os saberes e competências mínimos que todos devem ter adquirido ao final da Educação Básica — porque fazem diferença na vida, no exercício da cidadania e na promoção da igualdade social. E mais: garantem que um aluno transferido do Acre para o Rio possa ter assegurada a continuidade dos estudos. É bem-vindo, pois, o currículo único de novo; mas há que haver continuidade nas decisões, para que não tenhamos que partir do zero a cada novo ministro. Educação deve ser um projeto do Brasil — e, assim, suplantar modismos e gestões.

Saber perder - MARCO AURÉLIO CANÔNICO

FOLHA DE SP - 11/08

"Não fiz uma boa prova. Se tivesse repetido o tempo que fiz de manhã, estaria na final. E é uma final fraca, com tempos altos. Só posso pedir desculpa a essa torcida que veio apoiar."

A declaração do nadador brasileiro Leonardo de Deus logo após falhar na semifinal olímpica dos 200m borboleta chamou a atenção pela ponderada autocrítica. Não é um tom que se vê com frequência entre os atletas brasileiros que fracassam em suas modalidades na Olimpíada. Ao contrário, nas entrevistas pós-derrota a condescendência é a regra.

Os derrotados em geral dão declarações na linha "já valeu estar aqui", "não foi o que eu queria, mas fiquei feliz com meu desempenho" etc. Contam também com a complacência de narradores e comentaristas de TV, que relativizam os maus resultados.

Essa postura condescendente é nociva. Ninguém deveria se martirizar por uma derrota ou um erro, mas quem não tem capacidade de autocrítica não consegue progredir. Pior, estimula nos críticos o sentimento oposto, igualmente deletério: a intransigência que desvaloriza o atleta, o país e os brasileiros, ao gosto do velho complexo de vira-lata.

A torcida tende a ser mais compreensiva com quem é sincero e reconhece seus erros, demonstrando vontade de corrigi-los e de fazer melhor na próxima vez. Este é um dos motivos, a propósito, por que ninguém mais tem paciência para as mimadas estrelas milionárias da seleção brasileira de futebol, incapazes de uma autoanálise direta e crítica.

O mesmo raciocínio se aplica na hora de fazer um balanço da Rio-2016 e de seu legado. Se não faz sentido o mau humor ao estilo "terra arrasada", como se nada prestasse, a posição excessivamente tolerante que os políticos e uma parcela da imprensa adotam tampouco ajuda. É importante reconhecer as falhas em vez de tentar justificá-las ou, pior, negá-las.

Só pode aumentar o salário do pessoal - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Globo 11/08

Governo Temer vem de patrocinar aumentos para servidores federais, agorinha mesmo, quando defende severo ajuste


Os servidores públicos e seus associados políticos ganharam todas até aqui. Do conjunto de leis já aprovadas ou encaminhadas no Congresso resulta clara a seguinte conclusão: o ajuste nas contas públicas e, especialmente, o limite de gastos valem para todos, incluindo os cidadãos clientes dos serviços prestados pelo governo, menos para o funcionalismo.

A última batalha foi vencida na Câmara dos Deputados. Ali ficou aprovado que, em troca do enorme desconto na dívida que têm com a União, os governos estaduais ficarão submetidos a um teto de gastos pelos próximos dois anos. Assim: a despesa de um ano é igual à do ano anterior mais a inflação. Sem aumento real, portanto. Menos para os salários do funcionalismo, cujas categorias podem ter aumentos reais ilimitados.

O projeto original sobre a dívida estadual, negociado pelo governo Temer, dizia formalmente que os estados cumpririam duas contrapartidas: 1) o teto de gastos; 2) a proibição expressa de reajustes para o funcionalismo, assim como a proibição de novos concursos e contratações.

Contrapartidas “inegociáveis”, alardeava o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, fiador do projeto.

O deputado Rogério Rosso (PSD-DF), da base, mas com o apoio do PT, PDT e do ex-líder do PSDB Carlos Sampaio, articulou para retirar a segunda contrapartida com o seguinte argumento: “o projeto estabelece um teto de gastos (gerais), mas com esse inciso (proibição de aumentos reais) dizia que o corte tem que ser em cima dos servidores”.

Dito pelo avesso: o corte vai em cima de tudo, menos do funcionalismo. Ou seja, pode cortar no custeio e investimentos nos hospitais, nas escolas, no policiamento, menos na folha salarial.

Disse ainda o deputado Rosso que não era preciso formalizar o veto aos aumentos salariais, porque haverá um teto de gastos gerais e porque a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) já limita a despesa com pessoal. É de uma falsidade deslavada. Primeiro, se há uma regra limitando os gastos gerais, mas excluindo a despesa com pessoal, o que vai acontecer? Simples: as diversas categorias do funcionalismo vão arrancar reajustes acima da inflação, mas como o governo, no geral, não pode gastar acima da inflação, vai ter que compensar cortando outras despesas.

Segundo: a LRF de fato limita o gasto de pessoal dos governos estaduais a 60% da receita líquida. E acrescenta que, descumprido o limite, tem que haver cortes de salários.

Ocorre que Congresso, assembleias legislativas e o Judiciário, em diversas instâncias, estabeleceram exceções ao longo dos anos. Por exemplo: a folha dos aposentados não entra na conta, nem o gasto com terceirizados. Ora, é óbvio que se trata de despesa de pessoal, mas, se fosse assim definida, praticamente todos os estados ultrapassariam o limite dos 60%.

