quarta-feira, dezembro 27, 2017

Previdência, quatro soluções e um funeral - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 27/12

Há quatro soluções simples para a questão previdenciária no Brasil, as quais —como toda solução simples para um problema complexo estão inapelavelmente erradas.

Começo pela sugestão de transição do atual regime de repartição (em que a geração ativa transfere compulsoriamente recursos para a geração inativa sob a forma de contribuições) para um regime de capitalização (em que a geração ativa poupa recursos para usá-los durante sua própria aposentadoria).

Poderíamos, talvez, ter feito essa transição tempos atrás, quando a geração ativa era muito maior do que a inativa, mas esse bonde já passou. Considerando apenas o INSS, o pagamento de benefícios previdenciários chega a 8,5% do PIB, enquanto as contribuições atingem 5,7% do PIB.

Caso abríssemos mão das contribuições, mesmo que parcialmente, a falta de recursos para o pagamento dos benefícios se tornaria ainda maior, acelerando o endividamento público, precisamente o oposto do que precisamos.

Outra solução simples e errada é a ideia que a cobrança da dívida ativa (o número mágico é R$ 500 bilhões) resolveria o deficit do sistema.

Mesmo se deixarmos de lado que grande parte dessa dívida se refere a empresas falidas (e à cobrança de juros sobre elas), noto que os benefícios previdenciários do INSS se encontram na casa de R$ 550 bilhões/ano, ou seja, no improvável cenário de recuperação completa desse valor, ele não cobriria um ano do gasto e menos de três anos do deficit do INSS.

Na mesma linha, ainda se insiste na questão da aposentadoria dos políticos.

Em primeiro lugar, há 20 anos que políticos não mais se aposentam com apenas oito anos de mandato e a partir de 50 anos (ainda bem!), mas só depois de 35 anos de contribuição com idade mínima de 60 anos.

Em segundo lugar, mesmo que parássemos de pagar aos que se aposentaram sob regras diferentes, o valor é ínfimo perto do gasto previdenciário no país.

Em terceiro, a proposta de reforma unifica as regras para todos, inclusive políticos.

A quarta sugestão se refere à Desvinculação dos Recursos da União, a chamada DRU, que, segundo alguns, se extinta, eliminaria o deficit da Previdência.

À parte a DRU não incidir sobre as contribuições previdenciárias, não faz a menor diferença direcionarmos mais recursos à Previdência, uma vez que, com DRU ou sem DRU, todos os aposentados sob a responsabilidade do governo federal ainda recebem em dia seus proventos (já no caso dos Estados, nem sempre é assim), pois o dinheiro de outros tributos garante, por ora, tais pagamentos.

Por outro lado, revogar a DRU em nada ajuda a conter o crescimento dos gastos, resultantes da combinação de demografia e privilégios.

Já o funeral é o da lógica.

Em coluna publicada na sexta-feira (21), Nelson Barbosa aponta Portugal como um país que fez o ajuste fiscal sem "austericídio", presumivelmente em oposição ao que se tenta fazer no Brasil.

Como de hábito, faltou a Barbosa olhar os números: entre 2010 e 2016 o deficit público em Portugal caiu de 11,2% do PIB para 2,0% do PIB, com corte de despesas no período pouco inferior a 7% do PIB.

No Brasil, em contraste, propõe-se uma redução de 2,0-3,0% do PIB do deficit primário no mesmo horizonte, mas aqui, por alguma razão, esse ajuste muito mais gradual é considerado "austericídio".

Descanse em paz.

O eterno retorno - JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 27/12

Para o PT, o voto é o sucedâneo da guilhotina e da metralhadora das revoluções de antanho



Sabe aquele truque do punguista que bate a carteira do transeunte incauto e, antes que ele reaja, sai correndo e gritando “pega ladrão” pela rua acima? Pois é esse exatamente o golpe com que o Partido dos Trabalhadores (PT) enfrenta a pendenga judicial protagonizada pelo seu primeiro, único e eterno candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aiatolula para seus devotos, Lulinha paz e amor para os que por ele se deixam enganar. Primeiro, eles gritam “golpe!”, como gritaram quando Dilma Tatibitate Rousseff foi derrubada pelas próprias peraltices, anunciando que disputar voto sem ele na cédula não é eleição, é perseguição. Depois saem correndo atrás do prejuízo... dos outros.

