ESTADÃO - 07/05
O populismo destrói a economia, mas, sem esperança, é o ópio que ilude os eleitores
Pouco antes da quebra do Banco Lehman Brothers, havia dois cenários no mercado financeiro internacional. O primeiro – de maior probabilidade – é que o Lehman não quebraria. Afinal, ele era “too big to fail” (grande demais para quebrar), e apenas alguns meses antes a crise havia sido evitada com a compra do Bear Sterns pelo J.P. Morgan. Se não fosse por um “pequeno detalhe”, a história poderia ter se repetido: o Lehman foi oferecido ao Barclays, que se interessou pela compra, mas para fugir do risco de “importar” a crise, as autoridades inglesas somente autorizariam a transação caso o governo norte-americano garantisse que o passivo que levou a instituição à falência ficaria nos EUA. Alegando que evitava o “moral hazard”, o secretário Paulson negou a autorização, precipitando a fase aguda da crise de 2008/2009. A moral da história é que uma probabilidade baixa não é garantia de não ocorrência de um dado evento.
Há atualmente dois cenários no Brasil. O primeiro – de maior probabilidade, como é atestado pela valorização do real e dos ativos financeiros – é que a reforma da Previdência seja aprovada com uma “desidratação” suportável. A estimativa – sujeita a alguma margem de erro – é que com as concessões já feitas haverá, nos primeiros cinco anos, uma economia de recursos em torno de 70% em relação à proposta original. Não nos livraremos de uma reforma adicional dentro de alguns anos, mas assistiremos à consolidação do cenário de menores riscos. As cotações do CDS brasileiro e a taxa cambial se valorizarão ou se manterão próximas dos níveis atuais, o que, somado à desinflação provocada pelo PIB deprimido, garante a continuidade da queda acentuada da taxa real de juros, estimulando a recuperação da economia.
O segundo cenário supõe que, mesmo que aprovada, a reforma leve a uma economia pífia. Nesse caso, seria praticamente impossível cumprir a meta de limite dos gastos primários e, mesmo diante de uma elevação mais intensa da carga tributária, assistiríamos a um forte crescimento da dívida pública, elevando as cotações do CDS e depreciando o real. Voltaríamos a presenciar um movimento semelhante ao ocorrido em 2015, quando a depreciação cambial elevou a inflação e acentuou a alavancagem das empresas que mantêm uma elevada proporção da dívida em dólares sem plena cobertura de hedge, irrigando a semente da recessão que já vinha florescendo. Na melhor das hipóteses, a taxa real de juros cairia mais lentamente, e provavelmente veríamos comprometida ou mesmo abortada a esperança de uma retomada do crescimento.
O atual governo é impopular, mas progrediu no campo das reformas. Além da emenda constitucional que fixa o teto para os gastos primários e da primeira rodada de aprovação de uma reforma trabalhista, conseguiu aprovar uma nova Lei do Petróleo que tira da Petrobrás a obrigatoriedade de ser a única exploradora do pré-sal. Também estão em marcha várias reformas microeconômicas, no campo do crédito e da infraestrutura. Mas corre-se o risco de ver o governo falhar na reforma da Previdência devido aos reflexos, no Congresso, da oposição das corporações, que teimam em não reconhecer que não basta que a lei garanta seus direitos, e que estes somente poderão ser usufruídos em um ambiente de crescimento acelerado e de baixa inflação se for garantida a existência dos recursos. O rápido envelhecimento da população exige que se aprove o aumento da idade mínima da aposentadoria com uma transição mais rápida do sistema atual para o novo, estreitando-se as diferenças entre o regime do INSS e das aposentadorias do funcionalismo público.
Em 2018, teremos a eleição para presidente, e quanto melhor for o desempenho da economia, menor será a probabilidade de que seja eleito um candidato populista. A atual recessão é uma consequência direta do populismo. Foi ele que gerou a ilusão de que o consumo poderia crescer estimulado pela expansão insustentável do crédito, e que a redução da desigualdade poderia ser facilmente provocada pelo aumento do salário mínimo muito acima da produtividade, o que é incompatível com o crescimento econômico. O populismo destrói a economia, mas diante da falta de esperança, ele é o ópio que ilude os eleitores.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados. Escreve no primeiro domingo do mês
domingo, maio 07, 2017
O arejamento da política - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 07/05
A política foi perdendo o seu poder de atração em diversos setores da sociedade civil e o resultado foi a completa devastação de seus recursos humanos e a concentração do poder nas mãos de pequenos grupos
A falta de lideranças no cenário político é resultado de um processo que, em grande medida, foi provocado. Mais do que isso, foi criteriosamente concebido no passado e segue sendo retroalimentado para tolher o aparecimento de qualquer novidade que represente uma ameaça a interesses estabelecidos.
A monótona repetição de sobrenomes que se vê nos quadros do Congresso Nacional a cada ciclo eleitoral não é, na maioria das vezes, o corolário de bem-sucedidas trajetórias políticas pautadas pelo interesse público, e por essa razão reconhecidas nas urnas. Ao contrário, é fruto de uma perniciosa dominação de quintais eleitorais e engrenagens partidárias por uma casta de próceres avessa à renovação.
Nesse processo de desertificação das lideranças políticas – tão gritante no cenário de crise que o País vive atualmente – não se pode deixar de ter em conta os efeitos nocivos de decisões arbitrárias tomadas durante a ditadura militar, principalmente após o Ato Institucional n.º 5 – baixado em 13 de dezembro de 1968 –, e que repercutem até hoje.
Foi a partir daquele momento – marcando o recrudescimento do regime – que os governantes sacramentaram o poder de identificar e punir qualquer pessoa que pudesse ser considerada uma “inimiga da revolução”, noção que de tão porosa foi responsável pelo afastamento de uns – tanto forçado como voluntário – e desinteresse de outros que poderiam desempenhar importantes papéis no campo político, não fosse a constante ameaça que passou a pairar sobre suas cabeças.
Pouco a pouco, a política foi perdendo o seu poder de atração de grandes quadros nas universidades, nas empresas, nas artes, em diversos setores da sociedade civil. O resultado foi a completa devastação de seus recursos humanos e a concentração do poder nas mãos de pequenos grupos que se encastelaram em seus feudos e passaram a amesquinhar a atividade política com a repetição de modelos oligárquicos que servem tão somente para manter o País no atraso, na pobreza e, agora, na indignidade.
