O GLOBO - 21/07
Na próxima manifestação, carregarei um cartaz com os dizeres: ‘Eu não tenho um corpo. Eu sou um corpo’
Paradoxo
O escritor britânico Will Self tem um romance chamado “Como vivem os mortos”. O livro é ótimo, mas mesmo que não fosse já valeria pelo título. Poucas vezes o chamado “humor britânico” foi tão mordaz. Por medo de morrer acreditamos nos paradoxos mais absurdos, como o que apregoa vida após a morte. Existe contrassenso maior? Como se pode estar vivo e morto ao mesmo tempo? Cartas para a redação.
O tamanho da nossa dor
É sabido que o medo da morte inspirou-nos grandes criações. A religião e a filosofia, para começar. John Lennon diz numa música que Deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor. Deus é provavelmente um dos personagens mais interessantes engendrados pela imaginação humana, e o medo de morrer foi sem dúvida um dos motores dessa invenção. Mas discutir a existência de Deus é obviamente uma polêmica espinhosa demais para um domingo. Passemos ao próximo tópico.
O corpo
É provável que só tenhamos conseguido sobreviver — e dominar o mundo — porque tememos a morte como nenhum outro animal. A consciência de nossa finitude é quase insuportável e nos obriga a superá-la (e tentar esquecê-la) a cada minuto. Talvez por isso insistimos em dizer, quando morre alguém, que o corpo de fulano foi enterrado. Repare que nos noticiários quase nunca se diz “fulano foi enterrado”. Diz-se “o corpo de fulano foi enterrado”. Como se, de certa forma, a morte não fosse definitiva para quem morreu. Não religiosos e ateus combativos costumam dizer: “Eu não tenho um corpo. Eu sou um corpo”. Parece mera formalidade semântica, mas é bem mais que isso. É uma constatação filosófica e biológica. Na próxima manifestação, carregarei um cartaz com os dizeres: “Eu não tenho um corpo. Eu sou um corpo”.
O Espírito
É claro que, além dos genes, realizações sempre sobrevivem à morte de alguém. Pode-se dizer, da maneira mais laica possível, que o espírito de um morto permanece em suas palavras, obras e atitudes, e também nas lembranças que inspira nos vivos. Toda vez que ouço Amy Winehouse cantar, por exemplo, sinto que ela está viva. Assim como quando contemplo um edifício de Oscar Niemeyer, ou ouço um solo de Thelonius Monk, tenho certeza de que o velho arquiteto e o louco pianista não morreram. Shakespeare é um morto que vive muito bem há muito tempo. Um verdadeiro fenômeno de longevidade post mortem. O.k. Mas essas são figuras de linguagem e não pressupõem que exista um espaço metafísico onde os mortos pensam, nos observam e até interagem conosco de vez em quando, certo?
João Ternura
Em “João Ternura”, único romance escrito por Aníbal Machado, e só publicado depois de sua morte, há um personagem que diz que só morremos de verdade quando morre a última pessoa que se lembra de nós. Essa é uma forma clássica de sobrevida dos mortos e permite que alguns deles tornem-se verdadeiramente imortais.
Os mortos na parede
Penso em tudo isso porque ao entrar na sala do meu apartamento, logo depois de acender as luzes, dou de cara com minha sogra, que já morreu. Ao lado dela estão meu sogro e meu pai, igualmente mortos. Mas eles sorriem para mim, vivinhos da silva. Não, não estou vendo fantasmas nem aderi ao espiritismo. Eu simplesmente observo as fotos deles na parede. Os mortos também vivem em fotografias nas paredes, nas estantes, nos criados-mudos e nos álbuns de família. E nos sonhos, claro.
Nós que aqui estamos, por vós esperamos
Lembro da vez em que questionei uma querida amiga, já idosa, por ir tantas vezes ao cemitério. “Tony”, ela respondeu com a espirituosidade dos que conhecem a vida, “tem muito mais gente minha lá do que aqui”. Ela era muito religiosa e já foi desta para uma melhor, como constata a ambígua expressão. Apesar de contumaz frequentadora do cemitério, ironicamente minha amiga pediu que fosse cremada quando a morte chegasse. A verdade é que quanto mais velhos ficamos, mais mortos existem em nossas vidas. O que me parece uma preparação bastante adequada para o grand finale.
O ‘grand finale’
Todas as religiões tentam nos aliviar da aflição da morte vendendo (às vezes bem caro) a ideia de uma “vida eterna”. Tudo bem, mas eu não acredito nisso. Respeito as crenças alheias e espero da mesma maneira que respeitem minhas descrenças. Não tenho nada contra as religiões, desde que não se imiscuam em educação e política e não insistam em transformar seus códigos morais em leis para todos. De resto, desejo boa sorte aos participantes da Jornada Mundial da Juventude, que deve agitar a cidade nos próximos dias (que, aliás, já anda bastante agitada com as recentes manifestações contra o governo). E a despeito do inegável carisma e simpatia do hermano Bergoglio, vale lembrar: o papa não me representa.
domingo, julho 21, 2013
Slogans - CAETANO VELOSO
O GLOBO - 21/07
Vou me deitar de manhã, com a sensação de que o mundo está se contorcendo
Arto Lindsay veio aqui em casa. Fazia um tempo que a gente não se via. Gozado é que vi, da sacada, a primeira parte dos efeitos colaterais da manifestação no Leblon ao lado de outro americano que vive no Brasil, Mark Lambert, também músico (muito bom músico), que vem aqui para a gente conversar em inglês, e isso menos para desenferrujar minha eloquência do que para ver se supero minha grande falha, que é a quase incapacidade de entender o inglês falado. Víamos as luzes vermelhas do engarrafamento e os helicópteros. Por cima do mar, eles lançavam um facho que fazia brilhar as marolas. Mark e eu vimos que se tratava de um reforço à vigília que se mantém em frente à casa de Sérgio Cabral. Conversamos sobre assuntos brasileiros e americanos: as passeatas, a absolvição de George Zimmerman, que matou Trayvon Martin, o lado Paraty da família de Thomas Mann. Tudo em inglês — e eu tinha de tentar falar menos para ver se entendia talvez dois terços do que ele dizia. Mas no geral tudo soava como uma conversa: eu tenho a insuportável capacidade de parecer que estou entendendo. Depois que Mark saiu e Arto chegou, só se falou português (nunca fui capaz de falar inglês com Arto, que é quase mais de Garanhuns do que da Carolina do Norte — e quase mais do Rio e da Bahia do que de Nova York).
Ele e eu deveremos estar voltando de Garanhuns (onde ele cresceu mas aonde não vai há mais de 40 anos) quando este artigo estiver impresso. Ontem, aqui, ele estava impressionado com a foto sexy na capa da “Rolling Stone” do garoto checheno que colocou os explosivos na maratona de Boston. Quando ele saiu, já depois da meia-noite, abri minha caixa de e-mail e dei de cara com uma mensagem dele. Nela, o link da Mídia Ninja, que acompanha pela internet, em áudio e vídeo, os protestos em tempo real. Tudo estava acontecendo bem perto. Já contei aqui como amigos meus se queixaram de a polícia carioca ter agido mal no dia da passeata grande, tanto na frente do Piranhão quanto na Lapa. Parece que o ritmo que se formou a partir das primeiras manifestações, em que a polícia quis mostrar que não agiria de forma agressiva — e aí um grupo de pessoas atacou a Assembleia Legislativa —, e as reações exageradas que ela exibiu em oportunidades subsequentes não contribuem para a possível pacificação das ruas da cidade, abrindo espaço para um diálogo claro sobre o que fazer das energias liberadas pelo movimento. Os sons e imagens que a Mídia Ninja transmitia diziam muito dos ânimos que movem o Rio.
Na verdade, Arto me enviou três links: dois da Mídia Ninja (suponho: o segundo se chamava ninja2) e um do Black Bloc. Este no Twitter. Havia uma série de posts criticando a polícia, ridicularizando o governador, atacando a imprensa — sobretudo a TV Globo — e estimulando os eventuais leitores a protestar na chegada do Papa. As imagens da ninja1 eram puro expressionismo abstrato, com fragmentos sucessivos de objetos inidentificáveis captados em meio a algum movimento — embora o som fosse claro e inteligível. A pessoa que segurava a câmera comentava o que via. A truculência da polícia, sua covardia, era sublinhada. Fui para a ninja2. A imagem era mil vezes melhor. O câmera-narrador também frisava que a polícia atacara sem muita razão para isso. Era bastante bonito porque o jeito desse narrador era o de um partícipe, não o de um repórter externo ao ato ou isento. Sentia-se o gosto da aventura. Tudo muito juvenil. Ao lado das imagens corriam posts curtos com perguntas, encorajamentos e observações. “Bombinha de São João. Nada comparado às bombas deles”. Uma moça se aproxima e diz, emocionada: “prenderam o Rafuco”. Ao que o câmera e seus próximos reagem com preocupação. Logo vejo nos posts que o nome se escreve Rafucko: todas as pessoas que postam o conhecem. Uma se oferece para consolá-lo. Imagino que seja o Cohn-Bendit de 2013. Todos decidem ir para a 14ª DP, para onde Rafucko tinha sido levado. Na porta, em meio à confusão, um pai que veio buscar o filho que fora preso diz que há manipulação política e que Garotinho está por trás da incitação à baderna. Ligo a TV e vejo o contraponto na GloboNews. No Panamá, armamento pesado (e antiquado) foi encontrado em navio norte-coreano vindo de Cuba. Depois acho o Rafucko na web. Muito engraçado e muito legal. No link do Black Bloc vejo um vídeo do cara “viciado em manifestação”. Uma amiga (ou irmã) tenta libertá-lo da compulsão com gás lacrimogêneo numa bombinha para mantê-lo em casa. Ele repete slogans.
Vou me deitar de manhã, com a sensação de que o mundo está se contorcendo. Imagino que vou olhá-lo de Garanhuns, com Arto. E voltar para comentar com Mark, em inglês.
Vou me deitar de manhã, com a sensação de que o mundo está se contorcendo
Arto Lindsay veio aqui em casa. Fazia um tempo que a gente não se via. Gozado é que vi, da sacada, a primeira parte dos efeitos colaterais da manifestação no Leblon ao lado de outro americano que vive no Brasil, Mark Lambert, também músico (muito bom músico), que vem aqui para a gente conversar em inglês, e isso menos para desenferrujar minha eloquência do que para ver se supero minha grande falha, que é a quase incapacidade de entender o inglês falado. Víamos as luzes vermelhas do engarrafamento e os helicópteros. Por cima do mar, eles lançavam um facho que fazia brilhar as marolas. Mark e eu vimos que se tratava de um reforço à vigília que se mantém em frente à casa de Sérgio Cabral. Conversamos sobre assuntos brasileiros e americanos: as passeatas, a absolvição de George Zimmerman, que matou Trayvon Martin, o lado Paraty da família de Thomas Mann. Tudo em inglês — e eu tinha de tentar falar menos para ver se entendia talvez dois terços do que ele dizia. Mas no geral tudo soava como uma conversa: eu tenho a insuportável capacidade de parecer que estou entendendo. Depois que Mark saiu e Arto chegou, só se falou português (nunca fui capaz de falar inglês com Arto, que é quase mais de Garanhuns do que da Carolina do Norte — e quase mais do Rio e da Bahia do que de Nova York).
Ele e eu deveremos estar voltando de Garanhuns (onde ele cresceu mas aonde não vai há mais de 40 anos) quando este artigo estiver impresso. Ontem, aqui, ele estava impressionado com a foto sexy na capa da “Rolling Stone” do garoto checheno que colocou os explosivos na maratona de Boston. Quando ele saiu, já depois da meia-noite, abri minha caixa de e-mail e dei de cara com uma mensagem dele. Nela, o link da Mídia Ninja, que acompanha pela internet, em áudio e vídeo, os protestos em tempo real. Tudo estava acontecendo bem perto. Já contei aqui como amigos meus se queixaram de a polícia carioca ter agido mal no dia da passeata grande, tanto na frente do Piranhão quanto na Lapa. Parece que o ritmo que se formou a partir das primeiras manifestações, em que a polícia quis mostrar que não agiria de forma agressiva — e aí um grupo de pessoas atacou a Assembleia Legislativa —, e as reações exageradas que ela exibiu em oportunidades subsequentes não contribuem para a possível pacificação das ruas da cidade, abrindo espaço para um diálogo claro sobre o que fazer das energias liberadas pelo movimento. Os sons e imagens que a Mídia Ninja transmitia diziam muito dos ânimos que movem o Rio.
Na verdade, Arto me enviou três links: dois da Mídia Ninja (suponho: o segundo se chamava ninja2) e um do Black Bloc. Este no Twitter. Havia uma série de posts criticando a polícia, ridicularizando o governador, atacando a imprensa — sobretudo a TV Globo — e estimulando os eventuais leitores a protestar na chegada do Papa. As imagens da ninja1 eram puro expressionismo abstrato, com fragmentos sucessivos de objetos inidentificáveis captados em meio a algum movimento — embora o som fosse claro e inteligível. A pessoa que segurava a câmera comentava o que via. A truculência da polícia, sua covardia, era sublinhada. Fui para a ninja2. A imagem era mil vezes melhor. O câmera-narrador também frisava que a polícia atacara sem muita razão para isso. Era bastante bonito porque o jeito desse narrador era o de um partícipe, não o de um repórter externo ao ato ou isento. Sentia-se o gosto da aventura. Tudo muito juvenil. Ao lado das imagens corriam posts curtos com perguntas, encorajamentos e observações. “Bombinha de São João. Nada comparado às bombas deles”. Uma moça se aproxima e diz, emocionada: “prenderam o Rafuco”. Ao que o câmera e seus próximos reagem com preocupação. Logo vejo nos posts que o nome se escreve Rafucko: todas as pessoas que postam o conhecem. Uma se oferece para consolá-lo. Imagino que seja o Cohn-Bendit de 2013. Todos decidem ir para a 14ª DP, para onde Rafucko tinha sido levado. Na porta, em meio à confusão, um pai que veio buscar o filho que fora preso diz que há manipulação política e que Garotinho está por trás da incitação à baderna. Ligo a TV e vejo o contraponto na GloboNews. No Panamá, armamento pesado (e antiquado) foi encontrado em navio norte-coreano vindo de Cuba. Depois acho o Rafucko na web. Muito engraçado e muito legal. No link do Black Bloc vejo um vídeo do cara “viciado em manifestação”. Uma amiga (ou irmã) tenta libertá-lo da compulsão com gás lacrimogêneo numa bombinha para mantê-lo em casa. Ele repete slogans.
Vou me deitar de manhã, com a sensação de que o mundo está se contorcendo. Imagino que vou olhá-lo de Garanhuns, com Arto. E voltar para comentar com Mark, em inglês.
Infância sofrida - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 21/07
Acredite. Ainda existem 89 mil brasileirinhos entre 5 e 9 anos trabalhando, embora a legislação proíba. O crime existe sobretudo no Nordeste (43,6%) e no Norte (34%).
A conta, a partir de microdados da PNAD 2011, é da paraibana Hildete Pereira de Melo, da UFF.
A partilha
Enquanto se briga na Justiça pela partilha dos bens deixados por Emílio Santiago, mais uma casa do artista foi assaltada.
Depois da de Recife, foi a vez da de Araras, na Região Serrana do Rio. Levaram TV e eletrodomésticos, e quebraram portas e janelas.
Comércio do protesto
A Companhia Docas do Rio vai contratar uma empresa que dê treinamento a seus 320 guardas sobre uso de spray de pimenta.
Comércio do papa
Tem camelô em Copacabana vendendo a bata genérica do Papa. É um kaftan branco com as iniciais INRJ bordadas em vermelho ou dourado. Custa R$ 30.
Festival de partidos
Todo dia se criam partidos políticos e igrejas evangélicas no Brasil.
O vereador Carlos Eduardo, do Rio, vai trocar o PSB pelo PNS (Partido Nacional da Saúde), do qual é fundador e presidente.
No mais
É como diz o historiador José Murilo de Carvalho. Em novembro de 1889, o povo assistiu bestializado à Proclamação da República por políticos e militares. Em junho de 2013, políticos e militares assistiram bestializados à invasão da República pelo povo.
Sem ordem, fizemos algum progresso.
Pornobienal
A Bienal do Livro sempre fez a alegria das crianças e dos adolescentes.
Mas a deste ano, no Rio, vai ter debate proibido para menores de 18 anos. Será no dia 31 de agosto sobre a nova literatura erótica.
Segue...
A mesa "Cinquenta tons ou mais" terá Mônica Martelli, Marcelo Rubens Paiva e Regina Navarro Lins numa discussão quente sobre sexualidade.
Morte nos trilhos
Vai sair pela Azul, selo da Globo Livros, o novo romance de Marco Lucchesi.
Em "O bibliotecário do imperador", o acadêmico mistura realidade e ficção ao falar de Ignácio Augusto César Raposo, misterioso personagem responsável pela vasta e preciosa biblioteca de Dom Pedro II.
Suicídio...
Em 1890, um ano após a Proclamação da República, o bibliotecário se matou nos trilhos do trem.
Bomba para o papa
O Hércules da FAB que retornar a Roma levando o papamóvel deve ir entupido de presentes. São vários santos, livros e até a escultura de João Turin que Dilma vai entregar ao Papa Francisco.
Já o veterano senador Pedro Simon, 83 anos, pretende entregar ao argentino uma bomba de chimarrão banhada em prata, do início do século, fabricada em Caxias do Sul.
A cor do artista
As duas chapas que disputaram semana passada a eleição do Sindicato dos Artistas do Rio tinham uma curiosidade racial.
A chapa da situação, que venceu, liderada pelo ator Jorge Coutinho, foi formada por maioria de atores negros. A da oposição, que reunia Marcos Wainberg e Vera Gimenez, entre outros, era de maioria branca.
Faltam perucas
A Fundação Laço Rosa, que tem um banco de empréstimos de perucas on-line para pessoas em tratamento de câncer, está com dificuldades em conseguir fios pretos e crespos.
Esse tipo representa 12% dos pedidos, mas a fundação só consegue atender 4% das pacientes.
Comunidade segura
A seguradora Mongeral Aegon vai investir na Favela do Vidigal.
Esta semana os corretores da empresa visitarão 25 mil domicílios para oferecer planos de previdência e seguros, individual e familiar. Vinte por cento do primeiro pagamento de cada um dos contratos serão doados à associação de moradores.
Calma, moças!
Caio Castro, que apareceu em "Amor à vida" nu com um buquê de flores cobrindo os documentos, caiu na rede.
Circulou no Instagram uma imagem do ator com os dizeres: "Por um mundo com mais... Caio Castro pelado tocando a campainha da nossa casa."
A conta, a partir de microdados da PNAD 2011, é da paraibana Hildete Pereira de Melo, da UFF.
A partilha
Enquanto se briga na Justiça pela partilha dos bens deixados por Emílio Santiago, mais uma casa do artista foi assaltada.
Depois da de Recife, foi a vez da de Araras, na Região Serrana do Rio. Levaram TV e eletrodomésticos, e quebraram portas e janelas.
Comércio do protesto
A Companhia Docas do Rio vai contratar uma empresa que dê treinamento a seus 320 guardas sobre uso de spray de pimenta.
Comércio do papa
Tem camelô em Copacabana vendendo a bata genérica do Papa. É um kaftan branco com as iniciais INRJ bordadas em vermelho ou dourado. Custa R$ 30.
Festival de partidos
Todo dia se criam partidos políticos e igrejas evangélicas no Brasil.
O vereador Carlos Eduardo, do Rio, vai trocar o PSB pelo PNS (Partido Nacional da Saúde), do qual é fundador e presidente.
No mais
É como diz o historiador José Murilo de Carvalho. Em novembro de 1889, o povo assistiu bestializado à Proclamação da República por políticos e militares. Em junho de 2013, políticos e militares assistiram bestializados à invasão da República pelo povo.
Sem ordem, fizemos algum progresso.
Pornobienal
A Bienal do Livro sempre fez a alegria das crianças e dos adolescentes.
Mas a deste ano, no Rio, vai ter debate proibido para menores de 18 anos. Será no dia 31 de agosto sobre a nova literatura erótica.
Segue...
