segunda-feira, junho 03, 2019

A tese da ignorância racional - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 03/06

O voto seria matematicamente irrelevante do ponto de vista individual


Existem formas distintas de ciência política, que começam a ficar mais claras para o leitor brasileiro interessado no tema.

A democracia se encontra em estado de atenção, não porque ela esteja acabando (mas, pode sim acabar, como tudo que é histórico), mas porque mudanças ocorreram desde o final da Guerra Fria, quando se achava que o mundo ia discutir apenas como ficar mais rico, mais legal, mais fofo, à semelhança da publicidade politicamente correta, essa bobagem.

Crises econômicas, a China como potência geopolítica, fluxos migratórios “indesejados” na Europa, diminuição da soberania popular na União Europeia, crescimento dos populismos, estreia das mídias sociais como ferramenta de vocação populista e anti-institucional, enfim, são causas que se fazem também consequências e se acumulam criando uma atmosfera, às vezes, com tons apocalípticos aqui e ali.

Estávamos acostumados com um tipo de ciência política ideológica (combate por “causas” diversas) ou preocupada com as virtudes da democracia (como fazer o eleitor mais consciente, como garantir pesos e contrapesos operantes, como garantir a separação entre os poderes da República). Os diversos tipos de ciência política não operam uns contra os outros, só os equivocados pensam isso.

A ciência política empírica, cética ou “desencantada”, como me disse Mark Lilla no Fronteiras do Pensamento no ano passado, não agrada a todos. A expressão desencantada nos traz ecos weberianos. O desencantamento do mundo, tema caro a Max Weber (1864-1920), se inicia com os profetas hebreus, segundo nosso sociólogo clássico.

Ilustração Ricardo Cammarota

No momento em que esses profetas dizem que Deus quer que Israel cuide das viúvas e dos órfãos e não que faça sacrifícios animais no templo, nasce a crítica do pensamento mágico na religião, ao lado da dimensão ética da religião israelita. Posteriormente, a ciência e sua crítica ao pensamento mágico aplicado à natureza amplia esse processo de desencantamento.

Uma das marcas de uma ciência política desencantada seria uma ciência política dedicada à busca do entendimento do comportamento dos agentes políticos para além dos mitos, dogmas ou lendas que possamos ter a respeito deles. Alguns pensam que ela teria um ancestral direto em Maquiavel (1469 – 1527), por conta de sua não idealizada análise da natureza humana.

São muitos os mitos, dogmas e lendas sobre o eleitor a serem quebrados. O “eleitor doutor” não vota “melhor”, no sentido de carregar menos viés ideológico em suas escolhas. Tampouco o nível de educação em geral garante menos vieses.

Ninguém tem tempo para se informar muito sobre política em geral, afora profissionais partidários, publicitários e militantes, altamente enviesados, e jornalistas e intelectuais em geral, também com risco de viés ideológico.

Na imensa maioria dos casos, as pessoas estão ocupadas e buscam (quando buscam) informação sobre política apenas pra reforçar sua escolhas e simpatias prévias. Aqui, a dimensão irracional influencia fortemente a racional, mais do que, possivelmente, quando compramos celulares. Somos mais racionais na escolha de celulares e seguros de saúde do que quando votamos.

São muitas as referências bibliográficas disponíveis que abordam essa mitologia do comportamento do eleitor. Hoje vou indicar uma: “The Myth of the Rational Voter”, de Bryan Caplan, de 2007, da Princeton University Press. Numa tradução direta, “O Mito do Eleitor Racional”.

Este é um clássico, fonte para muitos dos cientistas políticos “desencantados” dos últimos três ou quatro anos.

O livro mapeia pesquisas que mostram a baixa racionalidade do eleitor, em alguns dos sentidos que apontei acima. Mas um desses sentidos “desencantados” é, justamente, uma das poucas dimensões racionais da escolha do eleitor: ele dedica quase tempo nenhum à sua escolha porque ele sabe que um voto não significa nada. Ele opta racionalmente por ser ignorante em matéria política. Daí essa tese ser conhecida como a tese da ignorância racional.

A ideia de que o homem age racionalmente otimizando ganhos e recusando perdas, num sentido basicamente econômico e ético, é de raiz utilitarista. Esta tese da escolha racional fundamenta a tese da ignorância racional: dedicamos mais tempo à escolha informada e racional acerca de celulares e seguro de saúde, como disse acima. O voto seria “matematicamente” irrelevante do ponto de vista individual. Com as mídias sociais, esse ignorante racional ficou empoderado.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

PT e Bolsonaro conspiram contra os estudantes - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 03/06

O petismo e Jair Bolsonaro finalmente estão juntos numa mesma causa. Ambos se esforçam para desmoralizar o movimento que levou estudantes às ruas enrolados na bandeira da Educação. Bolsonaro grudou na rapaziada a pecha de "idiotas úteis". E o petismo, como que decidido a provar que o capitão tem razão, defende que os manifestantes incluam na sua pauta de reivindicações o "Lula livre."

"Lula e Educação são inseparáveis", declarou a deputada Gleisi Hoffmann neste domingo, num ato em defesa do presidiário petista. "Essa moçada está indo às ruas pelo legado que Lula deixou nesse país", acrescentou Gleisi, que preside o PT federal. Paulo Okamotto, o faz-tudo de Lula, ecoou Gleisi: "A campanha do Lula Livre, que no nosso caso é mostrar o julgamento injusto que ele teve, se junta à pauta da educação."

Misturar a defesa da libertação de um corrupto de segunda instância com a causa educaciomal seria algo tão adequado quanto torcer por um time na arquibancada da torcida do principal rival.

Duas das coisas mais perigosas do mundo são a imprensa livre e a educação de qualidade. Juntas, elas levam fatalmente à conscientização política. Num cenário ideal, Lula e Educação só poderiam se juntar na percepção de que a roubalheira estimulada por um prejudicou o financiamento da outra.

Em meio à insensatez, coube a Fernando Haddad, derrotado por Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial de 2018, fazer o contraponto. Para ele, o PT não pode "ter a pretensão de tutelar movimento social". Mais sóbrio que seus correligionários, Haddad acrescentou: "O movimento da educação é um movimento da sociedade, independentemente da posição que a pessoa tenha em relação ao PT e ao Lula."