Tido como um grande fenômeno de liderança política, o ex-presidente Lula da Silva é produto dos mais exemplares de todo esse processo. Eleito dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em 1975, Lula representava o líder perfeito para uma esquerda sonhada pelo regime militar como arremedo de oposição – hoje se sabe a que preço. O escândalo de corrupção desvelado pela Operação Lava Jato mostrou ao País que a propalada liderança política do ex-operário que chegou à Presidência da República foi bancada justamente por aqueles contra os quais ele vociferava em cima dos palanques.
Por mais que se tente, é impossível, hoje, dissociar as imagens de Lula e do PT. O partido nada mais é do que a vontade e os desígnios de seu líder máximo, não obstante as vozes de alguns partidários – que agora parecem se elevar após um período de hibernação – propondo a “refundação” do partido.
De nada adiantará o estímulo para que as famílias, as escolas e as universidades formem lideranças se o ingresso na atividade política continuar a ser tolhido pelo caciquismo de meia dúzia de senhores que, quando muito, se valem da hereditariedade típica de regimes monárquicos para passar um verniz de renovação em suas agremiações. Isso não quer dizer que descendentes de lideranças políticas estejam, a priori, condenados ao banimento da atividade. Entretanto, a hereditariedade, por si, não é sinônimo de talento. O que se vê no cenário político hoje é a mais absoluta mediocridade, que prospera justamente por ser confortável, por não impor desafios.
Os esforços de superação da grave crise por que passa o País incluem, necessariamente, uma reforma político-partidária. A Constituição em vigor determina que o fazer político passe obrigatoriamente pelos partidos. Sem o seu arejamento, sem o surgimento de novas e modernas lideranças, a vida política nacional será sinônimo de podridão e mediocridade – de atraso, enfim.
A política foi perdendo o seu poder de atração em diversos setores da sociedade civil e o resultado foi a completa devastação de seus recursos humanos e a concentração do poder nas mãos de pequenos grupos
A falta de lideranças no cenário político é resultado de um processo que, em grande medida, foi provocado. Mais do que isso, foi criteriosamente concebido no passado e segue sendo retroalimentado para tolher o aparecimento de qualquer novidade que represente uma ameaça a interesses estabelecidos.
A monótona repetição de sobrenomes que se vê nos quadros do Congresso Nacional a cada ciclo eleitoral não é, na maioria das vezes, o corolário de bem-sucedidas trajetórias políticas pautadas pelo interesse público, e por essa razão reconhecidas nas urnas. Ao contrário, é fruto de uma perniciosa dominação de quintais eleitorais e engrenagens partidárias por uma casta de próceres avessa à renovação.
Nesse processo de desertificação das lideranças políticas – tão gritante no cenário de crise que o País vive atualmente – não se pode deixar de ter em conta os efeitos nocivos de decisões arbitrárias tomadas durante a ditadura militar, principalmente após o Ato Institucional n.º 5 – baixado em 13 de dezembro de 1968 –, e que repercutem até hoje.
Foi a partir daquele momento – marcando o recrudescimento do regime – que os governantes sacramentaram o poder de identificar e punir qualquer pessoa que pudesse ser considerada uma “inimiga da revolução”, noção que de tão porosa foi responsável pelo afastamento de uns – tanto forçado como voluntário – e desinteresse de outros que poderiam desempenhar importantes papéis no campo político, não fosse a constante ameaça que passou a pairar sobre suas cabeças.
Pouco a pouco, a política foi perdendo o seu poder de atração de grandes quadros nas universidades, nas empresas, nas artes, em diversos setores da sociedade civil. O resultado foi a completa devastação de seus recursos humanos e a concentração do poder nas mãos de pequenos grupos que se encastelaram em seus feudos e passaram a amesquinhar a atividade política com a repetição de modelos oligárquicos que servem tão somente para manter o País no atraso, na pobreza e, agora, na indignidade.
Tido como um grande fenômeno de liderança política, o ex-presidente Lula da Silva é produto dos mais exemplares de todo esse processo. Eleito dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em 1975, Lula representava o líder perfeito para uma esquerda sonhada pelo regime militar como arremedo de oposição – hoje se sabe a que preço. O escândalo de corrupção desvelado pela Operação Lava Jato mostrou ao País que a propalada liderança política do ex-operário que chegou à Presidência da República foi bancada justamente por aqueles contra os quais ele vociferava em cima dos palanques.
Por mais que se tente, é impossível, hoje, dissociar as imagens de Lula e do PT. O partido nada mais é do que a vontade e os desígnios de seu líder máximo, não obstante as vozes de alguns partidários – que agora parecem se elevar após um período de hibernação – propondo a “refundação” do partido.
De nada adiantará o estímulo para que as famílias, as escolas e as universidades formem lideranças se o ingresso na atividade política continuar a ser tolhido pelo caciquismo de meia dúzia de senhores que, quando muito, se valem da hereditariedade típica de regimes monárquicos para passar um verniz de renovação em suas agremiações. Isso não quer dizer que descendentes de lideranças políticas estejam, a priori, condenados ao banimento da atividade. Entretanto, a hereditariedade, por si, não é sinônimo de talento. O que se vê no cenário político hoje é a mais absoluta mediocridade, que prospera justamente por ser confortável, por não impor desafios.
Os esforços de superação da grave crise por que passa o País incluem, necessariamente, uma reforma político-partidária. A Constituição em vigor determina que o fazer político passe obrigatoriamente pelos partidos. Sem o seu arejamento, sem o surgimento de novas e modernas lideranças, a vida política nacional será sinônimo de podridão e mediocridade – de atraso, enfim.
Sair da crise - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
ESTADÃO - 07/05
Dá para ter esperança, sempre com o pé no chão e o olhar no horizonte
Dizer que jamais se viu crise tão grande como a atual é lugar-comum. Mas é verdade, pelo menos quanto à crise política. Ela advém de muitos fatores e todos deságuam na falta de confiança que alcançou boa parte da chamada “classe política”, parte do empresariado e da administração pública. A Operação Lava Jato apenas mostrou um conjunto impressionante de ilicitudes, não foi causadora delas. Mas a percepção de que há muita coisa podre na vida político-governamental aumentou o desânimo e a desconfiança das pessoas.