Aliás, os servidores e seus líderes no Congresso ganharam outra batalha nesse item. O ministro Meirelles queria incluir no projeto de negociação da dívida estadual uma espécie de “esclarecimento”, justamente para formalizar que aposentados e terceirizados estão na categoria de pessoal. Perdeu. Isso foi retirado do projeto antes de chegar à Câmara de Deputados.

E lá chegando, caiu a contrapartida que formalizava a proibição de aumento real. Pessoal do governo Temer argumenta que o teto geral de gastos resolve o problema pelo lado político. Assim: nenhum governador terá coragem de dar aumento real ao funcionalismo no momento em que estiver segurando todos os demais gastos.

Estão brincando com a gente. Pior que isso, estão nos chamando de idiotas. Começa que o próprio governo Temer vem de patrocinar diversos aumentos para servidores federais, agorinha mesmo, quando defende um severo ajuste nas contas.

Além disso, está na cara que, quando as assembleias legislativas concederem aumentos para tal e qual categoria, vão especificar que esses reajustes não entram na conta do teto geral. Interpretação que terá pleno apoio do Congresso e das instâncias do Judiciário, todos interessados diretos.

Foi exatamente o que fizeram ao longo de anos, criando gambiarras e interpretações abusivas da legislação de modo a permitir aumentos de gastos com funcionalismo e elevação do teto salarial individual — incluindo de aposentados — acima de todos os limites legais e éticos.

Muitos governadores, nos bastidores, queriam que fosse formalizada a proibição de aumentos salariais. Com isso, teriam um argumento legal para resistir às pressões dos sindicatos e seus associados.

Mas tiveram medo de lutar por isso publicamente.

Resultado: governos estaduais estouraram suas contas por causa do explosivo aumento do gasto com a folha. É o que dizem, por exemplo, os economistas da equipe de Meirelles. Pois estão querendo nos dizer que vão patrocinar um ajuste que deixa de fora a causa do desajuste.

Temer e Meirelles estão gastando o capital de confiança. Precisam de um ajuste fiscal justo aí.


Terceirização: debate surrealista e inútil - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

CORREIO BRAZILIENSE - 11/08

"Não consigo convencer aquele que se recusa a me ouvir"
J.J. Rousseau



Houvesse torneio nacional para escolha da ideia mais extravagante, levantaria a taça o time adversário da terceirização. Combatida com todas as armas, a terceirização, que outra coisa não é senão o conhecido contrato de prestação de serviços continua em marcha, conquista espaço, gera trabalho, empregos, impostos e renda. Pertence ao amplo universo dos fatos. Ao chegar ao escritório, entrego o veículo a manobristas terceirizados. Portaria e vigilância estão sob a responsabilidade de empresas de serviços. Se me dirigir à agência bancária, onde sou cliente, serei recebido por guardas terceirizados.

Seria interminável a tarefa de relacionar situações em que nos deparamos com empregados de empresas terceirizadas. Estão no comércio, na indústria, nos portos, nos aeroportos, nas ferrovias, nos terminais rodoviários, nas instituições financeiras, nos jornais, no rádio, na televisão, nas rodovias privatizadas, nos hospitais, nas escolas, nas universidades, além de prestarem indispensáveis serviços ao Executivo, ao Legislativo, ao Judiciário e ao Ministério Público.

Importando da China, Japão, Coreia, Itália, Inglaterra, Peru, Colômbia, terceirizamos empregos que poderiam ser reservados a brasileiros. Desmonte o celular ou pense na construção de aviões, navios e automóveis. É impossível não se convencer da utilidade da terceirização como ferramenta geradora de empregos.

O Decreto-Lei 200/67 inclui a terceirização entre os cinco fundamentos da moderna administração pública. Prescreve o art. 10 que, para melhor se desincumbir das tarefas que lhe são próprias (planejamento, coordenação, supervisão e controle) e impedir o crescimento incontrolável da máquina administrativa, a administração pública recorrerá à iniciativa privada para a realização de tarefas executivas. A conhecida Lei 9.666/93 complementa o decreto-lei, dispondo sobre contratos e licitações de obras e serviços financiados com recursos do erário.

A Lei nº 9.472/97 faculta a qualquer interessado entrar na disputa de contratos no setor de telecomunicações (art. 57). Nesse sentido, permite-se à concessionária terceirizar equipamentos e infraestrutura, e contratar terceiros para as atividades inerentes, acessórias ou complementares (art. 94). Inerente, em português castiço, significa algo ligado estruturalmente a alguma coisa e dela inseparável, ou seja, atividade primordial ou atividade-fim.

Segundo levantamentos promovidos pelo Sindicato dos Trabalhadores, existem, no Estado de São Paulo, 600 mil empregados de aproximadamente 15 mil empresas prestadoras de serviços. Em todo o Brasil, seriam em número superior a 2 milhões. A verticalização pretendida pelo Ministério Público do Trabalho, em setores como o de confecção de jeans, não passa de utopia avessa ao mundo real. Seria o fabricante da roupa responsável pela cultura do algodão, fabricação do fio, do tecido, do acabamento do pano, da linha, do botão, do zíper, da etiqueta e da caixa de embalagem? Sem provocar prejuízos além dos imaginários, dividir o processo de fabricação em etapas especializadas, como ensinou Adam Smith no clássico A riqueza das nações (1776), é benéfico para empresa, que ganha em produtividade e para o consumidor favorecido, pela qualidade e menor preço.