Muitos petistas confundem a memória fraca que os faz esquecer da pilhagem aos cofres públicos com a consciência limpa. Preferem ser oportunistas e surfar na insatisfação dos estudantes com o congelamento orçamentário do que permanecer no fundo acorrentados à bola de ferro de Lula. Uma bola que tende a se tornar mais pesada com as novas condenações que ainda estão por vir.

O 'Lula livre' apareceu nas duas manifestações de estudantes assim como a defesa da volta da ditadura surgiu no ato pró-Bolsonaro, de maneira bastante residual. Se o PT conseguir transformar alunos em "idiotas úteis" ficará demostrado que encontrou o material que Bolsonaro assegura existir. Nessa hipótese, os protestos estudantis é que não merecerão existir.

A Indústria 4.0 vai mudar a lógica da gestão de pessoas. Você está preparado? - CAMILA FARANI

GAZETA DO POVO - PR 03/06


A pergunta que te faço hoje para reflexão é: como gerir pessoas em tempos de extremas incertezas e mudanças rápidas? Pessoas e processos sempre foram o centro de tudo nas empresas, certo? Bem, essa lógica começa a ser alterada com a chegada da Indústria 4.0, considerada a grande revolução dos dados. Sabe o que significa? A internet está revolucionando o planeta, a forma de comunicação, o acesso à informação e a forma de consumo.

Depois da Revolução Industrial, a Indústria 4.0 é a era dos dados que está transformando novamente a maneira como o mundo funciona, com a automação dos processos. É o advento das máquinas inteligentes, da análise computacional avançada de dados e do trabalho colaborativo entre pessoas conectadas para gerar profundas mudanças e trazer maior eficiência operacional para setores industriais. Você já está entendendo onde quero chegar? E o que isso vai alterar na lógica da gestão de pessoas nas organizações? Tudo.

Muitas profissões já estão deixando de existir. O setor bancário é um que já está sentindo na pele esses efeitos. Já percebeu que as agências bancárias estão se tornando digitais? Que os robôs, assistentes virtuais, estão tomando o lugar dos gerentes bancários? No dia a dia não percebemos, mas esse é apenas um dos exemplos. Em 2017, a startup brasileira, Tikal Tech, criou o primeiro robô assistente de advogado do Brasil. O robô Eli usa inteligência artificial para acelerar o andamento de processos, analisar dados e produzir pareceres jurídicos. Não é algo que vai acontecer. Já aconteceu.

A questão é que as startups respondem mais rapidamente a essas mudanças, pois já nascem com esse DNA empreendedor e digital. As estruturas internas já nascem enxutas, menos hierárquicas e burocráticas. As respostas ao mercado conseguem ser mais rápidas e a estratégia é compartilhada por todos. As organizações tradicionais que não se adequarem a esse novo modelo vão morrer. Isso é fato. E o RH Estratégico tem um papel fundamental nesse processo. Existem quatro pontos importantes para a gestão estratégica de pessoas acontecer:

1- Alinhamento de todos os setores da empresa com a estratégia;

2 - Necessidade de as políticas estarem alinhadas com a cultura da organização;

3- Atitudes e comportamentos dos gestores alinhados à cultura;

4 - Alinhamento dos colaboradores ao negócio.

De acordo com a Endeavor, a gestão de pessoas é apontada por 28% dos empresários como o principal desafio do negócio. Dessa forma, ser estratégico em gestão de pessoas nas organizações deixou de ser uma opção para ser uma condição de sobrevivência. E isso as startups sabem fazer muito bem.

O relatório Creating People Advantage, da Boston Consulting Group, que entrevistou 3,5 mil profissionais de recursos humanos em várias partes do mundo, mostrou que uma empresa que implementa essas diretrizes tem resultados financeiros duas vezes maior do que uma empresa que não possui uma gestão de pessoas. A gestão do RH precisa dialogar com o modelo de negócio em que está inserido. Além disso, precisa estar atualizado sobre tecnologias e saber se comunicar com os colaboradores de maneira eficaz.

Como as startups fazem isso? Elas possuem uma cultura tão forte e atraente que os colaboradores se tornam “evangelistas”. Elas “compram” o propósito dessas empresas. Os processos são mais humanizados e com metas claras. Com isso, elas geram mais valor, produtividade, motivação e resultados superiores. Consequentemente, uma empresa que gerencia pessoas de forma estratégica é mais criativa e mais inovadora, porque coloca os colaboradores no centro do processo. Eles são os principais agentes da inovação.

E, por fim, como vamos nos diferenciar das máquinas? Hoje o que importa não são pessoas técnicas, mas sujeitos prontos para resolução de problemas de forma rápida. Estamos vivendo a era da chamadas soft skills (ou traduzindo, habilidades leves). O que vai nos diferenciar são nossas habilidades cognitivas, ou seja, competências comportamentais. São elas: o poder de liderança, a empatia, a criatividade, a habilidade de solucionar problemas, a resiliência, a adaptabilidade e o controle emocional. Uma pesquisa do Capgemini's Digital Transformation Institute de 2017, apontou que 60% das empresas estão em uma crise de soft skills entre seus funcionários. Ou seja, a pergunta que fica é: como vamos preparar essa mão de obra para o futuro?

Privatizações em jogo no STF - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 03/06


"O futuro de parte importante do plano de privatizações e de redução do tamanho do Estado elaborado pelo governo Jair Bolsonaro será decidido nos próximos dias, no Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros decidirão se estatais como Petrobras e Eletrobrás precisam de aval legislativo para vender subsidiárias, um processo que o Supremo bloqueou liminarmente e que faz parte dos planos de desinvestimento e recuperação econômica das duas gigantes estatais. Na sessão de quinta-feira passada, o ministro Ricardo Lewandowski leu seu relatório, mas ainda não proferiu voto, embora as liminares concedidas por ele em 2018 apontem para uma posição desfavorável às empresas. O julgamento será retomado na quarta-feira, dia 5, e deve tomar mais duas sessões da corte.

A controvérsia começou com a Eletrobrás, que em 2018 tentou vender subsidiárias praticamente falidas em estados do Norte e Nordeste do Brasil. Partidos políticos e sindicatos de funcionários dessas empresas recorreram ao Supremo, e Lewandowski atendeu a todos os pedidos em junho do ano passado. Com isso, a Petrobras também suspendeu um programa de desinvestimento, apesar de, à época, não ser alvo das ações judiciais. Mas, em janeiro, a estatal do setor de petróleo anunciou a intenção de se desfazer de três refinarias e duas subsidiárias, TAG e Ansa. Os sindicatos foram à Justiça e o ministro Edson Fachin, seguindo o precedente aberto por Lewandowski, suspendeu as vendas em liminar de 24 de maio.


