FOLHA DE SP - 03/10
Há alguns anos, na primeira vez que fui entrevistado no "Roda Viva" da TV Cultura (2011), disse uma frase que até hoje ressoa: "O Viagra fez mais pela humanidade do que 200 anos de marxismo".
Legiões de "haters", essa nova atividade nascida com as redes sociais, abominam essa afirmação e a tomam como "alienada". O "hater" é o irmão gêmeo do "loser" –a diferença é que o "loser" não é histérico.
De fato, pode parecer uma comparação absurda, mas ela é, na verdade, bastante séria em termos filosóficos, sociológicos e psicológicos.
Mas, antes, deixemos claro que o contexto era de crítica ao marxismo, óbvio. Mas não ao marxismo como método materialista enquanto tal. Considero o método materialista uma ferramenta, entre outras, bastante eficaz na análise da história e da sociedade.
O que considero delirante é sua dialética metafísica envergonhada em nome do "bem político": a história não está caminhando para lugar nenhum, e a violência entre as "classes" é parte da violência generalizada do mundo, sem foco, sem destino, seu causa "racional", e quem se diz a favor do "bem político" é só gente autoritária e mentirosa.
Os marxistas estão errados em sua análise histórica metafísica. O marxismo se tornou (não era) um cabide de emprego para professores e intelectuais medíocres em geral.
Prefiro métodos mais modestos, como o do filósofo Isaiah Berlin (século 20). O autor inglês dizia que você pode ser um porco-espinho ou uma raposa em matéria de método de estudo ou pensamento.
Porcos-espinhos, como Marx e Freud, pensam que uma ferramenta grandiosa, à qual dedicam suas vidas inteiras, pode iluminar o mundo todo, ou quase todo ele.
Raposas, como o próprio Berlin, são intelectuais "vadios" e "volúveis", como raposas que cheiram tudo e usam tudo que lhe é útil sem "fidelidades conceituais quaisquer" ou respeito pela "totalidade" de conceito algum.
Para uma raposa nunca se está chegando perto de alguma "verdade definitiva", nem em termos de método, nem em termos de objeto.
Considero-me mais uma raposa do que um porco-espinho, por isso considero o materialismo histórico essencial como análise de mundo, mas o "resto" profético marxista (o que de fato é pregado pelos seus apóstolos) em nome do "bem social dos mais fracos", parece-me um delírio metafísico infantil ou perverso.
E o Viagra com isso? Filosoficamente, diríamos que ele faz parte do espectro materialista bioquímico, "apenas". Trata-se de uma molécula, "apenas". Fruto da pesquisa farmacêutica.
Quando afirmo que ele fez mais pela humanidade do que 200 anos de marxismo, quero dizer que uma "mísera" molécula faz mais pela humanidade do que um monte de gente "bem-intencionada" masturbando-se intelectualmente a fim de atingir seu próprio gozo moral de "gente legal" com o mundo.
Cientistas trabalhando em troca de salários ajudaram muito mais a humanidade com sua "mísera molécula" do que os revolucionários da igualdade.
Sociologicamente falando, uma medicação é fruto do interesse em lucro da indústria farmacêutica, normalmente vista pelos bonitinhos como malvada e porca capitalista, enquanto o marxismo é um grupo de pessoas pensando para o "bem" da humanidade. E aí vem o susto!
Os porcos capitalistas e seus alienados cientistas fizeram mais pela humanidade do que 200 anos de gente bonitinha junta "rezando".
Psicologicamente falando, o Viagra é a prova de que o materialismo bioquímico pode causar transformações psíquicas e psicossociais, às vezes, mais determinantes do que teorias mirabolantes sobre o que fazer para as pessoas superarem um dia a dia esmagador e sem sentido.
Com isso, não quero negar o valor da psicanálise nem certos efeitos nefastos de alguns psicofármacos, apenas dizer que, às vezes, a simples recuperação de funções fisiológicas essenciais leva a vida "para o lugar certo" rapidamente, sem discursos sofisticados sobre o que vem a ser a vida psicológica sã.
Esse é um caso semelhante ao da pílula anticoncepcional e o feminismo. Sem a pílula, o feminismo seria uma mera seita, como o marxismo se tornou.