A mesa "Cinquenta tons ou mais" terá Mônica Martelli, Marcelo Rubens Paiva e Regina Navarro Lins numa discussão quente sobre sexualidade.
Morte nos trilhos
Vai sair pela Azul, selo da Globo Livros, o novo romance de Marco Lucchesi.
Em "O bibliotecário do imperador", o acadêmico mistura realidade e ficção ao falar de Ignácio Augusto César Raposo, misterioso personagem responsável pela vasta e preciosa biblioteca de Dom Pedro II.
Suicídio...
Em 1890, um ano após a Proclamação da República, o bibliotecário se matou nos trilhos do trem.
Bomba para o papa
O Hércules da FAB que retornar a Roma levando o papamóvel deve ir entupido de presentes. São vários santos, livros e até a escultura de João Turin que Dilma vai entregar ao Papa Francisco.
Já o veterano senador Pedro Simon, 83 anos, pretende entregar ao argentino uma bomba de chimarrão banhada em prata, do início do século, fabricada em Caxias do Sul.
A cor do artista
As duas chapas que disputaram semana passada a eleição do Sindicato dos Artistas do Rio tinham uma curiosidade racial.
A chapa da situação, que venceu, liderada pelo ator Jorge Coutinho, foi formada por maioria de atores negros. A da oposição, que reunia Marcos Wainberg e Vera Gimenez, entre outros, era de maioria branca.
Faltam perucas
A Fundação Laço Rosa, que tem um banco de empréstimos de perucas on-line para pessoas em tratamento de câncer, está com dificuldades em conseguir fios pretos e crespos.
Esse tipo representa 12% dos pedidos, mas a fundação só consegue atender 4% das pacientes.
Comunidade segura
A seguradora Mongeral Aegon vai investir na Favela do Vidigal.
Esta semana os corretores da empresa visitarão 25 mil domicílios para oferecer planos de previdência e seguros, individual e familiar. Vinte por cento do primeiro pagamento de cada um dos contratos serão doados à associação de moradores.
Calma, moças!
Caio Castro, que apareceu em "Amor à vida" nu com um buquê de flores cobrindo os documentos, caiu na rede.
Circulou no Instagram uma imagem do ator com os dizeres: "Por um mundo com mais... Caio Castro pelado tocando a campainha da nossa casa."
Sobre o humanismo - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
ESTADÃO - 21/07
Há quem diga que o único humanista autêntico é o canibal. Seu amor pela humanidade é o mesmo amor que temos por um bom bife, e é sincero. Já o humanismo, na sua forma não antropofágica, é mais difícil de classificar. O que é, afinal, um humanista? A própria palavra humanismo tem interpretações e conotações diferentes. No dicionário, ela é descrita como uma doutrina segundo a qual o ser humano é o criador dos seus próprios valores morais. O que não ajuda muito.
Melhor, ou mais simples, seria dizer que para um humanista o ser humano é, ou deve ser, a medida de todas as coisas, e assim como o sistema métrico que mede o mundo teve origem nas dimensões do corpo humano, todos os sistemas éticos e morais do mundo devem obedecer à primazia do humano. Ou seja: ser humanista é não reconhecer nenhum determinante metafísico, nenhuma interferência divina, no ser humano e nas suas circunstâncias.
Mas estas interpretações não cobrem todos os significados de “humanismo”. A própria história do humanismo é discutível. Sua origem seria na Renascença, quando as trevas da Idade Média retrocederam diante da redescoberta do mundo clássico e não só as pinturas e esculturas de Michelangelo, Leonardo e os outros glorificaram o corpo humano redescoberto como a glória da Grécia antiga, berço da democracia e da filosofia, também voltou à luz do dia depois da noite medieval.
Mas a arte da Renascença foi toda feita em louvor e com o subsídio da Igreja, seus temas predominantes eram os santos, os mártires e os mitos da Igreja e dificilmente se encontraria um humanista, mesmo camuflado, entre os seus praticantes. E antes de se exaltar a Grécia antiga como um ideal de virtudes cívicas e civilização, é bom não esquecer que aquela era uma sociedade escravocrata, também um mau exemplo de humanismo.
O humanismo autêntico seria então um subproduto do Iluminismo do século 18, e sua origem estaria no pensamento iconoclasta de alguns magníficos hereges como Voltaire, Diderot, Descartes, aquela turma. Mas até hoje se debate a ligação direta entre o Iluminismo e o terror que se seguiu a revolução francesa, e se a idade da razão não gerou um monstro em vez de uma sociedade iluminada. O mesmo pode-se dizer de Marx e dos outros filósofos dedicados a mudar o mundo e a História em vez de apenas entendê-los, e cuja generosa proposta de igualdade e fraternidade universal desaguou no totalitarismo e no terror stalinista.
O escritor e satirista Karl Kraus, talvez o mais vienense de todos os vienenses, escreveu certa vez que na Áustria, nos estertores do império austro-húngaro, estava acontecendo um ensaio do fim do mundo. Na verdade, o que tomava forma em Viena no começo do século 20 era um novo mundo. O colapso do império dos Habsburg coincidiu com duas novidades de certa forma opostas no espírito europeu e na História: o fascismo e a psicanálise. Dizem que a história do mundo teria sido outra se Hitler tivesse se tratado com seu contemporâneo e conterrâneo Freud, mas infelizmente o encontro nunca se deu.
Freud era um humanista, mas assim como suas teorias sobre patologia e neuroses coletivas nada fizeram para deter o pesadelo nazista que se iniciava, suas descobertas sobre o inconsciente humano em nada ajudaram o humanismo. Pois o que ele dizia era que o ser humano não devia sua existência e seu destino à interferência divina, mas era regido por forças imateriais, quase que por uma metafísica interna, que desconhecia tanto quanto desconhecia os desígnios de Deus. O ser humano não era a medida de todas as coisas. O ser humano, seus recônditos obscuros e os mistérios do seu ego, eram a medida de todas as coisas.
O que significa ser um humanista hoje? Ao contrário dos canibais, que sabem do que gostam, não temos muita certeza que a humanidade nos apeteça, depois de tudo que ela aprontou. Continuamos preferindo a lógica e a razão a qualquer tipo de superstição ou pensamento mágico, mas com a consciência de que cada vez mais humanos preferem o contrário.
A divisão entre ricos e pobres aumenta, uma superprodução de alimentos convive com a fome endêmica no mesmo planeta há anos, a intransigência e o fanatismo religioso conflagram regiões inteiras - tudo prova que o humanismo está longe das sedes do poder e dos princípios da maioria. E muito longe de ser uma doutrina viável, ou mesmo um sonho para um outro tempo.
A solução talvez seja o humanismo se reconciliar com a metafísica e pedir ajuda à providência divina, para não desaparecer.
Há quem diga que o único humanista autêntico é o canibal. Seu amor pela humanidade é o mesmo amor que temos por um bom bife, e é sincero. Já o humanismo, na sua forma não antropofágica, é mais difícil de classificar. O que é, afinal, um humanista? A própria palavra humanismo tem interpretações e conotações diferentes. No dicionário, ela é descrita como uma doutrina segundo a qual o ser humano é o criador dos seus próprios valores morais. O que não ajuda muito.
Melhor, ou mais simples, seria dizer que para um humanista o ser humano é, ou deve ser, a medida de todas as coisas, e assim como o sistema métrico que mede o mundo teve origem nas dimensões do corpo humano, todos os sistemas éticos e morais do mundo devem obedecer à primazia do humano. Ou seja: ser humanista é não reconhecer nenhum determinante metafísico, nenhuma interferência divina, no ser humano e nas suas circunstâncias.
Mas estas interpretações não cobrem todos os significados de “humanismo”. A própria história do humanismo é discutível. Sua origem seria na Renascença, quando as trevas da Idade Média retrocederam diante da redescoberta do mundo clássico e não só as pinturas e esculturas de Michelangelo, Leonardo e os outros glorificaram o corpo humano redescoberto como a glória da Grécia antiga, berço da democracia e da filosofia, também voltou à luz do dia depois da noite medieval.
Mas a arte da Renascença foi toda feita em louvor e com o subsídio da Igreja, seus temas predominantes eram os santos, os mártires e os mitos da Igreja e dificilmente se encontraria um humanista, mesmo camuflado, entre os seus praticantes. E antes de se exaltar a Grécia antiga como um ideal de virtudes cívicas e civilização, é bom não esquecer que aquela era uma sociedade escravocrata, também um mau exemplo de humanismo.
O humanismo autêntico seria então um subproduto do Iluminismo do século 18, e sua origem estaria no pensamento iconoclasta de alguns magníficos hereges como Voltaire, Diderot, Descartes, aquela turma. Mas até hoje se debate a ligação direta entre o Iluminismo e o terror que se seguiu a revolução francesa, e se a idade da razão não gerou um monstro em vez de uma sociedade iluminada. O mesmo pode-se dizer de Marx e dos outros filósofos dedicados a mudar o mundo e a História em vez de apenas entendê-los, e cuja generosa proposta de igualdade e fraternidade universal desaguou no totalitarismo e no terror stalinista.
O escritor e satirista Karl Kraus, talvez o mais vienense de todos os vienenses, escreveu certa vez que na Áustria, nos estertores do império austro-húngaro, estava acontecendo um ensaio do fim do mundo. Na verdade, o que tomava forma em Viena no começo do século 20 era um novo mundo. O colapso do império dos Habsburg coincidiu com duas novidades de certa forma opostas no espírito europeu e na História: o fascismo e a psicanálise. Dizem que a história do mundo teria sido outra se Hitler tivesse se tratado com seu contemporâneo e conterrâneo Freud, mas infelizmente o encontro nunca se deu.
Freud era um humanista, mas assim como suas teorias sobre patologia e neuroses coletivas nada fizeram para deter o pesadelo nazista que se iniciava, suas descobertas sobre o inconsciente humano em nada ajudaram o humanismo. Pois o que ele dizia era que o ser humano não devia sua existência e seu destino à interferência divina, mas era regido por forças imateriais, quase que por uma metafísica interna, que desconhecia tanto quanto desconhecia os desígnios de Deus. O ser humano não era a medida de todas as coisas. O ser humano, seus recônditos obscuros e os mistérios do seu ego, eram a medida de todas as coisas.
O que significa ser um humanista hoje? Ao contrário dos canibais, que sabem do que gostam, não temos muita certeza que a humanidade nos apeteça, depois de tudo que ela aprontou. Continuamos preferindo a lógica e a razão a qualquer tipo de superstição ou pensamento mágico, mas com a consciência de que cada vez mais humanos preferem o contrário.
A divisão entre ricos e pobres aumenta, uma superprodução de alimentos convive com a fome endêmica no mesmo planeta há anos, a intransigência e o fanatismo religioso conflagram regiões inteiras - tudo prova que o humanismo está longe das sedes do poder e dos princípios da maioria. E muito longe de ser uma doutrina viável, ou mesmo um sonho para um outro tempo.
A solução talvez seja o humanismo se reconciliar com a metafísica e pedir ajuda à providência divina, para não desaparecer.
Beleza ainda põe mesa - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 21/07
Como a vida, a arte também não basta: tem que mudar para nos suscitar novas sensações e descobertas
Arte sempre teve a ver com beleza, mesmo quando, aparentemente, mostra o feio, o horrível, o abjeto.
Não é fácil explicar o que acabo de afirmar. Para dizer a verdade, não sei ainda como explicá-lo, mas sei que o que disse é certo: a arte sempre teve (e tem) a ver com a beleza, porque, do contrário, não nos daria prazer. E não venham agora me dizer que arte não é para dar prazer. E seria para que, então? Para nos fazer sofrer é que não é, porque sofrimento já há demais na vida e ninguém gosta de sofrer, a não ser os masoquistas, que são doentes.
Inventei uma frase que o pessoal aí adotou e repete: "A arte existe porque a vida não basta". E é verdade. Não pretendo com isso dizer que a vida é só chatice e sofrimento. Não, a vida tem muita coisa boa e bela, mas, por mais que tenha, não nos basta. É que nós, seres humanos, sempre queremos mais. Mais alegria, mais felicidade, mais beleza.
Ao longo dos milênios, a arte mudou muito. Claro que, como a vida, a arte também não basta: tem que mudar para nos suscitar novas sensações, novas descobertas, novas alegrias. Por isso, ela muda. E vem mudando desde que surgiu nas paredes das cavernas, sem se saber que aquilo era arte. Sim, porque arte é apenas o nome que se dá a essa necessidade de inventar a vida.
Também por isso o conceito de beleza muda, como se vê através da história, até chegar à época moderna, quando sofre uma mudança radical, como nunca houvera antes.
E essa mudança radical fez supor que arte não tem nada a ver com beleza e, pior, que beleza é coisa ultrapassada. De fato, se você comparar uma pintura de Caravaggio com a "Guernica" de Pablo Picasso, a impressão que terá é a de que o feio tomou o lugar do belo. Terá essa impressão, sim, mas não é verdade.
Vou ver se explico. Caso esteja certo, o que aconteceu foi que, por razões que desconheço (talvez o refinamento da experiência estética), o artista plástico descobriu --pelo apuro mesmo da linguagem pictórica e gráfica-- que, não apenas a figura, criada pelas linhas e cores, tem expressão, mas as próprias linhas e cores, independentemente do que figuram, são expressões em si mesmas.
Essa descoberta conduziria, inevitavelmente, a uma subversão da linguagem figurativa da pintura, uma vez que os elementos que a compõem ganharam progressiva autonomia, passando a ser expressões em si mesmos, como linha, como cor, independentemente do que representassem.
Essa descoberta veio enriquecer a experiência dos artistas e dos amantes da arte, que passaram a se deslumbrar, extasiados, já com quadros prontos, mas com os estudos para realizá-los, já que, nestes, as figuras inacabadas tinham a expressividade que, na obra acabada, sumia.
Foi aberto, assim, outro caminho para a arte abstrata, não figurativa, chegando-se em alguns casos a desenhos que eram meros traços nada representando e pinturas que eram apenas manchas. Isso não significa, porém, que essas expressões sejam carentes de beleza: há, sim, ali, uma outra beleza que, em alguns casos --como no da citada "Guernica"-- ainda é figurativa, uma feiura (das figuras) que na verdade faz ressaltar a autonomia das linhas, a sua expressão, a sua beleza.
A exploração da expressividade da forma inacabada deu origem também a uma das tendências estéticas que marcaram a pintura do século 20, como o tachismo.
Outra consequência desse tipo de expressão foi uma maior presença do fator acaso na realização do quadro, de que é exemplo a pintura do norte-americano Jackson Pollock, feita de respingos de tinta lançados sobre a tela aleatoriamente.
O acaso é, sem dúvida, um fator presente na realização de qualquer obra de arte mas, a partir da Renascença, quando os pintores buscaram a execução cada vez mais perfeita, esse fator foi sendo quase anulado. Na época moderna, chegou-se ao extremo oposto mas, num caso como noutro, o que se buscava era a beleza.
Isso é diferente de certo tipo de manifestação artística contemporânea, em que não há qualquer preocupação com o apuro da linguagem utilizada. Em alguns casos, pelo contrário, o autor parece buscar o primarismo e o mau gosto, como a nos dizer que arte e beleza são coisas velhas, ultrapassadas.
Como a vida, a arte também não basta: tem que mudar para nos suscitar novas sensações e descobertas
Arte sempre teve a ver com beleza, mesmo quando, aparentemente, mostra o feio, o horrível, o abjeto.
Não é fácil explicar o que acabo de afirmar. Para dizer a verdade, não sei ainda como explicá-lo, mas sei que o que disse é certo: a arte sempre teve (e tem) a ver com a beleza, porque, do contrário, não nos daria prazer. E não venham agora me dizer que arte não é para dar prazer. E seria para que, então? Para nos fazer sofrer é que não é, porque sofrimento já há demais na vida e ninguém gosta de sofrer, a não ser os masoquistas, que são doentes.
Inventei uma frase que o pessoal aí adotou e repete: "A arte existe porque a vida não basta". E é verdade. Não pretendo com isso dizer que a vida é só chatice e sofrimento. Não, a vida tem muita coisa boa e bela, mas, por mais que tenha, não nos basta. É que nós, seres humanos, sempre queremos mais. Mais alegria, mais felicidade, mais beleza.
Ao longo dos milênios, a arte mudou muito. Claro que, como a vida, a arte também não basta: tem que mudar para nos suscitar novas sensações, novas descobertas, novas alegrias. Por isso, ela muda. E vem mudando desde que surgiu nas paredes das cavernas, sem se saber que aquilo era arte. Sim, porque arte é apenas o nome que se dá a essa necessidade de inventar a vida.
Também por isso o conceito de beleza muda, como se vê através da história, até chegar à época moderna, quando sofre uma mudança radical, como nunca houvera antes.
E essa mudança radical fez supor que arte não tem nada a ver com beleza e, pior, que beleza é coisa ultrapassada. De fato, se você comparar uma pintura de Caravaggio com a "Guernica" de Pablo Picasso, a impressão que terá é a de que o feio tomou o lugar do belo. Terá essa impressão, sim, mas não é verdade.
Vou ver se explico. Caso esteja certo, o que aconteceu foi que, por razões que desconheço (talvez o refinamento da experiência estética), o artista plástico descobriu --pelo apuro mesmo da linguagem pictórica e gráfica-- que, não apenas a figura, criada pelas linhas e cores, tem expressão, mas as próprias linhas e cores, independentemente do que figuram, são expressões em si mesmas.
Essa descoberta conduziria, inevitavelmente, a uma subversão da linguagem figurativa da pintura, uma vez que os elementos que a compõem ganharam progressiva autonomia, passando a ser expressões em si mesmos, como linha, como cor, independentemente do que representassem.
Essa descoberta veio enriquecer a experiência dos artistas e dos amantes da arte, que passaram a se deslumbrar, extasiados, já com quadros prontos, mas com os estudos para realizá-los, já que, nestes, as figuras inacabadas tinham a expressividade que, na obra acabada, sumia.
Foi aberto, assim, outro caminho para a arte abstrata, não figurativa, chegando-se em alguns casos a desenhos que eram meros traços nada representando e pinturas que eram apenas manchas. Isso não significa, porém, que essas expressões sejam carentes de beleza: há, sim, ali, uma outra beleza que, em alguns casos --como no da citada "Guernica"-- ainda é figurativa, uma feiura (das figuras) que na verdade faz ressaltar a autonomia das linhas, a sua expressão, a sua beleza.
A exploração da expressividade da forma inacabada deu origem também a uma das tendências estéticas que marcaram a pintura do século 20, como o tachismo.
Outra consequência desse tipo de expressão foi uma maior presença do fator acaso na realização do quadro, de que é exemplo a pintura do norte-americano Jackson Pollock, feita de respingos de tinta lançados sobre a tela aleatoriamente.
O acaso é, sem dúvida, um fator presente na realização de qualquer obra de arte mas, a partir da Renascença, quando os pintores buscaram a execução cada vez mais perfeita, esse fator foi sendo quase anulado. Na época moderna, chegou-se ao extremo oposto mas, num caso como noutro, o que se buscava era a beleza.
Isso é diferente de certo tipo de manifestação artística contemporânea, em que não há qualquer preocupação com o apuro da linguagem utilizada. Em alguns casos, pelo contrário, o autor parece buscar o primarismo e o mau gosto, como a nos dizer que arte e beleza são coisas velhas, ultrapassadas.
O suicídio anunciado de Pedro Nava - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 21/07
Tanto tempo depois de Pedro Nava disparar um tiro contra a própria cabeça, aos 80 anos de idade, tenho hoje poucas dúvidas de que o grande escritor mineiro há muito caminhava para se matar. Se não fisicamente (como fez naquela noite, 13 de maio de 1984, arriado num banco sob um oitizeiro quase em frente à sua casa, no Rio), ao menos literariamente Nava teria decidido abreviar o fim.
Não vou dizer que eu desconfiava disso quando, um ano antes, passei alguns dias conversando com ele, em seu apartamento na rua da Glória, para escrever na IstoÉ um perfil do memorialista às vésperas de completar 80 anos. Hoje vejo que poderia, deveria ter desconfiado, tantas eram as evidências. Estavam numas enigmáticas entrelinhas de nossa conversa, quando, enfático, Nava deplorava a erosão do corpo na velhice e insistia no esplendor da juventude e no primado do amor físico. Estavam sobretudo nas 2.500 páginas dos seis volumes de memórias que ele publicou em vida. Depois de sua morte, voltei aos livros - e tudo então me pareceu transparente.