A participação direta do governo na atividade econômica é exceção, e não regra

Na decisão que barrou a venda de subsidiárias da Eletrobrás, no entanto, Lewandowski inseriu uma inovação que não existe nem na Constituição, nem na legislação ordinária que trata dos programas governamentais de desestatização. Como o artigo 173 da Carta Magna exige a aprovação de um projeto de lei no Legislativo para autorizar o Executivo a criar qualquer empresa pública, Lewandowski simplesmente concluiu que a mesma regra valeria quando o governo quer se desfazer de uma estatal. No entanto, o artigo 177 da Constituição e a Lei 9.491/97 já são bastante explícitas quanto às privatizações que exigem aval legislativo: aquelas que envolvem monopólios da União e aquelas nominalmente citadas na lei do Programa Nacional de Desestatização. Petrobras, Eletrobrás, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, por exemplo, precisariam de uma lei específica para serem privatizadas. Quanto a todas as demais estatais, ou subsidiárias, nem uma palavra, ou seja: o legislador não quis impor nesses casos as restrições que havia estipulado para as “joias da coroa”.

E há uma razão muito simples para exigir aval do Legislativo para a criação de qualquer estatal, mas não para sua privatização: a participação direta do governo na atividade econômica é exceção, e não regra. O mesmo artigo 173 da Constituição invocado por Lewandowski diz, em seu caput, que, “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Estatais são o extraordinário, não o ordinário. O protagonismo na atividade econômica cabe ao setor privado. Criar uma estatal é introduzir uma anormalidade, e por isso justifica-se a aprovação do Legislativo; desfazer-se de uma é retornar à normalidade, e por isso tal processo deveria ser facilitado – como, aliás, quis o legislador, com as exceções que já citamos. Dificuldades como as impostas por Lewandowski, além de não constarem no nosso ordenamento jurídico, jamais passariam pelo crivo da proporcionalidade.

Uma decisão que consagre a invenção de Lewandowski será um bálsamo para sindicatos empenhados em manter sob o controle do Estado empresas em situação de penúria, punindo todos os demais cidadãos, obrigados a bancar o prejuízo; e para políticos que enxergam essas empresas como feudos particulares, nomeando apadrinhados para diretorias e gerências em troca de apoio parlamentar. Mas será um desastre para o país, espantando investimentos. Afinal, se o Judiciário pode simplesmente criar regras não previstas na lei para bloquear uma privatização, que segurança terá o investidor interessado na aquisição – e recuperação – dessas empresas? Que, ao analisar o caso, os ministros tenham a sensatez de se ater à intenção do legislador, respeitando as prerrogativas do Poder Executivo e compreendendo corretamente o papel do Estado na atividade econômica."

O drama da pobreza - SAMY DANA

O GLOBO - 03/06

Pobres percebem melhor o valor de algo, mas o foco em sobreviver cria barreiras psicológicas para ações que os fariam melhorar de vida


Os mais pobres geralmente percebem melhor os custos de algo. Alguém com menos dinheiro é mais propenso a ir a uma loja mais distante se puder economizar R$ 100 na compra de um celular ou uma TV, enquanto as pessoas com mais dinheiro em geral preferem pagar mais caro a se deslocar. As dificuldades financeiras aumentam nosso foco no valor material das coisas, ajudando a extrair o máximo do gasto.

Mas isso se inverte quando as decisões são de longo prazo. Os mais pobres geralmente ignoram os juros mais altos nos empréstimos e preferem parcelar uma compra, muitas vezes pagando mais pelo produto, a economizar o dinheiro e obter um desconto à vista. E, além disso, guardam menos dinheiro, ficando mais expostos a imprevistos. O dano às finanças acaba sendo muito maior.

Existem explicações comportamentais para isso, segundo três psicólogos e professores, Mitchell J. Callan (Essex, Inglaterra), Will Shead (Mount Saint Vincent, Canadá) e James Olson (Ontário, Canadá). Em um artigo publicado em 2011 no Journal of Personality and Social Psychology, eles demonstram que os mais pobres tendem a ser mais imediatistas.

Em um experimento, 71 estudantes informavam sobre suas finanças. Alguns foram convencidos de que seu crédito havia sido mal avaliado em comparação com os demais participantes. Todos, então, tinham de escolher entre aceitar 500 dólares canadenses (C$) naquele momento ou C$ 1 mil depois de um certo prazo, de uma semana a dois anos.

Os pesquisadores ainda apresentaram seis cenários a cada participante. Uma opção, por exemplo, era entre receber C$ 250 naquele dia ou C$ 500 em uma semana. Outra, C$ 500 no dia ou C$ 750 em um mês. O normal seria escolher o que pagasse mais. Mas, entre os que achavam ter uma nota de crédito pior, o percentual de quem preferia o pagamento imediato era 15% maior que no outro grupo, mesmo quando esperar uma semana significava receber o dobro.

Quando é preciso se preocupar com o que se vai comer ou como pagar o aluguel, as outras necessidades são menos urgentes. O foco na sobrevivência, explica o estudo, cria uma sobrecarga mental e dificulta planejar o futuro. Os mais pobres não conseguem dar atenção a outras decisões, que poderiam tirá-los da pobreza.

É como se eles decidissem depois de uma noite sem dormir, explica outro artigo, publicado pelos economistas Anuj K. Shah, Eldar Shafir e Sendhil Mullainathan na revista Science em 2013. Em um experimento, 101 frequentadores de um shopping center foram separados por faixa de renda e responderam a questões como “Seu carro está com um barulho estranho e o conserto custará US$ xxx. Você pode pagar ou tentar a sorte e não pagar nada. O que decide?”.

Os preços variavam da condição “fácil”, um custo de US$ 1,50 pelo conserto, a “difícil”, US$ 1,5 mil. Essa diferença se refletiu no desempenho nos testes de pessoas com renda mais alta ou mais baixa. Ricos e pobres deram respostas iguais quando decidiam sobre um gasto mais baixo, mas o valor mais alto derrubou a performance dos mais pobres. Quase todo o foco estava no dilema de fazer ou não o gasto.