O Globo - 03/10
A firmeza no controle de gastos públicos pela primeira vez em plano de estabilização é fundamental para a rápida estabilização da economia
"A culpa não é minha”, afirmou Michel Temer em evento empresarial na semana passada, atribuindo a Dilma Rousseff a gravidade da crise. Anunciou também ter a vontade política de corrigir a irresponsabilidade fiscal vigente: “Ao assumir a Presidência, nos impusemos a missão de inocular uma vacina capaz de imunizar o país contra o populismo fiscal. Se eu ficar impopular, mas o Brasil crescer, me dou por satisfeito”.
Moreira Franco, a bússola do governo Temer, já havia assegurado “um presidente muito mais firme após o impeachment”, garantia de que não seriam portadores da “síndrome de ilegitimidade” que arrastou o governo Sarney à ilusória busca de popularidade, mergulhando o país na tragédia histórica da hiperinflação.
Reconhecendo a excepcionalidade das circunstâncias políticas que os levaram a construir uma “Ponte (sobre o abismo econômico) para o futuro”, o ministro virtual reafirmou no mesmo evento a inexistência de interesses eleitorais no curto horizonte de mandato desse governo: “Sabemos das dificuldades de conciliar o duro enfrentamento do desequilíbrio fiscal com quaisquer aspirações eleitorais, e estamos todos no governo alinhados na determinação de enfrentar o descontrole de gastos públicos pela primeira vez em um plano de estabilização”. Estaria afastada, portanto, a maior ameaça ao desempenho desse governo: postergar as reformas de olho nas eleições de 2018. A recuperação da confiança e a retomada dos investimentos exigem reformulação de marcos regulatórios, privatização e venda de ativos nas áreas de óleo, gás, energia e leilões de concessões de infraestrutura. Sob a coordenação de Moreira Franco em torno do eixo do Programa de Parcerias de Investimentos, “ministérios da área econômica, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal se falam todos os dias. Maior integração e alinhamento nunca se viu antes”, garantem o secretário do PPI e a presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques. Encerrou o evento o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, destacando a importância da reversão de expectativas inflacionárias para uma rápida estabilização da economia. Manifestou otimismo quanto à aprovação das propostas do “teto de gastos” e da “reforma da Previdência”. Como diz um amigo, “melhor, só se for verdade”.
ESTADÃO - 03/10
Como o partido que se anunciou como o da redenção nacional pôde cair tão baixo?
Qualquer cidadão, por mais desatento que seja, fica estarrecido com o destino do PT. Um destino político que se tornou policial. Não há dificuldade em fazer uma reunião da cúpula petista no xilindró! Lá já estão ex-ministros, tesoureiros, líderes partidários, e assim por diante. Outros estão na fila, o que vai completar esse quadro da derrisão.
A verborragia da “perseguição política” e do “golpe” nada mais é que uma tentativa desesperada dos que não foram ainda condenados ou presos, procurando, assim, escapar do encarceramento iminente. Os que acreditam em tal palavreado mais parecem religiosos que se apegam a dogmas. Seriam dignos representantes da religiosidade petista e comunista. O partido da “ética na política” tornou-se o símbolo mesmo da imoralidade e da corrupção.
Cabe, então, uma pergunta: como pôde esse partido, que se anunciou como o da redenção nacional, cair tão baixo?
Talvez seja um equívoco conceitual considerar o PT como social-democrata, do gênero dos partidos europeus que, tendo começado com o marxismo, enveredaram para uma óptica de transformação social do capitalismo, no amplo reconhecimento da economia de mercado e do Estado Democrático de Direito. Embora algumas mentes mais lúcidas do partido tenham tentado impor essa nova visão, ela terminou não prevalecendo, dada a animosidade partidária contra a propriedade privada, a economia de mercado, a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral e a democracia.
Não é suficiente considerar as medidas sociais tomadas pelo PT quando no exercício do poder como essencialmente social-democratas, dado que a própria experiência europeia mostra que os partidos democrata-cristãos na Itália e na Alemanha, além da direita francesa com De Gaulle, seguiram política semelhante. Aliás, muitas medidas sociais, por exemplo, na Inglaterra, nasceram das consequências sociais da 1.ª Guerra, no cuidado de órfãos, viúvas e idosos.
Há uma tentativa ainda em curso no País de salvar a concepção de esquerda das consequências dos governos petistas. É curioso, pois é como se a ideia de esquerda fosse imaculada, desde sempre válida, o problema consistindo, então, em sua má realização. Ora, trata-se de uma ideia fundamentalmente religiosa, dogmática, pois a experiência histórica mostra que a realização das ideias de esquerda culmina sempre no totalitarismo, no desastre econômico-social, em políticas liberticidas, quando não no assassinato coletivo de milhões de cidadãos.