Além de opiniões desfavoráveis, mas que nada são além de opiniões, ignoro pesquisa de cunho científico que, após proceder a criterioso exame da cadeia industrial, tenha concluído que a terceirização provoca danos morais coletivos. O empregado da prestadora de serviços está sob o guarda-chuva da CLT, é registrado, tem direito a controle de horário, descanso semanal, férias, Fundo de Garantia, inscrição como segurado no INSS, tanto quanto o assalariado da tomadora de serviços.

A discussão travada desde a edição das súmulas 256 e 331 do TST será interminável e inócua, salvo se o projeto de lei em andamento no Senado Federal for votado e aprovado, ou o Supremo Tribunal Federal proferir decisão em recurso extraordinário de repercussão geral, que aguarda pauta de julgamento. De algo, porém, estou convencido, como fato do mundo real, a terceirização deve receber o batismo da legitimidade, para se encerrar debate que prima pela recusa de distinguir o concreto do imaginário.

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO - Advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho

Sem indecisão - MERVAL PEREIRA

O Globo - 11/08

A votação da noite de terça-feira no Senado demonstrou que não há mais indecisos no plenário, e, se os houver, são senadores que podem votar pelo afastamento definitivo da presidente Dilma. Talvez por isso ela tenha adiado mais uma vez a carta que divulgaria, propondo um plebiscito sobre novas eleições gerais.

Há informações de que acatou a sugestão de senadores da sua base para que retire da carta o termo “golpista”, na esperança de que, não ofendendo os senadores, alguns deles ainda mudem de posição a seu favor. É uma medida cautelosa, mas inútil, pois as convicções parecem estar sedimentadas, e, além de tudo, seu próprio advogado de defesa, ex-ministro José Eduardo Cardozo, não poupa esse adjetivo e outros para definir os que se colocam contra a permanência de Dilma na Presidência da República.

Também os poucos aliados no Senado continuam batendo na mesma tecla, criando uma narrativa de luta democrática que inclui chamar o processo de impeachment de golpe parlamentar. Na verdade, eles estão fazendo pose para a filmagem de um documentário sobre o processo no Congresso, além de usarem a TV Senado como trampolim para uma ação política que baseará suas atuações parlamentares nos próximos anos.

Retirar o termo “golpista” da suposta carta não representa uma reavaliação de atitudes da presidente afastada, mas apenas uma ação retardada que não terá maiores consequências na votação final, assim como a própria proposta de convocar um plebiscito, já rejeitada até mesmo pelo presidente do PT, Rui Falcão.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que vai tentar a reeleição, já começa a refluir da radicalização política e admitiu ontem que usar “golpe” para caracterizar o que está acontecendo no Congresso lhe parece “um pouco forte”. Mas, à medida que o processo do impeachment prossegue, o PT tenta levar para o plano internacional um protesto, produzindo fatos exóticos como a tentativa de ler uma declaração do candidato democrata derrotado Bernie Sanders sobre a possibilidade de estar ocorrendo um golpe por aqui.

Evidentemente, o PT e Lula ainda mantêm em setores da esquerda internacional algum prestígio, e se aproveitam disso para tentar uma ação que, embora inócua em termos práticos, pode render frutos políticos nesse nicho eleitoral. Mas não conseguem fugir de suas próprias incoerências.

Assim como o expresidente Lula contratou um advogado em Genebra para atuar em seu nome na Comissão de Direitos Humanos da ONU alegando que está sendo alvo de perseguição da Justiça brasileira, também a presidente Dilma apela para organismos internacionais.

Vários deputados e senadores petistas entraram com uma ação na Comissão de Direitos Humanos da OEA alegando que os direitos de Dilma e seus apoiadores estão sendo desrespeitados pelo processo de impeachment, que seria ilegal. Pedem uma liminar reconduzindo a presidente Dilma à Presidência da República.

Mas, em 2011, essa mesma Comissão da OEA pediu a interrupção das obras da usina de Belo Monte, alegando irregularidade no licenciamento ambiental, atendendo a uma ação de ONGs ambientalistas. O governo da presidente Dilma considerou uma “interferência indevida”, convocou ao Brasil o representante do país junto à OEA, o que na diplomacia é uma das atitudes de reprovação mais agudas, e, para retaliar, suspendeu repasses de dinheiro à entidade.

Como se vê, trata-se de mais um capítulo de uma ridícula novela política latino-americana, na qual o grupo político que está sendo acusado na Justiça por um mega esquema de corrupção, e por ter ilegalmente manipulado o orçamento do país para manter-se no poder, tenta apresentar-se ao mundo como vítima de perseguição política.

Dilma não tem mais nada a almejar nesse processo, a não ser montar uma narrativa heroica que pode render um livro de ficção. Já o ex-presidente Lula espera pressionar politicamente os investigadores da Polícia Federal e os procuradores do Ministério Público para se livrar das acusações e dos processos. Em último caso, pode alegar perseguição política e pedir asilo ou refúgio no exterior.


