Boca fechando
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 14/10/10
A pesquisa do Ibope divulgada ontem pelo “Jornal Nacional” mostra que a diferença entre a candidata oficial, Dilma Rousseff, e o tucano José Serra se reduziu pela metade desde a eleição de 3 de outubro. De 47% dos votos válidos, Dilma aumentou 6 pontos, chegando a 53%, enquanto Serra, que teve 33% nas urnas, hoje está com 47%, tendo crescido nada menos que 14 pontos em dez dias.
A diferença de 14 pontos caiu para seis com o início da propaganda oficial e depois do primeiro debate do segundo turno, na TV Bandeirantes.
Ou, como dizem os especialistas quando a diferença entre os candidatos se estreita, “a boca do jacaré está fechando”.
É possível tirar a ilação de que o tom mais agressivo utilizado pela candidata Dilma Rousseff não surtiu efeito.
O resultado da pesquisa do instituto Vox Populi, que faz pesquisas para o PT, também divulgada ontem, que deu uma diferença de 8 pontos para Dilma, igual ao detectado pelo Datafolha depois do primeiro turno, mas antes do debate televisivo, pode ser atribuído à data em que foi realizada.
Enquanto o Ibope foi feito entre os dias 11 e 13, o Vox Populi fez a sua pesquisa no domingo e na segunda-feira.
Como estava programado o debate para a noite de domingo, a pesquisa só pegou parcialmente o efeito dele na opinião dos eleitores.
O difícil é entender por que o instituto Vox Populi fez questão de sair a campo no próprio domingo, antes do debate.
A Nuvem
A guerra santa em que está se transformando perigosamente a campanha presidencial já tem sua crítica quase em tempo real em um novo livro do acadêmico Carlos Nejar, que está sendo lançado pela editora R&F.
“A nuvem candidata à Presidência” relata em tom de crônica a atual campanha eleitoral, com todos os candidatos perfeitamente identificados, embora com outros nomes, e uma vencedora, a própria Nuvem do título.
Um ditado muito conhecido é o que diz que “política é como nuvem, cada vez que se olha está diferente”.
Nejar foi buscar a própria nuvem para falar de uma candidata nefelibata, perdida com seus sonhos no meio de uma guerra eleitoral.
A candidata oficial é Dila Mene, homenagem à amada de Camões, Dinamene, que um lapso do escrivão pôs a perder, e o presidente explica: “Dila sou eu hoje! Dila sou eu amanhã. Sou eu sempre Dila”.
A candidata oficial “mudou a aparência, os penteados, mas não se adaptou ao espetáculo, atriz novata no palco, atropelando a metade das falas ditadas da coxia”.
O opositor principal é Teodorico Serra, que detesta cães e gatos, “não tem carisma, tudo nele é forçado, (...) reúne preparo e certa tendência ao autoritarismo”.
Albertina “é filha da floresta, suave, elegante, inteligente nos debates, mas perde-se na miudeza do partido e dos programas, que é como querer chegar na Lua montada sobre um cavalo”.
Há ainda Plínio, O Velho, “trazendo os oráculos gregos e latinos, com um socialismo corroído nas ruínas e que parece novo, diante do formol ou espartilho da situação e de certa oposição que não tem ideias. Igual a seu homônimo da antiguidade, pode ser engolido pelo Vesúvio eleitoral que preserva os grandes devorando os pequenos”.
Nejar cita Laurence J.
Peter, o educador canadense autor do“ Peter principle” (Princípio de Peter) que diz que, numa burocracia de sistema hierárquico, todo funcionário tende a ser promovido até o seu nível de incompetência.
Pois Peter também definiu que “entrar numa igreja não o torna cristão, assim como entrar numa garagem não a transforma em um carro”.
Crítica que, para Nejar, poderia ser perfeitamente dirigida às súbitas aparições de candidatos ateus em igrejas, “com o rosto mais resignado e eclesial”.
E, como que já prevendo a polêmica que está instalada na campanha presidencial, ele relata as dificuldades da candidata Dila Mene para definir sua religiosidade.
Perguntada em 2007 se acreditava em Deus, uma pergunta recorrente a todos os candidatos a presidente, ela respondeu: “Eu me equilibro nessa questão.
Será que há? Será que não há?”.
Já em fevereiro deste ano, perguntada se tinha alguma religião, respondeu, respondeu peremptória: “Não, mas respeito”.
Em abril, disse na TV Bandeirantes: “Acredito numa força superior que a gente pode chamar de Deus”.
Em maio, perguntada pela revista Isto é se era católica, saiu-se com essa: “Sou.
Quer dizer, antes de tudo cristã. Num segundo momento, católica. Num terceiro, macumbeira”.
Albertina é decididamente evangélica, e Teodorico Serra é católico apostólico romano. Certa feita, em uma reunião de evangélicos, misturou “fumantes e ateus”.
Escreve Nejar: “Talvez para ele o ateu seja um fumante do nada e o fumante, um ateu do cigarro. Ou talvez o ateu seja um charuto, e o fumante, vapor engarrafado”.
Já a Nuvem, em vez da Bolsa-Família, inventou a Bolsa-Futuro, “que é a societária paz. Criando formas de as famílias, com o próprio esforço, se sustentarem”.
Letícia, o nome da Nuvem, relata Carlos Nejar, “viu cumprir-se sua vitória nas urnas sem saber ao certo onde estava. E escutava os alaridos das ruas. Não sei, leitores, se o sonho lhe pregou uma peça, ou se ela é que pregou uma peça ao sonho. O fato é que todos os dias se uniram àquele dia. Como se os sinos de muitos e muitos anos tocassem numa só vez. E a alma de repente quisesse vir para fora do corpo”.