No Brasil, ela está acabando na prisão. Dos males, o menor, pois o País tem uma chance de revigorar sua mentalidade, sua concepção, e empreender um novo caminho. O que não pode – nem deve – é permanecer em mera repetição histórica.
Analisemos alguns dos fatores do malogro petista, tendo presente que não estamos diante de nenhum acidente de percurso, mas de algo inerente a esta lógica esquerdista. A corrupção seria um elemento central.
Primeiro – O intervencionismo dos governos Dilma e Lula em seu segundo mandato origina-se de profunda desconfiança quanto à economia de mercado, à propriedade privada e à livre-iniciativa. Tudo foi feito para limitar a vida dos empreendedores, salvo os grandes grupos empresariais e financeiros que se aliaram ao assalto ao Estado e aos seus “benefícios”. As bases da corrupção já se faziam presentes tanto na alocação de recursos quanto na necessidade de os empresários comparecerem aos balcões da propina. As delações bem mostram o compadrio entre eles.
Segundo – O PT considerou o lucro como algo moralmente negativo, algo a ser evitado, devendo os membros partidários se apresentar como as encarnações do bem, por mais falsa que fosse essa representação. O lucro deveria ser controlado por uma elite burocrática partidária, imbuída do esquerdismo de suas concepções.
Terceiro – Ora, se o lucro era desprezível, qualquer medida para combatê-lo seria justificável, até mesmo extorquir empresários para dele compartilharem. Ou seja, se o lucro não era legítimo, a propina e a corrupção enquanto formas de partilha seriam justificáveis, sobretudo se feitas em nome do partido. Note-se que até hoje o partido considera como válida a distinção entre corrupção privada e partidária, a segunda tendo valor moral.
Quarto – De acordo com essa perspectiva, os fins (partidários) justificariam os meios (a corrupção, a propina, saquear estatais), de tal maneira que a imoralidade e a ilegalidade nada mais seriam do que meios de atuação partidária. A imoralidade partidária foi, assim, erigida em princípio.
Quinto – A corrupção petista, no entanto, não se restringiu a enriquecer os cofres partidários, mas se alastrou também para os bolsos de seus membros. Os milhões de enriquecimento individual saltam aos olhos e assombram qualquer um. Foi, digamos, um meio perverso de conversão ao capitalismo, tudo passando a valer.
Sexto – Essa conversão perversa é, assim, o fruto de uma concepção do mercado como não tendo nenhuma regra, onde tudo valeria. Na verdade, essa concepção termina por identificar o mercado ao contrabando, não imperando nenhuma lei. E se a lei não vigora numa economia de mercado, por que os membros do partido deveriam segui-la?
Sétimo – Para que tal política fosse bem-sucedida seria necessário que a imprensa e os meios de comunicação em geral fossem controlados e supervisionados, de tal modo que a verdade não fosse revelada. Foram inúmeras as tentativas do governo Lula de exercer esse controle, aquilo que foi eufemisticamente qualificado como “controle social dos meios de comunicação”. O “social” era o acobertamento da corrupção. Isto é, a corrupção e a imoralidade partidária não poderiam tornar-se públicas, pois o projeto partidário terminaria inviabilizado. E é isso que, de fato, está acontecendo.
*Professor de filosofia na UFRGS.
FOLHA DE SP - 03/10
BRASÍLIA - O PMDB de Michel Temer ficou bem mal na foto nas três principais capitais do país. Perdeu feio em São Paulo, no Rio e em Belo Horizonte. Para quem comanda hoje o país, era de se esperar resultado no mínimo um pouco melhor.
Afinal, nestas grandes cidades do chamado triângulo das bermudas da política, o pleito costuma sofrer mais influência de temas nacionais. Talvez aí esteja uma das razões da derrota dos aliados do presidente.
O peemedebista herdou de sua antecessora, Dilma Rousseff, uma herança maldita. Para consertar o estrago deixado pela petista, o receituário é amargo e impopular: ajuste fiscal e reforma da Previdência.
Não por outro motivo, Temer driblou os protestos programados para a hora de seu voto. Antecipou sua ida à seção eleitoral e escapou de vaias e xingamentos certos. Aplausos, dos eleitores, ele ainda não garantiu e vai demorar para conquistar.
