ESTADÃO - 11/08
As medidas enviadas ao Congresso resultaram em benefício dos parlamentares
A farta liquidez internacional está anestesiando os investidores quanto aos fundamentos fiscais do governo Michel Temer: o recuo derradeiro na renegociação da dívida dos Estados com a União não deveria ser ignorado, como pode ser observado nos preços dos ativos. É uma complacência irracional.
A obsessão pelo afastamento definitivo de Dilma Rousseff não deveria turvar o mercado sobre o que acontece com o ajuste fiscal que Temer e o seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, prometeram antes de assumirem os cargos em maio. Enquanto ainda não se viu corte efetivo de gastos, um ajuste fiscal estrutural não passa de promessa.
A fatura que os parlamentares e outros grupos de interesse vêm cobrando – e Temer concordando em pagar – para votar pelo impeachment de Dilma está cara demais: reajustes a várias categorias de servidores públicos, socorro aos Estados, exigindo-se muito pouco para que o descontrole não se repita, e nomeações duvidosas para vários escalões do governo. As medidas enviadas por Temer e aprovadas pelo Congresso até agora resultaram, em algum grau, em benefício dos próprios parlamentares, como o rombo de R$ 170,5 bilhões na meta fiscal de 2016.
No primeiro teste de restrição de gastos para o futuro, Temer fraquejou, retirando a cláusula de proibição de reajustes salariais a servidores estaduais por dois anos do projeto de lei aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados.
Diante de tantas concessões feitas por Temer, quem garante que o projeto de reforma da Previdência não chegue diluído à votação final no Congresso? Será mesmo que somente a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) limitando o crescimento de gastos públicos à inflação do ano anterior é suficiente para colocar a dívida pública numa trajetória sustentável?
Em termos de ajuste fiscal, até o momento, Temer só decepcionou. E, à semelhança do que Dilma fez em várias ocasiões com o então ministro da Fazenda Joaquim Levy, o desfecho da renegociação da dívida dos Estados representou uma derrota a Meirelles. No fim das contas, o governo abriu mão de receber R$ 50 bilhões até 2018 e a contrapartida resume-se à inclusão dos Estados na PEC do teto de gastos.
É essa PEC um avanço? Sim, mas diante da trajetória desastrosa das contas fiscais nos últimos anos e da dinâmica explosiva da dívida que assoma no médio e longo prazo, limitar o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior não pode ser chamado de remédio amargo. Aliás, isso somente reforça a indexação na economia.
Exemplo: os analistas de mercado projetam o índice oficial de inflação (IPCA) em 7,20% neste ano e 5,14% em 2017. Se a regra do teto já estivesse em vigor, os gastos públicos cresceriam a uma taxa maior do que se espera da inflação no ano que vem. E provavelmente mais do que o aumento esperado da arrecadação, numa economia ainda fraca.
A leniência dos investidores ao que está acontecendo neste momento explica-se pelo fato de eles estarem confiantes de que o governo Temer conseguirá aprovar a idade mínima de aposentadoria aos 65 anos e a desvinculação dos benefícios da Previdência ao salário mínimo.
É uma aposta que se torna demasiadamente otimista hoje, diante do que vem sendo a marca de Temer na relação com o Congresso: a incapacidade de o presidente interino dizer “não” aos parlamentares. Cadê sua base aliada?
O mais preocupante do desfecho da renegociação da dívida dos Estados é o simbolismo da derrota imposta a Meirelles, pois no dia anterior ele se expôs em entrevista à imprensa para explicar a proposta do governo para o tema, que incluía a proibição dos reajustes de servidores estaduais por dois anos. Ele definiu essa cláusula como “inegociável”.
O risco para os investidores – se o vento favorável que hoje sopra do mercado externo virar – é acordarem para a realidade que ainda prevalece no Brasil: gasta-se, gasta-se e gasta-se.
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