Os desatinos dos governos lulopetistas nos últimos anos provocaram a crise econômica e desorganizaram as finanças públicas. Resultado: cerca de 14 milhões de desempregados. É com vista a esses e aos muitos milhões mais de brasileiros incertos quanto a seu futuro que o País precisa retomar o crescimento econômico. Para isso, entretanto, é necessário buscar saídas para os impasses políticos, senão eles atrapalharão as saídas econômicas e podem impedi-las.
O Congresso pode melhorar o sistema partidário. Basta aprovar, aperfeiçoando-os na Câmara, os projetos de lei que já transitaram pelo Senado. Um deles institui a “cláusula de barreira”, ou seja, um porcentual mínimo de votos em todo o País, em determinado número de Estados, para que um partido tenha acesso aos recursos do Fundo Partidário, ao horário “gratuito” de TV, etc. Outro proíbe as coligações de partidos nas eleições para os Legislativos, medida que reduzirá o número de partidos.
O porcentual mínimo aprovado no Senado seria de 2% do total de votos para deputado federal em pelo menos 14 Estados, nas eleições de 2018, e de 3% a partir das eleições de 2022. É uma cláusula branda, tanto mais porque o projeto prevê a possibilidade de que partidos que não ultrapassem a barreira possam manter as prerrogativas dos demais se aceitarem formar um só bloco por toda a legislatura. É o mínimo necessário para pôr fim a legendas de aluguel, que corrompem a vida pública brasileira.
Mudanças no financiamento de campanha devem também ser aprovadas. Proibidas as doações de empresas, recursos públicos serão necessários para financiar as campanhas em 2018. Para evitar que mais dinheiro público seja gasto com legendas de aluguel se impõem barreiras ao acesso a esse fundo.
Cláusula de barreira e fim das coligações proporcionais não esgotam os reclamos de melhoria do sistema eleitoral e partidário. Há a discussão sobre o voto distrital, puro ou misto, e até sobre o parlamentarismo. Porém não dá para discutir tudo ao mesmo tempo. Medidas desse tipo requerem maior grau de consenso. E a lei é clara: qualquer alteração, para valer nas eleições de 2018, terá de ser aprovada até o fim de setembro deste ano, um ano antes das próximas eleições.
O Congresso tem a responsabilidade de decidir logo o que está ao seu alcance para evitar que o futuro reproduza o panorama atual: um Legislativo fragmentado que para sustentar o governo cobra o tributo infame do dá-cá-toma-lá. O atual Congresso ainda pode e deve mais. A Câmara avançou na reforma trabalhista. Ela ainda depende, porém, do voto do Senado. Este, para evitar delongas, não deverá mexer no que a Câmara já dispôs. Deixará ao presidente a tarefa de vetar dispositivos considerados drásticos pelos trabalhadores e poderá apresentar em projetos diferentes modificações à lei aprovada, em benefício dos trabalhadores. Resta a reforma da Previdência, que há de calcar seus argumentos na redução de privilégios mais do que no ajuste fiscal, embora este seja necessário.
Não dá para tratar de modo igual quem é desigual: pedir que um trabalhador rural prolongue o tempo de trabalho para a aposentadoria tanto quanto se pede a um funcionário público não é justo. Da mesma maneira, as relações de trabalho no campo podem ser revistas, mas nunca para facilitar a exploração do empregado rural ou do pequeno agricultor, como disposto em projeto de lei proposto recentemente. O País clama por solidariedade, por ordem nas finanças públicas e por maior produtividade.
Falta o principal: sem líderes críveis, que desenhem o futuro do País no mundo e lutem por uma sociedade mais solidária, não há como recuperar a confiança nos políticos e nas instituições. Sem políticos não há como integrar a Nação no Estado nem fazer que este funcione para atender às necessidades do povo. Nas condições, atuais em que todos se informam e comunicam, é preciso que os líderes aprendam a escutar o que o povo diz sem cair em demagogia.
As circunstâncias criam líderes. Tomara não os criem nas vestes do demagogo, de direita ou de esquerda, e que, ao se mudar a geração no mando, se mude mais do que simplesmente a capacidade de iludir, não raro dizendo uma coisa e fazendo outra.
Não me assusto com pesquisas eleitorais fora de hora. Nem com manchetes atemorizadoras. O povo não tem o governo no coração, como as pesquisas de opinião demonstram, mas teme que o bolso piore se medidas não forem tomadas. Por isso mesmo não temo o resultado eleitoral em função do que o governo realizar em matéria de reformas. Temo antes outra coisa: que a cultura de permissividade termine por exigir dos líderes menos do que o momento necessita. Temo que nas futuras eleições, em vez de renovação, venhamos a dar de cara com a repetição. Com as mesmas ou com novas caras.
Há espaço, contudo, para evitar que isso aconteça. Dá para ter esperança, sempre com o pé no chão e o olhar no horizonte. No limite quem resolve é o eleitor e este, embora reagindo “contra tudo o que aí está”, repudiando uma cultura política que foi corrompida pelos maus usos, tem o bolso apertado e os ouvidos abertos. Os partidos e líderes que não quiserem apenas assistir ao desmoronamento da ordem pública devem esclarecer o eleitorado sobre o que está em jogo e mostrar grandeza para apontar caminhos e, assim, oferecer um futuro melhor para o povo e o País.
*Sociólogo, foi Presidente da República
Dá para ter esperança, sempre com o pé no chão e o olhar no horizonte
Dizer que jamais se viu crise tão grande como a atual é lugar-comum. Mas é verdade, pelo menos quanto à crise política. Ela advém de muitos fatores e todos deságuam na falta de confiança que alcançou boa parte da chamada “classe política”, parte do empresariado e da administração pública. A Operação Lava Jato apenas mostrou um conjunto impressionante de ilicitudes, não foi causadora delas. Mas a percepção de que há muita coisa podre na vida político-governamental aumentou o desânimo e a desconfiança das pessoas.