Algumas pessoas atribuem a pobreza às más decisões financeiras dos pobres. Os estudos mostram que não é verdade. A pobreza muitas vezes é resultado da dificuldade maior de fazer um planejamento. Algo que os programas de assistência deviam considerar.

O futuro do transporte é elétrico - RONALDO LEMOS

FOLHA DE SP - 03/06

Corremos o risco de veículo a combustão virar sintoma de subdesenvolvimento


Andar por cidades chinesas como Hangzhou e Shenzhen causa um estranhamento para quem é brasileiro. Ambas são megalópoles de 9 milhões e 12 milhões de pessoas. No entanto, o tráfego de veículos nessas cidades é curiosamente silencioso.

Os rãããããã e tssss que são constantes nas cidades brasileiras estão desaparecendo por lá. A razão é simples. Boa parte dos veículos é elétrica.

Tome-se o exemplo de Shenzhen. A cidade tem hoje 100% da sua frota constituída de ônibus elétricos. Só como base de comparação, Shenzhen tem 15.500 ônibus. São Paulo, 14.500. Em dez anos, a cidade aposentou a integralidade da frota a combustão. Com isso, adotou ônibus de última geração movido a baterias. Não há fios elétricos que ficam faiscando, nem motoristas desesperados tentando encaixar polos que se soltaram. E as baterias usadas são de fosfato de ferro, recicláveis.

Mas quanto custa carregar esses ônibus? Uma carga completa com autonomia de 300 quilômetros custa R$ 120. No caso dos carros, uma carga completa que permite circular por 400 quilômetros custa R$ 20.

O carregamento dos carros pode ser feito em tomadas comuns, com uma espécie de carregador de celular. Esse carregador é inteligente. Está programado para carregar o veículo em horários de pouco consumo de energia, como de madrugada. Nos horários de pico, se o carro estiver conectado, pode devolver a energia armazenada para a rede, gerando dinheiro para o dono.

Em Shenzhen, 100% dos táxis são também elétricos. Essa conversão foi tão bem-sucedida que os aplicativos de transporte urbano estão considerando adotar uma regra exigindo que todos os carros e táxis filiados a eles deverão ser elétricos. Se forem movidos a combustão, não poderão se cadastrar.

As motos no país são também elétricas. Aquele famoso ruído de moto acelerando é coisa do passado.

Converter a frota de veículos de uma cidade para elétricos cria um círculo virtuoso. Com sua disseminação surge uma nova infraestrutura capaz de armazenar eletricidade. Baterias podem ser carregadas a partir de qualquer fonte, seja na tomada ou por painéis solares.

Cada dono terá incentivo para carregar seu carro fora do horário de pico para pagar menos. E também para comprar um painel solar (ou exigir que seu condomínio instale um). Com isso pode zerar seu custo de deslocamento. Mais do que isso, em casos de falta de energia, as cidades podem direcionar seus ônibus para hospitais e outros lugares críticos. A bateria de cada um funciona como um gerador móvel.

Os sinais de que o futuro do transporte é elétrico estão em toda a parte. Todas a montadoras estão lançando carros nessa modalidade.

Só existe um lugar que tem aversão a isso: o Brasil. Em nosso país, os carros e motos elétricas são tributados de forma punitiva. Quem compra um carro elétrico no Brasil paga 50% de impostos. Veículos a combustão pagam muito menos, apesar de suas muitas externalidades negativas como barulho e poluição.

Corremos o risco de viver em um mundo em que os países desenvolvidos serão elétricos, enquanto os veículos a combustão serão sintoma claro de subdesenvolvimento.

READER
Já era Ter cozinha em todo restaurante

Já é Cozinha centralizada que atende a toda uma rede de restaurantes

Já vem Cloud Kitchens, cozinhas que ficam na nuvem e atendem vários restaurantes usando AI pra a logística

Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Suprema irresponsabilidade - BRUNO CARAZZA


Valor Econômico - 03/06
Incoerência do STF compromete Lei Fiscal


Em 2012 o prefeito de Ipatinga (MG), às voltas com a deterioração das finanças de seu município, baixou o Decreto nº 7.247, que reduzia em 25% a jornada de trabalho dos servidores, com proporcional diminuição de seus rendimentos. Tratava-se de medida temporária, tomada em estrita observância ao que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal em seu art. 23: se os municípios ultrapassarem o limite de 54% da receita corrente líquida com despesas de pessoal, devem implementar medidas para normalizar a situação em dois quadrimestres, sendo facultada a redução temporária da carga horária dos servidores.

O tiro, no entanto, saiu pela culatra. Indignados com a medida, muitos servidores entraram na Justiça, e ao final do processo o prefeito não só teve que revogar o decreto, como foi obrigado a pagar o salário integral a seus funcionários, mesmo que eles tenham trabalhado duas horas a menos por vários meses. O fundamento da decisão judicial estava no fato de que o Supremo Tribunal Federal, em 2002, havia concedido uma liminar suspendendo a aplicação do art. 23 da LRF.

Na próxima quinta-feira, 06/06, espera-se que essa novela chegue finalmente ao fim. Estão na pauta do Supremo oito processos que questionam a constitucionalidade de diversos dispositivos da LRF. Do ponto de vista da formação de uma cultura de austeridade quanto às contas públicas brasileiras, a autoria dessas ações diz muito sobre como nos metemos na atual crise fiscal.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.238, aquela que impediu a Prefeitura de Ipatinga de aplicar a lei para colocar suas finanças em dia, foi proposta por PT e PCdoB, dois partidos que, não por acaso, estiveram à frente da coalizão que concebeu a nova matriz econômica - um experimento de política pública que transformou um superávit primário de quase 2% do PIB em 2012 num déficit de 2,5% em 2016.

Outro grupo de ações foi pedido por associações de servidores públicos, como membros do Ministério Público (Conamp) e dos Tribunais de Contas (Atricon). Ambas se revoltam contra os dispositivos da LRF que estabelecem limites de despesas de pessoal para seus respectivos órgãos. Por trás da defesa do princípio da independência dos Poderes, obviamente, esconde-se o interesse corporativo de não se sujeitar a tetos sobre seus rendimentos e outros benefícios remuneratórios.

