Mexer na LRF é correr o risco de enfraquecer a lei. Este é o momento de maior força da Lei de Responsabilidade Fiscal. Com base nela, está se votando no Senado o encerramento do mandato da presidente Dilma Rousseff. Por isso, é um espanto que o governo esteja falando em “atualizar” a LRF. Melhor não mexer na lei, antes que, por algum descuido ou tibieza, o ordenamento fiscal construído a duras penas seja mudado.
Na votação da renegociação das dívidas dos estados ficou claro como o ambiente político é fluido e o plenário, perigoso. Quando um assunto vai ao Congresso, e o governo tem fragilidades, o projeto pode virar um bumerangue. Foi assim que aconteceu quando o governo Dilma apresentou a proposta de reduzir as pensões das viúvas jovens e acabou colhendo a queda do fator previdenciário, exatamente no meio da escalada do déficit da previdência. No projeto da renegociação das dívidas dos estados, o governo ficou nessas idas e vindas que revelaram falta de compreensão do jogo legislativo.
O ano é de eleições municipais, os deputados estão de olho em suas bases. Neste momento, o governo propõe aos parlamentares o congelamento dos salários de servidores estaduais. Isso depois de elevar os salários dos funcionários federais. Evidentemente enfrentaria resistências e teria que retirar a proposta. Elementar para um governo que se diz hábil no jogo parlamentar.
Durante a negociação com os estados, o governo concluiu que a LRF tem falhas e precisa ser atualizada. Beleza. Tudo sempre precisa. A questão que ele tem que se perguntar é se, ao abrir esse tema, será capaz de segurar o Congresso e impedir mudanças que enfraqueçam a lei? Se não tiver certeza, esqueça. Deixe a lei como está.
Aqui neste espaço, escrevi no ano passado uma coluna com o título “Deixem cair a 664”. A MP tratava da redução da pensão de viúvas ou viúvos jovens. Em outros países, essas pessoas não têm direito a pensão integral e vitalícia, principalmente quando não têm filhos. Escrevi que a MP seria usada como veículo para um jabuti gigante, que foi o fim do fator previdenciário, antes de se preparar um bom projeto para substituí-lo, por isso o melhor era deixá-la perder a validade. A equipe do governo Dilma manteve o projeto e o que se poupou com a mudança foi muito menor do que o que houve de aumento de despesas.
Agora o governo interino de Michel Temer fala em mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal para atualizá-la. Foi o que disse o ministro Henrique Meirelles. Ele se refere ao fato de que os estados ao contabilizarem as despesas de pessoal estão excluindo gastos que também são de pessoal, como auxílio moradia e a conta dos terceirizados. A bem da verdade, o cumprimento da lei exige o registro correto das despesas com a folha salarial, mas não é o caso de reabrir a LRF para rever nem este nem outro ponto. O ministro disse que fará isso a médio prazo. Que o tempo trabalhe a favor da sensatez.
A LRF está, neste momento, mostrando como pode ser incômoda para governantes que quiserem desrespeitar seus princípios com pedaladas e com maquiagens estatísticas. Foi com ofensas a ela e aos seus princípios que a presidente Dilma acabou sendo afastada e agora responde, como ré, a processo no Senado. É a hora de achar que a lei é fraca, insuficiente, desatualizada?
O que houve foi que na negociação da dívida dos estados o governo interino achou que tinha mais poderes do que tem. Todo credor que começa concedendo vantagens para depois exigir contrapartidas pode ter dissabores. Tudo fica mais incerto se essas contrapartidas têm que ser aprovadas por parlamentares. Diante disso, o melhor a fazer é continuar negociando com cada estado para garantir que eles usarão o tempo de carência dado para tentar organizar as despesas e ter capacidade de voltar a pagar integralmente as prestações em 2018. O melhor caminho não é o de ir ao Congresso para mudar uma legislação forte como esta, achando que isso imporá restrições aos estados. Se o governo federal não consegue garantias de que o pagamento da dívida será normalizado, ao fim do atual alívio, que encontre outra saída menos perigosa do que um projeto — por melhor que lhes pareça — de mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Melhor deixá-la como está.
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