Os desatinos dos governos lulopetistas nos últimos anos provocaram a crise econômica e desorganizaram as finanças públicas. Resultado: cerca de 14 milhões de desempregados. É com vista a esses e aos muitos milhões mais de brasileiros incertos quanto a seu futuro que o País precisa retomar o crescimento econômico. Para isso, entretanto, é necessário buscar saídas para os impasses políticos, senão eles atrapalharão as saídas econômicas e podem impedi-las.
O Congresso pode melhorar o sistema partidário. Basta aprovar, aperfeiçoando-os na Câmara, os projetos de lei que já transitaram pelo Senado. Um deles institui a “cláusula de barreira”, ou seja, um porcentual mínimo de votos em todo o País, em determinado número de Estados, para que um partido tenha acesso aos recursos do Fundo Partidário, ao horário “gratuito” de TV, etc. Outro proíbe as coligações de partidos nas eleições para os Legislativos, medida que reduzirá o número de partidos.
O porcentual mínimo aprovado no Senado seria de 2% do total de votos para deputado federal em pelo menos 14 Estados, nas eleições de 2018, e de 3% a partir das eleições de 2022. É uma cláusula branda, tanto mais porque o projeto prevê a possibilidade de que partidos que não ultrapassem a barreira possam manter as prerrogativas dos demais se aceitarem formar um só bloco por toda a legislatura. É o mínimo necessário para pôr fim a legendas de aluguel, que corrompem a vida pública brasileira.
Mudanças no financiamento de campanha devem também ser aprovadas. Proibidas as doações de empresas, recursos públicos serão necessários para financiar as campanhas em 2018. Para evitar que mais dinheiro público seja gasto com legendas de aluguel se impõem barreiras ao acesso a esse fundo.
Cláusula de barreira e fim das coligações proporcionais não esgotam os reclamos de melhoria do sistema eleitoral e partidário. Há a discussão sobre o voto distrital, puro ou misto, e até sobre o parlamentarismo. Porém não dá para discutir tudo ao mesmo tempo. Medidas desse tipo requerem maior grau de consenso. E a lei é clara: qualquer alteração, para valer nas eleições de 2018, terá de ser aprovada até o fim de setembro deste ano, um ano antes das próximas eleições.
O Congresso tem a responsabilidade de decidir logo o que está ao seu alcance para evitar que o futuro reproduza o panorama atual: um Legislativo fragmentado que para sustentar o governo cobra o tributo infame do dá-cá-toma-lá. O atual Congresso ainda pode e deve mais. A Câmara avançou na reforma trabalhista. Ela ainda depende, porém, do voto do Senado. Este, para evitar delongas, não deverá mexer no que a Câmara já dispôs. Deixará ao presidente a tarefa de vetar dispositivos considerados drásticos pelos trabalhadores e poderá apresentar em projetos diferentes modificações à lei aprovada, em benefício dos trabalhadores. Resta a reforma da Previdência, que há de calcar seus argumentos na redução de privilégios mais do que no ajuste fiscal, embora este seja necessário.
Não dá para tratar de modo igual quem é desigual: pedir que um trabalhador rural prolongue o tempo de trabalho para a aposentadoria tanto quanto se pede a um funcionário público não é justo. Da mesma maneira, as relações de trabalho no campo podem ser revistas, mas nunca para facilitar a exploração do empregado rural ou do pequeno agricultor, como disposto em projeto de lei proposto recentemente. O País clama por solidariedade, por ordem nas finanças públicas e por maior produtividade.
Falta o principal: sem líderes críveis, que desenhem o futuro do País no mundo e lutem por uma sociedade mais solidária, não há como recuperar a confiança nos políticos e nas instituições. Sem políticos não há como integrar a Nação no Estado nem fazer que este funcione para atender às necessidades do povo. Nas condições, atuais em que todos se informam e comunicam, é preciso que os líderes aprendam a escutar o que o povo diz sem cair em demagogia.
As circunstâncias criam líderes. Tomara não os criem nas vestes do demagogo, de direita ou de esquerda, e que, ao se mudar a geração no mando, se mude mais do que simplesmente a capacidade de iludir, não raro dizendo uma coisa e fazendo outra.
Não me assusto com pesquisas eleitorais fora de hora. Nem com manchetes atemorizadoras. O povo não tem o governo no coração, como as pesquisas de opinião demonstram, mas teme que o bolso piore se medidas não forem tomadas. Por isso mesmo não temo o resultado eleitoral em função do que o governo realizar em matéria de reformas. Temo antes outra coisa: que a cultura de permissividade termine por exigir dos líderes menos do que o momento necessita. Temo que nas futuras eleições, em vez de renovação, venhamos a dar de cara com a repetição. Com as mesmas ou com novas caras.
Há espaço, contudo, para evitar que isso aconteça. Dá para ter esperança, sempre com o pé no chão e o olhar no horizonte. No limite quem resolve é o eleitor e este, embora reagindo “contra tudo o que aí está”, repudiando uma cultura política que foi corrompida pelos maus usos, tem o bolso apertado e os ouvidos abertos. Os partidos e líderes que não quiserem apenas assistir ao desmoronamento da ordem pública devem esclarecer o eleitorado sobre o que está em jogo e mostrar grandeza para apontar caminhos e, assim, oferecer um futuro melhor para o povo e o País.
*Sociólogo, foi Presidente da República
O réu Lula - MERVAL PEREIRA
O Globo - 07/05
Transformar o depoimento do ex-presidente Lula ao juiz Sergio Moro nesta semana em Curitiba em uma guerra entre dois poderes políticos é ajudar a interpretação de que a Justiça persegue o petista com objetivos que nada têm a ver com corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa, crime contra a administração pública, tráfico de influência e obstrução da Justiça, todos esses crimes de que ele é acusado em diversos processos.
Tudo começou com a convocação de militantes para que estivessem em Curitiba no dia 3 deste mês para prestar solidariedade ao expresidente. Caravanas eram anunciadas em diversas partes do país, financiadas por sindicatos e ONGs ligadas ao PT, e espalhou-se pela rede o boato de que cerca de 30 mil pessoas estariam lá para apoiá-lo e, se preciso, defendê-lo de Moro, que estaria preparando uma armadilha para prendê-lo.