A narrativa desse golpe, que eles tratam como se fosse um contragolpe, é a de que seu plano A a Z de poder tem sido acusado, denunciado e condenado e está agora à espera de uma provável, embora ainda eventual, confirmação da condenação em segunda instância. No caso, a Polícia Federal atuaria como se fosse um bate-pau de coronéis da política, que não querem ver o chefão de volta ao poder para desgraçar o Brasil de vez, depois do desastre que produziu a distribuição igualitária do desemprego dos trabalhadores e da quebradeira dos empresários, esta nossa isonomia cruel. O Ministério Público Federal seria um valhacouto de pistoleiros dos donos do poder. E os juízes que condenam, meros paus-mandados de imperialistas e entreguistas. Quem vai com a farinha da lógica volta com o pirão da mistificação: é tudo perseguição.

Talvez seja o caso, então, de lembrar que nem isso é original. Aqui mais uma vez o PT pavloviano que baba quando o padim fala recorre à filosofia pré-socrática do velho Heráclito de Éfeso proclamando o eterno retorno. Não queriam refundar o PT depois do assalto geral aos cofres da República? Pois muito bem, lá vão voltando os petistas às suas origens nos estertores da ditadura. Naquele tempo, os grupos fundidos hesitavam entre a revolução armada e a urna. Optaram pela paz e prosperaram.

Os guerrilheiros desarmados à custa de sangue, tortura e lágrimas voltaram do exílio convencidos de que só venceriam se assumissem o comando de um partido de massas. E o ideal para isso seria empregar o charme dos operários do moderno enclave metalúrgico do ABC. Lula, que desprezava os filhinhos de papai do estudantado e os clérigos progressistas, aceitou o papel que lhe cabia de chefe dos desunidos e então reagrupados. Afinal, sua resistência à volta dos ex-armados era só uma: queria dar ordens, nunca seguir instruções. E deixou isso claro a Cláudio Lembo, presidente do PDS paulista e emissário do general Golbery do Couto e Silva enviado a São Bernardo para convencê-lo a apoiar a anistia.

A conquista da máquina pública não derramou sangue dos militantes, que avançaram com sofreguidão sobre os cofres da viúva e os dilapidaram sem dó. Viraram pregoeiros do melhor e mais seguro negócio do mundo: ganhar bilhões sem arriscar a vida, como os traficantes do morro, demandando apenas os sufrágios dos iludidos. A desprezada e velha democracia burguesa virou um pregão de ocasião: só o voto vale. A eleição é a única fonte legítima do poder. Os outros pressupostos do Estado democrático – igualdade de direitos, equilíbrio e autonomia dos Poderes, impessoalidade das instituições – foram esmagados sob o neopragmatismo dos curandeiros de palanque.

A polícia, o Ministério Público e a Justiça tornaram-se meros (e nada míseros!) coadjuvantes da sociedade da imunidade que virou impunidade. A lei – ora, a lei... – é só pretexto. Agora, por exemplo, a Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, é um obstáculo que, se condenado na segunda instância, Lula espera ultrapassar sem recorrer mais apenas às chicanas de hábito, mas também à guerrilha dos recursos. Estes abundam, garantem Joaquim Falcão e Luiz Flávio Gomes, respeitáveis especialistas.

Não importa que a alimária claudique, eles almejam mesmo é acicatá-la. Formados no desprezo à democracia dos barões sem terra e dos comerciantes sem títulos dos séculos 12 e 18, os lulistas contemporâneos consideram o voto, que apregoam como condão, apenas um instrumento da chegada ao poder e de sua manutenção – como a guilhotina e a Kalashnikov. José Dirceu, que não foi perdoado por ter delinquido cumprindo pena pelo mensalão, ganhou o direito de sambar de tornozeleira na mansão, conquistada com o suor de seus dedos, por três votos misericordiosos. Dias Toffoli fora seu subordinado. Ricardo Lewandowski criou a personagem Dilma Merendeira. E Gilmar Mendes entrou nessa associação de petistas juramentados como J. Pinto Fernandes, o fecho inesperado do poema Quadrilha, que não se perca pelo título, de Carlos Drummond de Andrade. Celso de Mello e Edson Fachin foram vencidos.