"Sou um suicidário", chegou a dizer Nava, pela boca de um personagem de O Círio Perfeito, saído cinco meses antes da tragédia. "O calvário para o suicida é arranjar o revólver, providenciar o veneno, pendurar a corda no gancho, sentar-se no peitoril da janela." Naqueles dias em que o entrevistei, estive também, para falar sobre ele, com Afonso Arinos de Melo Franco, seu amigo de vida inteira, e o ex-senador me contou que Nava, certa vez, o demovera da ideia de matar-se. Saiu levando a arma - cuja lembrança, um ano mais tarde, me veio instantaneamente, ao saber do suicídio. (Mas não, não foi com o trabuco de Afonso Arinos que Pedro Nava escoiceou as têmporas, e sim com um Taurus calibre 32, comprado em 1980.)
A revelação de que o escritor se matou porque estava sendo chantageado por um garoto de programa - circunstância que a imprensa descobriu no ato, mas sobre a qual silenciou por anos, até que Zuenir Ventura escancarasse aquele mau momento do nosso jornalismo num memorável capítulo de Minhas Histórias dos Outros - veio jogar luzes sobre a trajetória de Nava rumo a um silêncio sem apelo.
Quem conhece a extraordinária sensualidade de sua prosa pode se indagar se o memorialista, ao desfiá-la, não enveredou, ou se viu arrastado, por aquele "desregramento sistemático de todos os sentidos", capaz, disse Arthur Rimbaud, de fazer do poeta um vidente. Não é descabido imaginar que Nava, ao se contar, tenha se aproximado por demais de algo que havia nele desde sempre, muito bem guardado, e que por inconfessável não deveria subir à tona, mas que ainda assim foi emergindo, inelutavelmente, até se converter, chegado à superfície, na fogueira que o consumiria.
Nos quatro primeiros volumes de suas memórias - Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro e Beira-Mar -, Pedro Nava está na primeira pessoa. A partir de Galo-das-Trevas, em que as sombras já estão no título, ele se refugia num alter ego, José Egon Barros da Cunha, protagonista também do sexto volume, O Círio Perfeito e das poucas páginas de Cera das Almas, em que trabalhava quando se matou.
Nas linhas finais de O Círio Perfeito, Nava chegou à beira de uma radical revelação: ao descobrir que o Egon flagrara, certa madrugada, seus amores masculinos, o misterioso e fascinante amigo Comendador entrega os pontos - e se dispõe a contar: "Agora escuta". Cera das Almas não retoma a narrativa nesse ponto, mas não tarda a enveredar pela descrição naturalista de um corpo de macho em que arde "a arrogância floral dos genitais".
Penso na sugestão crepuscular dos títulos dos três últimos livros: um candelabro cujas 13 velas vão se apagando uma a uma, um círio integralmente consumido e aquilo que restou de sua combustão. Com ou sem revelação, pareciam fechar-se os horizontes: difícil supor que depois disso algo estivesse por vir - embora as memórias mal houvessem entrado na década de 30, faltando ainda meio século para o momento em que eram escritas. Físico ou literário, ou ambos, era o silêncio final a se precipitar.
Tanto tempo depois de Pedro Nava disparar um tiro contra a própria cabeça, aos 80 anos de idade, tenho hoje poucas dúvidas de que o grande escritor mineiro há muito caminhava para se matar. Se não fisicamente (como fez naquela noite, 13 de maio de 1984, arriado num banco sob um oitizeiro quase em frente à sua casa, no Rio), ao menos literariamente Nava teria decidido abreviar o fim.
Não vou dizer que eu desconfiava disso quando, um ano antes, passei alguns dias conversando com ele, em seu apartamento na rua da Glória, para escrever na IstoÉ um perfil do memorialista às vésperas de completar 80 anos. Hoje vejo que poderia, deveria ter desconfiado, tantas eram as evidências. Estavam numas enigmáticas entrelinhas de nossa conversa, quando, enfático, Nava deplorava a erosão do corpo na velhice e insistia no esplendor da juventude e no primado do amor físico. Estavam sobretudo nas 2.500 páginas dos seis volumes de memórias que ele publicou em vida. Depois de sua morte, voltei aos livros - e tudo então me pareceu transparente.
"Sou um suicidário", chegou a dizer Nava, pela boca de um personagem de O Círio Perfeito, saído cinco meses antes da tragédia. "O calvário para o suicida é arranjar o revólver, providenciar o veneno, pendurar a corda no gancho, sentar-se no peitoril da janela." Naqueles dias em que o entrevistei, estive também, para falar sobre ele, com Afonso Arinos de Melo Franco, seu amigo de vida inteira, e o ex-senador me contou que Nava, certa vez, o demovera da ideia de matar-se. Saiu levando a arma - cuja lembrança, um ano mais tarde, me veio instantaneamente, ao saber do suicídio. (Mas não, não foi com o trabuco de Afonso Arinos que Pedro Nava escoiceou as têmporas, e sim com um Taurus calibre 32, comprado em 1980.)
A revelação de que o escritor se matou porque estava sendo chantageado por um garoto de programa - circunstância que a imprensa descobriu no ato, mas sobre a qual silenciou por anos, até que Zuenir Ventura escancarasse aquele mau momento do nosso jornalismo num memorável capítulo de Minhas Histórias dos Outros - veio jogar luzes sobre a trajetória de Nava rumo a um silêncio sem apelo.
Quem conhece a extraordinária sensualidade de sua prosa pode se indagar se o memorialista, ao desfiá-la, não enveredou, ou se viu arrastado, por aquele "desregramento sistemático de todos os sentidos", capaz, disse Arthur Rimbaud, de fazer do poeta um vidente. Não é descabido imaginar que Nava, ao se contar, tenha se aproximado por demais de algo que havia nele desde sempre, muito bem guardado, e que por inconfessável não deveria subir à tona, mas que ainda assim foi emergindo, inelutavelmente, até se converter, chegado à superfície, na fogueira que o consumiria.
Nos quatro primeiros volumes de suas memórias - Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro e Beira-Mar -, Pedro Nava está na primeira pessoa. A partir de Galo-das-Trevas, em que as sombras já estão no título, ele se refugia num alter ego, José Egon Barros da Cunha, protagonista também do sexto volume, O Círio Perfeito e das poucas páginas de Cera das Almas, em que trabalhava quando se matou.
Nas linhas finais de O Círio Perfeito, Nava chegou à beira de uma radical revelação: ao descobrir que o Egon flagrara, certa madrugada, seus amores masculinos, o misterioso e fascinante amigo Comendador entrega os pontos - e se dispõe a contar: "Agora escuta". Cera das Almas não retoma a narrativa nesse ponto, mas não tarda a enveredar pela descrição naturalista de um corpo de macho em que arde "a arrogância floral dos genitais".
Penso na sugestão crepuscular dos títulos dos três últimos livros: um candelabro cujas 13 velas vão se apagando uma a uma, um círio integralmente consumido e aquilo que restou de sua combustão. Com ou sem revelação, pareciam fechar-se os horizontes: difícil supor que depois disso algo estivesse por vir - embora as memórias mal houvessem entrado na década de 30, faltando ainda meio século para o momento em que eram escritas. Físico ou literário, ou ambos, era o silêncio final a se precipitar.
RIQUEZA ABENÇOADA - MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 21/07
Líder da igreja Sara Nossa Terra, Robson Rodovalho lança livro sobre dinheiro e física quântica e aposta que o Brasil ainda terá um presidente evangélico
"O DINHEIRO & VOCÊ" --o título do livro aparece assim mesmo, em maiúsculas. A capa é ilustrada com notas de R$ 50 e R$ 100, pilhas de moedas e o nome do autor: bispo Robson Rodovalho, 57.
"Descubra os segredos espirituais, emocionais e práticos para adquirir riquezas", ele promete na publicação, lançada na Feira Internacional Cristã, da Geo Eventos, empresa da Globo. Rodovalho esteve lá na quarta e posou ao lado do pastor Silas Malafaia, com quem agitou uma manifestação em Brasília, "pela vida", em junho.
O líder da igreja neopentecostal Sara Nossa Terra conta que, ao "estudar a origem do dinheiro", percebeu que lidava com "um bem que já tramitava no meio dos anjos, [pois] Lúcifer tinha, antes da queda, algum tipo de comércio".
Bandeja na mão, uma secretária entra com cafezinhos na sala onde ele conversa com Anna Virginia Balloussier, na sede da igreja. Ainda é cedo, e o prédio de dois andares (mais subsolo) na rua Augusta (lado Jardins), em São Paulo, está fechado com aquelas portas de aço típicas de algum tipo de comércio.
As salas são separadas por divisórias beges. Dentro de uma delas, Rodovalho diz ter uma "visão administrativa" para a igreja. "Apliquei um princípio de gestão moderno."
A Sara ficou conhecida no começo dos anos 2000 por atrair famosos como Baby do Brasil, Monique Evans, Leila Lopes e Rodolfo, ex-vocalista da banda Raimundos (todos já fora da igreja; Leila, morta em 2009). Mais recentemente, já foram a cultos a atriz Deborah Secco, Ana Cláudia Rocha (mulher do empresário Flávio Rocha, da Riachuelo) e Letícia Weber, namorada de Aécio Neves.
O líder atribui o sucesso nas classes A e B a uma "identificação natural com o traço intelectual" de sua congregação. "Os afins se atraem, né?" Ele se apresenta como "professor, físico e empresário" --bispo, só "de coração".
Não vê a atividade como profissão. Por isso, diz, não dá salário (só ajuda de custo, de R$ 1.500 a R$ 5.000) para os cerca de 3.500 pastores, "todos com curso universitário", que atendem nas 1.050 unidades da Sara no Brasil.
O bispo também está na crista da onda quântica. Físico formado pela Universidade Federal de Goiás, ele põe fé na ciência e lançou, no começo do mês, um livro para defender que espiritualidade e pensamento científico frequentem o mesmo lado do balcão.
Em duas horas de conversa, ele fala com intimidade de Albert Einstein e usa termos como "postulados de Planck" (físico que inaugurou a quântica, em 1900) para fenômenos associados à religião. Já ensinou a disciplina na Universidade Federal de Goiás. Os alunos, conta, não estranhavam. "Viram que você pode ser pastor sem ter uma cabeça dogmática."
Está com paletó preto (aberto), blusa branca por baixo (gola e punho se destacam) e sapato de couro marrom. Comparado a outras lideranças, Rodovalho é mais diplomático e discreto. Não fez os confessos implantes de cabelo de Malafaia nem usa chapéu de vaqueiro como o apóstolo Valdemiro Santiago --tampouco parece inatingível como o bispo Edir Macedo.
As bandeiras, contudo, são as mesmas. Ele defende "os direitos civis", mas critica o casamento gay ("não se muda o que é natural, mulher foi feita para procriar com o esperma do homem"). E acha que o projeto de lei 122, de combate à homofobia, "era extremamente discriminatório" ao proibir pregações antigays nas igrejas.
"Falei mês passado, num seminário conduzido por Jean Wyllys [deputado federal que defende os direitos dos homossexuais], a uma plateia só de gays: Gente, vocês têm liberdade graças a um país cristão, tolerante. Agradeçam ao cristianismo, base da democracia'."
Como outros evangélicos, também aponta preconceito na forma como a imprensa lida com o dízimo. "Acho que são mais guerras de segmentos. A mídia não é inocente, está a serviço do capital."
No site da Sara Nossa Terra, a animação de uma abelha com sardas e bochecha rosada convida: "Clique aqui para doar" (mínimo de R$ 30).
Ao lado de sua mesa está uma intocada caixinha com água de coco industrializada. Antes, fosse vodca ou água de coco, tanto fazia para o jovem Rodovalho, filho e neto de plantadores de soja "de médio porte" em Anápolis (GO), onde nasceu.
Numa pós-hippie "vida de adolescente, de gente perdida, sem orientação", consumia de tudo um pouco. "Maconha, muito álcool... A gente fazia chá de cogumelo." Coloca duas colheres de açúcar em seu chá atual --hortelã--, servido numa xícara branca com desenho de flor, e segue: "Andava com um revólver, calibre 38, na cintura".
Um dia, ainda na adolescência, a tragédia. Estava caçando com outro rapaz, espingarda na mão. "A arma disparou, o pai dele estava atrás, o tiro pegou nele." O homem morreu. Não houve processo legal. Mas Rodovalho sentiu "muito desespero" e pouco conforto na religião da mãe, espírita (na fazenda eram frequentes rituais com sacrifício de aves e bodes). Aos 15 anos, ingressou na Igreja Presbiteriana. "A única coisa que eu sabia é que era muito bom ler a Bíblia e muito gostoso orar. Ah, não precisava de droga, de bebida, de nada."
Há 21 anos, mudou-se para Brasília e fundou a Sara Nossa Terra --hoje liderada por ele e pela mulher, a bispa Maria Lúcia. Eles têm três filhos e cinco netos.
Foi deputado federal, pelo DEM. Apresentou projetos solicitando da criação do Dia do Bombeiro à proibição do uso de documentos psicografados como prova judicial. Aprovou leis como a que permite o uso da Lei Rouanet para a música gospel.
Seu gabinete em Brasília, todo de vidro, chamou a atenção do deputado Clodovil. Imita o colega, morto em 2009: "Rodovalho, você é o único que me dá atenção". Após "uma decepção forte", ele diz ter desistido da vida parlamentar. Apoiou a eleição de Dilma Rousseff "porque o país foi dirigido pela direita a vida inteira". E responde que, sim, um dia o Brasil terá um presidente evangélico. "É natural, né?"
Hoje se dedica à carreira artística --ele é cantor gospel, tem rádios e uma rede de TV, a Gênesis. É intérprete de canções como "Fogo e Paixão". Enquanto Wando falava de "raio, estrela e luar", o pop de Rodovalho homenageia Jesus, "raio de alegria que veio me encontrar". A família vive entre Brasília e o apartamento de Perdizes, em SP.
Em 2012, fechou contrato com a Som Livre, gravadora da Globo, e visitou o Projac com uma trupe de pastores, escoltado por Amauri Soares, então coordenador dos projetos especiais da emissora. Acompanhou a gravação da novela "Salve Jorge".
"No final dessa novela, mandaram um torpedinho pra mim: O último capítulo tem uma surpresa'." Uma das vilãs se redimiu virando evangélica, assim como a Carminha em "Avenida Brasil".
Antes, "quando [a Globo] se lembrava de evangélicos, era sempre caricatura de outro mundo, uma pessoa muito fanática, meio ET".
"Falei a uma plateia só de gays: 'Gente, vocês têm liberdade graças a um país cristão, tolerante. Agradeçam ao cristianismo, base da democracia'"
Líder da igreja Sara Nossa Terra, Robson Rodovalho lança livro sobre dinheiro e física quântica e aposta que o Brasil ainda terá um presidente evangélico
"O DINHEIRO & VOCÊ" --o título do livro aparece assim mesmo, em maiúsculas. A capa é ilustrada com notas de R$ 50 e R$ 100, pilhas de moedas e o nome do autor: bispo Robson Rodovalho, 57.
"Descubra os segredos espirituais, emocionais e práticos para adquirir riquezas", ele promete na publicação, lançada na Feira Internacional Cristã, da Geo Eventos, empresa da Globo. Rodovalho esteve lá na quarta e posou ao lado do pastor Silas Malafaia, com quem agitou uma manifestação em Brasília, "pela vida", em junho.
O líder da igreja neopentecostal Sara Nossa Terra conta que, ao "estudar a origem do dinheiro", percebeu que lidava com "um bem que já tramitava no meio dos anjos, [pois] Lúcifer tinha, antes da queda, algum tipo de comércio".
Bandeja na mão, uma secretária entra com cafezinhos na sala onde ele conversa com Anna Virginia Balloussier, na sede da igreja. Ainda é cedo, e o prédio de dois andares (mais subsolo) na rua Augusta (lado Jardins), em São Paulo, está fechado com aquelas portas de aço típicas de algum tipo de comércio.
As salas são separadas por divisórias beges. Dentro de uma delas, Rodovalho diz ter uma "visão administrativa" para a igreja. "Apliquei um princípio de gestão moderno."
A Sara ficou conhecida no começo dos anos 2000 por atrair famosos como Baby do Brasil, Monique Evans, Leila Lopes e Rodolfo, ex-vocalista da banda Raimundos (todos já fora da igreja; Leila, morta em 2009). Mais recentemente, já foram a cultos a atriz Deborah Secco, Ana Cláudia Rocha (mulher do empresário Flávio Rocha, da Riachuelo) e Letícia Weber, namorada de Aécio Neves.
O líder atribui o sucesso nas classes A e B a uma "identificação natural com o traço intelectual" de sua congregação. "Os afins se atraem, né?" Ele se apresenta como "professor, físico e empresário" --bispo, só "de coração".
Não vê a atividade como profissão. Por isso, diz, não dá salário (só ajuda de custo, de R$ 1.500 a R$ 5.000) para os cerca de 3.500 pastores, "todos com curso universitário", que atendem nas 1.050 unidades da Sara no Brasil.
O bispo também está na crista da onda quântica. Físico formado pela Universidade Federal de Goiás, ele põe fé na ciência e lançou, no começo do mês, um livro para defender que espiritualidade e pensamento científico frequentem o mesmo lado do balcão.
Em duas horas de conversa, ele fala com intimidade de Albert Einstein e usa termos como "postulados de Planck" (físico que inaugurou a quântica, em 1900) para fenômenos associados à religião. Já ensinou a disciplina na Universidade Federal de Goiás. Os alunos, conta, não estranhavam. "Viram que você pode ser pastor sem ter uma cabeça dogmática."
Está com paletó preto (aberto), blusa branca por baixo (gola e punho se destacam) e sapato de couro marrom. Comparado a outras lideranças, Rodovalho é mais diplomático e discreto. Não fez os confessos implantes de cabelo de Malafaia nem usa chapéu de vaqueiro como o apóstolo Valdemiro Santiago --tampouco parece inatingível como o bispo Edir Macedo.
As bandeiras, contudo, são as mesmas. Ele defende "os direitos civis", mas critica o casamento gay ("não se muda o que é natural, mulher foi feita para procriar com o esperma do homem"). E acha que o projeto de lei 122, de combate à homofobia, "era extremamente discriminatório" ao proibir pregações antigays nas igrejas.
"Falei mês passado, num seminário conduzido por Jean Wyllys [deputado federal que defende os direitos dos homossexuais], a uma plateia só de gays: Gente, vocês têm liberdade graças a um país cristão, tolerante. Agradeçam ao cristianismo, base da democracia'."
Como outros evangélicos, também aponta preconceito na forma como a imprensa lida com o dízimo. "Acho que são mais guerras de segmentos. A mídia não é inocente, está a serviço do capital."
No site da Sara Nossa Terra, a animação de uma abelha com sardas e bochecha rosada convida: "Clique aqui para doar" (mínimo de R$ 30).
Ao lado de sua mesa está uma intocada caixinha com água de coco industrializada. Antes, fosse vodca ou água de coco, tanto fazia para o jovem Rodovalho, filho e neto de plantadores de soja "de médio porte" em Anápolis (GO), onde nasceu.
Numa pós-hippie "vida de adolescente, de gente perdida, sem orientação", consumia de tudo um pouco. "Maconha, muito álcool... A gente fazia chá de cogumelo." Coloca duas colheres de açúcar em seu chá atual --hortelã--, servido numa xícara branca com desenho de flor, e segue: "Andava com um revólver, calibre 38, na cintura".
Um dia, ainda na adolescência, a tragédia. Estava caçando com outro rapaz, espingarda na mão. "A arma disparou, o pai dele estava atrás, o tiro pegou nele." O homem morreu. Não houve processo legal. Mas Rodovalho sentiu "muito desespero" e pouco conforto na religião da mãe, espírita (na fazenda eram frequentes rituais com sacrifício de aves e bodes). Aos 15 anos, ingressou na Igreja Presbiteriana. "A única coisa que eu sabia é que era muito bom ler a Bíblia e muito gostoso orar. Ah, não precisava de droga, de bebida, de nada."