Sua agenda, de fato, é ingrata. Não rende votos nem simpatia. Corta verbas de programas federais e vai fazer o brasileiro trabalhar mais para ter direito à aposentadoria. Só que ele não tem outra saída, já que o estrago deixado por Dilma é gigantesco.
Daí que, no segundo turno, ele deve manter a mesma posição do primeiro. Não interferir nas campanhas. Não porque possa beneficiar esse ou aquele candidato governista em detrimento de outros, mas porque sua presença, hoje, é indesejável para quem quer ganhar a eleição.
Temer, até aqui, tem prometido não se curvar ao populismo diante das vaias que tem enfrentado ou delas escapado, como na eleição em São Paulo. Diz não ter medo da impopularidade, desde que consiga equacionar a crise econômica do país.
Na fase da interinidade, ele emitiu sinais contraditórios nesta seara. Tinha a justificativa de ainda não ser definitivo. Agora, o que dele se espera é exatamente o que está prometendo. Fazer o que tem de ser feito. Se assim o fizer, por enquanto é conviver com as vaias e até fugir delas.
O Globo - 03/10
O PT saiu de terceira maior legenda em termos de prefeitos e vereadores do país para o décimo lugar, e terá que começar do início.
Em SP, o pior fracasso do PT em muitos anos. O que seria uma vitória parcial capaz de amenizar os reveses nacionais do partido acabou se transformando em uma derrota acachapante. Pela primeira vez nas disputas para a prefeitura de São Paulo, um prefeito foi eleito no primeiro turno, e não foi do PT, e nem mesmo um político tradicional.
O tucano João Doria transformou-se na maior vitória do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e foi o responsável pela maior derrota eleitoral do PT nos últimos anos.
O prefeito Fernando Haddad, rejeitado pela população da cidade, sonhou disputar o segundo turno contra Doria, mas teve que cancelar a entrevista coletiva que daria saudando o feito para telefonar para o vencedor.
O ex-presidente Lula, testando mais uma vez sua verve de prestidigitador, ainda anunciou surpresas a favor do PT nessas eleições municipais, mas a derrota tão devastadora nem mesmo pode ser qualificada de surpreendente, dados os últimos acontecimentos em torno da legenda.
O PT saiu de terceira maior legenda em termos de prefeitos e vereadores do país para o décimo lugar, e agora vai ter que começar do início. Pior que isso só o fato de que o maior rival, o PSDB, deve sair como o maior vencedor dessas eleições, tendo a vitória em São Paulo como seu grande trunfo.
Do ponto de vista pessoal, as lideranças petistas mais visíveis, os ex-presidentes Lula e Dilma, transformaram-se em pesos políticos para seus seguidores. Lula gravou programas de televisão para a campanha de Haddad, que não foram ao ar por recomendação dos marqueteiros do prefeito. Lula, só em carreatas em locais específicos onde ainda detinha algum valor eleitoral, na periferia paulistana.
Mas, mesmo assim, João Doria ganhou eleitores nessas periferias antes dominadas pelo PT. As derrotas petistas em diversos municípios do entorno da capital, inclusive no berço do PT, São Bernardo do Campo, são mais sinais de que o partido entrou em declínio, e terá muito problema para se reorganizar para 2018.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, se fosse para o segundo turno, mesmo que perdesse para Doria como tudo indicava, poderia representar uma renovação do PT. Mas nem isso sobrou para ele, que, se quiser continuar na vida pública, terá que mudar de legenda.
ESTADÃO - 03/10
Alckmin arrasta sozinho as fichas da vitória de Doria, que ele tirou do bolso do colete
Alckmin arrasta sozinho as fichas da vitória de Doria, que ele tirou do bolso do colete
A crônica política terá de encontrar um novo apelido para o governador Geraldo Alckmin. A era Picolé de Chuchu chegou oficialmente ao fim.
Não se sabe se a vitória surpreendente e acachapante colhida pelo tucano ontem, não só na capital, mas em todo o Estado, se traduzirá automaticamente em favoritismo na disputa interna para definir quem será o candidato do PSDB à Presidência da República em 2018. Isso dependerá de diversos e em grande medida imponderáveis fatores.