Na semana passada, o ex-guerrilheiro, ex-deputado e ex-ministro estreou coluna semanal no site Nocaute, pertencente ao escritor Fernando Moraes, conhecido beija-dólmã do comandante Castro. Na primeira colaboração, Dirceu convocou uma mobilização nacional no próximo dia 24 de janeiro, em defesa dos direitos do ex-presidente Lula, “seja diante do TRF-4, em Porto Alegre, seja nas sedes regionais do Tribunal Regional Federal” (sic). O post, com o perdão pelo anglicismo insubstituível, é a síntese da campanha que atropela o Código Penal e a Lei da Ficha Limpa, apelando para disparos retóricos e balbúrdia nas ruas, à falta de argumentos jurídicos respeitáveis. Nada que surpreenda no PT, cujo passado revolucionário sempre espreitou para ser usado na hora que lhe conviesse. E a hora é esta.

O voto é apenas lorota de acalentar bovino. Estamos com a lei e o voto, que já lhes faltou no ano passado e dificilmente será pródigo no ano que vem. Mas não podemos vivenciar a fábula A Revolução dos Bichos, de Orwell. Pois o papel de ruminantes é o que nos destinaram. Só nos resta recusá-lo.

*JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

O sentido pedagógico do teto - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 27/12

Sempre difícil, o tema do ajuste fiscal é especialmente árduo em ano eleitoral; em geral, os políticos querem falar de promessas e investimentos, deixando de lado os necessários cortes



O Brasil tem “um encontro marcado com a discussão da rigidez orçamentária e do excesso de despesas obrigatórias”, lembrou a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, em entrevista ao Estado. “Isso tem que ficar claro: deu para um grupo, vai faltar para outros”, disse. Dar mais recursos para reajustes de servidores, por exemplo, significará reduzir as verbas a outras políticas que poderiam atingir toda a população, como saúde, educação e assistência social.

É mérito da Emenda Constitucional (EC) 95, aprovada em dezembro de 2016 e que limitou por 20 anos os gastos públicos, essa clareza sobre os efeitos decorrentes da política econômica. Ao estabelecer um teto para as despesas do governo, a EC 95 explicitou que as receitas não aumentam por um passe de mágica. O bolo é um só. Se for dado um pedaço maior para determinada parcela da população, haverá menos para dividir entre o restante.

“O exemplo do Orçamento de 2018 poderá ser bastante pedagógico”, disse a secretária do Tesouro, ao citar a postergação do reajuste dos servidores, desejada pelo governo federal e que no momento está em discussão na Justiça. “A postergação poderia reduzir despesas obrigatórias em R$ 6 bilhões em 2018. Sem a postergação, vai ficar um espaço mais restrito para despesas que são absolutamente importantes. Estamos falando em trocar um benefício para um grupo já muito privilegiado por mais recursos para o Fundo Nacional de Assistência Social, por exemplo. Teremos menos investimento, menos dinheiro para conservação de estradas que têm excesso de acidentes, com ônus para o sistema de saúde”, disse Ana Paula Vescovi.

Essa realidade foi ignorada durante os anos de administração do PT. Por isso, a regra do teto dos gastos é tão importante para o País, ao impedir a irresponsabilidade de alguns governantes, que deixam dívidas impagáveis para seus sucessores.

Além disso, a EC 95 promove a tão necessária discussão sobre a destinação dos recursos públicos. Quando o dinheiro público é considerado ilimitado, parece perda de tempo avaliar qual será a melhor forma de alocar recursos. No entanto, no momento em que se estabelece limite para os gastos do governo, essa discussão se impõe, já que são necessárias escolhas. “O excesso de rigidez do Orçamento, de indexação de despesas obrigatórias e o impacto da tendência demográfica sobre as despesas estão levando à baixa qualidade na alocação dos recursos públicos. É isso que precisará ser enfrentado”, afirmou a secretária do Tesouro.

A EC 95 representou uma importante mudança na trajetória que o Estado brasileiro vinha percorrendo desde 1988. Além de ter, desde a sua origem, sérias disfuncionalidades em termos de equilíbrio fiscal, a Constituição de 1988 foi muitas vezes interpretada como se as garantias e direitos sociais que abriga autorizassem a gastar mais do que se tinha. As suas quase três décadas de vigência mostraram, no entanto, uma realidade bem diferente daquela visão utópica inicial, em que o desenvolvimento social era tratado como consequência necessária de uma previsão legal. O resultado da Constituição de 1988 é um sistema caro, insustentável e, além disso, muito pouco eficiente. Basta ver a qualidade, em geral, da saúde e da educação ofertada pelo poder público. “A regra do teto é simples e estimula essa discussão alocativa. Também traz um acionamento automático de medidas caso não seja cumprido, vai vedar novos concursos, novos reajustes de salários, crescimento de despesas obrigatórias acima da inflação”, disse Ana Paula Vescovi.