João foi com os outros - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 11/08

Dos 22 senadores que votaram contra o impeachment em maio, só um mudou de lado nesta semana. O vira-casaca foi João Alberto Souza, do PMDB do Maranhão. Aos 80 anos, o senador é um dos mais antigos escudeiros de José Sarney. Segue o ex-presidente há cinco décadas, do apoio à ditadura militar à aliança com o petismo na era Lula.

Há três meses, João Alberto não via motivo para afastar Dilma Rousseff. Na madrugada desta quarta (10), deu um empurrãozinho para despejá-la do Palácio da Alvorada.

Perguntei ao peemedebista se ele concluiu que a presidente cometeu crime de responsabilidade, condição exigida pela Constituição para cassá-la. "Olha, a minha convicção é de que o processo é político. Num julgamento político, você faz uma abstração de outras coisas que podem acontecer", respondeu João Alberto.

Pedi ao senador que fosse um pouco mais claro. Afinal, Dilma praticou crime? "Veja bem: eu considero que ela é uma mulher séria. Mas o processo é mais político, em função da realidade. Minha decisão foi conjuntural", afirmou.

Segundo João Alberto, a conjuntura era a seguinte: "havia uma intranquilidade no país" e Michel Temer "deu equilíbrio à nação". "Se o Brasil fosse parlamentarista, a Dilma já teria sido afastada", disse. Comentei que o Brasil é presidencialista, mas o senador mudou de assunto e passou a falar sobre o Maranhão.

A conjuntura no PMDB também mudou, informou João Alberto. "São 18 senadores, e 16 já estavam apoiando o impeachment. Eu não posso ficar isolado no meu partido", disse.

Ameaçado pela Lava Jato e derrotado nas urnas do Maranhão, o clã Sarney ressurgiu das cinzas ao abandonar Dilma. O deputado Sarney Filho virou ministro de Temer, e o patriarca voltou a comandar a máquina federal no Estado. João Alberto disse que só manteve os cargos que já tinha. Que cargos? "Aí eu teria que ver. Essa coisa eu tenho que ver com a minha assessoria", desconversou.


Tudo que é sólido - DEMÉTRIO MAGNOLI

O GLOBO - 11/08

Há dois dias, o presidente turco Recep Erdogan visitou a Rússia, num gesto de reconciliação com Vladimir Putin. Domingo passado, mais de um milhão atenderam à convocação oficial para a manifestação “Democracia e Mártires”, em Istambul. Entre as gigantescas bandeiras turcas que adornavam o palco, destacavam-se cartazes com as imagens de Kemal Ataturk, o fundador da Turquia moderna, e do próprio Erdogan. O evento foi coreografado como demonstração de unidade nacional, com líderes de partidos oposicionistas e autoridades religiosas no palco, mas os circundantes apenas realçavam a centralidade do presidente. Do golpe militar frustrado de julho, emerge a figura de um novo sultão otomano, que enfeixa poderes extraordinários e ergue os alicerces de um regime autoritário.

A escalada autoritária começou anos atrás, ganhando ímpeto com a violenta supressão dos protestos populares na Praça Taksim, no verão de 2013. A repressão à imprensa independente ganhou justificativa pela difusão da lenda conspirativa que atribui toda e qualquer crítica ao governo à rede política dirigida pelo clérigo moderado Fethullah Gülen, um ex-aliado de Erdogan convertido em inimigo e autoexilado nos EUA. Na sequência, diante das contestações internas ao envolvimento turco na guerra síria, o governo aproveitou-se de atentados cometidos pelos separatistas curdos do PKK para reativar a guerra interna contra a minoria curda.

A marcha autoritária de Erdogan é o terceiro golpe sucessivo nos pilares da ordem estabelecida no pós-Guerra Fria. O primeiro foi a invasão russa da Crimeia ucraniana. O segundo foi a decisão britânica de abandonar a União Europeia. Agora, descortina-se o cenário de uma Turquia autoritária em ruptura com o Ocidente.

Os protestos da Taksim começaram quando o governo anunciou a construção de um shopping, cuja arquitetura simulava um quartel otomano, no popular Parque Gezi. A manifestação de domingo foi transmitida ao vivo, em telões, para quase todas as cidades turcas. “Aqui, erguemo-nos juntos, como uma única nação, uma única bandeira, uma só pátria, um só Estado e um espírito monolítico”, clamou o presidente. Uma banda em trajes tradicionais otomanos animou o evento, num toque de fundo simbolismo: na sua reinvenção da Turquia, Erdogan combina elementos de otomanismo e islamismo. O pretendente a sultão acalenta o projeto de alterar a Constituição, de modo a concentrar poderes na figura do presidente. Os espectros do “inimigo interno” (Gülen) e do “inimigo externo” (os curdos) proporcionam-lhe a oportunidade de acender a fogueira do nacionalismo turco.