Por fim, outro protagonista nesse conjunto de ações contra a responsabilidade fiscal é o Estado de Minas Gerais. À época da aprovação da LRF, tanto o governador, Itamar Franco, quanto o presidente da Assembleia Legislativa, Anderson Adauto, movimentaram a máquina judiciária para não se sujeitar aos limites impostos pela nova lei. As origens da atual crise fiscal mineira, cujo governo há meses parcela o pagamento de servidores públicos e atrasa o repasse de bilhões aos municípios do Estado, tem raízes profundas, portanto.

Na próxima quinta-feira o STF pode finalmente referendar a constitucionalidade da Lei de Responsabilidade Fiscal e dotar União, Estados e municípios de velhos instrumentos para, pelo menos, conter a sangria nas suas contas públicas. Porém, engana-se quem acredita que isso será suficiente.

Uma lei deve ter dentes, diz o velho ditado. Além de uma série de princípios e limites prudenciais, a Lei de Responsabilidade Fiscal conta com sanções para quem os extrapolar. Uma das mais importantes travas da LRF é aquela que estabelece que os entes federativos que não retornarem aos tetos das despesas de pessoal ficam impossibilitados de receber transferências voluntárias (como convênios com o governo federal, por exemplo), obter garantias para empréstimos e contratar operações de crédito.

A jurisprudência do STF, porém, é totalmente leniente quanto à aplicação desse dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal. Existem dezenas de decisões individuais de ministros concedendo liminares para que Estados e municípios, mesmo tendo descumprido os limites legais, continuem tendo acesso a recursos e obtendo empréstimos que alimentam seus déficits.

As cautelares concedidas pelos ministros do STF baseiam-se em três princípios. O primeiro deles é o devido processo legal, segundo o qual Estados e municípios só poderiam ser penalizados depois de concluídas as tomadas de contas especiais para apurar o descumprimento da LRF - processo que pode levar anos, dada a morosidade de julgamento dos Tribunais de Contas.

Além disso, o Supremo valoriza sobremaneira a chamada "intranscendência das sanções", entendendo que os Executivos municipais ou estaduais não podem ser penalizados por excessos de gastos nos seus respectivos poderes Legislativo, Judiciário, Ministério Público ou até mesmo empresas estatais. Por fim, o Supremo quase sempre invoca o princípio da continuidade do serviço público para invalidar qualquer medida que interrompa o repasse de recursos para governos estaduais ou municipais, mesmo que eles estejam descumprindo a lei ou diante de fundamentadas evidências de mau uso desses recursos.

Por meio de uma exagerada reverência a esses princípios, tidos como dogmas que não podem ser relativizados diante de números e fatos irrefutáveis, o Supremo acaba plantando as sementes de uma crise social que já se manifesta em grande parte do país. Ao suspender, no varejo de suas liminares, a aplicação imediata de sanções contra Estados e municípios que descumprem a LRF, o STF acaba incentivando a irresponsabilidade fiscal que, num futuro próximo, levará ao colapso dos serviços públicos na saúde, na educação e na segurança pública.

Não se trata de pedir o fechamento do Supremo, como muitos que foram às ruas o fizeram. Mas precisamos urgentemente de maior racionalidade e rigor nas decisões de nossa Corte máxima contra aqueles que descumprem a Lei de Responsabilidade Fiscal.


A exceção brasileira - DEMÉTRIO MAGNOLI

O GLOBO - 03/06

A poesia épica do populismo nasce na gramática do medo


O “Deus de Trump” surgiu, como motor da História, num artigo de Ernesto Araújo publicado em novembro. Em fevereiro, Eduardo Bolsonaro juntou-se ao movimento de partidos populistas de direita articulado por Steve Bannon, que apresentou o rebento 03 como seu “representante na América Latina”. Na visita presidencial aos EUA, em março, a comitiva brasileira ofereceu um jantar que teve Bannon como convidado especial. Depois, em abril, o 03 fez um giro europeu para se reunir com líderes da direita nacionalista, iniciado por um encontro com o vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini. Aparentemente, o bolsonarismo deve ser descrito como expressão brasileira da onda nacionalista e populista que varre o Ocidente. De fato, porém, o bolsonarismo é uma exceção — e tem pés de barro.

A poesia épica do populismo nasce na gramática do medo. De Trump a Salvini, nos EUA e na Europa, a angústia, a insegurança diante do futuro alimentou a onda populista em curso, que não dá sinais de retrocesso. Nesse sentido genérico, o Brasil acompanhou a tendência internacional. Bolsonaro foi catapultado ao Planalto por eleitores temerosos, inseguros, indignados. Mas, por aqui, os eleitores não foram seduzidos pela narrativa ideológica do bolsonarismo. O voto negativo, não a adesão política, definiu o triunfo de um líder carente de bases sociais sólidas. Aí reside nossa excepcionalidade.

O grande tropeço da globalização, iniciado em 2008, deflagrou a ascensão do populismo nacionalista. Trump venceu no Colégio Eleitoral (mas não no voto popular) apoiando-se na baixa classe média branca de estados submetidos à corrosão da indústria tradicional. A crise do euro, seguida por longos programas de austeridade econômica, inflou o balão dos partidos da nova direita europeia. Dos megafones de Trump, Salvini, Le Pen, Farage, Orbán e tantos outros emanam as conclamações antiliberais do nativismo, da xenofobia e do protecionismo. A poesia gritada seduz vastas camadas do eleitorado, que buscam respostas simples a dilemas complexos.

No Brasil, Bolsonaro também emergiu do caos: a depressão econômica armada pelas estratégias fiscais do lulo-dilmismo. O voto antipetista, no cenário de desmoralização da elite política derivado da Lava-Jato, desviou-se de seu desaguadouro natural, que seria o PSDB. A campanha bolsonarista certamente apertou as teclas sensíveis da corrupção e da criminalidade, mas o sucesso derivou do colapso catastrófico do sistema político. Lá fora, uma corrente histórica profunda impulsiona a nova direita nacionalista. Aqui, um cruzamento de circunstâncias nacionais fortuitas colocou um político obscuro no trono presidencial.

Bolsonaro não entendeu isso. Hipnotizado pelo Bruxo da Virgínia, que controla seus filhos, o presidente casual copia discursos exógenos, isolando-se num gueto ideológico. A bandeira das estrelas, o muro da fronteira e o muro das tarifas ajustam-se ao projeto de poder de Trump, pois respondem ilusoriamente às angústias legítimas dos órfãos da globalização, prometendo prosperidade, emprego e renda. Já a camiseta verde-amarela de Bolsonaro, estampada com pistolas e fuzis, só excita as emoções de um núcleo minoritário de fiéis incondicionais.