Sempre difícil, o tema do ajuste fiscal é especialmente árduo em ano eleitoral. Em geral, os políticos querem falar de promessas e investimentos, deixando de lado os necessários cortes. A secretária do Tesouro lembra, no entanto, que o cidadão não está alheio às consequências do desequilíbrio fiscal. “Não tem dinheiro nos Estados para pagar os salários atrasados, o serviço público de saúde padecendo. Não é só o Rio de Janeiro”. Que o teto dos gastos possa ajudar a revelar toda a mentira contida no populismo.

Misturar Lava Jato com a reforma da Previdência é oportunismo - RAQUEL LANDIM

FOLHA DE SP - 27/12

Grupos de pressão do Poder Judiciário e do Ministério Público tentam emplacar a ideia de que a reforma da Previdência é um ataque à Operação Lava Jato. Argumentam que se trata de uma vingança do Executivo e do Congresso contra aqueles que perseguem políticos corruptos.

É verdade que a Lava Jato sofre bombardeios e que boa parte deles só tem justificativa em interesses escusos, mas isso não tem nada a ver com a reforma da Previdência. Misturar as discussões é oportunismo e má-fé.

A reforma da Previdência não é apenas essencial para evitar o colapso das contas públicas, é também uma questão de justiça social.

O valor médio mensal das aposentadorias do Poder Judiciário e do Ministério Público está em R$ 22,3 mil e R$ 19,12 mil, respectivamente. Só perdem para os R$ 28,88 mil pagos ao Legislativo, que ironicamente tem a missão de aprovar a reforma.

Esses números são muito superiores aos R$ 7,72 mil dos aposentados do Executivo e aos R$ 5,53 mil do teto do INSS, que vale para a iniciativa privada.

Apesar dessa imensa desigualdade, o governo avalia engrossar a fila de concessões para aprovar a reforma depois do Carnaval. Dessa vez, o afago deve ir para servidores que ingressaram antes de 2003.

Esses funcionários públicos recebem aposentadoria integral, o que significa igual ao seu último salário. Entre os principais beneficiários, estão juízes, procuradores e defensores da União.

"Disseminou-se a desinformação de que não existe regra de transição para os servidores mais antigos, que contribuíram mais para o sistema. Mas não é verdade", diz Pedro Fernando Nery, especialista em Previdência.

Pela proposta já em discussão no Congresso, se cumprirem a idade mínima de 62 anos para homens e 60 para mulheres, esses servidores manterão o direito à aposentadoria integral. Se decidirem se retirar do trabalho mais cedo, terão direito "só" ao salário médio obtido na carreira, o que é efetivamente mais justo em relação ao que contribuíram.

Representantes do Judiciário e do Ministério Público rebatem as críticas dizendo que os servidores não são o principal problema da Previdência, porque o deficit que provocam para o sistema está equilibrado no longo prazo. Isso, no entanto, é uma meia verdade.

Graças às reformas já feitas, funcionários públicos que ingressaram depois de 2013 estão sujeitos à idade mínima e ao teto do INSS. O problema é que esse pessoal só vai começar a se aposentar depois de 2035. Hoje 91% dos servidores ainda se aposenta com salário integral.

Será que vamos ter que esperar pelo menos mais 18 anos para que os brasileiros sejam todos iguais perante a Previdência Social?