Um contragolpe está em curso. Mesmo sem provas convincentes, Erdogan aponta o dedo acusador para Gülen, usando-o como pretexto para promover expurgos em massa no seu partido e no funcionalismo público, prender milhares de soldados e policiais, processar jornalistas, intelectuais, ativistas políticos e sindicalistas. Fantásticas teorias conspirativas estendem-se perigosamente além do suposto “Estado paralelo” de Gülen. Um ministro, deputados oficialistas e jornais governistas sugeriram, sem nenhuma evidência, que os serviços secretos americanos seriam os verdadeiros articuladores do golpe militar que deixou 240 mortos. Logo após a tentativa de golpe, o governo turco interrompeu temporariamente o fornecimento de energia elétrica à base aérea de Incirlik, usada pelos EUA na campanha de bombardeios contra o Estado Islâmico.

Diante dos pedidos de moderação de Angela Merkel e dos protestos de John Kerry, Erdogan ofereceu réplicas desafiadoras, estremecendo as relações turcas com o Ocidente. O secretário de Estado americano treplicou, esclarecendo que a continuidade da repressão indiscriminada na Turquia “seria um grande desafio para as suas relações com a Europa, a Otan e todos nós”. Do lado oposto, Vladimir Putin ofereceu a integral solidariedade russa à escalada repressiva do governo turco, preparando o palco para a visita de Erdogan à Rússia.

A Turquia não é um país qualquer. Integrante estratégica da Otan, guarda o Mediterrâneo Oriental e os estreitos que conectam a frota russa ao mare nostrumeuropeu. Candidata ao acesso à União Europeia, funciona como ponte entre Europa e Oriente Médio — e, hoje, como zona de contenção do fluxo de refugiados sírios que almejam asilo na Alemanha. Por tudo isso, a aproximação de Erdogan com Putin — sinalizada ainda antes do golpe frustrado por um pedido de desculpas do presidente turco pela derrubada de um caça russo que operava na Síria — toca em nervos geopolíticos altamente sensíveis.

Tudo que é sólido parece desmanchar-se no ar. A marcha autoritária de Erdogan é o terceiro golpe sucessivo nos pilares da ordem estabelecida no pós-Guerra Fria. O primeiro, em 2014, foi a invasão e anexação russa da Crimeia ucraniana, que dissolveu a crença na segurança das fronteiras internacionais na Europa. O segundo, menos de dois meses atrás, foi a decisão britânica de abandonar a União Europeia, que destruiu a noção da perenidade do bloco supranacional europeu. Agora, descortina-se o cenário de uma Turquia autoritária em ruptura com o Ocidente, que impugna a convicção no triunfo definitivo da democracia no espaço europeu externo à influência russa. Putin pode celebrar a desmontagem do quadro de referências nascido após a queda do Muro de Berlim, evento que ele qualificou como “a maior catástrofe geopolítica do século 20”.

Num outro plano, a erosão das liberdades públicas na Turquia confere verossimilhança à narrativa ideológica dos neoconservadores sobre o “choque de civilizações”, que se baseia na tese da incompatibilidade entre a democracia e o Islã. Se a Turquia moderna e secularista retrocede ao autoritarismo, como acreditar nas chances de reforma democrática nos países muçulmanos do Oriente Médio e da África do Norte? Depois de flertar com organizações jihadistas envolvidas na guerra síria e de extinguir o processo de paz com os curdos, o novo sultão turco oferece um álibi perfeito aos partidos da extrema-direita europeia engajados em projetos nativistas e ultranacionalistas. Certamente não foi para isso que, resistindo aos militares golpistas, morreram na rua tantos turcos.


Demétrio Magnoli é sociólogo

Adeus, presidenta! - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 11/08

Michel Temer se defrontará com os mesmos problemas que levaram à breca o governo Dilma


O livro Adeus, senhor presidente, de Carlos Matus, um dos teóricos da administração pública mais estudados no Brasil, por causa do seu método de "planejamento estratégico situacional", é um ensaio romanceado sobre o exercício do poder na América Latina. Ex-ministro de Salvador Allende, Matus não se limitou a denunciar e repudiar o golpe militar de Pinochet, ocorrido em 1973, que transformou o Chile num mar de sangue, procurou também entender o que aconteceu e buscar caminhos para que os erros cometidos pela esquerda chilena não se repetissem.

Não passa pela cabeça de ninguém comparar o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, ao golpe fascista chileno, mesmo entre aqueles que acusam o presidente interino, Michel Temer, de golpista, mas o contexto justifica, ao menos para quem foi apeado do poder, conhecer ou revisitar a obra de Matus. Ele constrói um cenário fictício, que começa com a posse de um presidente que criou grandes expectativas e prometeu muitas mudanças e termina com suas reflexões, depois de afastado do poder, sobre o desapontamento dos eleitores e as razões pelas quais não cumpriu o que prometeu. Detalhe: seu sucessor também é malsucedido e desaponta o povo.

Matus trabalha com o cotidiano do governo, a perda de tempo com coisas banais, os erros estratégicos, as intrigas políticas e lutas intestinas, num palácio onde pululam sindicalistas, dirigentes partidários, empresários, tecnocratas, intelectuais, jornalistas, parentes e corruptos de todas as categorias. É muito semelhante à situação de Dilma, que pode até ter lido a obra de Matus, mas parece que não adiantou muito. São favas contadas a sua cassação, depois da votação da madrugada de ontem no Senado, quando se decidiu, por 59 votos a favor e 21 contrários, dar inicio ao julgamento final do seu impeachment.