Tal seria o aparato político-partidário que a própria Polícia Federal viu-se no dever de pedir um adiamento do depoimento, pois precisava de mais tempo para preparar um dispositivo de segurança à altura das possíveis manifestações.
Adiado o depoimento, começaram as teorias conspiratórias, disparadas em todas as direções. Moro adiara por não ter ainda provas contra Lula, diziam alguns, para deleite dos petistas. Moro estaria montando alguma surpresa contra Lula, diziam outros, e aí os petistas estavam prontos para apontar atitudes antidemocráticas da República de Curitiba.
Vários depoimentos foram marcados do dia 3 ao 9, entre eles o mais explosivo, o de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras indicado pelo PT para organizar a corrupção na estatal em nome do partido. Nesse caso, seria a prova de que Sergio Moro montou um esquema para estimular acusações contra Lula dias antes de ele depor.
Nesse intervalo, começaram a surgir nos meios sociais campanhas em defesa do juiz Sergio Moro com a hashtag #Somostodosmoro, e em Curitiba outdoors criticavam Lula, torcendo para que ele vá para a cadeia. Foi o bastante para que blogs companheiros denunciassem as intenções fascistas dos cartazes e apontassem a necessidade de serem coibidas essas manifestações contra o ex-presidente.
De maneira patética, afirmam que só são legais e válidas as manifestações de solidariedade a Lula, as contrárias são fascistas e antidemocrática. Alertam para a possibilidade de haver confrontos nas ruas, como se elas fossem palco apenas para os petistas e seus acólitos. A ridicularia prossegue, com exigências para o depoimento em si.
Querem que um cinegrafista contratado pelo Instituto Lula filme todo o depoimento, e não gostaram do enquadramento da câmara oficial, que foca o depoente sem mostrar os rostos dos advogados de defesa, nem dos procuradores e do juiz Sergio Moro. Os advogados de Lula querem definir uma nova cenografia, com a câmera mostrando todos os que estão no recinto.
Não sei o que vai ser decidido, mas me parece ridículo que um depoimento de um réu seja cercado de tantos cuidados especiais, como se merecesse mais atenção que outros. Certamente não será na quarta-feira que o destino de Lula será selado, a não ser que Freud, o pai da Psicanálise, não seu segurança, providencie um ato falho.
Mas querer transformar em ato político o que deveria ser um mero procedimento rotineiro dentro de um processo criminal mostra bem a incapacidade de Lula de aceitar a ação da Justiça, tentando constrangê-la com uma demonstração de força política que, mesmo existente, não apaga as graves acusações que pesam contra ele.
O depoimento do dia 10 refere-se ao tríplex do Guarujá, que Lula anda chamando pejorativamente de um Minha Casa Minha Vida, um em cima do outro. Um descaso para com os pobres que diz defender, que se sentem recompensados quando conseguem uma casa popular para morar e não são capazes de entender a ironia daquele que ainda consideram seu defensor.
Transformar o depoimento do ex-presidente Lula ao juiz Sergio Moro nesta semana em Curitiba em uma guerra entre dois poderes políticos é ajudar a interpretação de que a Justiça persegue o petista com objetivos que nada têm a ver com corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa, crime contra a administração pública, tráfico de influência e obstrução da Justiça, todos esses crimes de que ele é acusado em diversos processos.
Tudo começou com a convocação de militantes para que estivessem em Curitiba no dia 3 deste mês para prestar solidariedade ao expresidente. Caravanas eram anunciadas em diversas partes do país, financiadas por sindicatos e ONGs ligadas ao PT, e espalhou-se pela rede o boato de que cerca de 30 mil pessoas estariam lá para apoiá-lo e, se preciso, defendê-lo de Moro, que estaria preparando uma armadilha para prendê-lo.
Tal seria o aparato político-partidário que a própria Polícia Federal viu-se no dever de pedir um adiamento do depoimento, pois precisava de mais tempo para preparar um dispositivo de segurança à altura das possíveis manifestações.
Adiado o depoimento, começaram as teorias conspiratórias, disparadas em todas as direções. Moro adiara por não ter ainda provas contra Lula, diziam alguns, para deleite dos petistas. Moro estaria montando alguma surpresa contra Lula, diziam outros, e aí os petistas estavam prontos para apontar atitudes antidemocráticas da República de Curitiba.
Vários depoimentos foram marcados do dia 3 ao 9, entre eles o mais explosivo, o de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras indicado pelo PT para organizar a corrupção na estatal em nome do partido. Nesse caso, seria a prova de que Sergio Moro montou um esquema para estimular acusações contra Lula dias antes de ele depor.
Nesse intervalo, começaram a surgir nos meios sociais campanhas em defesa do juiz Sergio Moro com a hashtag #Somostodosmoro, e em Curitiba outdoors criticavam Lula, torcendo para que ele vá para a cadeia. Foi o bastante para que blogs companheiros denunciassem as intenções fascistas dos cartazes e apontassem a necessidade de serem coibidas essas manifestações contra o ex-presidente.
De maneira patética, afirmam que só são legais e válidas as manifestações de solidariedade a Lula, as contrárias são fascistas e antidemocrática. Alertam para a possibilidade de haver confrontos nas ruas, como se elas fossem palco apenas para os petistas e seus acólitos. A ridicularia prossegue, com exigências para o depoimento em si.
Querem que um cinegrafista contratado pelo Instituto Lula filme todo o depoimento, e não gostaram do enquadramento da câmara oficial, que foca o depoente sem mostrar os rostos dos advogados de defesa, nem dos procuradores e do juiz Sergio Moro. Os advogados de Lula querem definir uma nova cenografia, com a câmera mostrando todos os que estão no recinto.
Não sei o que vai ser decidido, mas me parece ridículo que um depoimento de um réu seja cercado de tantos cuidados especiais, como se merecesse mais atenção que outros. Certamente não será na quarta-feira que o destino de Lula será selado, a não ser que Freud, o pai da Psicanálise, não seu segurança, providencie um ato falho.
Mas querer transformar em ato político o que deveria ser um mero procedimento rotineiro dentro de um processo criminal mostra bem a incapacidade de Lula de aceitar a ação da Justiça, tentando constrangê-la com uma demonstração de força política que, mesmo existente, não apaga as graves acusações que pesam contra ele.