Para acabar com o manicômio tributário - CARLOS RODOLFO SCHNEIDER

O GLOBO - 27/12
Planilha que uma empresa de bens de consumo precisa preencher na Europa para recolher tributos tem 50 linhas. O programa usado no Brasil tem 20 mil linhas

O relatório “Doing Business 2017: Medindo Qualidade e Eficiência”, do Banco Mundial, é um dos vários rankings que vêm apontando a queda de competitividade do Brasil. Entre 189 países pesquisados, caímos para a 123ª posição, vindo da 116ª em 2016 e da 111ª, em 2015. Os ex-ministros da Fazenda Maílson da Nóbrega e Joaquim Levy apontam que a reforma tributária, a começar pela simplificação da estrutura de impostos, é essencial para elevarmos a eficiência, a produtividade e a competitividade da nossa economia. Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal, afirma ser essa a agenda mais poderosa para aumentar a produtividade nos próximos anos, e recomenda a criação de um imposto sobre valor agregado para substituir os atuais tributos. A planilha que uma empresa de bens de consumo precisa preencher na Europa para recolher tributos tem 50 linhas. O programa usado no Brasil tem 20 mil linhas. É o nosso manicômio tributário.

O Movimento Brasil Eficiente (MBE) vem há vários anos trabalhando essa agenda e tem levado à discussão, especialmente no governo federal e no Congresso Nacional, o que chamou de Plano Real dos Impostos, uma proposta alicerçada nos seguintes pontos:

aglutinação de diversos tributos em um único Imposto sobre Valor Agregado na Circulação;

a criação de uma Operadora Nacional da Distribuição da Arrecadação, que garantirá a distribuição dos impostos de forma rápida, desburocratizada e neutra (sem ganhadores nem perdedores) a todos os entes da Federação;

o Novo Imposto de Renda agrupando o atual à Contribuição Social Sobre Lucro Líquido para cobrir os gastos da Previdência Social, inclusive a dos servidores públicos;

a criação do Conselho de Gestão Fiscal , para que a sociedade possa dar contribuição efetiva ao aumento da eficiência do gasto público.

A proposta foi elaborada pelo economista Paulo Rabello de Castro e pelo jurista Gastão Toledo, com a preocupação de acabar com a guerra fiscal, e construir um sistema claro e transparente; simples para quem paga, para quem arrecada e para quem fiscaliza. A PEC do MBE para a simplificação tributária vem sendo avaliada, e a criação do CGF já foi aprovada no Senado por proposição do senador Paulo Bauer. Agora tramita na Câmara dos Deputados — Projeto de Lei Complementar 210/2015.

Por outro lado, foi apresentada a uma comissão especial na Câmara a proposta de simplificação tributária do deputado Luiz Carlos Hauly, com quem o MBE interagiu intensamente. Mesmo tendo permanecido diferenças conceituais, entendemos que a sugestão convergiu em muitos pontos para o pensamento do MBE. A eliminação de dez impostos, a criação de um imposto sobre valor agregado e de mecanismos que acabem com a guerra fiscal serão propostos através de 11 projetos de lei e uma emenda à Constituição. Cabe ao Congresso entender a importância desse avanço.

O MBE entende que só com o aumento da eficiência do gasto público será possível reduzir esse peso de impostos, que, mesmo onerando mais uns do que outros, já é um lastro insuportável para todos. Pagamos com não competitividade.

Carlos Rodolfo Schneider é empresário e coordenador do Movimento Brasil Eficiente

A expulsão do embaixador - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 27/12

Com a decisão de declarar 'persona non grata' o embaixador brasileiro na Venezuela, o governo de Maduro tenta fechar deliberadamente mais uma porta para o diálogo com seus vizinho


Com a decisão de declarar “persona non grata” o embaixador brasileiro na Venezuela, Ruy Pereira – o que significa a expulsão do representante, que se encontra no Brasil para as festas de fim de ano –, o governo do presidente Nicolás Maduro tenta fechar deliberadamente mais uma porta para o diálogo com seus vizinhos e, ao mesmo tempo, volta a usar a velha técnica de criar inimigo externo para desviar a atenção da grave crise em que o regime chavista mergulhou o país. Depois do imperialismo americano, chegou a vez de o Brasil e o Canadá – cujo encarregado de negócios foi também expulso – encarnarem aquele inimigo fictício.

O anúncio foi feito no sábado passado pela ex-chanceler Delcy Rodríguez, que agora preside a Assembleia Nacional Constituinte, controlada pelo chavismo e inventada por Maduro para usurpar os poderes da Assembleia Nacional na qual a oposição tem maioria. Em nova demonstração da desfaçatez que se tornou uma das marcas da ditadura que impera em seu país, Rodríguez declarou que aquela medida deve durar “até que se reconstitua o fio constitucional nesse país irmão”, retomando a velha cantilena chavista de que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi um “golpe”.

