domingo, agosto 19, 2018

Calando a história - J.R. GUZZO

Calando a história - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA 

A extrema esquerda quer proibir que Hugo Studart fale sobre o Araguaia

O jornalista e historiador Hugo Studart, de Brasília, escritor premiado em seus livros sobre o regime militar e merecedor do apreço de organizações que agem em defesa dos direitos humanos, é um exemplo admirável do tipo de perseguido político que haveria num Brasil governado pelas forças de esquerda que estão hoje por aí. Em seu último livro, “Borboletas e Lobisomens”, que está sendo lançado neste momento, Studart faz uma reconstituição altamente minuciosa da chamada “Guerrilha do Araguaia” ─ na qual um pequeno grupo armado de extrema esquerda, centrado no PCdoB, tentou derrotar em combate as Forças Armadas do Brasil, nas décadas de 60 e 70, em confins perdidos na região central do país. Hoje, mais de 50 anos depois, organizações que se definem como “progressistas” ou de “ultra-esquerda”, entraram em guerra contra o livro de Studart. Se estivessem no poder, proibiriam a publicação de “Borboletas e Lobisomens” e aplicariam uma punição exemplar ao autor ─ alguma pena prevista, possivelmente, nos mecanismos de “controle social dos meios de comunicação” que prometem adotar em seu futuro governo. Como não podem fazer isso, colocaram em ação o sistema de difamação, sabotagem e notícias falsas que mantém na mídia e nas redes sociais para tumultuar o lançamento. Ao mesmo tempo, sua tropa foi posta na frente da livraria escolhida para a noite de autógrafos, no Rio de Janeiro, com a missão de intimidar os presentes e perturbar seu acesso ao local.

O delito de Studart foi mencionar em seu livro algumas realidades incontestáveis e incômodas para os interessados em manter de pé lendas e mitos sobre o que entendem ser o heroísmo dos “combatentes” da aventura do Araguaia. Basicamente, o jornalista escreve que diversos membros da guerrilha trocaram rapidamente de lado, assim que foram acossados pela tropa do governo ─ e fizeram acordos com os militares para delatar os companheiros e ajudar os militares na sua captura e destruição. Refere-se, também, à uma lista de “guerrilheiros” que, em troca da delação, receberam identidades falsas e se beneficiaram de programas de proteção a testemunhas operados pelos serviços de repressão; encontram-se, até hoje, entre os “desaparecidos” do Araguaia. Studart cita ainda uma das líderes do movimento que, na verdade, era amante de um agente das Forças Armadas e agia a seu serviço na guerra contra os companheiros. Registra assassinatos cometidos entre eles ─ as chamadas “execuções” ou “justiçamentos”. Enfim, no que talvez seja o ponto no qual mais irrita os inimigos do seu livro, o autor demonstra que o longo culto ao Araguaia pela esquerda é, em boa parte, uma questão de dinheiro. Tem a ver com a operação do sistema de indenizações e benefícios que o contribuinte brasileiro paga até hoje, e continuará pagando pelo resto da vida, para pessoas que conseguiram se certificar como “vítimas do regime militar”.

“Borboletas e Lobisomens” é um livro de 658 páginas, com uma lista de 101 obras consultadas pelo autor, tanto sobre o episódio do Araguaia em si como sobre História em geral; entra na relação até a “Metafísica” de Aristóteles. Studart ouviu depoimentos de 72 participantes e familiares, consultou 29 documentos de militantes da operação e teve acesso a cinco documentos militares, inclusive de classificação confidencial e secreta. Ao logo de todo o livro, trata os envolvidos, respeitosamente, como “guerrilheiros” ou “camponeses”. O relato de delações, homicídios e colaboração com os militares ocupa apenas uma porção modesta do vasto conjunto da obra. Mas a Polícia do Pensamento que opera na esquerda brasileira não admite a publicação de nenhum fato que possa contrariar sua visão oficial de que houve no Araguaia um conflito entre heróis do PCdoB e carrascos das Forças Armadas ─ principalmente se esse fato é verdadeiro. Este é o único tipo de liberdade de expressão que entendem.

Raiva ou moderação: a bifurcação política do País - BOLÍVAR LAMOUNIER

Raiva ou moderação: a bifurcação política do País - BOLÍVAR LAMOUNIER

A eleição deste ano transcorrerá num clima antipolítico como há muito não víamos
O Estado de S.Paulo -18 Agosto 2018


Um fato que chama a atenção na presente conjuntura eleitoral é o grande número de eleitores indecisos ou que falam em anular o voto ou se abster, simplesmente. Estamos em meados de agosto e a proporção dos que se encontram em tal situação é de cerca de 60%, segundo as pesquisas. É razoável admitir que pelo menos 30% manterão tal opção, com o que o porcentual de votos válidos não irá além de 70%. E mais: em todas as camadas sociais, esse amplo contingente de eleitores está permeado por uma atitude de hostilidade às instituições e aos políticos de uma maneira geral. Ou seja, a eleição deste ano transcorrerá num clima antipolítico como há muito não víamos.