Há 21 anos, mudou-se para Brasília e fundou a Sara Nossa Terra --hoje liderada por ele e pela mulher, a bispa Maria Lúcia. Eles têm três filhos e cinco netos.
Foi deputado federal, pelo DEM. Apresentou projetos solicitando da criação do Dia do Bombeiro à proibição do uso de documentos psicografados como prova judicial. Aprovou leis como a que permite o uso da Lei Rouanet para a música gospel.
Seu gabinete em Brasília, todo de vidro, chamou a atenção do deputado Clodovil. Imita o colega, morto em 2009: "Rodovalho, você é o único que me dá atenção". Após "uma decepção forte", ele diz ter desistido da vida parlamentar. Apoiou a eleição de Dilma Rousseff "porque o país foi dirigido pela direita a vida inteira". E responde que, sim, um dia o Brasil terá um presidente evangélico. "É natural, né?"
Hoje se dedica à carreira artística --ele é cantor gospel, tem rádios e uma rede de TV, a Gênesis. É intérprete de canções como "Fogo e Paixão". Enquanto Wando falava de "raio, estrela e luar", o pop de Rodovalho homenageia Jesus, "raio de alegria que veio me encontrar". A família vive entre Brasília e o apartamento de Perdizes, em SP.
Em 2012, fechou contrato com a Som Livre, gravadora da Globo, e visitou o Projac com uma trupe de pastores, escoltado por Amauri Soares, então coordenador dos projetos especiais da emissora. Acompanhou a gravação da novela "Salve Jorge".
"No final dessa novela, mandaram um torpedinho pra mim: O último capítulo tem uma surpresa'." Uma das vilãs se redimiu virando evangélica, assim como a Carminha em "Avenida Brasil".
Antes, "quando [a Globo] se lembrava de evangélicos, era sempre caricatura de outro mundo, uma pessoa muito fanática, meio ET".
"Falei a uma plateia só de gays: 'Gente, vocês têm liberdade graças a um país cristão, tolerante. Agradeçam ao cristianismo, base da democracia'"
Refém do imobilismo - JOÃO BOSCO RABELLO
O Estado de S.Paulo - 21/07
A recente pesquisa Ibope/Estadão, confirmando a estagnação na casa dos 30% dos índices de aprovação da presidente Dilma Rousseff, indica a dificuldade de recuperação do governo após os protestos de rua, principalmente por já incluir as primeiras reações do Planalto às manifestações.
E, ainda que não represente diagnóstico definitivo, revela o imobilismo do governo ante a crise econômica e política.
É a terceira consulta desde a eclosão das manifestações populares e, por mais cautela que se aplique a avaliações de momento, a conduta errática do governo alimenta a percepção de desorientação e não cria expectativas favoráveis de reversão em curto prazo.
Leilões de rodovias e terminais portuários, licitações internacionais de petróleo e do trem-bala e entrega de moradias populares, com as quais acena o Planalto, não comovem por já integrarem a pauta original do governo, além de configurarem meras promessas de melhoria.
Não haveria, em princípio, razões para se duvidar da capacidade do governo em resgatar parte do patrimônio eleitoral perdido, dada a condição natural do poder que detém para produzir fatos positivos, influenciar o noticiário e orientar a relação com seus parceiros políticos.
No entanto, o caminho escolhido até agora não é o que leva a essa possibilidade. O governo parece decidido a insistir na linha de propostas controversas, de alto teor polêmico, das quais são exemplos o plebiscito imediato da reforma política e a reforma na área da medicina, ambas conduzidas de forma unilateral, em guerra aberta com o Legislativo e as corporações médicas.
A mesma linha impositiva, agora já sem o respaldo político que os altos índices de aprovação antes permitiam, é aplicada ao Congresso Nacional, provocando mais reação na própria base aliada do que na oposição.
Parte disso se explica pela antecipação da campanha eleitoral de 2014, que acirrou o conflito entre os dois maiores partidos de sustentação do governo, mas a própria iniciativa de se lançar à reeleição dois anos antes já revelava a fragilidade da candidatura Dilma dentro do próprio PT, que ensaiava o movimento pela volta do ex-presidente Lula.
O mesmo PT que agora se ressente com a ausência da presidente na reunião de seu diretório nacional, conflagrado por uma crise sem precedentes no partido, dividido pela proposta de "plebiscito já", como revela a deposição do deputado Cândido Vaccarezza (SP) da condução do projeto de reforma.
O PMDB, por seu turno, faz uso pleno e intenso do comando das duas Casas do Congresso para impor à presidente e ao rival, PT, suas condições para garantir a estabilidade do governo.
A recente pesquisa Ibope/Estadão, confirmando a estagnação na casa dos 30% dos índices de aprovação da presidente Dilma Rousseff, indica a dificuldade de recuperação do governo após os protestos de rua, principalmente por já incluir as primeiras reações do Planalto às manifestações.
E, ainda que não represente diagnóstico definitivo, revela o imobilismo do governo ante a crise econômica e política.
É a terceira consulta desde a eclosão das manifestações populares e, por mais cautela que se aplique a avaliações de momento, a conduta errática do governo alimenta a percepção de desorientação e não cria expectativas favoráveis de reversão em curto prazo.
Leilões de rodovias e terminais portuários, licitações internacionais de petróleo e do trem-bala e entrega de moradias populares, com as quais acena o Planalto, não comovem por já integrarem a pauta original do governo, além de configurarem meras promessas de melhoria.
Não haveria, em princípio, razões para se duvidar da capacidade do governo em resgatar parte do patrimônio eleitoral perdido, dada a condição natural do poder que detém para produzir fatos positivos, influenciar o noticiário e orientar a relação com seus parceiros políticos.
No entanto, o caminho escolhido até agora não é o que leva a essa possibilidade. O governo parece decidido a insistir na linha de propostas controversas, de alto teor polêmico, das quais são exemplos o plebiscito imediato da reforma política e a reforma na área da medicina, ambas conduzidas de forma unilateral, em guerra aberta com o Legislativo e as corporações médicas.
A mesma linha impositiva, agora já sem o respaldo político que os altos índices de aprovação antes permitiam, é aplicada ao Congresso Nacional, provocando mais reação na própria base aliada do que na oposição.
Parte disso se explica pela antecipação da campanha eleitoral de 2014, que acirrou o conflito entre os dois maiores partidos de sustentação do governo, mas a própria iniciativa de se lançar à reeleição dois anos antes já revelava a fragilidade da candidatura Dilma dentro do próprio PT, que ensaiava o movimento pela volta do ex-presidente Lula.
O mesmo PT que agora se ressente com a ausência da presidente na reunião de seu diretório nacional, conflagrado por uma crise sem precedentes no partido, dividido pela proposta de "plebiscito já", como revela a deposição do deputado Cândido Vaccarezza (SP) da condução do projeto de reforma.
O PMDB, por seu turno, faz uso pleno e intenso do comando das duas Casas do Congresso para impor à presidente e ao rival, PT, suas condições para garantir a estabilidade do governo.
Verdades e mentiras - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 21/07
Fora, o Atlético-MG não pressiona como no estilo Galo Doido, nem joga no estilo Galo Prudente
Assim como não foi surpresa mais uma derrota do Atlético-MG fora de casa, por dois gols de diferença, não será também se o Galo for campeão.
Fora, a equipe não joga no estilo Galo Doido, pressionando. Nem recua para fechar os espaços, em um estilo mais prudente, mais racional. Havia enormes espaços entre os setores, como nos jogos anteriores fora de casa.
Existem muitos chavões no futebol que continuam atuais, outros não têm mais nada a ver com a realidade, e alguns são discutíveis. Ao tirar Ronaldinho, que fazia péssima partida, Cuca contrariou um dos lugares-comuns. O de que o craque do time não deve sair, porque, em um lance, pode decidir a partida.
Um chavão que continua atual, e que me parece óbvio, é o de que há várias maneiras de vencer e de perder. Outro é que nem sempre o time que joga bem vence e o que joga mal perde. Mesmo assim, muitos jornalistas e treinadores adoram achar uma única explicação para os resultados. É o pensamento operatório.
Nesta semana escutei, mais uma vez, que a seleção jogou bem e ganhou a Copa das Confederações porque Felipão escalou um típico centroavante. O importante não foi ter um típico centroavante, e sim um ótimo centroavante, Fred.
Muito mais decisivas que o estilo de um jogador e de uma equipe são as virtudes do jogador e da equipe. Depois que passou a ser ameaçado por Jô e criticado, por atuar muito estático, Fred se movimentou mais e fez mais gols. Se continuar assim, será muito melhor.
O Brasil jogou bem e venceu por inúmeros fatores. Se a seleção brasileira, mesmo sem Fred, atuasse como nas últimas partidas, sob o comando de Mano Menezes, com Neymar, Hulk, Kaká e Oscar mais adiantados, provavelmente teria jogado bem e vencido.
Todo time precisa de um centroavante, o que não significa que tenha de ser, obrigatoriamente, alto, forte, estático e só para fazer gols. Messi não é um falso centroavante. É o centroavante do Barcelona, por jogar mais adiantado e pelo centro.
Treinadores e jornalistas costumam também dar muita importância a detalhes, fatos que têm pouca ou nenhuma importância.
A moda é dizer que o vestiário é sagrado, uma metáfora da união do grupo, e que há treinadores que dominam e outros que não dominam o vestiário. Quando o time vence, o técnico domina. Quando perde, o técnico não domina. Obviamente, é importante a preleção de um treinador antes de uma partida, que pode ser feita no hotel ou no vestiário.
Outro lugar-comum é dizer que o futebol é simples. Um esporte que depende também do acaso e dos imprevistos não pode ser reduzido a frases feitas, a verdades e mentiras, que servem para um momento e não servem para outro.
O futebol é muito complexo. Nós é que tentamos simplificá-lo ao querer explicar o inexplicável.
Fora, o Atlético-MG não pressiona como no estilo Galo Doido, nem joga no estilo Galo Prudente
Assim como não foi surpresa mais uma derrota do Atlético-MG fora de casa, por dois gols de diferença, não será também se o Galo for campeão.
Fora, a equipe não joga no estilo Galo Doido, pressionando. Nem recua para fechar os espaços, em um estilo mais prudente, mais racional. Havia enormes espaços entre os setores, como nos jogos anteriores fora de casa.
Existem muitos chavões no futebol que continuam atuais, outros não têm mais nada a ver com a realidade, e alguns são discutíveis. Ao tirar Ronaldinho, que fazia péssima partida, Cuca contrariou um dos lugares-comuns. O de que o craque do time não deve sair, porque, em um lance, pode decidir a partida.
Um chavão que continua atual, e que me parece óbvio, é o de que há várias maneiras de vencer e de perder. Outro é que nem sempre o time que joga bem vence e o que joga mal perde. Mesmo assim, muitos jornalistas e treinadores adoram achar uma única explicação para os resultados. É o pensamento operatório.
Nesta semana escutei, mais uma vez, que a seleção jogou bem e ganhou a Copa das Confederações porque Felipão escalou um típico centroavante. O importante não foi ter um típico centroavante, e sim um ótimo centroavante, Fred.
Muito mais decisivas que o estilo de um jogador e de uma equipe são as virtudes do jogador e da equipe. Depois que passou a ser ameaçado por Jô e criticado, por atuar muito estático, Fred se movimentou mais e fez mais gols. Se continuar assim, será muito melhor.
O Brasil jogou bem e venceu por inúmeros fatores. Se a seleção brasileira, mesmo sem Fred, atuasse como nas últimas partidas, sob o comando de Mano Menezes, com Neymar, Hulk, Kaká e Oscar mais adiantados, provavelmente teria jogado bem e vencido.
Todo time precisa de um centroavante, o que não significa que tenha de ser, obrigatoriamente, alto, forte, estático e só para fazer gols. Messi não é um falso centroavante. É o centroavante do Barcelona, por jogar mais adiantado e pelo centro.
Treinadores e jornalistas costumam também dar muita importância a detalhes, fatos que têm pouca ou nenhuma importância.
A moda é dizer que o vestiário é sagrado, uma metáfora da união do grupo, e que há treinadores que dominam e outros que não dominam o vestiário. Quando o time vence, o técnico domina. Quando perde, o técnico não domina. Obviamente, é importante a preleção de um treinador antes de uma partida, que pode ser feita no hotel ou no vestiário.
Outro lugar-comum é dizer que o futebol é simples. Um esporte que depende também do acaso e dos imprevistos não pode ser reduzido a frases feitas, a verdades e mentiras, que servem para um momento e não servem para outro.
O futebol é muito complexo. Nós é que tentamos simplificá-lo ao querer explicar o inexplicável.
Sinal amarelo para a dívida brasileira - ALEXA SALOMÃO
O Estado de S.Paulo - 21/07
Apesar de a dívida pública líquida estar em queda, a bruta voltou a subir, indicando que o País não pode se abster da austeridade fiscal
Há dois anos, a dívida pública era tratada como um problema do passado. Agora, bancos e consultorias têm se dedicado à produção de textos para a sua análise. Não há a menor chance de o Brasil dar o calote neste momento, mas, para muitos economistas, a dívida entrou numa trajetória desconfortável e a sua gestão precisa ser aperfeiçoada o mais rápido possível.
No Brasil, tornou-se praxe acompanhar o desempenho da dívida líquida (não financeira), que mostra os débitos e os créditos do setor público. A dívida líquida do País caiu cerca de 0,7 ponto porcentual, para 34,8% do PIB, em maio. Em dezembro de 2012, estava em 35,2%. Quando se olha para ela, o Brasil está no melhor dos momentos.
O mesmo não pode ser dito sobre a dívida bruta do governo geral, que soma o endividamento (em títulos e bancário), interno e externo, dos governos federal, estaduais e municipais. Depois de cair ao longo da década passada, embicou e aumentou 6,2 pontos porcentuais de 2010 para cá. Em maio, subiu 0,2 ponto porcentual e atingiu o patamar de 59,6% do PIB.
As trajetórias opostas das dívidas criam o efeito conhecido como "boca de jacaré" e contrariam a lógica. O esperado é que as dívidas líquida e bruta sigam a mesma trajetória. Para quem acompanha as finanças públicas, a distorção ocorre porque a dívida bruta registra efeitos colaterais de medidas do governo consideradas polêmicas.
Pouco mais de 16 pontos porcentuais da dívida bruta correspondem à aquisição de reservas internacionais. A primeira vista, esse parece um custo razoável, já que mais reservas fortalecem o caixa do governo para enfrentar momentos de crise e de alta do dólar, como o que ocorre agora. "O problema é que boa parte dos dólares não foi adquirida porque o governo queria elevar as reservas, mas para controlar a taxa de câmbio", diz o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria. "O Brasil tinha reservas suficientes e, se não houvesse a obsessão por depreciar o câmbio, a dívida não estaria em alta."
O questionamento tem uma razão financeira. A compra de dólares para formar reservas resulta numa operação onerosa e só vale a pena se for mesmo por uma causa importante. O processo funciona assim: o Banco Central compra os dólares usando reais. Mais reais no mercado, porém, alimentam a inflação. Para tirar esses reais de circulação, o BC troca a moeda por títulos públicos, com o compromisso de desfazer a troca no futuro. No jargão do mercado, esse processo se chama operação compromissada. Os dólares retirados do mercado são usados para comprar títulos públicos do governo americano, por exemplo, que pagam juros baixos e formam as reservas. Os títulos brasileiros vão pagar juros bem maiores. O diferencial das taxas de juros pesa nas contas públicas. "Temos a acumulação de ativos que rendem pouco (as reservas) e passivos que custam muito caro (operações compromissadas)", diz Salto.
A dívida bruta também foi impulsionada por outra prática do governo muito criticada: as operações de financiamento do Tesouro a bancos públicos, em especial para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES). Hoje, quase 9 pontos porcentuais da dívida bruta são fruto desses repasses. Em 2007, esse item tinha impacto zero sobre a dívida.
Desconfiança. O atípico comportamento da dívida pública acabou por atrair a desconfiança dos investidores e analistas em relação à gestão das contas públicas e à solvência do Brasil no médio prazo. O comportamento da dívida contribuiu para que a agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P)colocasse em observação, com tendência de baixa, a nota do País, que hoje é grau de investimento (nota que indica que o risco de investir no Brasil é relativamente pequeno).
"Não esperamos que o Brasil tenha problemas com a dívida no curto espaço de tempo, caso contrário, o País não teria a nota que tem", diz Sebastián Briozzo, diretor e analista da S&P responsável pelos relatórios sobre o Brasil. "Mas a perspectiva negativa da nota do Brasil pode ser interpretada como um sinal amarelo para a dívida pública do País."
Segundo Briozzo, o primeiro problema é que a dívida ainda é alta, principalmente quando comparada a outros países emergentes. Para se comparar a dívida bruta entre países, o melhor critério é o do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Pelos parâmetros do fundo, em dezembro a dívida bruta do Brasil estava em 68,5% do PIB. Era a terceira maior entre os países emergentes analisados (atrás apenas de Egito, Jordânia e Hungria). Entre os países do Bric, superou a da Índia, de 66,8%, e se tornou a maior do bloco. Para o FMI, a dívida bruta de um país emergente deve ficar na casa dos 40% do PIB.
Custo alto. A outra questão que chama a atenção é o fato de a dívida ser cara, porque o Brasil tem uma taxa de juro ainda alta. O pagamento de juros da dívida consome cerca de 12% do orçamento anual do governo, quando em outros países essa participação oscila em 7% e nunca passa de 10% do orçamento. "A prudência fiscal ao longo de 15 anos é uma credencial importante para o Brasil e precisa ser preservada", diz Briozzo.
Ter o grau de investimento rebaixado ou perder o grau de investimento no atual momento da economia internacional só agravaria o cenário no Brasil, ao menos no curto prazo. Grandes fundos de pensão, que só podem colocar dinheiro em países com grau de investimento, teriam de deixar o País. Os investidores, que já estão migrando para os Estados Unidos de olho na sua recuperação, teriam um motivo a mais para buscar outros mercados. E a falta de investimento estrangeiro é maléfica para o Brasil. "O Brasil tem uma poupança interna muito baixa e o seu crescimento depende de capital externo", diz Salto. "Se tiver dificuldade para atrair recursos internacionais, vai crescer menos, o que vai piorar o perfil da dívida."
Apesar de a dívida pública líquida estar em queda, a bruta voltou a subir, indicando que o País não pode se abster da austeridade fiscal
Há dois anos, a dívida pública era tratada como um problema do passado. Agora, bancos e consultorias têm se dedicado à produção de textos para a sua análise. Não há a menor chance de o Brasil dar o calote neste momento, mas, para muitos economistas, a dívida entrou numa trajetória desconfortável e a sua gestão precisa ser aperfeiçoada o mais rápido possível.
No Brasil, tornou-se praxe acompanhar o desempenho da dívida líquida (não financeira), que mostra os débitos e os créditos do setor público. A dívida líquida do País caiu cerca de 0,7 ponto porcentual, para 34,8% do PIB, em maio. Em dezembro de 2012, estava em 35,2%. Quando se olha para ela, o Brasil está no melhor dos momentos.
O mesmo não pode ser dito sobre a dívida bruta do governo geral, que soma o endividamento (em títulos e bancário), interno e externo, dos governos federal, estaduais e municipais. Depois de cair ao longo da década passada, embicou e aumentou 6,2 pontos porcentuais de 2010 para cá. Em maio, subiu 0,2 ponto porcentual e atingiu o patamar de 59,6% do PIB.
As trajetórias opostas das dívidas criam o efeito conhecido como "boca de jacaré" e contrariam a lógica. O esperado é que as dívidas líquida e bruta sigam a mesma trajetória. Para quem acompanha as finanças públicas, a distorção ocorre porque a dívida bruta registra efeitos colaterais de medidas do governo consideradas polêmicas.
Pouco mais de 16 pontos porcentuais da dívida bruta correspondem à aquisição de reservas internacionais. A primeira vista, esse parece um custo razoável, já que mais reservas fortalecem o caixa do governo para enfrentar momentos de crise e de alta do dólar, como o que ocorre agora. "O problema é que boa parte dos dólares não foi adquirida porque o governo queria elevar as reservas, mas para controlar a taxa de câmbio", diz o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria. "O Brasil tinha reservas suficientes e, se não houvesse a obsessão por depreciar o câmbio, a dívida não estaria em alta."