O depoimento do dia 10 refere-se ao tríplex do Guarujá, que Lula anda chamando pejorativamente de um Minha Casa Minha Vida, um em cima do outro. Um descaso para com os pobres que diz defender, que se sentem recompensados quando conseguem uma casa popular para morar e não são capazes de entender a ironia daquele que ainda consideram seu defensor.
Só cadeia não dá jeito na roubança - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 07/05
Um cafajeste da gangue de Sérgio Cabral compôs um verbete lapidar do dicionário do diabo da roubança institucionalizada, soube-se na semana que passou. "Meu chapa... Podemos passar pouco tempo na cadeia... Mas nossas putarias têm que continuar", escreveu esse Sérgio Côrtes, ex-secretário de Saúde (!) do Rio, para um comparsa.
Um tempo na cadeia, a evasão de parte do roubo confesso e planos de continuar no crime não são considerações estratégicas apenas desse sujeito, Côrtes, como tem sido possível perceber pelo descobrimento da história da corrupção neste século. Para muito político, servidor, empresário e executivo, ser flagrado ou preso parece apenas um momento ruim e reversível dos negócios.
Torna-se mais claro, como sempre deveria ter sido, que impunidade é apenas parte do problema. O suborno federal ganhou volume da descoberta do mensalão (2005) até bem depois do primeiro aniversário da Lava Jato. A taxa de investimento em propina da Odebrecht chegou ao auge no ano das condenações do mensalão (2012).
As punições parecem insuficientes. Perda de direitos políticos por oito anos ou ficha suja são ora restrições leves. Multas para empresas também: algum método de expropriação deve ser considerado na lei, além de longas inabilitações para o direito de ocupar cargos de direção em companhias. Não estamos tratando de corrupção episódica, ainda que frequente, mas de subornocracia.
No entanto, isso tudo é remédio e remendo. Os quase 80 anos em que muita grande empresa brasileira foi cevada pelo Estado contribuíram para essa degeneração terminal. Os 30 anos de apodrecimento negocista do sistema partidário e de seleção perversa de políticos, também (esse sistema que era "funcional" para muito cientista político).
Mas, posto assim, o diagnóstico é genérico e amplo demais para permitir tratamentos viáveis, alguns de urgência, pois o país está carcomido, à beira de ruir.
Um passo é apartar empresas do Estado, não importa se nem todas as grandes se aproveitaram, mamaram ou saquearam. O Estado é sócio de pelo menos 22 das 50 maiores empresas. Das 25 maiores, uma dúzia está metida nos escândalos que explodiram desde 2014. Nem se mencionem subsídios, empréstimos subsidiados ou proteções e reservas de mercado variadas. É nocivo que o BNDES seja sócio de mais de 30 grandes empresas.
Gente no governo quer acabar com subsídios via empréstimos, inclusive no crédito rural. Além de distorcer preços, juros etc., subsídio via banco estatal amplia o poder de arbítrio. O plano, velho, é dar subsídio direto, se for o caso, discutido pelo Congresso e registrado no Orçamento.
Parece bonito, em tese. Mas, dado que parlamentares vendiam a rodo leis para empresas, não se sabe bem como o troço pode funcionar. Também não se desmontam as participações acionárias do Estado de hora para outra. Mas a reforma tem de começar já, ao lado de privatizações tradicionais (e estes são poucos exemplos de mudanças necessárias). Talvez o país precise até de novas empresas ou agências estatais de desenvolvimento. Mas seriam outras e poucas. Isso que está aí em geral está podre ou morto.
Além de cana dura, precisamos de muita reforma institucional, sobre o que não estamos falando.
Um cafajeste da gangue de Sérgio Cabral compôs um verbete lapidar do dicionário do diabo da roubança institucionalizada, soube-se na semana que passou. "Meu chapa... Podemos passar pouco tempo na cadeia... Mas nossas putarias têm que continuar", escreveu esse Sérgio Côrtes, ex-secretário de Saúde (!) do Rio, para um comparsa.
Um tempo na cadeia, a evasão de parte do roubo confesso e planos de continuar no crime não são considerações estratégicas apenas desse sujeito, Côrtes, como tem sido possível perceber pelo descobrimento da história da corrupção neste século. Para muito político, servidor, empresário e executivo, ser flagrado ou preso parece apenas um momento ruim e reversível dos negócios.
Torna-se mais claro, como sempre deveria ter sido, que impunidade é apenas parte do problema. O suborno federal ganhou volume da descoberta do mensalão (2005) até bem depois do primeiro aniversário da Lava Jato. A taxa de investimento em propina da Odebrecht chegou ao auge no ano das condenações do mensalão (2012).
As punições parecem insuficientes. Perda de direitos políticos por oito anos ou ficha suja são ora restrições leves. Multas para empresas também: algum método de expropriação deve ser considerado na lei, além de longas inabilitações para o direito de ocupar cargos de direção em companhias. Não estamos tratando de corrupção episódica, ainda que frequente, mas de subornocracia.
No entanto, isso tudo é remédio e remendo. Os quase 80 anos em que muita grande empresa brasileira foi cevada pelo Estado contribuíram para essa degeneração terminal. Os 30 anos de apodrecimento negocista do sistema partidário e de seleção perversa de políticos, também (esse sistema que era "funcional" para muito cientista político).
Mas, posto assim, o diagnóstico é genérico e amplo demais para permitir tratamentos viáveis, alguns de urgência, pois o país está carcomido, à beira de ruir.
Um passo é apartar empresas do Estado, não importa se nem todas as grandes se aproveitaram, mamaram ou saquearam. O Estado é sócio de pelo menos 22 das 50 maiores empresas. Das 25 maiores, uma dúzia está metida nos escândalos que explodiram desde 2014. Nem se mencionem subsídios, empréstimos subsidiados ou proteções e reservas de mercado variadas. É nocivo que o BNDES seja sócio de mais de 30 grandes empresas.
Gente no governo quer acabar com subsídios via empréstimos, inclusive no crédito rural. Além de distorcer preços, juros etc., subsídio via banco estatal amplia o poder de arbítrio. O plano, velho, é dar subsídio direto, se for o caso, discutido pelo Congresso e registrado no Orçamento.