Mas é certo que a caricatura que se fazia de Alckmin até aqui, de um político insosso, algo caipira, menos “de raiz” que outros expoentes do PSDB de São Paulo, não é mais compatível com a realidade do partido e do Estado que emergiu das urnas ontem.
Alckmin tirou João Doria Jr. literalmente do bolso do colete. Não faltaram vozes no interior da sigla a profetizar que ele ficara maluco, que estaria agindo “com o fígado”, disposto apenas a tratorar internamente aliados de José Serra e Fernando Henrique Cardoso, que estaria “jogando fora” a vitória que o partido colheu em 2014 com um político desconhecido e difícil de emplacar na periferia, um “coxinha”.
Nunca tantas teses caíram por terra de uma vez só. Doria venceu em praticamente todas as regiões da cidade, com base num marketing que enfatizava justamente o fato de não ser político. Numa eleição em que Fernando Haddad escondeu Lula na TV e Marta Suplicy parecia nem ser do mesmo partido do presidente Michel Temer, Doria levou o padrinho à TV e à rua, defendeu Alckmin nos debates e prometeu aliança com o governo do Estado.
Já na reta final, quando o coxinha já era mais visto na cidade como o “João trabalhador” do jingle de campanha, os tucanos históricos que antes lhe torciam o nariz tentaram surfar a onda alckmista. FHC gravou uma mensagem protocolar, genérica, mas outros, como o presidente nacional do partido, Aécio Neves, foram mais efusivos.
Tudo em vão. Essa é uma rodada da roleta em que não há como Alckmin não arrastar todas as fichas sozinho. Nem aliados próximos, como o ex-secretário da Casa Civil Edson Aparecido, concordaram com a escolha de Doria. Alckmin insistiu. E venceu.
Mostrou, assim, uma característica bem diferente do aguado chuchu: deixou claro que quem manda no PSDB em São Paulo é ele, que não há outro cacique a dar as cartas no Estado. Isolou José Serra. O ministro de Relações Exteriores se manteve distante do palanque de Doria até o final.
Não foi só na capital que Alckmin venceu: o PSDB elegeu prefeitos ou estará no segundo turno em muitas das principais cidades do Estado, da região metropolitana ao interior. A onda azul praticamente varreu o PT do mapa no Estado de Lula, algo que aconteceu também no plano nacional.
E agora? Alckmin é favorito para a sucessão presidencial em 2018?
Muita calma nessa hora. Fazer um prognóstico dois anos antes é sempre arriscado. Na estrutura nacional do PSDB, o senador Aécio Neves ainda tem mais apoios. O mineiro também colocou um aliado, João Leite, no segundo turno em Belo Horizonte, e o PSDB se recuperou no Estado, onde Aécio perdera para Dilma Rousseff em 2014.
A nova correlação de forças internas que emergirá das eleições municipais ainda levará algum tempo para ser conhecida. A Lava Jato também v ai desempenhar um papel de desempate na disputa interna: quem escapar incólume do mar de lama que será derramado com delações como as da Odebrecht e da OAS será favorito na corrida.
Alckmin dependerá, ainda, de um bom governo de seu afilhado. Não foram poucos os prefeitos de São Paulo tirados da cartola de padrinhos que fracassaram -- de Celso Pitta/Maluf a Fernando Haddad/Lula.
Nada disso, no entanto, tira de Alckmin o título de grande vencedor das eleições nem afasta a necessidade de um novo apelido para o governador. Está lançado o desafio.
FOLHA DE SP - 03/10
Os milhares de prefeitos já eleitos —e os candidatos que ainda sairão eleitos pelas urnas no 2º turno— têm pela frente um cenário de governança extremamente difícil e desafiador.
Em resumo, terão que lidar com os dramáticos efeitos, sobre a administração de suas cidades, da pior recessão das últimas décadas, inflação alta, paralisia de investimentos, endividamento e inadimplência da população. E, em especial, com o desemprego em escalada, que alcança hoje cerca de 12 milhões de brasileiros.
Tudo isso vem afetando diretamente a vida nas cidades, que ficou muito mais penosa e difícil para a população. E compromete também as tarefas e os serviços mais básicos sob responsabilidade direta das prefeituras.
Como se sabe, somos um país de milhares de pequenos municípios ainda quase totalmente dependentes dos repasses do fundo de participação, que vem tendo queda significativa. Soma-se nesse contexto a crônica incapacidade do governo federal de ressarcir e compensar as desonerações feitas a esmo nos últimos anos e que atingiram a arrecadação de Estados e municípios e a do próprio país durante o ciclo de governos petistas.