O questionamento tem uma razão financeira. A compra de dólares para formar reservas resulta numa operação onerosa e só vale a pena se for mesmo por uma causa importante. O processo funciona assim: o Banco Central compra os dólares usando reais. Mais reais no mercado, porém, alimentam a inflação. Para tirar esses reais de circulação, o BC troca a moeda por títulos públicos, com o compromisso de desfazer a troca no futuro. No jargão do mercado, esse processo se chama operação compromissada. Os dólares retirados do mercado são usados para comprar títulos públicos do governo americano, por exemplo, que pagam juros baixos e formam as reservas. Os títulos brasileiros vão pagar juros bem maiores. O diferencial das taxas de juros pesa nas contas públicas. "Temos a acumulação de ativos que rendem pouco (as reservas) e passivos que custam muito caro (operações compromissadas)", diz Salto.
A dívida bruta também foi impulsionada por outra prática do governo muito criticada: as operações de financiamento do Tesouro a bancos públicos, em especial para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES). Hoje, quase 9 pontos porcentuais da dívida bruta são fruto desses repasses. Em 2007, esse item tinha impacto zero sobre a dívida.
Desconfiança. O atípico comportamento da dívida pública acabou por atrair a desconfiança dos investidores e analistas em relação à gestão das contas públicas e à solvência do Brasil no médio prazo. O comportamento da dívida contribuiu para que a agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P)colocasse em observação, com tendência de baixa, a nota do País, que hoje é grau de investimento (nota que indica que o risco de investir no Brasil é relativamente pequeno).
"Não esperamos que o Brasil tenha problemas com a dívida no curto espaço de tempo, caso contrário, o País não teria a nota que tem", diz Sebastián Briozzo, diretor e analista da S&P responsável pelos relatórios sobre o Brasil. "Mas a perspectiva negativa da nota do Brasil pode ser interpretada como um sinal amarelo para a dívida pública do País."
Segundo Briozzo, o primeiro problema é que a dívida ainda é alta, principalmente quando comparada a outros países emergentes. Para se comparar a dívida bruta entre países, o melhor critério é o do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Pelos parâmetros do fundo, em dezembro a dívida bruta do Brasil estava em 68,5% do PIB. Era a terceira maior entre os países emergentes analisados (atrás apenas de Egito, Jordânia e Hungria). Entre os países do Bric, superou a da Índia, de 66,8%, e se tornou a maior do bloco. Para o FMI, a dívida bruta de um país emergente deve ficar na casa dos 40% do PIB.
Custo alto. A outra questão que chama a atenção é o fato de a dívida ser cara, porque o Brasil tem uma taxa de juro ainda alta. O pagamento de juros da dívida consome cerca de 12% do orçamento anual do governo, quando em outros países essa participação oscila em 7% e nunca passa de 10% do orçamento. "A prudência fiscal ao longo de 15 anos é uma credencial importante para o Brasil e precisa ser preservada", diz Briozzo.
Ter o grau de investimento rebaixado ou perder o grau de investimento no atual momento da economia internacional só agravaria o cenário no Brasil, ao menos no curto prazo. Grandes fundos de pensão, que só podem colocar dinheiro em países com grau de investimento, teriam de deixar o País. Os investidores, que já estão migrando para os Estados Unidos de olho na sua recuperação, teriam um motivo a mais para buscar outros mercados. E a falta de investimento estrangeiro é maléfica para o Brasil. "O Brasil tem uma poupança interna muito baixa e o seu crescimento depende de capital externo", diz Salto. "Se tiver dificuldade para atrair recursos internacionais, vai crescer menos, o que vai piorar o perfil da dívida."
Tempo celeste - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 21/07
Descoberta de 'relógio' primitivo pode mudar a história e mostrar relação mais antiga entre homem e os céus
grosso modo, existem duas eras que caracterizam a existência de humanos na Terra: primeiro, a dos caçadores-coletores, grupos nômades que peregrinavam por grandes áreas em busca de comida e abrigo. Depois, a que chamamos de "civilização", produto da fixação de populações em torno de áreas cultiváveis, presumivelmente a partir dos natufianos, cerca de 10 mil anos antes de Cristo, na área onde hoje estão Israel e Jordânia.
Essas determinações dependem crucialmente de artefatos achados em escavações arqueológicas. É possível que outras áreas existissem onde a agricultura fosse cultivada antes disso e que ainda não foram descobertas. Essa é uma característica básica das ciências ditas históricas, onde o que num momento é o "primeiro" pode ser suplantado por novos achados.
Dado o que sabemos, ou sabíamos, havia uma outra distinção essencial entre os caçadores-coletores e as primeiras civilizações. Na transição de uma era para outra surgiu uma preocupação com a passagem do tempo que levou à elaboração de meios que tornassem possível sua determinação: "relógios" primitivos que marcassem a regularidade dos ciclos naturais.
Certamente, os caçadores-coletores sabiam da passagem dos dias, das fases da Lua, das estações do ano, todos esses fenômenos que ligavam a Terra aos céus. Sabiam também, e temiam, fenômenos não regulares como eclipses, cometas e chuvas de meteoros. Era claro que existiam padrões de ordem e de desordem nos céus, cuja compreensão ia muito além dos poderes humanos (até bem mais tarde, quando a ciência entra em cena).
A divinização dos céus --que se tornam a morada dos deuses-- foi de certa forma uma tentativa de estabelecer algum tipo de controle sobre o que era incontrolável, com o intuito de preservar o grupo contra forças naturais implacáveis e misteriosas.
Porém, dado o caráter nômade dos caçadores-coletores, não se sabia que tinham já não só uma preocupação com a passagem do tempo, mas meios de marcá-la. Essa foi a revelação surpreendente de pesquisadores da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, que descobriram o mais antigo "relógio" celeste, criado aproximadamente 10 mil anos atrás.
Doze pedras imitando as várias fases da Lua, num arco de cerca de 50 metros. No centro, uma pedra de dois metros de diâmetro marca a Lua cheia. Curiosamente, o arranjo é alinhado com o Sol nascente no meio do solstício de inverno da época, o que dava aos arquitetos a chance de recalibrar seu calendário lunar com o ano solar. Arqueólogos encontraram evidências de que as pedras foram mudadas de lugar durante milhares de anos.
O achado muda nosso modo de pensar sobre os caçadores-coletores, que obviamente eram bem mais sofisticados do que imaginávamos. Nessa região da Escócia, migrações de animais ocorriam com regularidade, e prevê-las era garantia de comida. Usar os céus para fazê-lo mostrava um conhecimento astronômico bem anterior ao das civilizações do Oriente Médio. E é a prova de um início formal da história ainda antes da agricultura, forjado por uma profunda ligação entre o homem e os céus.
Descoberta de 'relógio' primitivo pode mudar a história e mostrar relação mais antiga entre homem e os céus
grosso modo, existem duas eras que caracterizam a existência de humanos na Terra: primeiro, a dos caçadores-coletores, grupos nômades que peregrinavam por grandes áreas em busca de comida e abrigo. Depois, a que chamamos de "civilização", produto da fixação de populações em torno de áreas cultiváveis, presumivelmente a partir dos natufianos, cerca de 10 mil anos antes de Cristo, na área onde hoje estão Israel e Jordânia.
Essas determinações dependem crucialmente de artefatos achados em escavações arqueológicas. É possível que outras áreas existissem onde a agricultura fosse cultivada antes disso e que ainda não foram descobertas. Essa é uma característica básica das ciências ditas históricas, onde o que num momento é o "primeiro" pode ser suplantado por novos achados.
Dado o que sabemos, ou sabíamos, havia uma outra distinção essencial entre os caçadores-coletores e as primeiras civilizações. Na transição de uma era para outra surgiu uma preocupação com a passagem do tempo que levou à elaboração de meios que tornassem possível sua determinação: "relógios" primitivos que marcassem a regularidade dos ciclos naturais.
Certamente, os caçadores-coletores sabiam da passagem dos dias, das fases da Lua, das estações do ano, todos esses fenômenos que ligavam a Terra aos céus. Sabiam também, e temiam, fenômenos não regulares como eclipses, cometas e chuvas de meteoros. Era claro que existiam padrões de ordem e de desordem nos céus, cuja compreensão ia muito além dos poderes humanos (até bem mais tarde, quando a ciência entra em cena).
A divinização dos céus --que se tornam a morada dos deuses-- foi de certa forma uma tentativa de estabelecer algum tipo de controle sobre o que era incontrolável, com o intuito de preservar o grupo contra forças naturais implacáveis e misteriosas.
Porém, dado o caráter nômade dos caçadores-coletores, não se sabia que tinham já não só uma preocupação com a passagem do tempo, mas meios de marcá-la. Essa foi a revelação surpreendente de pesquisadores da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, que descobriram o mais antigo "relógio" celeste, criado aproximadamente 10 mil anos atrás.
Doze pedras imitando as várias fases da Lua, num arco de cerca de 50 metros. No centro, uma pedra de dois metros de diâmetro marca a Lua cheia. Curiosamente, o arranjo é alinhado com o Sol nascente no meio do solstício de inverno da época, o que dava aos arquitetos a chance de recalibrar seu calendário lunar com o ano solar. Arqueólogos encontraram evidências de que as pedras foram mudadas de lugar durante milhares de anos.
O achado muda nosso modo de pensar sobre os caçadores-coletores, que obviamente eram bem mais sofisticados do que imaginávamos. Nessa região da Escócia, migrações de animais ocorriam com regularidade, e prevê-las era garantia de comida. Usar os céus para fazê-lo mostrava um conhecimento astronômico bem anterior ao das civilizações do Oriente Médio. E é a prova de um início formal da história ainda antes da agricultura, forjado por uma profunda ligação entre o homem e os céus.
O fim de uma era - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O Estado de S.Paulo - 21/07
Estamos vivendo o final de uma era. Vários fatores, externos e internos, se conjugam para isso. Vejamos os mais relevantes:
1) Fim do crescimento acelerado da China: como todos nós sabemos, a China passa por um delicado rebalanceamento de sua economia, onde a nova liderança política pretende reduzir o peso do investimento como fator líder do crescimento, em benefício da elevação do consumo. Este é relativamente baixo, pois é estimado como sendo da ordem de 35% do PIB. Existem outros aspectos importantes desta política, como um esforço para elevar o conteúdo tecnológico das exportações, mas o fato é que o melhor resultado que se pode esperar para este ano é um crescimento de 7,5%. Olhando mais adiante, o PIB irá se expandir a uma taxa ainda inferior a essa. Mesmo ressalvando que a demanda de alimentos e de petróleo continuará a crescer de forma rápida, os ganhos de renda via preços de exportação de commodities serão menores, afetando negativamente o Brasil.
2) Fim do período de juros internacionais muito baixos: como todos sabem, o Banco Central americano vem sinalizando uma suave reversão da política monetária expansionista. Com isso, o juro de mercado dos papéis longos já subiu algo como 600 pontos. Este movimento e a volta do crescimento mais robusto em 2014 estão levando a uma valorização da moeda americana e a uma alteração nos fluxos de capitais na direção daquele país. Assim, o custo de capital para o Brasil tende a se elevar. Também nossa política comercial externa mostrará mais uma de suas fragilidades, qual seja, o fato de ter abandonado há dez anos qualquer esforço para elevar a penetração de produtos brasileiros no maior mercado do mundo, algo que é parte da explicação de porque nossas exportações estão enfraquecendo rapidamente.
3) Fim do crescimento rápido da nossa demanda interna: como se sabe, a partir de 2010 a demanda das famílias começou a enfraquecer, o que hoje é visível a olho nu. Não se repetirão mais a velocidade da inclusão de novas famílias no mercado de consumo (não existem outros 13 milhões de domicílios que possam receber o Bolsa Família), a bancarização acelerada de novos clientes e a existência de baixos níveis de endividamento. Ao contrário, o elevado comprometimento de renda com prestações é hoje uma limitação à expansão rápida do consumo. É por isso que todos os esforços governamentais para bombar a demanda têm tido resultados pífios.
4) Fim da folga fiscal: a arrecadação vai se elevar muito mais lentamente, tornando mais difícil financiar novos gastos, elevações reais do salário mínimo e novas concessões de benefícios fiscais.
5) Fim do período de crescimento rápido do PIB: no período 2011 / 2013, o crescimento do PIB será inferior a 2%. Isso não acontece por acaso. Já se discutiu à exaustão que ou as condições de oferta melhoram e, junto com elas, nossa competitividade, ou uma boa parte do modesto crescimento da demanda vai vazar para o exterior, na forma de maior importação. Pelo menos dois fatores estão se transformando num obstáculo intransponível para se atingir crescimento mais robusto. Falo aqui do custo total da mão de obra e da carga tributária. O custo do trabalho não para de aumentar (salários, encargos e outros dispêndios) e não tem qualquer ligação mais sistemática com a elevação da produtividade. E este é um processo ainda em curso, pois, como já mostrou José Pastore, a legislação trabalhista não para de criar novos gastos por todos os tipos de razão, e isto sem considerar a nova pauta sindical, onde se inclui a demanda da semana de 40 horas de trabalho, que será discutida neste semestre.
Simultaneamente, a complexidade de nossos tributos está atingindo limites insuportáveis para as companhias. Não se trata apenas do tamanho da carga, mas da insanidade da mudança cotidiana de regras dos mais diversos tipos de impostos (PIS/Cofins e ICMS, especialmente). Se estes dois fatores não forem adequadamente encaminhados, nossos custos de produção jamais se tornarão de novo minimamente competitivos. Ao mesmo tempo, é sonho imaginar que uma megadesvalorização cambial magicamente resolve esses problemas, sem ser dissipada por uma forte inflação.
6) Fim do novo experimento de campeões nacionais: este fenômeno já vinha se delineando desde o colapso dos grupos Independência e Bertin, do caso LBR e outras dificuldades. Entretanto, a derrocada do Grupo X ilustra o ponto de forma definitiva. Embora o ajuste ainda não tenha terminado, é certo que o conglomerado das seis empresas não existirá mais como tal. A empresa de energia (MPX) terá outro controlador, os dois portos, que são bons ativos, deverão ter continuidade com outra organização empresarial. É nebuloso o futuro dos ativos ligados ao petróleo.
Mesmo no melhor cenário, as perdas resultantes deste processo serão muito expressivas. Por exemplo, se tomarmos o preço das ações das seis empresas abertas, nas datas das respectivas operações, e colocarmos os valores em dólar e compararmos com os preços do último dia onze, chegaremos a uma perda do mercado da ordem de US$ 12 bilhões. A OGX e a OSX tinham colocado no mercado externo bônus da ordem de US$ 4,1 bilhões, sendo que o mais líquido deles está hoje sendo negociado a 16 centavos por dólar. Muitas dívidas bancárias estão sendo renegociadas, processo que está longe de seu final. Entretanto, é certo que o volume de provisão que o sistema terá de fazer será considerável. É fácil antever que o mercado de crédito ficará ainda mais seletivo. Outros credores e fornecedores também estão sendo afetados.
A forte deterioração das expectativas e o desarranjo político atual tem, em parte, a ver com a percepção dessas tendências.
Estamos realmente no final de uma era, especialmente de uma era onde o marketing é mais importante que os fatos, onde o discurso é que estamos a um passo do paraíso, enfim, do nunca antes neste País. Vai ser preciso trabalhar muito para voltar a crescer.
Estamos vivendo o final de uma era. Vários fatores, externos e internos, se conjugam para isso. Vejamos os mais relevantes:
1) Fim do crescimento acelerado da China: como todos nós sabemos, a China passa por um delicado rebalanceamento de sua economia, onde a nova liderança política pretende reduzir o peso do investimento como fator líder do crescimento, em benefício da elevação do consumo. Este é relativamente baixo, pois é estimado como sendo da ordem de 35% do PIB. Existem outros aspectos importantes desta política, como um esforço para elevar o conteúdo tecnológico das exportações, mas o fato é que o melhor resultado que se pode esperar para este ano é um crescimento de 7,5%. Olhando mais adiante, o PIB irá se expandir a uma taxa ainda inferior a essa. Mesmo ressalvando que a demanda de alimentos e de petróleo continuará a crescer de forma rápida, os ganhos de renda via preços de exportação de commodities serão menores, afetando negativamente o Brasil.
2) Fim do período de juros internacionais muito baixos: como todos sabem, o Banco Central americano vem sinalizando uma suave reversão da política monetária expansionista. Com isso, o juro de mercado dos papéis longos já subiu algo como 600 pontos. Este movimento e a volta do crescimento mais robusto em 2014 estão levando a uma valorização da moeda americana e a uma alteração nos fluxos de capitais na direção daquele país. Assim, o custo de capital para o Brasil tende a se elevar. Também nossa política comercial externa mostrará mais uma de suas fragilidades, qual seja, o fato de ter abandonado há dez anos qualquer esforço para elevar a penetração de produtos brasileiros no maior mercado do mundo, algo que é parte da explicação de porque nossas exportações estão enfraquecendo rapidamente.
3) Fim do crescimento rápido da nossa demanda interna: como se sabe, a partir de 2010 a demanda das famílias começou a enfraquecer, o que hoje é visível a olho nu. Não se repetirão mais a velocidade da inclusão de novas famílias no mercado de consumo (não existem outros 13 milhões de domicílios que possam receber o Bolsa Família), a bancarização acelerada de novos clientes e a existência de baixos níveis de endividamento. Ao contrário, o elevado comprometimento de renda com prestações é hoje uma limitação à expansão rápida do consumo. É por isso que todos os esforços governamentais para bombar a demanda têm tido resultados pífios.
4) Fim da folga fiscal: a arrecadação vai se elevar muito mais lentamente, tornando mais difícil financiar novos gastos, elevações reais do salário mínimo e novas concessões de benefícios fiscais.
5) Fim do período de crescimento rápido do PIB: no período 2011 / 2013, o crescimento do PIB será inferior a 2%. Isso não acontece por acaso. Já se discutiu à exaustão que ou as condições de oferta melhoram e, junto com elas, nossa competitividade, ou uma boa parte do modesto crescimento da demanda vai vazar para o exterior, na forma de maior importação. Pelo menos dois fatores estão se transformando num obstáculo intransponível para se atingir crescimento mais robusto. Falo aqui do custo total da mão de obra e da carga tributária. O custo do trabalho não para de aumentar (salários, encargos e outros dispêndios) e não tem qualquer ligação mais sistemática com a elevação da produtividade. E este é um processo ainda em curso, pois, como já mostrou José Pastore, a legislação trabalhista não para de criar novos gastos por todos os tipos de razão, e isto sem considerar a nova pauta sindical, onde se inclui a demanda da semana de 40 horas de trabalho, que será discutida neste semestre.
Simultaneamente, a complexidade de nossos tributos está atingindo limites insuportáveis para as companhias. Não se trata apenas do tamanho da carga, mas da insanidade da mudança cotidiana de regras dos mais diversos tipos de impostos (PIS/Cofins e ICMS, especialmente). Se estes dois fatores não forem adequadamente encaminhados, nossos custos de produção jamais se tornarão de novo minimamente competitivos. Ao mesmo tempo, é sonho imaginar que uma megadesvalorização cambial magicamente resolve esses problemas, sem ser dissipada por uma forte inflação.
6) Fim do novo experimento de campeões nacionais: este fenômeno já vinha se delineando desde o colapso dos grupos Independência e Bertin, do caso LBR e outras dificuldades. Entretanto, a derrocada do Grupo X ilustra o ponto de forma definitiva. Embora o ajuste ainda não tenha terminado, é certo que o conglomerado das seis empresas não existirá mais como tal. A empresa de energia (MPX) terá outro controlador, os dois portos, que são bons ativos, deverão ter continuidade com outra organização empresarial. É nebuloso o futuro dos ativos ligados ao petróleo.
Mesmo no melhor cenário, as perdas resultantes deste processo serão muito expressivas. Por exemplo, se tomarmos o preço das ações das seis empresas abertas, nas datas das respectivas operações, e colocarmos os valores em dólar e compararmos com os preços do último dia onze, chegaremos a uma perda do mercado da ordem de US$ 12 bilhões. A OGX e a OSX tinham colocado no mercado externo bônus da ordem de US$ 4,1 bilhões, sendo que o mais líquido deles está hoje sendo negociado a 16 centavos por dólar. Muitas dívidas bancárias estão sendo renegociadas, processo que está longe de seu final. Entretanto, é certo que o volume de provisão que o sistema terá de fazer será considerável. É fácil antever que o mercado de crédito ficará ainda mais seletivo. Outros credores e fornecedores também estão sendo afetados.