Os espectros da China, dos imigrantes e do Islã circulam nos EUA e na Europa como alvos perfeitos para os poetas histéricos do nacionalismo. No Brasil, porém, não passam de ecos longínquos de uma guerra alienígena. O bolsonarismo ideológico tenta substituí-los por “inimigos da pátria” endógenos: políticos corruptos, criminosos comuns e “comunistas” de cartolina. No circuito fechado das redes sociais, o exercício de mimetismo pode perdurar indefinidamente, como uma oração repetida por gerações de fanáticos. No mundo real, estiola-se de encontro às rochas da indiferença, da ironia e do sarcasmo.

O “Deus de Trump” é uma divindade estrangeira, incapaz de se aclimatar nos trópicos brasileiros. O bolsonarismo ideológico é uma ideia fora do lugar, um curto parêntesis nas cerimônias fúnebres da Nova República.

O planeta versus Bolsonaro - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 03/06

Quem conheceu os países do Leste Europeu, onde o marxismo era a ideologia oficial, percebe que o comunismo teve papel devastador


Não me sinto obrigado a escrever sobre meio ambiente nesta semana. Trato do assunto a maior parte do tempo. Este ano, estamos diante de algo histórico para o Brasil e, de uma certa forma, para o planeta.

Pela primeira vez, em todo o período democrático, temos um governo que é cético a respeito do aquecimento global e acha que o Brasil tem muito ainda a desmatar. Os fatos se sucedem em várias frentes. Na mais ampla delas, a do aquecimento, o governo o considera uma invenção do marxismo globalizante.

Essa associação entre o marxismo e o meio ambiente contribui para retardar a tomada de consciência de muita gente. Não consigo entender como se sustenta. Quem conheceu os países do Leste Europeu, onde o marxismo era a ideologia oficial, percebe que comunismo teve um papel devastador.

Não só aconteceu o desastre de Chernobyl: muitas usinas nucleares do período ainda são um dado preocupante para toda a Europa.

Associar o marxismo à luta ambiental é reduzir sua dimensão. Como correspondente na Europa, cobri uma manifestação dos skin heads em Dresden. Eram simpáticos ao nazismo, mas colocavam o meio ambiente como uma de suas bandeiras, ao lado de expulsar os estrangeiros e outras barbaridades.

O tema é tão forte que ultrapassa divisões ideológicas e partidárias. No entanto, o governo parece caminhar para essa tese singular de que meio ambiente é algo da esquerda; logo, é preciso desmontar a política ambiental que o Brasil construiu com seus parceiros como a Noruega e a Alemanha.

Para começar, demitiu a direção do Fundo Amazônia, financiado por aqueles dois países. Agora, quer usar dinheiro do Fundo para indenizar proprietários, alguns deles possivelmente grileiros. Se o Fundo não tivesse resultados positivos, os próprios noruegueses e alemães já teriam reclamado. No entanto, estavam satisfeitos.

Bolsonaro insiste também em acabar com a Estacão Ecológica de Tamoios para transformar a região numa Cancún brasileira. Acha que pode fazer isso por decreto. Vai se dar mal, se tentar. É ilegal e, além disso, pateticamente inadequado. Espero que seus eleitores compreendam isto. Angra não é Cancún, o mar é diferente; a geografia, as condições sociais, a presença de usinas nucleares, tudo desaconselha.

Não temo a destruição do planeta, como nos advertem nos hotéis para evitar troca excessiva de toalhas. O planeta continua, não podemos acabar com ele, mas apenas com as condições para a existência humana.

Ainda não se avaliou o impacto das posições de Bolsonaro em nossa imagem externa. O Brasil está se isolando. Em alguns lugares como Nova York, o prefeito faz campanha contra sua presença.

Em outros, como Dallas, o prefeito, mais ponderado, assim como o presidente do Chile, limita-se a reconhecer que Bolsonaro teve 57 milhões de votos, mas acentua que não concorda com suas ideias.

O próprio “Financial Times”, um veículo conservador, levantou a hipótese de Bolsonaro se tornar uma espécie de pária do liberalismo.

Não seria bom para ele nem para nós. As pessoas se acostumaram a contar com o Brasil no esforço de preservação, a senti-lo como uma parte integrante do planeta, decisiva para o futuro comum.

Nesta semana do meio ambiente, os governos de Goiás e Mato Grosso lançam um grande programa de recuperação do Rio Araguaia. Haverá um ato na divisa dos dois estados.

Bolsonaro parece que vai comparecer, incluindo, pelo menos, a recuperação de um dos mais importantes rios brasileiros na sua agenda. É uma oportunidade que tem de atenuar sua hostilidade contra o meio ambiente, sua admiração por um tipo de progresso empobrecedor.

Ao compreender a importância das águas, que não podem ser substituídas por Coca-Cola, deveria se dar conta também do absurdo de transformar uma estação ecológica em Cancún.

Ajudaria também a romper o isolamento se ele fosse mais discreto no seu humor. A história de dizer que tudo no Japão é pequeno constrange os mais antigos, que ainda se lembram desse tipo de piada.

Ela pode ter alguma graça entre os frequentadores de uma Cancún construída sobre as frágeis ilhotas de Angra, à sombra das usinas nucleares. Apenas confirma sua fixação no órgão genital masculino e aumenta o medo de que a ignorância realmente vai esmagar o conhecimento humano.

Bolsonaro entra no sexto mês sem foco e esbanjando diversionismo - LEANDRO COLON

FOLHA DE SP - 03/06

Junho é decisivo para Previdência e presidente se preocupa com vaga no STF e multas de trânsito


O governo entrou em seu sexto mês com a dura missão de conseguir votar a reforma da Previdência até o fim de junho na Câmara, enquanto o presidente Jair Bolsonaro esbanja cada vez mais sinais de falta de foco e excesso de diversionismo.

Na manhã de sábado (1º), ele tirou fotos com simpatizantes que estavam na porta do Alvorada. "Gostaram do evangélico no Supremo?", perguntou em meio aos flashes.

Um dia antes, durante visita a uma igreja da Assembleia de Deus, em Goiânia, Bolsonaro defendeu a nomeação de um evangélico como ministro do STF. A declaração foi dada em contexto de crítica à maioria formada recentemente no tribunal pela criminalização da homofobia.

