As delações da Odebrecht envolvendo José Serra podem sacudir o governo com força. Nos próximos dias e semanas, o grupo que ocupa o poder buscará blindar o ministro e tirá-lo do fio da navalha. O chanceler será obrigado a enfrentar a batalha.
Nesse processo, porém, Serra também poderá fazer aquilo que ninguém fez: inserir a política externa na vanguarda das reformas impostas pela Lava Jato.
Isso significa responder à demanda por diplomacia anticorrupção que emana dos setores que mais precisam de instrumentos internacionais para avançar na matéria: o Ministério Público e a Polícia Federal. A necessidade de cooperação externa é vasta.
Há seis anos, por exemplo, esses órgãos esperam a ratificação do acordo que cria equipes conjuntas de investigação e mandado de captura no Mercosul. O instrumento ajudaria a ordenar a Tríplice Fronteira, terra de doleiros brasileiros de voo internacional.
Há dez, existe um anteprojeto de lei de cooperação jurídica global, mas ele continua parado. O Brasil não assinou ou não ratificou os três instrumentos ibero-americanos que permitiriam criar equipes conjuntas de investigação, obtenção de provas e uso de videoconferências em processos penais. E o Itamaraty criou, mas nunca convocou, um grupo de trabalho dedicado a conceber um acordo com a agência europeia de cooperação criminal.
Vincular o Brasil a acordos multilaterais na área de combate à corrupção é essencial para dar vazão à mudança em curso. Ao fazê-lo, reduz-se a burocracia embutida na negociação de um acordo diferente para cada país.
Se o Brasil aderisse às convenções de cooperação penal do Conselho da Europa, por exemplo, estaria automaticamente vinculado a uma rede de mais de 40 países de auxílio judiciário e transferência de pessoas condenadas. O mesmo valeria se o país aderisse à convenção sobre cibercriminalidade, o tipo de ilícito que mais cresce no sistema financeiro nacional.
Uma diplomacia para-lamas também ajudaria o próprio Itamaraty.
Isso porque a Lava Jato criou insegurança inédita para os diplomatas brasileiros. Ao lançar dúvidas sobre a legalidade e legitimidade da promoção de nossas empreiteiras no exterior, a investigação pôs em xeque práticas que há décadas são corriqueiras.
A maneira de lidar com o problema — e impedir que a famigerada diplomacia comercial sofra novo recuo — é o Itamaraty conceber um guia de "boas práticas", alinhando o trabalho dos diplomatas às novas demandas por transparência.
Pela primeira vez desde que a Lava Jato começou, estão dadas as condições para pôr a política externa na linha de frente da transformação que vive o Estado brasileiro.
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