Maduro e seus acólitos não se conformam com a perda da cumplicidade de Lula da Silva, de Dilma Rousseff e do PT com seus desmandos autoritários. Eles estão entre os últimos que ainda insistem em não ver, ou em fingir que não veem, o desastre político, social e econômico em que o chavismo afundou a Venezuela. Com o governo do presidente Michel Temer, o Brasil abandonou essa aventura irresponsável. Não por acaso, dias antes da expulsão do embaixador brasileiro em Caracas, durante reunião de cúpula do Mercosul, Temer afirmou que a suspensão da Venezuela do bloco, com base na cláusula democrática, foi “uma medida que se impunha”.

E expressou o desejo de que esse país volte à democracia, quando então será recebido de braços abertos no Mercosul. No mesmo dia, o Itamaraty condenou em nota oficial a decisão de Maduro de dissolver os governos municipais da Grande Caracas e Alto Apure, qualificando-a de exemplo do “continuado assédio” contra a oposição. Foi-se o tempo dos afagos dos governos petistas ao autoritarismo chavista.

Embora tratando de forma dura os desmandos do chavismo, o governo brasileiro tem agido de forma serena e responsável. Declarou esperar a confirmação da decisão de considerar Ruy Pereira “persona non grata” – o que “demonstra, uma vez mais, o caráter autoritário da administração Nicolás Maduro e sua falta de disposição para qualquer tipo de diálogo” – para aplicar as medidas de reciprocidade que se impõem em casos como esse. Entre elas estará certamente dar o mesmo tratamento ao mais graduado representante da Venezuela em Brasília.

Mas tudo indica que, pelo menos no ponto em que a situação está, o Brasil insistirá em manter aberta a possibilidade de diálogo. Esse tem sido o comportamento do atual governo. O Brasil ficou sem embaixador em Caracas de agosto de 2016 – por causa da crise diplomática provocada pelo governo Maduro, com suas críticas ao processo de impeachment de Dilma Rousseff – até maio de 2017, quando enviou à Venezuela o diplomata Ruy Pereira.

Esse foi um gesto de boa vontade, não só pelo fato de o Brasil ter novamente um embaixador em Caracas, como também porque Pereira tinha diálogo fácil com os principais líderes chavistas e poderia se entender da mesma forma com os partidos de oposição. É esse canal de entendimento que Maduro tenta fechar e que o governo brasileiro parece disposto a manter aberto, enquanto isso for possível.

É um esforço feito certamente pensando no futuro, quando a Venezuela se livrar do chavismo. E também no presente, porque a crise humanitária, que se agrava a cada dia naquele país, exige que se pense em encontrar formas de ajudar o seu povo, apesar do regime que o oprime e infelicita.

Há juízes pintados para a guerra - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP/O GLOBO - 27/12

Numa entrevista ao repórter Fausto Macedo, o presidente da Associação de Juízes Federais, Roberto Veloso, defendeu o auxílio-moradia de R$ 4.300 mensais livres de impostos pago aos seus pares e aos procuradores.

Uma parte de sua argumentação é sólida, pois, se o magistrado ou o procurador é transferido para outra cidade, faz sentido que receba algum auxílio. Quando Macedo levantou o tema do servidor que recebe o auxílio tendo casa própria na cidade em que vive há anos, Veloso respondeu que "não há uma ilegalidade no pagamento".

"Eu me referia a uma preocupação de caráter moral", esclareceu Macedo.

"Não estamos com essa preocupação. Não é uma pauta nossa", respondeu o presidente da Ajufe.

Alô, alô, Brasil, quando um juiz tem um pleito em nome de sua classe e diz que não se preocupa com a sua moralidade, a coisa está feia.

Segundo a Advocacia-Geral da União, o auxílio-moradia custa R$ 1 bilhão por ano. Dentro da lei, somando-se todos os penduricalhos dos servidores do Judiciário da União e dos Estados, chega-se a cifras assustadoras.

Um relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça em janeiro passado estimou que em 2015 eles custaram R$ 7,2 bilhões. (As 30 toneladas de ouro tiradas de Serra Pelada valeriam R$ 4,6 bilhões em dinheiro de hoje.)

O problema dos penduricalhos volta para a pauta quando se sabe que 7 em 10 juízes ganham acima do teto constitucional de R$ 33 mil.