Não há qualquer perspectiva de mudança de membro do Supremo no curto prazo. Bolsonaro sabe disso. O decano Celso de Mello, se não pedir para sair antes, só deixará a toga suprema em novembro de 2020, quando completa o teto de 75 anos.

Portanto não há urgência em discutir uma nomeação para a corte.

Também no último sábado, Bolsonaro anunciou que o governo enviará até esta terça-feira (4) um projeto de lei que mexe na vida dos motoristas. Pela proposta (também fora de hora), a ser votada no Congresso, a validade da carteira de habilitação passará de cinco para dez anos.

O projeto prevê dobrar de 20 para 40 a pontuação mínima exigida para cassar a CNH de um infrator.
Bolsonaro diz que essas mudanças vão acabar com o que ele tem chamado de "indústria da multa".

"Você pega a Serra das Araras [no Rio de Janeiro], é 40 [km] por hora. Você acha que algum maluco vai descer a serra a 80 [km] por hora? Precisa botar uma lombada eletrônica? Não precisa. Ninguém é maluco de extrapolar", afirmou o presidente.

O que não falta por aí no trânsito é gente maluca. Como mostrou a Folha, Bolsonaro, três de seus filhos e sua mulher, Michelle, receberam ao menos 44 multas em cinco anos. E boa parte das infrações, inclusive as cometidas pelo presidente, foram por excesso de velocidade.

Leandro Colon
Diretor da Sucursal de Brasília, foi correspondente em Londres. Vencedor de dois prêmios Esso

Desesperança - CIDA DAMASCO


O Estado de S.Paulo - 03/06


Com investidor e consumidor cada vez mais arredios, atividade econômica trava


Difícil saber se o que predominou, na troca de governo, foi de fato aumento de confiança ou de esperança. A verdade é que, na época, os indicadores de confiança deram um formidável salto entre consumidores e empresários. Movimento natural nesses momentos, mas potencializado dessa vez por uma expectativa de que, finalmente, as incertezas acumuladas durante um longo período de sobressaltos políticos poderiam se desfazer. Pelo visto, mais uma frustração. O governo ainda está a caminho do primeiro semestre e o clima é exatamente o oposto. A esperança deu lugar a um desânimo geral e o desempenho da economia é visto como causa e consequência dessa situação.

Tanto o Índice de Confiança Empresarial como o Índice de Confiança do Consumidor, medidos pela Fundação Getúlio Vargas, voltaram ao nível de outubro de 2018, anulando as altas registradas na fase de entusiasmo com o novo governo – e de uma certa compreensão com seus atropelos, atribuídos principalmente à inexperiência. Guardadas as devidas especificidades, o movimento é semelhante ao observado nas pesquisas de opinião, que mostram uma queda da popularidade do governo: segundo o último levantamento XP/Ipespe, por exemplo, no fim de maio, a avaliação negativa do governo estava em alta e pela primeira vez desde o início do mandato já superava a positiva.

Mera ciclotimia? Claro que não. O governo coleciona erros em áreas variadas – educação, relações exteriores, meio ambiente, etc. –, que só confirmam os temores despertados pela escolha de seus titulares. E até na economia, onde muitos enxergavam uma ilha de excelência e uma chance de “redenção” do governo Bolsonaro, os sinais não são de melhora, mas de agravamento da crise, como expõem os números do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre. A economia brasileira, hoje, está submetida a um preocupante círculo vicioso. Mais desconfiança, menos consumo, menos investimento, menos crescimento, mais desemprego. E, por tabela, mais desconfiança.

Não é de se estranhar que, num quadro como o atual, os investidores se mantenham arredios. Com a economia estagnada, há ociosidade em vários setores, desestimulando programas de expansão da capacidade instalada e mesmo de atualização tecnológica. Além disso, há muitas dúvidas em relação aos caminhos que serão tomados pelo governo, principalmente no relacionamento com o Congresso – um dia é de “juntos para sempre”, outro é de rompimento iminente – e, em consequência, no andamento das reformas. Em momentos mais críticos, até a “sobrevivência” do governo foi posta em dúvida.

Em queda, os investimentos fecharam o primeiro trimestre em 15,5% do PIB, exatos 5,5 pontos porcentuais abaixo do nível alcançado em 2013, antes da recessão. E não há pistas de reversão da tendência num horizonte próximo. Sem confiança, consumidores também adiam decisões que comprometam principalmente sua renda futura. Em outras palavras, cortam ao máximo seus gastos. Antes de mais nada, porque num país que tem hoje quase 28,5 milhões de pessoas na categoria de mão de obra subutilizada – que inclui, além de 13,2 milhões de desempregados, quem trabalha menos do que poderia, faz “bico” e não tem ânimo para buscar uma colocação –, o risco de ficar sem uma ocupação está muito presente na cabeça de todo trabalhador. Vale aquele raciocínio de “hoje é meu vizinho e meu parente, amanhã posso ser eu”.

Embora tenha registrado a nona alta seguida e ainda sustente o desempenho do PIB, o consumo das famílias perdeu o fôlego e aumentou apenas 0,3% no primeiro trimestre deste ano. A equipe econômica tenta se equilibrar entre sua profissão de fé nas reformas e algumas medidas de curto prazo para tirar a economia do fundo do poço. Mas o curto prazo é sempre “mais adiante”. Enquanto avançam as discussões sobre a Previdência, o ministro Paulo Guedes acena com a hipótese de liberação de recursos das contas ativas do FGTS e do PIS-Pasep para incentivar o consumo. A intenção é repetir a injeção de ânimo no consumo observada no governo Temer, com a liberação das contas inativas do Fundo.

Mas e os investimentos? Não os investimentos financeiros, que trocam de casa a cada sinal emitido por Trump, lá nos EUA, e por Bolsonaro ou Guedes, cá no Brasil. Mas os chamados investimentos produtivos, aqueles que pressupõem estabilidade. Esses precisam, antes de mais nada, da volta da esperança e da confiança no governo e no futuro do País. Está difícil.

Um desastre em vermelho - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 03/06


Enquanto as contas primárias permanecem no vermelho, os juros se acumulam. Como consequência, a dívida do governo geral continua aumentando como porcentagem do PIB.