O líder comunista Enrico Berlinguer, falecido em 1984, profundamente marcado pelo fracasso da experiência chilena, nela se inspirou para propor o famoso "compromisso histórico" entre os comunistas e democratas-cristãos na Itália, que se digladiavam desde o fim da II Guerra Mundial. À época, o líder democrata-cristão Aldo Moro, que viria a ser assassinado em 1978, depois de 55 dias de cativeiro, pelas Brigadas Vermelhas, uma organização terrorista de extrema-esquerda, sinalizava a possibilidade de concretização da aliança, com sua "abertura à esquerda". Esta estratégia produziu bons resultados eleitorais para o PCI nas eleições de 1976, nas quais obteve 35,9% dos sufrágios, levando-o a apoiar o governo do democrata-cristão Giulio Andreotti. Mas a DCI estava em crise por causa do referendo do divórcio e o assassinato de Aldo Moro destruiu as boas perspectivas então desencadeadas para um governo de coalizão dos dois maiores partidos da Itália.

Foi uma grande oportunidade perdida por todos os partidos italianos, que prosseguiram numa trajetória meio suicida ao deixar que a corrupção contaminasse suas entranhas e levasse a Itália a uma sucessão de crises políticas, que acabou com a derrocada de todos, que praticamente desapareceram após a Operação Mãos Limpas, inclusive o poderoso PCI. Depois de uma sucessão de fusões, o PCI se tornou o Partido Democrático, hoje no poder. Esses parênteses faz sentido porque aqui no Brasil vivemos um fenômeno político semelhante, que está sendo desnudado pela Operação Lava-Jato, cujo impacto no sistema eleitoral e partidário pode ser muito maior do que imaginam os grandes caciques da política brasileira.

Não errar
O placar de ontem no Senado mostra que o impeachment é mesmo inexorável e que o presidente interino, Michel Temer, tem capacidade de articulação e força política para garantir a governabilidade. Há expectativa de que a cassação da presidente Dilma se dê em 25 de agosto, ironicamente, o Dia do Soldado. Vale destacar que a presidente afastada, no auge das manifestações de protesto contra seu governo, chegou a cogitar da decretação de "estado de defesa" (que lhe conferiria poderes especiais para suspender algumas garantias individuais asseguradas pela Constituição, a pretexto de restabelecer a ordem em situações de crise institucional), mas não obteve apoio dos comandantes militares, nem do então ministro da Defesa, Aldo Rebelo (PCdoB), que a demoveu dessa ideia. Esse fato é o melhor exemplo de que o Brasil atravessa uma crise política, econômica e ética sem precedentes, mas não vive uma crise institucional, graças ao comportamento profissional das Forças Armadas.

Mas voltemos ao impeachment. O presidente Michel Temer, apesar do grande apoio político e parlamentar, se defrontará com os mesmos problemas que levaram à breca o governo Dilma: recessão, desemprego, inflação, deficit fiscal, fisiologismo político e envolvimento dos partidos de sua base no escândalo da Petrobras. Seu estoque de problemas não pode aumentar, pelo contrário, precisa ser reduzido. Certamente, não cometerá os erros de Dilma Rousseff, mas está sujeito a outros e precisará evitá-los. Para encerrar, a ministra Cármem Lúcia foi eleita ontem para a Presidência do Supremo Tribunal Federal. Data vênia, quer ser chamada de presidente e não de presidenta.


Sinecura sindical - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 11/08

Enquanto o país titubeia diante de inadiáveis reformas econômicas, grupos organizados apressam-se a preservar —ou até ampliar— seu quinhão de benesses estatais.

Exemplo inquietante se acha na comissão especial instituída na Câmara dos Deputados para "estudar e apresentar propostas com relação ao financiamento da atividade sindical", cujo relatório final está prestes a ser aprovado.

Os termos do ato de criação do colegiado mal disfarçam que está em ação um lobby que busca dilatar a tributação destinada ao sustento das entidades de representação dos trabalhadores.

Orientado por parlamentares ligados ao sindicalismo, o projeto da comissão eleva o imposto a ser pago por patrões, autônomos e empregados rurais, enquanto assalariados urbanos permaneceriam onerados no montante equivalente a um dia de trabalho por ano.

Esse não é, contudo, o pior da derrama. Profissionais e empresas terão de arcar, segundo o texto, com outra taxação compulsória, chamada contribuição negocial, correspondente a até 1% da remuneração do funcionário ou a três vezes o tributo patronal.

Se levadas adiante, tais ideias agravarão as distorções e a complexidade da legislação nacional, que já dedica 33 artigos da labiríntica CLT —do art. 578º ao 610º— a regulamentar o imposto sindical.

Sua arrecadação carreia cerca de R$ 3 bilhões anuais às mais de 11 mil organizações laborais existentes no país. A carga, no entanto, é menos nociva que sua obrigatoriedade –da qual nem mesmo os empregados sem filiação a sindicato estão poupados.

A regra esdrúxula torna negócio rentável a abertura de entidades de fachada ou de representatividade duvidosa, em que dirigentes eleitos por minorias desfrutam de receita assegurada.

O estímulo às sinecuras acentua-se com o princípio da unicidade, segundo o qual só pode haver uma associação por categoria e base geográfica. Dito de outra maneira, ao trabalhador não é dado o direito a alternativas.