Acrescenta-se à diminuição das receitas repassadas às prefeituras, os milhares e milhares de pequenos negócios locais engolfados pela recessão e que acabaram fechando suas portas, além dos empreendimentos de porte que patinam sem confiança ou capacidade de investir.
Como se isso não bastasse, além da impossibilidade de realizar investimentos, há hoje pelo menos 13 Estados com dificuldade de manter a folha de pagamento em dia e com crescente precarização dos serviços públicos em áreas cruciais, como saúde e segurança.
Ou seja, cada vez mais há insuficiência de recursos para fazer o básico em uma hora em que as parcelas mais vulneráveis da população precisam tanto da ação efetiva do poder público para minimizar suas dificuldades.
Considerando esse cenário de múltiplas perdas, o princípio clássico mobilizador das gestões modernas, "fazer mais e melhor, com menos", precisará ser alçado dos discursos generalistas e dos manuais teóricos de reengenharia governamental para o dia a dia e a realidade das administrações municipais.
Austeridade, transparência, eficiência, controle rigoroso e qualidade do gasto público não compõem apenas mais um elenco de escolhas ou de um modelo de gestão. Tornaram-se obrigações e o único caminho possível para vencer a ingovernabilidade.
Dizem que em toda experiência há sempre algum ganho. Nesse caso, talvez seja esta a lição que precisamos aprender depois de anos
e anos de farra dos gastos públicos e lamentável irresponsabilidade.
O Globo - 03/10
Sem dúvida, é preciso debater a reforma. Mas deve-se reconhecer que foi dado um passo correto
A crise do ensino médio há muito tempo entrou no radar de governos e de especialistas. Assim que foram criados os sistemas de aferição da qualidade do ensino e passou a ser possível fazer comparações, ficou evidente que os anos finais do ciclo básico não davam continuidade a melhorias verificadas na parte inicial dos estudos.
Estabelecidas metas, num entendimento entre organismos da sociedade e o Ministério da Educação, e iniciado o seu acompanhamento, consolidou-se a constatação de que o ensino médio estacionara na mediocridade. A divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2015 confirmou que o ensino médio, pelo terceiro ano consecutivo, estabilizou-se na nota de 3,7, quando a meta para 2015 era de 4,3.
Algo precisava mesmo ser feito com urgência. Há um projeto de lei de reforma deste ensino estacionado no Congresso desde 2013, e, diante da estratégica e pesada pauta do Legislativo para o ajuste fiscal — teto dos gastos, reforma da Previdência etc. —, não havia qualquer previsão de quando a proposta tramitaria. Assim, o uso do instrumento da medida provisória foi decisão correta do governo. Mesmo porque, embora ela entre em vigor de forma imediata, não se suprimem debates e emendas no Congresso. Centenas, por sinal, já foram apresentadas — por certo, um exagero.
Logo na edição da MP, o governo cometeu o primeiro erro, ao retirar do currículo obrigatório do ensino as disciplinas de Educação Física e Artes. Mas voltou atrás, porém condicionando a permanência das matérias à aprovação da Base Nacional Comum Curricular. Até lá, os debates mostrarão o equívoco.
Um dos principais eixos da reforma é inatacável: acabar com as 13 disciplinas fixas e criar cinco campos de conhecimento, colocados à disposição do aluno — linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino técnico. Este, uma histórica reivindicação.
Depois de todos cursarem disciplinas comuns no início do ciclo, optam por uma das áreas. Com isso, resolve-se sério problema neste ensino: a rigidez do currículo. Cria-se, então, um atrativo importante para o adolescente se manter na escola. Em certa medida, é um retorno ao sistema do passado, em que o estudante escolhia entre o “clássico” e o “científico”, ciências humanas e exatas. E que funcionava. Indicador evidente da inadequação do ensino, a evasão é alarmante: há, na faixa de 15 anos a 17 anos de idade, 1,7 milhão de jovens fora da escola, assustadores 16% desse estrato da população. Um currículo flexível — bem ministrado — deve funcionar como um atrativo ao aluno. Outra medida importante é o aumento da carga horária, em direção ao período integral de estudo.
Sem dúvida, é preciso debater a reforma. Mas deve-se reconhecer que foi dado um passo na direção certa.