A forte deterioração das expectativas e o desarranjo político atual tem, em parte, a ver com a percepção dessas tendências.
Estamos realmente no final de uma era, especialmente de uma era onde o marketing é mais importante que os fatos, onde o discurso é que estamos a um passo do paraíso, enfim, do nunca antes neste País. Vai ser preciso trabalhar muito para voltar a crescer.
Manter a clientela - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 21/07
A presidente Dilma, segundo um de seus ministros, não está disposta a fundir ou cortar ministérios, como sugere o PMDB. O governo avalia que não faz muita diferença do ponto de vista do custeio. E, o que é pior, abriria contenciosos com setores da opinião pública que têm peso nos movimentos sociais, como mulheres, negros, direitos humanos e pequenos produtores rurais.
A massa na rua e as eleições
Os deputados de todos os partidos estão mais preocupados do que de costume com as eleições de 2014. Os protestos ocorridos no Brasil são a razão de tanta inquietude. Normalmente, a renovação na Câmara é de cerca de 50%. Mais ou menos 25% disputam outros cargos, ou largam a política, e outros 25% saem derrotados do pleito. Agora, ninguém sabe o que vai acontecer. Nem se a renovação será ainda maior que de costume. A única certeza que eles têm, é que a insegurança deve ampliar bastante os gastos com a campanha. São muitos os que temem ser derrotados pelo espírito das ruas, sobretudo nos grandes centros onde os eleitores tendem a ter mais informação.
A renovação vem aí
Nunca foi tão propício para novatos estrearem na política como em 2014. Depois da onda de protestos, o discurso está pronto: "Nunca fui político. Não sou dessa turma. Não tenho nada a ver com isso. Venho para consertar e sanear".
“Mesmo com toda esta queda, este momento de inflexão de Dilma é maior do que o ponto mais baixo de Lula (28%) e de FHC (13%)”
João Santana
Jornalista, responsável pelo marketing da presidente Dilma
Mesma frequência
O Papa Francisco num de seus pronunciamentos, durante a Jornada Mundial da Juventude, relata um interlocutor junto à CNBB, mencionará as recentes mobilizações no Brasil. Sua visão é que este clamor, que tomou às ruas do país, é expressão da 'política com P maiúsculo'. O Papa é favorável ao diálogo da religião com a política.
Versatilidade
A presidente Dilma costuma despachar todos os dias com o general José Elito (GSI) dentro do elevador, no percurso que vai da garagem até a porta do seu gabinete, no terceiro andar.
Rebeldia premiada
Está tudo caminhando para que o baiano Fábio Motta assuma a Secretaria Executiva do Ministério do Turismo. Seria uma forma de contemplar o grupo do vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Geddel Vieira Lima.
Entre perdas e ganhos
Os estrategistas políticos do Planalto e do PT estão fazendo balanço minucioso das mobilizações que tomaram conta do país. A principal conclusão que chegaram “é que não há nenhum líder da oposição ou partido que seja capaz de catalizar e encarnar a revolta popular”. Por conta desta avaliação, consideram que “a recomposição da presidente Dilma é mais fácil”.
No espaço vazio
Diante do fato de que os ministros Alexandre Padilha e Aloizio Mercadante não devem disputar o governo de São Paulo, petistas estão colocando na mesa o nome de Marta Suplicy (Cultura).
Na MP do Mais Médicos, o governo não faz questão de aprovar o estágio obrigatório de dois anos no SUS. E vai usar esse item da proposta como concessão.
A presidente Dilma, segundo um de seus ministros, não está disposta a fundir ou cortar ministérios, como sugere o PMDB. O governo avalia que não faz muita diferença do ponto de vista do custeio. E, o que é pior, abriria contenciosos com setores da opinião pública que têm peso nos movimentos sociais, como mulheres, negros, direitos humanos e pequenos produtores rurais.
A massa na rua e as eleições
Os deputados de todos os partidos estão mais preocupados do que de costume com as eleições de 2014. Os protestos ocorridos no Brasil são a razão de tanta inquietude. Normalmente, a renovação na Câmara é de cerca de 50%. Mais ou menos 25% disputam outros cargos, ou largam a política, e outros 25% saem derrotados do pleito. Agora, ninguém sabe o que vai acontecer. Nem se a renovação será ainda maior que de costume. A única certeza que eles têm, é que a insegurança deve ampliar bastante os gastos com a campanha. São muitos os que temem ser derrotados pelo espírito das ruas, sobretudo nos grandes centros onde os eleitores tendem a ter mais informação.
A renovação vem aí
Nunca foi tão propício para novatos estrearem na política como em 2014. Depois da onda de protestos, o discurso está pronto: "Nunca fui político. Não sou dessa turma. Não tenho nada a ver com isso. Venho para consertar e sanear".
“Mesmo com toda esta queda, este momento de inflexão de Dilma é maior do que o ponto mais baixo de Lula (28%) e de FHC (13%)”
João Santana
Jornalista, responsável pelo marketing da presidente Dilma
Mesma frequência
O Papa Francisco num de seus pronunciamentos, durante a Jornada Mundial da Juventude, relata um interlocutor junto à CNBB, mencionará as recentes mobilizações no Brasil. Sua visão é que este clamor, que tomou às ruas do país, é expressão da 'política com P maiúsculo'. O Papa é favorável ao diálogo da religião com a política.
Versatilidade
A presidente Dilma costuma despachar todos os dias com o general José Elito (GSI) dentro do elevador, no percurso que vai da garagem até a porta do seu gabinete, no terceiro andar.
Rebeldia premiada
Está tudo caminhando para que o baiano Fábio Motta assuma a Secretaria Executiva do Ministério do Turismo. Seria uma forma de contemplar o grupo do vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Geddel Vieira Lima.
Entre perdas e ganhos
Os estrategistas políticos do Planalto e do PT estão fazendo balanço minucioso das mobilizações que tomaram conta do país. A principal conclusão que chegaram “é que não há nenhum líder da oposição ou partido que seja capaz de catalizar e encarnar a revolta popular”. Por conta desta avaliação, consideram que “a recomposição da presidente Dilma é mais fácil”.
No espaço vazio
Diante do fato de que os ministros Alexandre Padilha e Aloizio Mercadante não devem disputar o governo de São Paulo, petistas estão colocando na mesa o nome de Marta Suplicy (Cultura).
Na MP do Mais Médicos, o governo não faz questão de aprovar o estágio obrigatório de dois anos no SUS. E vai usar esse item da proposta como concessão.
Pororoca - LUIZ CARLOS AZEDO
CORREIO BRAZILIENSE - 21/07
Em empate técnico com a presidente Dilma Rousseff (35% de intenções de votos) num eventual segundo turno das eleições de 2014, Marina Silva (34%) “metabolizou” o descontentamento geral da garotada que foi às ruas. Não pretende, porém, forçar a barra para encorpar o seu partido, a Rede Sustentabilidade, ainda em formação, com uma campanha de filiação em massa desses jovens. Avalia que o rio escolhe o caminho quando corre para o mar.
Deus é mais
A visita do papa Francisco, durante a Jornada Mundial da Juventude, promete ser um ponto fora da curva nas manifestações do Rio de Janeiro, palco de constantes protestos e de muitos atos de vandalismo. Organizada pela Arquidiocese do Rio de Janeiro, com apoio de 10 mil homens das Forças Armadas, deve reunir centenas de milhares de católicos, a maioria jovens, mas corre o risco de motivar contestações de desfecho imprevisível.
O Palácio do Planalto fez o que pôde para tentar reduzir a margem de risco em relação à visita, diante dos últimos acontecimentos no estado. O papa Francisco, porém, insistiu em percorrer o Centro da cidade em carro aberto, para ter mais contato com o povo.
A atitude é coerente com os discursos que vem fazendo em prol da renovação da Igreja. Também não se poderia esperar outra coisa de um jesuíta, cuja ordem, a Companhia de Jesus, liderada no Brasil por Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, foi, em grande parte, responsável pelo sucesso da colonização do nosso território pelos portugueses.
Políticos
O ponto crítico da visita do papa Francisco será amanhã à tarde, na Avenida Borges de Medeiros, em Laranjeiras, onde se localiza o Palácio Guanabara. A recepção organizada pelo governador Sérgio Cabral, do PMDB, ocasião em que o papa se encontrará com a presidente Dilma Rousseff, promete reunir a elite política nacional, o que é um prato cheio para os manifestantes que há semanas tomam as ruas cariocas.
O roteiro
O papa Francisco passará por pontos quentes da cidade. O percurso começará na Base Aérea do Galeão, de onde seguirá, em carro fechado, até a Catedral Metropolitana de São Sebastião, no Centro. Nesse trecho, passará pelo Complexo da Maré. De papamóvel, em seu primeiro desfile pela cidade, percorrerá a Avenida República do Chile, a Avenida Rio Branco, a Rua Araújo Porto Alegre, a Avenida Graça Aranha, a Avenida Nilo Peçanha e, novamente, a Rio Branco, de onde seguirá até o Theatro Municipal, na Cinelândia, que é o coração político do Rio.
Pelo ar
A chegada ao Palácio Guanabara, porém, será de helicóptero. Francisco embarcará no Terceiro Comando Aéreo Regional (3º Comar), no Castelo, rumo a Laranjeiras, Zona Sul. A saída do papa para o Sumaré, onde ficará hospedado, provavelmente será de helicóptero.
Custo
O Comitê Organizador Local (COL) da Jornada Mundial da Juventude estima o custo total da organização do evento em R$ 350 milhões
Plebiscito
Apesar do recesso, o líder do PT na Câmara, José Guimarães (foto), do Ceará, não desistiu de colher 171 assinaturas para propor a convocação de um plebiscito sobre a reforma política. Também desautorizou o ex-líder do governo Cândido Vaccarezza (PT-SP) a falar em nome da legenda. Segundo Guimarães, quem representa o PT no grupo de trabalho que discute a reforma política é o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP). A nota foi motivada por declarações de Vaccarezza de que não há condições de fazer o plebiscito nos prazos constitucionais.
Não foi
Apesar de contemplado com duas indicações para importantes diretorias da área de Saúde do governo, o líder do PMDB no Senado, Eunício de Oliveira (CE), não acompanhou a presidente Dilma Rousseff na inauguração de uma estação de metrô de Fortaleza. Candidato ao governo do Ceará está em rota de colisão com o governador Cid Gomes (PSB), grande anfitrião da visita presidencial.
Mensalão
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, pretende reiniciar o julgamento do mensalão na segunda semana de agosto, com a apreciação dos recursos dos condenados na Ação Penal 470. Para acelerar o julgamento, proporá a realização de sessões às segundas-feiras.
Bombeiro
O ministro da Aviação Civil, Moreira Franco, descartou um rompimento entre a presidente Dilma Rousseff e o PMDB. “A maioria do partido tem responsabilidade”, garante. Moreira diverge do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que esticou a corda com o Palácio do Planalto.
Em empate técnico com a presidente Dilma Rousseff (35% de intenções de votos) num eventual segundo turno das eleições de 2014, Marina Silva (34%) “metabolizou” o descontentamento geral da garotada que foi às ruas. Não pretende, porém, forçar a barra para encorpar o seu partido, a Rede Sustentabilidade, ainda em formação, com uma campanha de filiação em massa desses jovens. Avalia que o rio escolhe o caminho quando corre para o mar.
Deus é mais
A visita do papa Francisco, durante a Jornada Mundial da Juventude, promete ser um ponto fora da curva nas manifestações do Rio de Janeiro, palco de constantes protestos e de muitos atos de vandalismo. Organizada pela Arquidiocese do Rio de Janeiro, com apoio de 10 mil homens das Forças Armadas, deve reunir centenas de milhares de católicos, a maioria jovens, mas corre o risco de motivar contestações de desfecho imprevisível.
O Palácio do Planalto fez o que pôde para tentar reduzir a margem de risco em relação à visita, diante dos últimos acontecimentos no estado. O papa Francisco, porém, insistiu em percorrer o Centro da cidade em carro aberto, para ter mais contato com o povo.
A atitude é coerente com os discursos que vem fazendo em prol da renovação da Igreja. Também não se poderia esperar outra coisa de um jesuíta, cuja ordem, a Companhia de Jesus, liderada no Brasil por Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, foi, em grande parte, responsável pelo sucesso da colonização do nosso território pelos portugueses.
Políticos
O ponto crítico da visita do papa Francisco será amanhã à tarde, na Avenida Borges de Medeiros, em Laranjeiras, onde se localiza o Palácio Guanabara. A recepção organizada pelo governador Sérgio Cabral, do PMDB, ocasião em que o papa se encontrará com a presidente Dilma Rousseff, promete reunir a elite política nacional, o que é um prato cheio para os manifestantes que há semanas tomam as ruas cariocas.
O roteiro
O papa Francisco passará por pontos quentes da cidade. O percurso começará na Base Aérea do Galeão, de onde seguirá, em carro fechado, até a Catedral Metropolitana de São Sebastião, no Centro. Nesse trecho, passará pelo Complexo da Maré. De papamóvel, em seu primeiro desfile pela cidade, percorrerá a Avenida República do Chile, a Avenida Rio Branco, a Rua Araújo Porto Alegre, a Avenida Graça Aranha, a Avenida Nilo Peçanha e, novamente, a Rio Branco, de onde seguirá até o Theatro Municipal, na Cinelândia, que é o coração político do Rio.
Pelo ar
A chegada ao Palácio Guanabara, porém, será de helicóptero. Francisco embarcará no Terceiro Comando Aéreo Regional (3º Comar), no Castelo, rumo a Laranjeiras, Zona Sul. A saída do papa para o Sumaré, onde ficará hospedado, provavelmente será de helicóptero.
Custo
O Comitê Organizador Local (COL) da Jornada Mundial da Juventude estima o custo total da organização do evento em R$ 350 milhões
Plebiscito
Apesar do recesso, o líder do PT na Câmara, José Guimarães (foto), do Ceará, não desistiu de colher 171 assinaturas para propor a convocação de um plebiscito sobre a reforma política. Também desautorizou o ex-líder do governo Cândido Vaccarezza (PT-SP) a falar em nome da legenda. Segundo Guimarães, quem representa o PT no grupo de trabalho que discute a reforma política é o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP). A nota foi motivada por declarações de Vaccarezza de que não há condições de fazer o plebiscito nos prazos constitucionais.
Não foi
Apesar de contemplado com duas indicações para importantes diretorias da área de Saúde do governo, o líder do PMDB no Senado, Eunício de Oliveira (CE), não acompanhou a presidente Dilma Rousseff na inauguração de uma estação de metrô de Fortaleza. Candidato ao governo do Ceará está em rota de colisão com o governador Cid Gomes (PSB), grande anfitrião da visita presidencial.
Mensalão
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, pretende reiniciar o julgamento do mensalão na segunda semana de agosto, com a apreciação dos recursos dos condenados na Ação Penal 470. Para acelerar o julgamento, proporá a realização de sessões às segundas-feiras.
Bombeiro
O ministro da Aviação Civil, Moreira Franco, descartou um rompimento entre a presidente Dilma Rousseff e o PMDB. “A maioria do partido tem responsabilidade”, garante. Moreira diverge do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que esticou a corda com o Palácio do Planalto.
Currículo na mesa - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 21/07
Enquanto Dilma Rousseff não bate o martelo sobre a reforma ministerial, que incluiria trocas nas Relações Institucionais e na Fazenda, um ex-ministro do governo Lula tem defendido junto ao ex-presidente o nome de Otaviano Canuto para a cadeira de Guido Mantega. Economista com carreira na Unicamp, ele trabalhou com Antonio Palocci na pasta, em 2003. Hoje, é consultor do Banco Mundial e visto como um nome apara "recuperar a credibilidade" do governo no mercado.
Dupla jornada Setores do PMDB defendem que, em vez de endossar o substituto de Ideli na coordenação política, o vice-presidente, Michel Temer, assuma diretamente as Relações Institucionais, para devolver o prestígio da pasta junto à base.
Roubada Aliados de Temer, no entanto, afirmam que, diferentemente da Defesa, que José Alencar acumulou quando era vice de Lula, com sucesso, a pasta de Ideli só traz desgastes ao titular.
Tropa de Elite Reclamando de "descaso" de José Eduardo Cardozo (Justiça) com as reivindicações da categoria, a Federação Nacional dos Policiais Federais vai realizar manifestação na terça-feira, no Rio, durante a visita do papa Francisco.
Mapa O Palácio do Planalto ainda insistia em mudar o local do encontro de Dilma e do governador Sérgio Cabral com o papa. O Palácio Guanabara é considerado muito vulnerável.
Vapt-vupt Setores do governo sugeriram que a audiência oficial com o papa acontecesse na própria base aérea do Galeão, logo após o desembarque de Francisco.
Sai da rua Se em 2005 houve corrida de políticos brasileiros para ir aos funerais de João Paulo 2º, parlamentares e governantes adotam postura discreta na vinda de Francisco. "Não há clima para ser papagaio de pirata'', admite um senador.
Livre Embora publicamente mantenha o discurso de apoio a Dilma, Gilberto Kassab já diz a interlocutores que, se a eleição fosse hoje, o PSD ficaria independente na disputa presidencial. Seria a melhor forma de eleger uma grande bancada de deputados --sua prioridade.
Próximos... Apesar de correr o risco de perder o apoio do PPS, Eduardo Campos (PSB) tem dito que apoia a filiação de José Serra ao partido de Roberto Freire para concorrer ao Palácio do Planalto em 2014.
... capítulos Para o pernambucano, a candidatura do ex-governador paulista dificultaria a entrada de Aécio Neves (PSDB) em São Paulo e daria à eleição ares de reprise da disputa entre Dilma, Serra e Marina Silva, o que favoreceria novos nomes.
Nova direção O PSDB vai aproveitar uma lista de e-mails de cabos eleitorais de Serra na campanha presidencial de 2010 para montar banco de apoio para a candidatura de Aécio na internet.
Copyright O nome Rede 45, usado em 2010, terá de ser mudado graças ao futuro partido de Marina Silva.
Negócios... Parentes de expoentes do PSDB paulista estão debandando do partido. No dia 25, o PTB nomeará como presidente do núcleo sindical Antonio Ramalho Júnior, filho do presidente de grupo similar tucano.
... à parte O genro do prefeito tucano de Praia Grande será candidato pelo PMDB em 2014. O irmão do prefeito de Cotia, do PSDB, deve disputar um cargo pelo PSC. A irmã do prefeito de Americana, também tucano, se aproximou do PC do B. E o irmão do prefeito de Taubaté, do PSDB, embarcou no PTB.
com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
tiroteio
"Se o PMDB está defendendo a redução de ministérios, a primeira coisa a fazer deveria ser devolver as pastas que ocupa."
DO LÍDER DO PMDB NO SENADO, EUNÍCIO OLIVEIRA (CE), que discorda da reforma proposta pelo presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN).
contraponto
Cancelando a assinatura
Uma semana depois de ser eleito papa, em 13 de março deste ano, Jorge Bergoglio telefonou de Roma para seu jornaleiro Daniel, na calle Bolivar, em Buenos Aires.
--Alô, Daniel, aqui fala o padre Jorge.
--Pare com isso, Mariano, deixe de ser cretino! --reagiu o jornaleiro, julgando ser trote de um amigo.
--Estou falando sério, é Jorge Bergoglio. Ligo para agradecer seu serviço todos esses anos e para pedir que não me envie mais o La Nación'. Lembranças à família!
O relato foi feito por Daniel ao jornalista Andrea Tornielli e consta do livro Francisco'', sobre o papa.
Enquanto Dilma Rousseff não bate o martelo sobre a reforma ministerial, que incluiria trocas nas Relações Institucionais e na Fazenda, um ex-ministro do governo Lula tem defendido junto ao ex-presidente o nome de Otaviano Canuto para a cadeira de Guido Mantega. Economista com carreira na Unicamp, ele trabalhou com Antonio Palocci na pasta, em 2003. Hoje, é consultor do Banco Mundial e visto como um nome apara "recuperar a credibilidade" do governo no mercado.