Conforme noticiou esta Folha, há sinais de que o governo Michel Temer (PMDB) poderia encampar os pleitos sindicais, em troca do apoio a uma reforma trabalhista capaz de facilitar os acordos coletivos para redução de salários e preservação de empregos.

Seria um erro. A desejável negociação entre capital e trabalho demanda, justamente, sindicatos mais legítimos, mantidos por livre escolha de seus representados.


Câmara é incoerente ao resistir à responsabilidade fiscal - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 11/08

Rejeitar a contenção de gastos com o funcionalismo nos estados é dar espaço a desmandos como os que levam o Congresso a aprovar o julgamento final do impeachment


No trânsito dos temas pela pauta do Congresso, enquanto o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, aproxima-se da fase final, para sair da agenda dos parlamentares e entrar na História, há todo um trabalho de extrema importância, em torno do ajuste fiscal, que se encontra no início. Uma agenda do passado, outra do presente e futuro. Não se trata de assuntos desconexos. Por motivos políticos, o governo interino de Michel Temer aguarda a unção no cargo, com a condenação final de Dilma por crimes de responsabilidade, para ter poderes que o permitam negociar as reformas no Congresso sem vulnerabilidades.

No campo de batalha do impeachment, tudo parece bem encaminhado: as manobras protelatórias dos aliados de Dilma chegaram à fronteira da bizarrice; os argumentos do “golpe” e outros, esgrimidos por José Eduardo Cardozo, não se relacionam com a vida real, e por isso o plenário do Senado despachou o processo de Dilma para o julgamento final.

Era preciso apenas maioria simples dos presentes, mas os 59 votos dados contra Dilma ultrapassaram em cinco o mínimo necessário para ela ter de devolver as chaves do Alvorada.

Falta o julgamento propriamente dito, para o Congresso impedir a presidente devido a crimes de responsabilidade cometidos contra o Orçamento e o equilíbrio fiscal. Não deveria, então, pela lógica, haver maiores dificuldades para a Câmara, por exemplo, aprovar o acordo entre União e estados sobre a renegociação de dívidas, prevendo sensatas contrapartidas.

Não é coerente a Casa que aceitou a denúncia contra Dilma, por ela ter triturado princípios pétreos da responsabilidade fiscal, resistir a fazer o ajuste neste mesmo campo, para tirar o país da crise.

É o que transparece na dificuldade do governo Temer em aprovar o acordo com os estados, incluindo uma adequada moratória de dois anos nos reajustes salariais do funcionalismo. Até por justiça, o funcionalismo deveria dar esta contribuição ao controle dos gastos, porque, enquanto ele vive em um mundo à parte, por ter emprego garantido, mais de 11 milhões de brasileiros assalariados no setor privado estão nas filas do desemprego. E quanto mais tarde for feito o ajuste, mais tempo eles continuarão neste inferno social.

Na votação em plenário do projeto do acordo, a moratória foi retirada do texto aprovado. As corporações sindicais do funcionalismo demonstram mais uma vez grande força junto aos parlamentares.

Fique claro para os deputados que, ao dificultarem o ajuste, atrapalham o país na luta para sair da crise, como também atuam a favor de desmandos fiscais como aqueles que condenaram ao votar pelo prosseguimento do impedimento de Dilma. Falta na Câmara visão ampla da realidade. Os deputados são presa fácil de corporações.

Aproveitar a oportunidade - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 11/08

O fim da corrupção, leis mais justas e menos desigualdades são temas que unem a sociedade brasileira, independentemente dos matizes ideológicos. Mas o que se observa, nos recantos menos explorados pelos meios de comunicação, são sucessões infindas de desmandos ou de promulgação de normas cada vez mais distantes do desejo da maioria e, pior, que conspiram contra a Constituição Federal. A maioria dos legislativos são pródigos, Brasil afora, em produzir regras que colidem com a Carta Magna e impõem ao Ministério Público vigilância constante.

No Novo Gama (GO), cidade a cerca de 40 km do Distrito Federal, a Câmara de Vereadores aprovou e o Executivo sancionou sem questionamentos norma que blindava as religiões cristãs e previa punição, até com pena de reclusão, aos participantes de manifestações entendidas incompatíveis com as práticas de fé de origem eurocentrista. A norma não só afronta Constituição Federal, que estabeleceu um Estado laico e garantiu ampla liberdade de culto e práticas religiosas e, sobretudo, de expressão aos brasileiros, como também atropela letalmente a diversidade de fé existente no país e reforça a intolerância, que tem vitimado brasileiros em todo o território nacional. Após reportagem do Correio, publicada ontem, a prefeitura prometeu revogar a norma.

As duas situações bem ilustram o quanto os legisladores agem em função de interesses de grupos minoritários, à margem da vontade da maioria. No afã de agradar o eleitorado, agridem a Lei Maior e conspiram contra a liberdade dos cidadãos. Tamanhas afrontas aprofundam desigualdades e estão na raiz das injustiças, comprometem o exercício da cidadania, e carreiam ao Judiciário ações desnecessárias.

Mas, se de um lado, os homens públicos que chegaram a posições políticas e sociais privilegiadas insistem em agir contra o interesse coletivo, por outro, os cidadãos são corresponsáveis por esse comportamento reprovável deles. Erram na escolha e pagam preço alto pelos equívocos cometidos. Este ano, em outubro, haverá eleições municipais. Os brasileiros serão chamados a escolher prefeitos e vereadores. Trata-se de oportunidade que não pode ser desperdiçada e exercício para 2018, quando ocorrerão eleições gerais em níveis estadual e federal.