Na ponta do realismo fantástico, um juiz paulista que foi aposentado e cumpre pena de prisão em regime semiaberto por crime de extorsão recebeu em agosto passado um contracheque de R$ 52 mil. Tudo dentro da lei.

Os penduricalhos e os salários que produzem estão corroendo a imagem do Judiciário, logo a dele, onde uma centena de magistrados e procuradores fazem a grande faxina iniciada pela Lava Jato.

Essa questão pecuniária caiu no meio de um pagode, no qual ministros do Supremo se insultam, Gilmar Mendes descascou a Procuradoria-Geral de Rodrigo Janot e foi por ele acusado de "decrepitude moral".

Desde maio está no gavetão da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, um pedido de Janot para que o ministro seja impedido de julgar casos envolvendo o empresário Eike Batista.

Nas razões que apresentou para desqualificar o pedido de Janot, Gilmar Mendes incluiu um provérbio português como epígrafe: "Ninguém se livra de pedrada de doido nem de coice de burro". Não deu outra.

Caiu na rede um áudio atribuído ao juiz Glaucenir Oliveira, titular da Vara Eleitoral de Campos (RJ), que mandara prender o ex-governador Anthony Garotinho, solto por Gilmar.

Em inédita baixaria, o juiz disse que "eu não quero aqui ser leviano, estou vendendo peixe conforme eu comprei, de comentários ouvidos aqui em Campos hoje. [...] O que se cita aqui dentro do próprio grupo dele [Garotinho] é que a quantia foi alta. [...] A mala foi grande."

Esse é o preço cobrado ao espírito de corpo do Judiciário. Em 2011 o juiz Glaucenir dirigia sem cinto e viu que estava sendo multado por uma guarda municipal. Deu ré, carteirou-a e insultou-a.

Quando ela disse que o levaria à delegacia, o magistrado informou: "Quem vai te conduzir sou eu". Se ele não pagou a multa, a conta ficou para Gilmar Mendes. Ninguém se preocupa quando uma guarda municipal leva uma pedrada.


A defesa do privilégio - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 27/12

Por alguns segundos, a procuradora da Câmara Municipal de Uberlândia ensaia responder às perguntas sobre o reajuste salarial de 20% que os vereadores da cidade mineira concederam a si próprios neste fim de ano, elevando seus vencimentos de R$ 15 mil para R$ 18 mil mensais.

Os argumentos, no entanto, logo escasseiam, e a servidora, num rompante colérico, toma o microfone das mãos do repórter de TV que a entrevista, joga o aparelho sobre a mesa e deixa a sala entre um impropério e uma ameaça.

A defesa de direitos e valores recebidos —ou extraídos— do poder público nem sempre chega às raias da intimidação física, mas costuma ser feroz e obstinada. No caso em tela, questionava-se tão somente como justificar aquelas somas na presente situação nacional.

Ou, vale dizer, num país em que a renda média mensal do trabalho é de R$ 2.127 e União, Estados e municípios amargam rombo anual de R$ 600 bilhões em suas contas.

Como regra geral, privilegiados renegam tal condição. Em recente manifestação favorável ao aumento dos salários dos servidores federais, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) alegou que um ganho mensal de R$ 27 mil —a média percebida no trabalho pelo 1% mais bem pago do país— "não representa a verdadeira riqueza".

O parlamentar, recorde-se, faz parte desse minúsculo contingente, remunerado que é pelo teto do serviço público, de R$ 33,8 mil. Esse limite, aliás, motivou queixas da ministra Luislinda Valois, dos Direitos Humanos, que há pouco deixou o PSDB para ficar no posto.

Mais bem-sucedidas em contornar o teto, como se sabe, têm sido as elites do Judiciário e do Ministério Público —graças a penduricalhos extrassalariais como o infame auxílio-moradia de quase R$ 4.400, generalizado por uma liminar de 2014 do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal.

Só agora, mais de três anos depois, o magistrado liberou para julgamento a ação que deu origem a sua decisão provisória. As corporações já se mobilizam pela preservação do benefício, que, a esta altura, consideram parte justa de seus rendimentos fixos.

Qualquer que seja o desfecho dessa causa em particular, é visível que o colapso orçamentário do país acirra a disputa pelas minguantes verbas disponíveis. Minorias influentes, representadas nos três Poderes, dão mostras de que brigarão por benesses de todas as modalidades e dimensões.