Dupla jornada Setores do PMDB defendem que, em vez de endossar o substituto de Ideli na coordenação política, o vice-presidente, Michel Temer, assuma diretamente as Relações Institucionais, para devolver o prestígio da pasta junto à base.
Roubada Aliados de Temer, no entanto, afirmam que, diferentemente da Defesa, que José Alencar acumulou quando era vice de Lula, com sucesso, a pasta de Ideli só traz desgastes ao titular.
Tropa de Elite Reclamando de "descaso" de José Eduardo Cardozo (Justiça) com as reivindicações da categoria, a Federação Nacional dos Policiais Federais vai realizar manifestação na terça-feira, no Rio, durante a visita do papa Francisco.
Mapa O Palácio do Planalto ainda insistia em mudar o local do encontro de Dilma e do governador Sérgio Cabral com o papa. O Palácio Guanabara é considerado muito vulnerável.
Vapt-vupt Setores do governo sugeriram que a audiência oficial com o papa acontecesse na própria base aérea do Galeão, logo após o desembarque de Francisco.
Sai da rua Se em 2005 houve corrida de políticos brasileiros para ir aos funerais de João Paulo 2º, parlamentares e governantes adotam postura discreta na vinda de Francisco. "Não há clima para ser papagaio de pirata'', admite um senador.
Livre Embora publicamente mantenha o discurso de apoio a Dilma, Gilberto Kassab já diz a interlocutores que, se a eleição fosse hoje, o PSD ficaria independente na disputa presidencial. Seria a melhor forma de eleger uma grande bancada de deputados --sua prioridade.
Próximos... Apesar de correr o risco de perder o apoio do PPS, Eduardo Campos (PSB) tem dito que apoia a filiação de José Serra ao partido de Roberto Freire para concorrer ao Palácio do Planalto em 2014.
... capítulos Para o pernambucano, a candidatura do ex-governador paulista dificultaria a entrada de Aécio Neves (PSDB) em São Paulo e daria à eleição ares de reprise da disputa entre Dilma, Serra e Marina Silva, o que favoreceria novos nomes.
Nova direção O PSDB vai aproveitar uma lista de e-mails de cabos eleitorais de Serra na campanha presidencial de 2010 para montar banco de apoio para a candidatura de Aécio na internet.
Copyright O nome Rede 45, usado em 2010, terá de ser mudado graças ao futuro partido de Marina Silva.
Negócios... Parentes de expoentes do PSDB paulista estão debandando do partido. No dia 25, o PTB nomeará como presidente do núcleo sindical Antonio Ramalho Júnior, filho do presidente de grupo similar tucano.
... à parte O genro do prefeito tucano de Praia Grande será candidato pelo PMDB em 2014. O irmão do prefeito de Cotia, do PSDB, deve disputar um cargo pelo PSC. A irmã do prefeito de Americana, também tucano, se aproximou do PC do B. E o irmão do prefeito de Taubaté, do PSDB, embarcou no PTB.
com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
tiroteio
"Se o PMDB está defendendo a redução de ministérios, a primeira coisa a fazer deveria ser devolver as pastas que ocupa."
DO LÍDER DO PMDB NO SENADO, EUNÍCIO OLIVEIRA (CE), que discorda da reforma proposta pelo presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN).
contraponto
Cancelando a assinatura
Uma semana depois de ser eleito papa, em 13 de março deste ano, Jorge Bergoglio telefonou de Roma para seu jornaleiro Daniel, na calle Bolivar, em Buenos Aires.
--Alô, Daniel, aqui fala o padre Jorge.
--Pare com isso, Mariano, deixe de ser cretino! --reagiu o jornaleiro, julgando ser trote de um amigo.
--Estou falando sério, é Jorge Bergoglio. Ligo para agradecer seu serviço todos esses anos e para pedir que não me envie mais o La Nación'. Lembranças à família!
O relato foi feito por Daniel ao jornalista Andrea Tornielli e consta do livro Francisco'', sobre o papa.
O fantasma da órfã - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O GLOBO - 21/07
A propalada truculência da presidente está virando folclore e em lugar de força, mais parece denunciar exasperação impotente
Atribuem ao presidente Kennedy a observação de que a vitória tem muitos pais, mas a derrota é órfã. Melancólica verdade, sobretudo na política, que sempre a confirma sem perdão, bastando ver como as mãos políticas que hoje afagam são as mesmas que ontem apedrejavam e vice-versa. Em nosso caso, temos ainda uma tradição de adesismo por que zelar, bem como a prevalência do Sonho Brasileiro, que é descolar uma mamata vitalícia em algum lugar do governo ou do estado, porque aqui governo e estado são a mesma coisa. Entra um governo novo e declara “o estado é nosso e só faz o que nós queremos”. Isso torna impossível a realização do sonho sem que o sonhador abandone o inditoso derrotado e passe para o lado do futuroso vencedor. Suponho que devemos encarar essas coisas com compreensão e até caridade, pois o pessoal está apenas querendo sobreviver e subir na vida, é natural.
Vários outros princípios e paradigmas de conduta estão também envolvidos na questão, entre os quais sobressai o “farinha pouca, meu pirão primeiro”, farol ético que parece nortear nossa formação coletiva, tal o vigor com que se evidencia no comportamento de nossos governantes. Às vezes penso que a frase devia constar de algum emblema nacional, é muito injusto que não receba o reconhecimento merecido. No momento, a farinha ainda não está propriamente pouca, mas há sempre os previdentes, que não querem deixar seu pirão aos cuidados do acaso. Melhor tratar de farejar os ares e descortinar por onde anda a temível assombração da derrota, para ir-se afastando dela quanto antes. Não sei se já começou a debandada, mas acho que pelo menos há alguns sinais dela, difusos nos noticiários e comentários políticos.
O moral do governo não parece andar muito alto. O saco de gatos dos ministérios é um espetáculo triste, desanimado, desarvorado e sem aparentar saber muito para onde ir, ou o que fazer. Ninguém — arrisco-me a dizer que nem mesmo a presidente — é capaz de lembrar todos os ministérios e muito menos todos os ministros. Sabe-se que muitos destes se esgueiram obscuramente pelos corredores e salas dos fundos do poder, sem sequer terem a chance de dar um bom-dia à presidente, quanto mais de despachar alguma coisa. Fica aquela pasmaceira, interrompida por momentos de falatório vago e repetitivo, que não prenunciam nada de importante. E há, seguramente, ministros que, se perguntados de surpresa, não saberão bem o que fazem suas pastas, acrescido o pormenor de que vários ministérios, ou grande parte deles, não fazem nada mesmo, a não ser dar despesa.
A reação às manifestações de rua mostrou um esforço atarantado para manter a aparência de calma, equilíbrio e controle da situação, quando era visível que não havia nada disso e estava todo mundo de olho arregalado e sem saber o que dizer ou, pior ainda, fazer. Comentou-se em toda parte que, como já teria acontecido antes com frequência, a presidente peregrinou ao ex-presidente, para saber dele como agir, porque ela mesma não fazia ideia, o que vem sublinhando a imagem de despreparo e insegurança mal articulada que ela cada vez mais projeta. Ouvidos também os vizires do momento, saiu do Planalto uma voz chocha e pouco inspiradora, naquele tom de professora repetindo uma aula decorada a contragosto e sem nenhum entusiasmo ou até confiança, propondo absurdos, tentando espertezas quase amadorísticas e, em última análise, mostrando a incompetência do esquema que a rodeia.
A tal governabilidade, que tanto mal tem produzido, tão pouco bem tem causado e nunca funcionou direito, servindo basicamente para o intricado jogo das nomeações, colocações, favores e outros objetivos dos nossos homens públicos, está cada vez mais caindo pelas tabelas. Todo dia um cai fora, outro proclama dissidência e independência, formam-se alas e subalas, o rebuliço surdinado é grande. A turma da base aliada, que sempre deu trabalho e aporrinhação e nunca agiu pelos belos olhos da nação, começa a enxergar um governo fraco e a querer distância dele, ainda mais com as ruas pressionando. A corte continua lá, o ex-presidente continua lá, mas é de se acreditar que, de agora em diante, a solidão da presidente vai agravar-se.
A inflação está voltando e as negativas e bravatas das autoridades não convencem, diante da realidade dos preços. As declarações otimistas do ministro da Fazenda são recebidas quase com deboche. O crescimento é minguado, e a economia cambaleia cada vez mais e o governo caracteriza seu comportamento por ações meramente conjunturais e pontuais, respondendo de forma superficial e casuística aos problemas que aparecem. Os índices de popularidade da presidente desabaram e mesmo um antes improvável segundo turno nas eleições já está sendo previsto. Até uma surpreendente vaia de prefeitos ela tomou em Brasília. Tudo isso com certeza provoca inquietude na alma e comichões nos pés de quem quer ficar longe da órfã derrota.
Para completar o quadro, o governo não dispõe de um Big Bang para apresentar, no encerramento destes seus quatro anos. Nenhuma grande obra, nenhum grande passo, nenhum grande marco. Inflação subindo, PIB baixando, educação alarmante, saúde escangalhada, infraestrutura desmantelada, transporte urbano infernal, segurança pública impotente, estrutura fiscal pervertida, ferrovia Norte-Sul em descalabro, transposição do São Francisco roubada e sucateada — nada a apresentar, nada a trombetear, nada a comemorar. A propalada truculência da presidente está virando folclore e em lugar de força, mais parece denunciar exasperação impotente. Cara de derrota para o governo e ninguém vai querer ser o pai dela. Mas receio que não terão dificuldade em apontar a mãe.
A propalada truculência da presidente está virando folclore e em lugar de força, mais parece denunciar exasperação impotente
Atribuem ao presidente Kennedy a observação de que a vitória tem muitos pais, mas a derrota é órfã. Melancólica verdade, sobretudo na política, que sempre a confirma sem perdão, bastando ver como as mãos políticas que hoje afagam são as mesmas que ontem apedrejavam e vice-versa. Em nosso caso, temos ainda uma tradição de adesismo por que zelar, bem como a prevalência do Sonho Brasileiro, que é descolar uma mamata vitalícia em algum lugar do governo ou do estado, porque aqui governo e estado são a mesma coisa. Entra um governo novo e declara “o estado é nosso e só faz o que nós queremos”. Isso torna impossível a realização do sonho sem que o sonhador abandone o inditoso derrotado e passe para o lado do futuroso vencedor. Suponho que devemos encarar essas coisas com compreensão e até caridade, pois o pessoal está apenas querendo sobreviver e subir na vida, é natural.
Vários outros princípios e paradigmas de conduta estão também envolvidos na questão, entre os quais sobressai o “farinha pouca, meu pirão primeiro”, farol ético que parece nortear nossa formação coletiva, tal o vigor com que se evidencia no comportamento de nossos governantes. Às vezes penso que a frase devia constar de algum emblema nacional, é muito injusto que não receba o reconhecimento merecido. No momento, a farinha ainda não está propriamente pouca, mas há sempre os previdentes, que não querem deixar seu pirão aos cuidados do acaso. Melhor tratar de farejar os ares e descortinar por onde anda a temível assombração da derrota, para ir-se afastando dela quanto antes. Não sei se já começou a debandada, mas acho que pelo menos há alguns sinais dela, difusos nos noticiários e comentários políticos.
O moral do governo não parece andar muito alto. O saco de gatos dos ministérios é um espetáculo triste, desanimado, desarvorado e sem aparentar saber muito para onde ir, ou o que fazer. Ninguém — arrisco-me a dizer que nem mesmo a presidente — é capaz de lembrar todos os ministérios e muito menos todos os ministros. Sabe-se que muitos destes se esgueiram obscuramente pelos corredores e salas dos fundos do poder, sem sequer terem a chance de dar um bom-dia à presidente, quanto mais de despachar alguma coisa. Fica aquela pasmaceira, interrompida por momentos de falatório vago e repetitivo, que não prenunciam nada de importante. E há, seguramente, ministros que, se perguntados de surpresa, não saberão bem o que fazem suas pastas, acrescido o pormenor de que vários ministérios, ou grande parte deles, não fazem nada mesmo, a não ser dar despesa.
A reação às manifestações de rua mostrou um esforço atarantado para manter a aparência de calma, equilíbrio e controle da situação, quando era visível que não havia nada disso e estava todo mundo de olho arregalado e sem saber o que dizer ou, pior ainda, fazer. Comentou-se em toda parte que, como já teria acontecido antes com frequência, a presidente peregrinou ao ex-presidente, para saber dele como agir, porque ela mesma não fazia ideia, o que vem sublinhando a imagem de despreparo e insegurança mal articulada que ela cada vez mais projeta. Ouvidos também os vizires do momento, saiu do Planalto uma voz chocha e pouco inspiradora, naquele tom de professora repetindo uma aula decorada a contragosto e sem nenhum entusiasmo ou até confiança, propondo absurdos, tentando espertezas quase amadorísticas e, em última análise, mostrando a incompetência do esquema que a rodeia.
A tal governabilidade, que tanto mal tem produzido, tão pouco bem tem causado e nunca funcionou direito, servindo basicamente para o intricado jogo das nomeações, colocações, favores e outros objetivos dos nossos homens públicos, está cada vez mais caindo pelas tabelas. Todo dia um cai fora, outro proclama dissidência e independência, formam-se alas e subalas, o rebuliço surdinado é grande. A turma da base aliada, que sempre deu trabalho e aporrinhação e nunca agiu pelos belos olhos da nação, começa a enxergar um governo fraco e a querer distância dele, ainda mais com as ruas pressionando. A corte continua lá, o ex-presidente continua lá, mas é de se acreditar que, de agora em diante, a solidão da presidente vai agravar-se.
A inflação está voltando e as negativas e bravatas das autoridades não convencem, diante da realidade dos preços. As declarações otimistas do ministro da Fazenda são recebidas quase com deboche. O crescimento é minguado, e a economia cambaleia cada vez mais e o governo caracteriza seu comportamento por ações meramente conjunturais e pontuais, respondendo de forma superficial e casuística aos problemas que aparecem. Os índices de popularidade da presidente desabaram e mesmo um antes improvável segundo turno nas eleições já está sendo previsto. Até uma surpreendente vaia de prefeitos ela tomou em Brasília. Tudo isso com certeza provoca inquietude na alma e comichões nos pés de quem quer ficar longe da órfã derrota.
Para completar o quadro, o governo não dispõe de um Big Bang para apresentar, no encerramento destes seus quatro anos. Nenhuma grande obra, nenhum grande passo, nenhum grande marco. Inflação subindo, PIB baixando, educação alarmante, saúde escangalhada, infraestrutura desmantelada, transporte urbano infernal, segurança pública impotente, estrutura fiscal pervertida, ferrovia Norte-Sul em descalabro, transposição do São Francisco roubada e sucateada — nada a apresentar, nada a trombetear, nada a comemorar. A propalada truculência da presidente está virando folclore e em lugar de força, mais parece denunciar exasperação impotente. Cara de derrota para o governo e ninguém vai querer ser o pai dela. Mas receio que não terão dificuldade em apontar a mãe.
Conversões - LUIS FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 21/07
A esquerda ainda existe, logo chateia. Ou chateia, logo existe
Ninguém é mais direitista do que um ex-esquerdista. Talvez porque a desilusão com as promessas nunca realizadas da esquerda se misture com a necessidade do novo direitista de exorcizar seu passado, de se autopunir pela sua ingenuidade. Para repudiar o que era, o ex-esquerdista precisa arrasar o que era. Como está também arrasando o seu passado, a sua juventude e o tempo que perdeu acreditando em coisas como igualdade, solidariedade e a redenção da humanidade, não admira que sua crítica à esquerda seja tão ácida. Está lamentando a si mesmo, o que só aumenta sua raiva.
O adágio, tão repetido, segundo o qual quem não é de esquerda até uma certa idade não tem coração e quem não é de direita depois não tem cérebro, equipara a migração da esquerda para a direita como uma conquista da sabedoria. Idealismo, crença em justiça social etc. seriam coisas que iríamos largando pelo caminho rumo à maturidade, junto com outras baboseiras juvenis. Não se tem notícia de uma migração ao contrário, de direitistas que voltam a ser esquerdistas, até como uma forma de recuperar a juventude. E esquerdistas que continuam esquerdistas apesar de já terem idade para se darem conta do engano são alvos prioritários do escárnio dos convertidos. Ainda têm coração, os inocentes.
Os neoconservadores que levaram a política externa americana a sucessivos desastres nos últimos anos têm este nome porque muitos deles foram trotskistas na juventude. Abandonaram o internacionalismo trotskista e inauguraram o ultranacionalismo do “século americano”, e continuam influentes, mesmo sob o governo do Obama. Os ex-trotskistas odeiam o que foram um dia, e seu conservadorismo ativo é uma forma de expiação. Caso notório de conversão foi a do escritor John dos Passos, ex-comunista e autor de alguns livros memoráveis de crítica social, que acabou seus dias quase como uma caricatura de direitista americano, com bandeira na frente da casa e tudo.
Para quem ainda se considera de esquerda, apesar das desilusões e de um coração combalido, o rancor dos convertidos tem seu lado positivo. Mostra que a esquerda ainda existe, logo chateia. Ou chateia, logo existe.
A esquerda ainda existe, logo chateia. Ou chateia, logo existe
Ninguém é mais direitista do que um ex-esquerdista. Talvez porque a desilusão com as promessas nunca realizadas da esquerda se misture com a necessidade do novo direitista de exorcizar seu passado, de se autopunir pela sua ingenuidade. Para repudiar o que era, o ex-esquerdista precisa arrasar o que era. Como está também arrasando o seu passado, a sua juventude e o tempo que perdeu acreditando em coisas como igualdade, solidariedade e a redenção da humanidade, não admira que sua crítica à esquerda seja tão ácida. Está lamentando a si mesmo, o que só aumenta sua raiva.
O adágio, tão repetido, segundo o qual quem não é de esquerda até uma certa idade não tem coração e quem não é de direita depois não tem cérebro, equipara a migração da esquerda para a direita como uma conquista da sabedoria. Idealismo, crença em justiça social etc. seriam coisas que iríamos largando pelo caminho rumo à maturidade, junto com outras baboseiras juvenis. Não se tem notícia de uma migração ao contrário, de direitistas que voltam a ser esquerdistas, até como uma forma de recuperar a juventude. E esquerdistas que continuam esquerdistas apesar de já terem idade para se darem conta do engano são alvos prioritários do escárnio dos convertidos. Ainda têm coração, os inocentes.
Os neoconservadores que levaram a política externa americana a sucessivos desastres nos últimos anos têm este nome porque muitos deles foram trotskistas na juventude. Abandonaram o internacionalismo trotskista e inauguraram o ultranacionalismo do “século americano”, e continuam influentes, mesmo sob o governo do Obama. Os ex-trotskistas odeiam o que foram um dia, e seu conservadorismo ativo é uma forma de expiação. Caso notório de conversão foi a do escritor John dos Passos, ex-comunista e autor de alguns livros memoráveis de crítica social, que acabou seus dias quase como uma caricatura de direitista americano, com bandeira na frente da casa e tudo.
Para quem ainda se considera de esquerda, apesar das desilusões e de um coração combalido, o rancor dos convertidos tem seu lado positivo. Mostra que a esquerda ainda existe, logo chateia. Ou chateia, logo existe.
Ueba! Começou a Papa Week! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 21/07
E o Obama? O Obama sabe a idade da Glória Maria? Sabe, mas não cabe na internet. Rarará!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Começou a Papa Week. O papa vai ficar uma semana no Brasil! O papa vai realizar o sonho de todos os brasileiros: ver um argentino beijar o nosso chão! Não tem preço!
E este papa já conseguiu um milagre: fazer com que o mundo gostasse de um argentino. Rarará!
E a primeira notícia bombástica: Luan Santana vai cantar pro papa. Nenhum argentino merece isso. Quanto mais um papa!
Mas não foi a igreja que inventou a penitência? Eu sugiro show da Anitta com participação do Naldo! Aí o papa renunciava. E abria uma pousada em Búzios! Rarará! Papa vem ao Brasil, renuncia e abre uma pousada em Búzios!