Avaliar e refletir sobre o comportamento e as ações dos candidatos que têm interesse em representar os diferentes segmentos sociais no Legislativo, elaborar e implementar políticas públicas à frente do Executivo são essenciais para mudar a fisionomia do país. As práticas do toma lá dá cá levaram o Brasil a uma das mais profundas crises políticas da história. As consequências da série de escândalos de corrupção, com destaque para a Lava-Jato, mergulhou a nação no caos, a partir de embate fratricida entre o governo federal e a Câmara dos Deputados, culminando com o afastamento da presidente eleita, a prisão de políticos e empresários renomados.

Assim, não é possível desperdiçar nenhuma oportunidade de mudar o perfil da política do país. Para isso, é essencial usar o voto como instrumento de transformação e dedicá-lo a pessoas que guardam um histórico de comprometimento com as leis e com atuação exemplar a favor da maioria. É hora de interromper a escalada dos alpinistas políticos de ocasião, que veem a cada pleito uma oportunidade para simplesmente "se dar bem" em detrimento do que realmente a sociedade demanda do setor público, em busca da qualidade de vida a que todos têm direito.


Quando a instituição prevalece - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 11/08

Habituado a servir-se das instituições republicanas em benefício de seus interesses e conveniências políticas, o lulopetismo sofreu mais um fragoroso revés na sessão plenária do Senado Federal



Habituado a servir-se das instituições republicanas em benefício de seus interesses e conveniências políticas, o lulopetismo sofreu mais um fragoroso revés na sessão plenária do Senado Federal que transformou Dilma Rousseff em ré do processo de impeachment, colocando-a, finalmente, a um passo de ser definitivamente afastada da Presidência da República. Na condição de presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), investido, por disposição constitucional, na condução dos trabalhos, o ministro Ricardo Lewandowski frustrou todas as tentativas da tropa dilmista de obstruir a sessão. O ministro se comportou com imparcialidade, serenidade e firmeza e, logo na abertura dos trabalhos, recomendou aos senadores, que ali estavam na condição de juízes, “atuar com independência, pautando-se exclusivamente pelos ditames das consciências e pelas normas legais”. Não foi exatamente o que aconteceu, como vieram a demonstrar as bisonhas tentativas procrastinatórias de quem talvez imaginasse que poderia contar com a cumplicidade de um ministro-companheiro. Mas o desempenho de Lewandowski demonstrou seu compromisso com a solidez institucional que é indispensável à estabilidade do regime democrático.

O fato de ter sido nomeado para a Suprema Corte pelo então presidente Lula da Silva e sua atuação como revisor do processo do mensalão, que frequentemente o colocou em conflito com o ministro-relator Joaquim Barbosa, levantaram dúvidas sobre se Lewandowski favoreceria o PT. Já a partir de sua eleição para a presidência da Suprema Corte, porém, e especialmente depois de aberto o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, Lewandowski demonstrou claramente que, se cultivava preferências partidárias, era capaz de mantê-las apartadas de suas responsabilidades como magistrado.

Já os militantes petistas, dentro e fora do Congresso, aferrados à convicção de que são os únicos representantes legítimos “do povo” e por isso podem contar com a indulgência geral e divina para lançar mão de qualquer meio para atingir seus objetivos, não se embaraçam com detalhes éticos e morais. Uma demonstração prática desse modo de pensar e agir tem sido dada pela tropa de choque dilmista ao longo de toda a tramitação, no Congresso Nacional, do processo de impeachment. Desde a classificação de “golpe” imposta a um processo que tem o apoio do Congresso Nacional e segue um rito determinado pelo STF, passando pela pecha de “usurpador” que procura colar à imagem de um vice-presidente da República constitucionalmente investido no exercício da Presidência, o lulopetismo não tem o menor escrúpulo de “partir para cima” de tudo e todos que a ele se opõem.

E foi seguindo essa linha suicida de comportamento que os defensores de Dilma – na verdade, defensores, acima de tudo, de sua própria sobrevivência política – tiveram o descaramento de, provavelmente iludidos com a possibilidade de contar com a indulgência de um ministro-companheiro, levantar naquela sessão do Senado questões de ordem despropositadas como as destinadas a, simplesmente, suspender o processo contra Dilma ou, pelo menos, adiar a votação programada para permitir a realização de “novas e importantes diligências”. Essas tentativas despudoradas e bisonhas de tumultuar os trabalhos – e garantir exposição diante das câmeras de televisão – foram firme e serenamente rechaçadas pelo ministro Ricardo Lewandowski. Só falta agora a tigrada acusá-lo de “traição”.

Este lamentável episódio do impeachment completa três meses desde o afastamento provisório da Presidência da “mulher honesta” que começa a ganhar visibilidade na Operação Lava Jato. É uma nódoa que só será extinta com o tempo e a união dos brasileiros em torno do enorme desafio de tirar o País da crise em que foi jogado por Dilma e seu mestre e criador arrependido. Menos mal que o Brasil ainda pode contar com instituições sólidas, como ficou demonstrado na histórica sessão do Senado de terça-feira.