Natal da recuperação - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 27/12

Mais vendas e mais empregos temporários, novos sinais de reativação da economia, marcaram o Natal no comércio varejista, segundo os primeiros balanços



Mais vendas e mais empregos temporários, novos sinais de reativação da economia, marcaram o Natal no comércio varejista, segundo os primeiros balanços. Lojistas de shopping centers faturaram R$ 51,2 bilhões, 6% mais que no ano passado, de acordo com a associação do setor, a Alshop. “Tivemos um faturamento importante”, disse o presidente da entidade, Nabil Sahyoun. “Vínhamos de dois Natais em queda”, acrescentou. O emprego temporário, com 115 mil contratações, foi 5% maior que o de 2016. Parte desse pessoal deverá ser mantida pelas empresas nos meses seguintes, como tem ocorrido em anos de atividade normal. Durante a recessão até as contratações temporárias foram decepcionantes.

Vendas 5,6% maiores que as de 2016, na semana de 18 a 24 de dezembro, foram estimadas pela Serasa, especializada em produção de informações para decisão empresarial. O desempenho do varejo neste Natal, depois de três anos de retração, foi apontado como o melhor desde 2010. Em São Paulo, o volume vendido foi 5,2% superior ao da semana de Natal de 2016, de acordo com o relatório.

Menos de uma semana antes do Natal, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) prognosticou uma celebração com “ceia mais caprichada e presentes com ligeira alta”. Com produtos mais acessíveis, as famílias poderiam festejar com maior fartura. As frutas haviam ficado 13,86% mais baratas, de janeiro a 10 de dezembro. O preço da farinha havia baixado 12,83% e o do bacalhau, 12,31%. Poucos itens encareceram a taxas superiores à da inflação. O lombo de porco foi um deles, com alta de preço de 6,58%.

Com a ceia garantida, sobraria mais dinheiro para presentes, de acordo com a nota publicada pela FGV no dia 19. Os preços dos 19 produtos monitorados subiram em média apenas 0,67%. Alguns caíram sensivelmente, como os do telefone celular (baixa de 6,57%) e do forno de micro-ondas (queda de 4,16%). Calçados infantis subiram 5,67% e jogos para recreação, 4,49%, batendo a inflação, mas com alta muito menor que em anos anteriores.

O Natal mais animado resultou da combinação de vários fatores positivos. O recuo da inflação é um dos mais importantes. Pelas contas da FGV, os preços ao consumidor subiram 3,15% no ano, até 10 de dezembro. A mesma taxa foi estimada para o período de 12 meses. Os números calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são até um pouco melhores, com a inflação do consumidor abaixo de 3% até a primeira quinzena deste mês. Com pequenas diferenças, os vários indicadores apontam, de toda forma, uma forte contenção da alta de preços. Uma das consequências foi a preservação da renda familiar e, portanto, da capacidade de consumo dos brasileiros.

A criação de empregos também reforçou o orçamento. O desemprego continua acima de 12% da força de trabalho, mas o aumento das contratações já contribuiu para a ampliação do poder de compra e para a melhora de expectativas dos consumidores. Em dezembro, o índice de confiança medido pela FGV recuou 0,4 ponto, depois de três meses de alta, mas ficou 13,3 pontos acima do nível de um ano antes.

A redução dos juros facilitou a expansão do crédito às pessoas físicas. Muita gente renegociou dívidas em melhores condições e um grande número de famílias voltou a dispor de algum potencial de consumo, depois de dois anos de restrições muito severas.

Todos esses fatores produziram estímulos à produção e, portanto, à melhora do emprego, alimentando um ciclo de reativação dos negócios. A recuperação apenas começou e deve ganhar impulso em 2018. Pela mediana das projeções de mercado, o Produto Interno Bruto (PIB) deverá crescer 2,68% em 2018 e 2,89% em 2019, consolidando o ciclo iniciado em 2017.

Se os fatos confirmarem essas expectativas, o Brasil combinará crescimento com inflação contida e – muito importante – com finanças públicas mais equilibradas e mais eficientes. Sem este último detalhe – finanças públicas em condições bem melhores –, todo o resto do cenário poderá desmoronar. Convém espalhar essa informação em Brasília.