Outra: "Papa dispensa o papamóvel". Ótimo. Aquele papamóvel parece uma van de cachorro-quente. Sabe aquelas vans depois da balada? Com milho, maionese, batata palha e suco grátis? Ele devia andar de caveirão! Rarará! E esta: "Dom Odilo Scherer defende verbas públicas na visita do papa".
E o tuiteiro Gayegos: "Acho esse papa muito simpático mas o Vaticano que pague tudo". Concordo! Queremos Copacabana, Flamengo e Complexo do Alemão com padrão Vaticano. Tudo padrão Vaticano.
E uma vez o Sarney foi visitar o Vaticano e, quando viu o luxo, gritou: "Isso que é verba de gabinete". Rarará!
E o papa já mandou avisar: quem contar piada de argentino vai diretamente pro inferno!
E agora é assim: Gol de mão não é pecado. Piada de argentino é pecado! E a Cristina Kirchner vem ao Brasil pra pedir ao papa pra mudar o nome da Capela Sistina pra Capela Cristina. Capela Cristina Kirchner! Rarará!
E o Obama? O Obama sabe a idade da Glória Maria? Sabe, mas não cabe na internet. Rarará! E um leitor mandou perguntar pro Obama: "O Lula sabia?". E o namorado ao celular: "Amor, você pode sair hoje?". E o Obama: "YES, WE CAN".
Piada Pronta da semana: "Homem tenta pagar prostituta na Bahia com cartão do Bolsa Família". Rarará! Tá certo! É tudo comida, mesmo. E PRIMA É FAMÍLIA!
E o pensamento da semana: "O Eike Batista perde 92% da fortuna e continua bilionário. Se eu perder 8% da minha, sobram R$ 19". Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
E o Obama? O Obama sabe a idade da Glória Maria? Sabe, mas não cabe na internet. Rarará!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Começou a Papa Week. O papa vai ficar uma semana no Brasil! O papa vai realizar o sonho de todos os brasileiros: ver um argentino beijar o nosso chão! Não tem preço!
E este papa já conseguiu um milagre: fazer com que o mundo gostasse de um argentino. Rarará!
E a primeira notícia bombástica: Luan Santana vai cantar pro papa. Nenhum argentino merece isso. Quanto mais um papa!
Mas não foi a igreja que inventou a penitência? Eu sugiro show da Anitta com participação do Naldo! Aí o papa renunciava. E abria uma pousada em Búzios! Rarará! Papa vem ao Brasil, renuncia e abre uma pousada em Búzios!
Outra: "Papa dispensa o papamóvel". Ótimo. Aquele papamóvel parece uma van de cachorro-quente. Sabe aquelas vans depois da balada? Com milho, maionese, batata palha e suco grátis? Ele devia andar de caveirão! Rarará! E esta: "Dom Odilo Scherer defende verbas públicas na visita do papa".
E o tuiteiro Gayegos: "Acho esse papa muito simpático mas o Vaticano que pague tudo". Concordo! Queremos Copacabana, Flamengo e Complexo do Alemão com padrão Vaticano. Tudo padrão Vaticano.
E uma vez o Sarney foi visitar o Vaticano e, quando viu o luxo, gritou: "Isso que é verba de gabinete". Rarará!
E o papa já mandou avisar: quem contar piada de argentino vai diretamente pro inferno!
E agora é assim: Gol de mão não é pecado. Piada de argentino é pecado! E a Cristina Kirchner vem ao Brasil pra pedir ao papa pra mudar o nome da Capela Sistina pra Capela Cristina. Capela Cristina Kirchner! Rarará!
E o Obama? O Obama sabe a idade da Glória Maria? Sabe, mas não cabe na internet. Rarará! E um leitor mandou perguntar pro Obama: "O Lula sabia?". E o namorado ao celular: "Amor, você pode sair hoje?". E o Obama: "YES, WE CAN".
Piada Pronta da semana: "Homem tenta pagar prostituta na Bahia com cartão do Bolsa Família". Rarará! Tá certo! É tudo comida, mesmo. E PRIMA É FAMÍLIA!
E o pensamento da semana: "O Eike Batista perde 92% da fortuna e continua bilionário. Se eu perder 8% da minha, sobram R$ 19". Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Algo parece mudado - CELSO MING
ESTADÃO - 21/07
O Banco Central parece mudado – desta vez, para melhor. Falta saber até que ponto está disposto a enfrentar o jogo contra de outros setores do governo. E até que ponto está disposto a atuar para devolver a inflação à meta, que não são os 6,5% aos quais se refere a presidente Dilma, mas os 4,5% no ano-calendário.
Ao contrário do que aconteceu ao longo de 2012, nas mensagens que vem passando pelos seus documentos e pelas declarações dos seus dirigentes, o Banco Central voltou a dizer coisa com coisa e passou a agir em consequência do que diz.
A partir de agosto de 2011, pode-se distinguir três fases distintas no comportamento da autoridade monetária. A primeira, que durou até janeiro de 2013, foi a de agir em sintonia com as diretrizes da presidente Dilma. Foi o tempo em que a prioridade não foi propriamente conduzir a inflação para dentro da meta, mas cumprir a meta (não declarada) de juros básicos (Selic), de 2% ao ano em termos reais, ou seja, descontada a inflação.
As indicações então passadas pelo Banco Central eram de que a inflação era predominantemente consequência do choque externo (alta das commodities) causado pela queda das safras de grãos nos Estados Unidos e que confluiria mais ou menos espontaneamente para a meta, “ainda que de forma não linear”, sem necessidade de rever os juros.
Parecia então seguro de que a área da Fazenda cumpriria a meta combinada na administração das despesas públicas, que era a obtenção de um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) equivalente a 3,1% do PIB, ou perto de R$ 259 bilhões.
Logo se viu que, além de não observar sua parte no trato, o Ministério da Fazenda permitiu que o secretário do Tesouro, Arno Augustin, submetesse as contas públicas à chamada contabilidade criativa, que deformou os resultados e os colocou sob suspeita.
A segunda fase, de perplexidade, durou quase três meses, de janeiro a abril deste ano. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, declarava-se então “pouco confortável” com a mudança de patamar dos preços e com os efeitos de uma política fiscal excessivamente permissiva, que chamou de “expansionista”. Mas parou por aí. Seus relatórios ainda sugeriam que a taxa básica de juros permaneceria no nível em que estava, de 7,25% ao ano, “por um período de tempo suficientemente prolongado”.
As projeções da inflação com que trabalhava vinham fortemente desalinhadas com as expectativas do mercado, para enorme prejuízo da credibilidade da autoridade monetária. O Relatório de Inflação editado em dezembro trabalhava com uma alta nos preços para o ano seguinte inteiramente irrealista, de 4,80%, quando o mercado financeiro apontava para 5,68%.
Em abril, o Banco Central mudou sua postura e, ainda com alguma oposição de dentro de sua diretoria (2 votos contra), deu início à retomada da elevação dos juros.
Foi também mais sincero no diagnóstico e no prognóstico. Já não atribuiu o avanço da inflação a fatores externos, mas a problemas da economia brasileira: uma política fiscal não suficientemente austera, demanda forte não inteiramente coberta pela produção interna e mercado de trabalho aquecido demais.
As projeções da inflação reveladas no último Relatório também já estão mais alinhadas com as do mercado financeiro e o Banco Central já não esconde que manterá a política no contra-ataque à escalada dos preços. Isso significa que continuará a apertar a política monetária para reconduzir a inflação à meta.
Ao longo do ano, a presidente Dilma havia dado indicações de que preferia deixar a inflação correr mais solta se com isso obtivesse um melhor desempenho do PIB. Se ela não foi inteiramente convencida do contrário pelos estudos dos especialistas e pela própria experiência brasileira, pelo menos parece ter entendido pela força das manifestações ocorridas em junho que não se brinca com a inflação, especialmente quando o objetivo é garantir a recondução à Presidência nas eleições de 2014.
Isso ainda não garante a eliminação da resistência de outros setores do governo que continuam pressionando para aumentar as despesas públicas. Mas sugere que a presidente Dilma tem agora razões especiais para deixar o Banco Central mais livre para defender o real e para voltar a conduzir as expectativas do mercado. A conferir.
O Banco Central parece mudado – desta vez, para melhor. Falta saber até que ponto está disposto a enfrentar o jogo contra de outros setores do governo. E até que ponto está disposto a atuar para devolver a inflação à meta, que não são os 6,5% aos quais se refere a presidente Dilma, mas os 4,5% no ano-calendário.
Ao contrário do que aconteceu ao longo de 2012, nas mensagens que vem passando pelos seus documentos e pelas declarações dos seus dirigentes, o Banco Central voltou a dizer coisa com coisa e passou a agir em consequência do que diz.
A partir de agosto de 2011, pode-se distinguir três fases distintas no comportamento da autoridade monetária. A primeira, que durou até janeiro de 2013, foi a de agir em sintonia com as diretrizes da presidente Dilma. Foi o tempo em que a prioridade não foi propriamente conduzir a inflação para dentro da meta, mas cumprir a meta (não declarada) de juros básicos (Selic), de 2% ao ano em termos reais, ou seja, descontada a inflação.
As indicações então passadas pelo Banco Central eram de que a inflação era predominantemente consequência do choque externo (alta das commodities) causado pela queda das safras de grãos nos Estados Unidos e que confluiria mais ou menos espontaneamente para a meta, “ainda que de forma não linear”, sem necessidade de rever os juros.
Parecia então seguro de que a área da Fazenda cumpriria a meta combinada na administração das despesas públicas, que era a obtenção de um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) equivalente a 3,1% do PIB, ou perto de R$ 259 bilhões.
Logo se viu que, além de não observar sua parte no trato, o Ministério da Fazenda permitiu que o secretário do Tesouro, Arno Augustin, submetesse as contas públicas à chamada contabilidade criativa, que deformou os resultados e os colocou sob suspeita.
A segunda fase, de perplexidade, durou quase três meses, de janeiro a abril deste ano. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, declarava-se então “pouco confortável” com a mudança de patamar dos preços e com os efeitos de uma política fiscal excessivamente permissiva, que chamou de “expansionista”. Mas parou por aí. Seus relatórios ainda sugeriam que a taxa básica de juros permaneceria no nível em que estava, de 7,25% ao ano, “por um período de tempo suficientemente prolongado”.
As projeções da inflação com que trabalhava vinham fortemente desalinhadas com as expectativas do mercado, para enorme prejuízo da credibilidade da autoridade monetária. O Relatório de Inflação editado em dezembro trabalhava com uma alta nos preços para o ano seguinte inteiramente irrealista, de 4,80%, quando o mercado financeiro apontava para 5,68%.
Em abril, o Banco Central mudou sua postura e, ainda com alguma oposição de dentro de sua diretoria (2 votos contra), deu início à retomada da elevação dos juros.
Foi também mais sincero no diagnóstico e no prognóstico. Já não atribuiu o avanço da inflação a fatores externos, mas a problemas da economia brasileira: uma política fiscal não suficientemente austera, demanda forte não inteiramente coberta pela produção interna e mercado de trabalho aquecido demais.
As projeções da inflação reveladas no último Relatório também já estão mais alinhadas com as do mercado financeiro e o Banco Central já não esconde que manterá a política no contra-ataque à escalada dos preços. Isso significa que continuará a apertar a política monetária para reconduzir a inflação à meta.
Ao longo do ano, a presidente Dilma havia dado indicações de que preferia deixar a inflação correr mais solta se com isso obtivesse um melhor desempenho do PIB. Se ela não foi inteiramente convencida do contrário pelos estudos dos especialistas e pela própria experiência brasileira, pelo menos parece ter entendido pela força das manifestações ocorridas em junho que não se brinca com a inflação, especialmente quando o objetivo é garantir a recondução à Presidência nas eleições de 2014.
Isso ainda não garante a eliminação da resistência de outros setores do governo que continuam pressionando para aumentar as despesas públicas. Mas sugere que a presidente Dilma tem agora razões especiais para deixar o Banco Central mais livre para defender o real e para voltar a conduzir as expectativas do mercado. A conferir.
Reduzir conta de juros não é panaceia - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 21/07
Se conseguirmos reduzir o gasto com juros, o que sobrará para o Tesouro estará longe de ser panaceia
Nas últimas semanas, tenho defendido que, apesar da elevadíssima carga tributária, a má qualidade dos serviços públicos não se deve a ineficiências generalizadas ou à elevadíssima corrupção.
Tenho argumentado que o gasto é muito elevado por causa de transferências a grupos da sociedade --a maior parte delas aprovadas pelo Congresso Nacional--, que oneram muito o Tesouro Nacional.
Adicionalmente, tenho defendido a ideia de que a operação interna do setor público e as regras de direito administrativo às quais o Estado está sujeito deixam muito pouco espaço para que o Executivo melhore a qualidade com medidas de gestão.
Qualquer agenda de melhoria dos serviços públicos passará necessariamente por novas rodadas de elevação da carga tributária e por complexo programa legislativo de mudanças institucionais do Estado.
Uma rubrica do gasto público de que não tratei até o momento em minhas colunas é do custo do pagamento de juros.
Em geral, os economistas não consideram esse item quando avaliam a situação fiscal do Estado. O motivo é que o gasto com juros não é controlado pela autoridade fiscal. Ele é determinado pela taxa de juros, ligada à política de combate à inflação, e pelo tamanho da dívida pública sobre a qual os juros incidem.
Para a redução da conta com juros, são necessários muitos anos de política fiscal conservadora, que diminuam a dívida pública e, assim, o peso dessa rubrica no Orçamento.
O grande problema com os juros é que, apesar de não estar nas mãos da Fazenda determinar esse gasto, ele representa uma real transferência de renda da sociedade aos poupadores ou rentistas (como desejar o leitor). Esse mecanismo de transferência torna o debate sobre o pagamento de juros um tanto quanto ideológico, o que leva a erros básicos de interpretação.
Por exemplo, é comum pessoas contabilizarem como gasto com juros a amortização da dívida pública. Suponha que um inquilino de um imóvel, após alguns anos, tenha que desocupá-lo, pois o senhorio o requisitou. Considerar que a amortização de um empréstimo é um gasto é equivalente a achar que no ato de devolução de um imóvel alugado o inquilino tem despesa equivalente ao valor do imóvel!
Ao amortizar uma dívida, o Tesouro Nacional está somente devolvendo algo que não lhe pertence.
Entendido esse ponto, é possível dizer que o gasto público com juros tem rodado desde 2008 na casa de 5% do PIB ao ano. Se essa conta fosse substancialmente reduzida, sobraria espaço para melhorar a qualidade do gasto público sem ter que aumentar a carga tributária.
Ocorre que esses números referem-se aos gastos com juros nominais. Os papéis financeiros que compõem a dívida pública perdem valor com a inflação. Assim, parte dos juros pagos simplesmente recompõe o valor do ativo financeiro.
A parcela do pagamento de juros aos rentistas que só repõe o valor real do ativo financeiro não é renda de fato para o detentor do título público. A renda é um recurso que as pessoas têm para gastar sem que a sua situação patrimonial se reduza.
Se elas gastam a correção monetária dos recursos investidos na dívida pública, estão gastando mais do que a renda. E, se essa parte não é renda para o rentista, tampouco é gasto real para o Tesouro.
A inflação no Brasil tem rodado na casa de 5% ao ano, e a dívida pública encontra-se por volta de 40% do PIB. Multiplicando a dívida pela inflação, chega-se a 2% do PIB. Ou seja, dos 5% do PIB de pagamento dos juros nominais, somente 3% correspondem aos juros reais pagos. Esse é, de fato, o gasto do Tesouro Nacional com sua dívida.
Se mantivermos uma política fiscal conservadora por mais alguns anos e conseguirmos reduzir essa conta dos 3% do PIB para 1%, algo mais próximo da experiência internacional, aparecerá no caixa do Tesouro uma parcela adicional de recursos de 2% do PIB. Está longe da panaceia que alguns acreditam.
Há os que consideram que a conta salgada dos juros pagos aos rentistas é o grande problema fiscal brasileiro e que, uma vez resolvida essa questão, muito mais Orçamento será liberado para investimentos e políticas públicas.
Como procurei mostrar neste artigo, é bom que essas pessoas comecem a buscar recursos em outras rubricas das contas públicas.
Se conseguirmos reduzir o gasto com juros, o que sobrará para o Tesouro estará longe de ser panaceia
Nas últimas semanas, tenho defendido que, apesar da elevadíssima carga tributária, a má qualidade dos serviços públicos não se deve a ineficiências generalizadas ou à elevadíssima corrupção.
Tenho argumentado que o gasto é muito elevado por causa de transferências a grupos da sociedade --a maior parte delas aprovadas pelo Congresso Nacional--, que oneram muito o Tesouro Nacional.
Adicionalmente, tenho defendido a ideia de que a operação interna do setor público e as regras de direito administrativo às quais o Estado está sujeito deixam muito pouco espaço para que o Executivo melhore a qualidade com medidas de gestão.
Qualquer agenda de melhoria dos serviços públicos passará necessariamente por novas rodadas de elevação da carga tributária e por complexo programa legislativo de mudanças institucionais do Estado.
Uma rubrica do gasto público de que não tratei até o momento em minhas colunas é do custo do pagamento de juros.
Em geral, os economistas não consideram esse item quando avaliam a situação fiscal do Estado. O motivo é que o gasto com juros não é controlado pela autoridade fiscal. Ele é determinado pela taxa de juros, ligada à política de combate à inflação, e pelo tamanho da dívida pública sobre a qual os juros incidem.
Para a redução da conta com juros, são necessários muitos anos de política fiscal conservadora, que diminuam a dívida pública e, assim, o peso dessa rubrica no Orçamento.
O grande problema com os juros é que, apesar de não estar nas mãos da Fazenda determinar esse gasto, ele representa uma real transferência de renda da sociedade aos poupadores ou rentistas (como desejar o leitor). Esse mecanismo de transferência torna o debate sobre o pagamento de juros um tanto quanto ideológico, o que leva a erros básicos de interpretação.
Por exemplo, é comum pessoas contabilizarem como gasto com juros a amortização da dívida pública. Suponha que um inquilino de um imóvel, após alguns anos, tenha que desocupá-lo, pois o senhorio o requisitou. Considerar que a amortização de um empréstimo é um gasto é equivalente a achar que no ato de devolução de um imóvel alugado o inquilino tem despesa equivalente ao valor do imóvel!
Ao amortizar uma dívida, o Tesouro Nacional está somente devolvendo algo que não lhe pertence.
Entendido esse ponto, é possível dizer que o gasto público com juros tem rodado desde 2008 na casa de 5% do PIB ao ano. Se essa conta fosse substancialmente reduzida, sobraria espaço para melhorar a qualidade do gasto público sem ter que aumentar a carga tributária.
Ocorre que esses números referem-se aos gastos com juros nominais. Os papéis financeiros que compõem a dívida pública perdem valor com a inflação. Assim, parte dos juros pagos simplesmente recompõe o valor do ativo financeiro.
A parcela do pagamento de juros aos rentistas que só repõe o valor real do ativo financeiro não é renda de fato para o detentor do título público. A renda é um recurso que as pessoas têm para gastar sem que a sua situação patrimonial se reduza.
Se elas gastam a correção monetária dos recursos investidos na dívida pública, estão gastando mais do que a renda. E, se essa parte não é renda para o rentista, tampouco é gasto real para o Tesouro.
A inflação no Brasil tem rodado na casa de 5% ao ano, e a dívida pública encontra-se por volta de 40% do PIB. Multiplicando a dívida pela inflação, chega-se a 2% do PIB. Ou seja, dos 5% do PIB de pagamento dos juros nominais, somente 3% correspondem aos juros reais pagos. Esse é, de fato, o gasto do Tesouro Nacional com sua dívida.
Se mantivermos uma política fiscal conservadora por mais alguns anos e conseguirmos reduzir essa conta dos 3% do PIB para 1%, algo mais próximo da experiência internacional, aparecerá no caixa do Tesouro uma parcela adicional de recursos de 2% do PIB. Está longe da panaceia que alguns acreditam.
Há os que consideram que a conta salgada dos juros pagos aos rentistas é o grande problema fiscal brasileiro e que, uma vez resolvida essa questão, muito mais Orçamento será liberado para investimentos e políticas públicas.
Como procurei mostrar neste artigo, é bom que essas pessoas comecem a buscar recursos em outras rubricas das contas públicas.
Assinar:
Postagens (Atom)