As causas principais desse clima são facilmente identificáveis. De um lado, o País vive ainda as sequelas da pior recessão de nossa história; 13 milhões de trabalhadores amargam o desemprego e no mínimo outro tanto já desistiu de procurar trabalho ou se acomodou a ocupações de baixa qualidade e baixa remuneração. Ou seja, o legado do governo Dilma continua forte, projetando sua sombra na esfera político-eleitoral. Do outro lado, a trama finalmente desvendada da corrupção arquitetada por Lula e pelos partidos que a ele se associaram mais estreitamente atingiu uma amplitude inédita, um conluio que nem os mais pessimistas com o Brasil poderiam ter imaginado, envolvendo entre setores do empresariado e a maior parte do espectro partidário. A esses dois fatores é necessário acrescentar o patético comportamento dos dirigentes institucionais do País, que não chegaria a surpreender se estivesse ocorrendo só no Legislativo, mas que se manifesta com a mesma intensidade entre os integrantes dos tribunais superiores. No próprio Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros se desentendem com frequência e violam pontos cristalinamente definidos na Constituição e na jurisprudência, deixando a sociedade na iminência de uma grave insegurança jurídica. Mais ainda, enquanto a área econômica do governo faz das tripas coração para manter um mínimo de ordem nas contas públicas, o próprio tribunal, ápice da pirâmide judiciária, dá as costas ao País e aumenta seus vencimentos em 16%, decisão temerária, fadada a provocar um efeito-cascata noutras instituições.

Não há como avaliar o processo eleitoral sem levar em conta o pano de fundo acima esboçado.

A questão central é se a atitude antipolítica a que me referi desembocará num pleito radicalizado, raivoso, irracional, ou, ao contrário, se em algum momento os cidadãos sentirão raiva da própria raiva, encaminhando suas opções individuais para um desfecho mais convergente que divergente. Pelo menos por enquanto, parece inútil tentar responder tal indagação com base no discurso dos candidatos, dados a qualidade apenas mediana dos postulantes e o escasso conteúdo programático dos debates realizados.

A hipótese da convergência requer, portanto, algum otimismo sobre o desenrolar da própria campanha eleitoral. Em condições razoavelmente normais, é plausível supor que mesmo uma situação de tensão, depressão e indiferença possa ser em parte atenuada pelo ciclo eleitoral. Esse é o milagre que o processo democrático às vezes produz. A expectativa de um novo governo e uma nova composição no Legislativo pode, em tese, instilar um novo ânimo na sociedade. Até o momento, não há indícios de que isso esteja acontecendo. É certo que a campanha ainda não começou de verdade e que nenhum dos candidatos possui o que se poderia chamar de carisma (seja qual for o real significado desse termo) positivo, quero dizer, uma capacidade de empolgar os eleitores na justa medida em que lhes aponte um futuro melhor. Jair Bolsonaro, tido como o mais carismático deles, é mais um reflexo das condições de insegurança e raiva disseminadas na sociedade que um líder capaz de as reverter. Lula, na remota hipótese de se tornar elegível, provavelmente produziria o efeito oposto, acirrando ainda mais os ânimos. Se o candidato petista for, como parece, o ex-prefeito Fernando Haddad, sim, teríamos um personagem de perfil moderado - moderado até demais, para o gosto do petismo. Não me arrisco a tentar prever o montante de votos que Lula será capaz de lhe transferir, mas por ora não creio que seja o suficiente para levá-lo ao segundo turno. Ficará, provavelmente, num patamar próximo ao de Marina Silva, com ela compartilhando uma condição minoritária no Congresso, talvez tendo sobre ela melhores condições de conviver com o chamado “presidencialismo de coalizão”. Os demais - Ciro Gomes, Álvaro Dias, João Amoêdo e Guilherme Boulos - por certo terão uma função importante como partícipes do debate democrático, mas nada sugere que atinjam índices eleitorais robustos. Se as conjecturas acima estiverem certas, o mais provável, então, é que o segundo turno contraporá Alckmin a Bolsonaro.

Resumindo, fato é que o Brasil, quando mais precisa de candidatos à altura dos desafios já postos sobre a mesa, vive uma entressafra de líderes. A geração que conduziu a luta pela redemocratização em sua maioria já se foi, e uma nova ainda não se delineou, prestes a entrar em cena.

Do que acima se expôs, o que podemos extrair é, portanto, o imperativo de uma metódica sobriedade. Com os dados de que ora dispomos, a única previsão possível é a de que o próximo governo enfrentará difíceis problemas de governabilidade. Com a possível exceção do ex-governador Alckmin, os demais candidatos terão de se virar com uma base congressual exígua, insuficiente até em termos nominais; ou seja, serão governos de minoria. E nada, rigorosamente nada - salvo um súbito estalo de altruísmo -, nos autoriza a imaginar que um Congresso escassamente renovado possa oferecer ao Executivo o nível de colaboração de que ele necessitará para levar avante uma agenda de reformas modernizadoras.

BOLÍVAR LAMOUNIER É SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E AUTOR DO LIVRO ‘LIBERAIS E ANTILIBERAIS’ (COMPANHIA DAS LETRAS, 2016)