Parece bonito, em tese. Mas, dado que parlamentares vendiam a rodo leis para empresas, não se sabe bem como o troço pode funcionar. Também não se desmontam as participações acionárias do Estado de hora para outra. Mas a reforma tem de começar já, ao lado de privatizações tradicionais (e estes são poucos exemplos de mudanças necessárias). Talvez o país precise até de novas empresas ou agências estatais de desenvolvimento. Mas seriam outras e poucas. Isso que está aí em geral está podre ou morto.
Além de cana dura, precisamos de muita reforma institucional, sobre o que não estamos falando.
O difícil cálculo político das reformas - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 07/05
Na quarta-feira (3) à noite, foi aprovado o relatório de Arthur Oliveira Maia (PPS-BA) da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Previdência na Comissão Especial da Reforma da Previdência na Câmara.
O placar apontou 23 votos favoráveis ao relatório e 14 contrários, ou seja, 62% dos 37 integrantes da Comissão votaram a favor.
Com grande dificuldade, as reformas avançam.
Há pouco tempo, imaginava-se que seria impossível que evoluísse ambiciosa agenda de reformas simultaneamente ao forte desgaste do sistema político com o processo da Operação Lava Jato. Ainda mais sendo tocada por governo com baixa popularidade.
Constata-se hoje autonomia entre as duas dinâmicas. A agenda de reformas acompanha a dinâmica política mediada pelos impactos das reformas na economia e, portanto, no cenário político em 2018. A agenda da Lava Jato acompanha a dinâmica policial e da Justiça. A autonomia delegada em lei aos organismos de controle do Estado tem produzido a autonomia da esfera política em relação à policial. Fortíssimo sinal de evolução institucional de nossa sociedade.
A esta altura do jogo, é possível que a classe política que protagonizou o impedimento da presidente Dilma Rousseff esteja arrependida: a recuperação tem sido mais difícil do que se supunha. O motivo é que a desastrosa política econômica praticada de 2009 até 2014, além de desorganizar a macroeconomia, destruiu a economia real. Levará anos para arrumar.
Com arrependimento ou sem arrependimento, a base do governo terá que embalar Mateus até a próxima eleição.
No Ibre, desde o ano passado revisamos o cenário de atividade em 2017 para levemente melhor: no início de 2016, achávamos que a economia cresceria 0% em 2017, e em maio já considerávamos números próximos da projeção atual, de 0,4%.
O jogo das expectativas de mercado em relação à economia tem efeitos ambíguos sobre a dinâmica política. O ano e meio que falta para as eleições sinaliza que fica cada vez mais difícil a aprovação das reformas. Menor o tempo de colheita dos bônus.
No entanto, a rejeição das reformas pode recolocar a economia –por meio das reações do mercado financeiro– em situação próxima à vivida no segundo semestre de 2015, quando ficou clara a incapacidade de Dilma aprovar reformas: o prêmio de risco pago pelos títulos soberanos brasileiros de dez anos subiu quase três pontos percentuais, e o câmbio bateu em R$ 4,1.
Um cenário como esse aborta o processo de desinflação e, consequentemente, o ciclo de redução da taxa Selic. A desorganização da economia, agora com Temer no leme, joga mais água no moinho da candidatura de Lula.
Resta aos deputados governistas o difícil cálculo. De um lado, o custo político de apoiar uma agenda de reformas cujos efeitos na economia real levarão mais do que ano e meio para aparecer. Por outro, a aprovação das reformas garante a manutenção da lenta recuperação econômica e do cenário de inflação e juro real em queda. Adicionalmente há o bônus de algum cargo mantido ou emenda que pode ser liberada.
"O leitor Georg Elster lembrou-me do excelente texto de Marcelo Medeiros e Pedro de Souza sobre o impacto das regras muito mais generosos de aposentadoria dos servidores públicos na reprodução da desigualdade de renda. Trata-se do "Texto para Discussão" do Ipea 1.876 de outubro de 2013."
Na quarta-feira (3) à noite, foi aprovado o relatório de Arthur Oliveira Maia (PPS-BA) da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Previdência na Comissão Especial da Reforma da Previdência na Câmara.
O placar apontou 23 votos favoráveis ao relatório e 14 contrários, ou seja, 62% dos 37 integrantes da Comissão votaram a favor.
Com grande dificuldade, as reformas avançam.
Há pouco tempo, imaginava-se que seria impossível que evoluísse ambiciosa agenda de reformas simultaneamente ao forte desgaste do sistema político com o processo da Operação Lava Jato. Ainda mais sendo tocada por governo com baixa popularidade.
Constata-se hoje autonomia entre as duas dinâmicas. A agenda de reformas acompanha a dinâmica política mediada pelos impactos das reformas na economia e, portanto, no cenário político em 2018. A agenda da Lava Jato acompanha a dinâmica policial e da Justiça. A autonomia delegada em lei aos organismos de controle do Estado tem produzido a autonomia da esfera política em relação à policial. Fortíssimo sinal de evolução institucional de nossa sociedade.
A esta altura do jogo, é possível que a classe política que protagonizou o impedimento da presidente Dilma Rousseff esteja arrependida: a recuperação tem sido mais difícil do que se supunha. O motivo é que a desastrosa política econômica praticada de 2009 até 2014, além de desorganizar a macroeconomia, destruiu a economia real. Levará anos para arrumar.
Com arrependimento ou sem arrependimento, a base do governo terá que embalar Mateus até a próxima eleição.
No Ibre, desde o ano passado revisamos o cenário de atividade em 2017 para levemente melhor: no início de 2016, achávamos que a economia cresceria 0% em 2017, e em maio já considerávamos números próximos da projeção atual, de 0,4%.
O jogo das expectativas de mercado em relação à economia tem efeitos ambíguos sobre a dinâmica política. O ano e meio que falta para as eleições sinaliza que fica cada vez mais difícil a aprovação das reformas. Menor o tempo de colheita dos bônus.
No entanto, a rejeição das reformas pode recolocar a economia –por meio das reações do mercado financeiro– em situação próxima à vivida no segundo semestre de 2015, quando ficou clara a incapacidade de Dilma aprovar reformas: o prêmio de risco pago pelos títulos soberanos brasileiros de dez anos subiu quase três pontos percentuais, e o câmbio bateu em R$ 4,1.