O Brasil ficaria na miséria, se tivesse de pagar em um ano os R$ 5,48 trilhões devidos pelo governo geral. Esse débito corresponde a 78,8% do Produto Interno Bruto (PIB), isto é, dos bens e serviços produzidos em 12 meses – comida, roupas, carros, celulares, assistência médica, remédios, sabonetes, transportes, água tratada e jogos de futebol, para citar só alguns itens muito fáceis de lembrar. Um desastre como esse dificilmente ocorrerá, porque os vencimentos são distribuídos em vários anos, mas é preciso levar a sério aqueles números. Muito a sério, porque são bem piores que os da maioria dos países emergentes. Além disso, são acompanhados e avaliados com atenção por financiadores e investidores nacionais e internacionais. Se ficarem assustados, o setor público terá problemas enormes para se financiar e o resultado mais provável será uma crise enorme. Manter longe o risco de insolvência, preservando a credibilidade do Tesouro, é o desafio mais crucial do governo.

A tarefa consiste, essencialmente, em conter o endividamento. A proporção entre a dívida e o PIB é a maior da série iniciada em 2006. A menor relação ocorreu em dezembro de 2013, quando ficou em 51,5%. A dívida só será contida para valer quando for possível pagar pelo menos os juros vencidos no ano. Para isso o setor público precisará fechar suas contas com superávit primário, isto é, com uma sobra antes dos juros.

Isso dependerá de um severo controle dos gastos obrigatórios. Esses gastos vêm sendo inflados, há anos, principalmente pela Previdência. Sem a reforma das aposentadorias, o buraco do sistema previdenciário acabará absorvendo todo o conjunto das contas públicas.

O setor público acumulou um déficit primário de R$ 95,58 bilhões nos 12 meses até abril. Nesse período, o governo central, os governos de Estados e municípios e também as estatais conseguiram um superávit primário conjunto, mas esse dinheiro foi engolido pelo buraco de R$ 198,82 bilhões do INSS. O superávit primário do governo federal, de R$ 86,61 bilhões nesse período, foi acumulado pelo Tesouro, graças à contenção de gastos, principalmente discricionários, e a algum aumento de arrecadação. Mas esse esforço tem sido e continua insuficiente para compensar o déficit crescente da Previdência.

Sem dinheiro para cobrir sequer os juros vencidos, o setor público, representado pelas contas dos governos central, dos Estados, dos municípios e das estatais (excetuadas a Petrobrás e a Eletrobrás), acumulou em 12 meses um déficit nominal de R$ 485,07 bilhões, soma equivalente a 6,98% do PIB. Proporções acima de 3% são consideradas inaceitáveis na maior parte do mundo.

A piora do quadro é inevitável, enquanto faltar, nas contas anuais, dinheiro até para cobrir os juros. Ninguém deve entusiasmar-se quando surge algum efêmero superávit primário, como ocorre, em geral, nos primeiros meses de cada ano. Tem sido um fenômeno meramente sazonal. Em abril houve um superávit desse tipo, de R$ 6,64 bilhões, nas contas consolidadas do setor público. Nos primeiros quatro meses o resultado também foi positivo, com uma sobra de R$ 19,97 bilhões. Mas nesse período o déficit do INSS, de R$ 65,10 bilhões, já quase anulou o superávit do Tesouro Nacional, de R$ 65,96 bilhões. No conjunto, o resultado primário positivo foi garantido pelos entes subnacionais e pelas estatais.

Enquanto as contas primárias permanecem no vermelho, os juros se acumulam. Como consequência, a dívida do governo geral, formado pelas administrações da União, dos Estados e dos municípios, continua aumentando como porcentagem do PIB. Pelos últimos cálculos da Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado, esse quadro só começará a mudar em 2024, no segundo ano do próximo mandato presidencial. Isso ocorrerá mesmo com uma razoável reforma da Previdência. Enquanto o desajuste permanece, o buraco previdenciário continuará sugando volumes enormes de dinheiro e impedindo gastos em educação, assistência médica, pesquisa, saneamento, infraestrutura, justiça e segurança.


O lugar do Coaf - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 03/06

Transferência do órgão para a Justiça representaria excesso de poder para Sergio Moro e risco para sua credibilidade


A aprovação da medida que reorganizou a estrutura administrativa do governo federal pôs fim a uma queda de braço que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e os líderes partidários no Congresso deixaram se prolongar por tempo demais, desnecessariamente.

No centro da polêmica estava o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que funcionava como apêndice do antigo Ministério da Fazenda desde sua criação —e que Bolsonaro resolveu transferir para o Ministério da Justiça ao tomar posse, em janeiro.

A intenção do presidente com a mudança era prestigiar o ministro Sergio Moro, que vê o conselho como instrumento essencial para o combate à corrupção, uma das suas prioridades à frente da pasta.

Mas deputados de vários partidos decidiram barrar a ideia, insatisfeitos com a falta de diálogo com o Planalto e desconfiados diante da concentração de poderes nas mãos do ex-juiz da Lava Jato.

Bolsonaro jogou a toalha ao perceber que punha em risco outras alterações na Esplanada ao tentar reverter a decisão da Câmara dos Deputados e aceitou que o Coaf volte para a área econômica.

Encerrada a controvérsia, nota-se que uma discussão banal, em torno de uma repartição que nunca merecera tanta atenção, se transformou numa batalha desgastante por causa de um capricho do presidente e da birra dos congressistas.

Como era fácil constatar observando as ruidosas manifestações nas ruas e nas redes sociais, pouca importância se deu ao exame do papel do Coaf e da conveniência de alterar o desenho da instituição.

Criado em 1998, o conselho tem como missão monitorar transações financeiras suspeitas e colaborar com o combate à lavagem de dinheiro e a outros crimes, alertando as autoridades sempre que detectar indícios de irregularidades.

Foi o Coaf que, há um ano, apontou as estranhas movimentações na conta bancária de um ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente que está sendo investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

O órgão sempre atuou com independência, e a transferência para a Justiça representaria excesso de poder para Moro e risco para sua credibilidade. É sensato, pois, que fique na pasta da Economia.

A experiência internacional recomenda que órgãos de inteligência financeira como o Coaf fiquem apartados de policiais e procuradores, para conter vazamentos e evitar que sua isenção seja prejudicada por vieses dos investigadores.

Enquanto teve o conselho sob sua guarda, Moro buscou meios para reforçar seu quadro de pessoal e azeitar canais de comunicação com a Polícia Federal e o Ministério Público. Nada impede que o governo dê continuidade a esses esforços após a mudança de endereço.