Um cenário como esse aborta o processo de desinflação e, consequentemente, o ciclo de redução da taxa Selic. A desorganização da economia, agora com Temer no leme, joga mais água no moinho da candidatura de Lula.
Resta aos deputados governistas o difícil cálculo. De um lado, o custo político de apoiar uma agenda de reformas cujos efeitos na economia real levarão mais do que ano e meio para aparecer. Por outro, a aprovação das reformas garante a manutenção da lenta recuperação econômica e do cenário de inflação e juro real em queda. Adicionalmente há o bônus de algum cargo mantido ou emenda que pode ser liberada.
"O leitor Georg Elster lembrou-me do excelente texto de Marcelo Medeiros e Pedro de Souza sobre o impacto das regras muito mais generosos de aposentadoria dos servidores públicos na reprodução da desigualdade de renda. Trata-se do "Texto para Discussão" do Ipea 1.876 de outubro de 2013."
Quem paga pelos direitos adquiridos? - MARCOS LISBOA
FOLHA DE SP - 07/05
Afinal de contas, por quanto tempo seremos reféns das corporações?
Desde o ano passado, diversas reformas que propõem tratar os iguais como iguais e dar transparência aos gastos com pessoal têm sido veementemente rejeitadas por grupos de servidores públicos.
No exemplo mais recente, a deliberação sobre a reforma da Previdência, alguns chegaram a invadir a Câmara, ameaçando os deputados em defesa dos seus privilégios.
Com violência e intimidação, argumentam que defendem o bem comum, merecendo receber salários muito acima da renda média do brasileiro, e ficam revoltados quando o Congresso delibera sobre as suas aposentadorias precoces.
Talvez esteja na hora de discutir os direitos adquiridos e a estabilidade dos servidores públicos, sobretudo quando usam de violência ou põem em risco a vida dos cidadãos.
Não é aceitável a ameaça aos deputados nem a paralisação dos serviços de segurança pública - além do mais, ilegal.
Por que alguns servidores públicos têm que ser ressarcidos pelas despesas comezinhas que todos nós pagamos com nossos impostos?
Todos, menos os servidores de alguns poderes públicos, que recebem salários várias vezes maiores do que a renda média no Brasil, além de auxílios que, supostamente, indenizam-nos pelos seus gastos com moradia e educação dos seus filhos, entre muitos outros.
Existe a corrupção inaceitável em meio a ilícitos injustificáveis, como o caixa dois. Existem também corporações privilegiadas com benefícios pagos com recursos do público.
Muitos servidores não aceitam a revisão dos seus benefícios, pois argumentam que essa era a regra quando optaram pela carreira pública. Alguns reagem com violência às propostas de reforma da Previdência ou de maior transparência aos auxílios que recebem para suas despesas comezinhas.
Para o setor privado, no entanto, não existem direitos adquiridos.
Uma fábrica produz por muitos anos e a decisão de construí-la requer analisar o desempenho esperado do mercado para verificar a sua viabilidade, e depende das regras tributárias e das obrigações trabalhistas. Com frequência, porém, essas regras são alteradas depois da fábrica pronta, reduzindo o resultado esperado; às vezes, inviabilizando-a.
Por que é aceitável alterar as regras que afetam o setor privado e não os benefícios dos servidores? Afinal, todos tomamos decisões com base nas regras existentes, da mesma forma que as pessoas que optam pelo serviço público.
A defesa de direitos adquiridos dos servidores lembra os argumentos dos proprietários de escravos no fim do século 19. A seu ver, todos temos que trabalhar para sustentar os seus privilégios.
Afinal de contas, por quanto tempo seremos reféns das corporações?
Desde o ano passado, diversas reformas que propõem tratar os iguais como iguais e dar transparência aos gastos com pessoal têm sido veementemente rejeitadas por grupos de servidores públicos.
No exemplo mais recente, a deliberação sobre a reforma da Previdência, alguns chegaram a invadir a Câmara, ameaçando os deputados em defesa dos seus privilégios.
Com violência e intimidação, argumentam que defendem o bem comum, merecendo receber salários muito acima da renda média do brasileiro, e ficam revoltados quando o Congresso delibera sobre as suas aposentadorias precoces.
Talvez esteja na hora de discutir os direitos adquiridos e a estabilidade dos servidores públicos, sobretudo quando usam de violência ou põem em risco a vida dos cidadãos.
Não é aceitável a ameaça aos deputados nem a paralisação dos serviços de segurança pública - além do mais, ilegal.
Por que alguns servidores públicos têm que ser ressarcidos pelas despesas comezinhas que todos nós pagamos com nossos impostos?
Todos, menos os servidores de alguns poderes públicos, que recebem salários várias vezes maiores do que a renda média no Brasil, além de auxílios que, supostamente, indenizam-nos pelos seus gastos com moradia e educação dos seus filhos, entre muitos outros.
Existe a corrupção inaceitável em meio a ilícitos injustificáveis, como o caixa dois. Existem também corporações privilegiadas com benefícios pagos com recursos do público.
Muitos servidores não aceitam a revisão dos seus benefícios, pois argumentam que essa era a regra quando optaram pela carreira pública. Alguns reagem com violência às propostas de reforma da Previdência ou de maior transparência aos auxílios que recebem para suas despesas comezinhas.
Para o setor privado, no entanto, não existem direitos adquiridos.
Uma fábrica produz por muitos anos e a decisão de construí-la requer analisar o desempenho esperado do mercado para verificar a sua viabilidade, e depende das regras tributárias e das obrigações trabalhistas. Com frequência, porém, essas regras são alteradas depois da fábrica pronta, reduzindo o resultado esperado; às vezes, inviabilizando-a.
Por que é aceitável alterar as regras que afetam o setor privado e não os benefícios dos servidores? Afinal, todos tomamos decisões com base nas regras existentes, da mesma forma que as pessoas que optam pelo serviço público.
A defesa de direitos adquiridos dos servidores lembra os argumentos dos proprietários de escravos no fim do século 19. A seu ver, todos temos que trabalhar para sustentar os seus privilégios.
Assinar:
Postagens (Atom)