segunda-feira, janeiro 31, 2011

MARCO ANTONIO ROCHA


Já é hora de tirar um pouco do que Lula deu?
Marco Antonio Rocha
O Estado de S. Paulo - 31/01/2011

Manchete do Estado na última sexta-feira: "Desemprego é o mais baixo em 8 anos, mas inflação corrói renda".

Um economista bem ortodoxo, clássico mesmo, diria "E daí? Uma coisa não leva à outra..?".

E do alto da sua sabedoria explicaria que menor desemprego significa mais emprego, que significa mais salários, que significa maior capacidade de consumo, que significa maior pressão sobre a demanda, sobre os preços e, finalmente, mais inflação.

E inflação, como ensinava um velho economista, também muito ortodoxo, não é exatamente elevação dos preços. A palavra inflação designa excesso de dinheiro, de moeda em circulação. Os preços elevam-se porque há excesso de dinheiro, pontificava o professor Hayek, Prêmio Nobel de Economia de 1974, homem de notório saber nesse assunto, como exigem as leis para preenchimento de certos cargos públicos. Entre parênteses, o curioso nessa história é que Friedrich Hayek dividiu o "Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel" (denominação correta da láurea) com um opositor das suas ideias: Gunnar Myrdal, economista sueco, de tendência socialista, estudioso dos processos de desenvolvimento.

Mas, voltando ao principal, o fato é que a conjuntura econômica brasileira atual parece um retrato das teorias mais ortodoxas: excesso de dinheiro ou liquidez, gerada por cornucópias que o ex-presidente Lula abriu sem constrangimento e de maneira poucas vezes antes vista na história deste país - reajustes generosos do salário mínimo e dos salários do funcionalismo, expansão do Bolsa-Família, crédito farto para casa própria e outros fins, redução paulatina das taxas de juros.

Não há dúvida que isso confirmou parte do que dizia a música de Caetano Veloso: "A força da grana que ergue coisas belas..." A imprensa e as estatísticas brasileiras estão mostrando muito das coisas belas erguidas pela força da grana do governo, em termos de melhoria de vida do povo, de ascensão das classes mais pobres a níveis mais elevados de renda, de elevação do padrão de consumo e dos meios de sobrevivência, de tudo aquilo, enfim, que nos últimos três ou quatro anos colocou a figura de Lula no altar da adoração popular e... elegeu Dilma!

Mas a letra de Sampa ainda falava que a força da grana também destrói coisas belas.

Então, a ameaça que paira sobre o governo Dilma neste começo é o que muitos economistas previram e advertiram, e sobre o que a própria presidente deve ter meditado: a possibilidade não tão remota de destruição das coisas belas pela inflação - a coisa mais feia que o povo pobre deve temer no terreno da economia.

Os sinais são inequívocos: o desemprego chegou ao seu nível mais baixo desde 2003: 5,3% em dezembro passado. A renda real média do trabalhador subiu 3,8% em 2010. Coisas belas. A inflação também subiu: 5,91% em 2010, contra 4,31% em 2009. Coisa feia. A fórmula está se completando: mais emprego, mais renda, mais inflação.

E a inflação, no corpo econômico, é mais ou menos como a febre no corpo humano. E como a febre, também não é uma doença em si, é um sinal de que algo está errado no organismo. A febre surge para dizer ao seu portador que tome cuidado e, ao mesmo tempo, para ajudar o organismo a procurar um reequilíbrio. A inflação também surge, ou aumenta, para mostrar que a administração da economia não está no rumo certo e para corrigir os fatores que a tenham provocado. Por exemplo: se há excesso de dinheiro e ganhos de renda sem melhoria da produtividade, o aumento dos preços diminui o ganho de renda e consome o excesso de dinheiro. É um fator de correção, portanto. Só que, se deixada por sua própria conta, a inflação se autoalimenta, ganha impulso automático e deságua na hiperinflação, como já aconteceu no Brasil.

O Banco Central (BC) sabe disso, tanto que já vem adotando medidas para corrigir o curso dos acontecimentos antes que a inflação ganhe vida própria. Aumentou a taxa básica de juros, a Selic, aumentou os depósitos compulsórios dos bancos restringindo a disponibilidade de crédito, exigiu mais capital das instituições para financiamentos que ultrapassem 24 meses, enfim, está procurando andar na frente da inflação, corrigindo os fatores que a provocaram antes que ela mesma o faça de maneira desastrosa e socialmente cruel.

Mas não é fácil. Até porque o BC está meio sozinho nessa tarefa. O resto do governo não parece muito preocupado com o recrudescimento do IPCA e de outros indicadores de inflação. E os seus supostos aliados não dão muito apoio para que ele se decida a corrigir as demasias do período Lula.

Haja vista as reuniões que a equipe de Dilma vem mantendo com as lideranças sindicais sobre a questão do reajuste do salário mínimo. O pleito dos sindicalistas - de um salário mínimo de R$ 580 - é visivelmente desastroso para a estratégia de controle da inflação posta em prática desde dezembro pelo BC e, também, para as contas públicas dos três níveis de governo, particularmente para a Previdência. Mas eles insistem, porque acham que Dilma não pode tirar um naco daquilo que Lula deu. Mas isso é só ela que tem de resolver...

GOSTOSA

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

E agora, como ficar rico?
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S. Paulo - 31/01/2011

Considerem a seguinte tese: pode parecer exagerado e, de fato, é surpreendente, mas a América Latina está em condições de ensinar, sobretudo aos países desenvolvidos, como sair da crise e voltar a crescer. Podem reparar, a América Latina já pratica muitas políticas hoje recomendadas na Europa e nos Estados Unidos, como um sistema bancário sólido e regulado (não houve quebradeira na região) e controle das contas públicas, incluindo os orçamentos dos governos estaduais e municipais, mercado de capitais sob vigilância e responsabilidade monetária (ao contrário do que os Estados Unidos fazem, por exemplo, espalhando seus dólares desvalorizados pelo mundo).

Quem anda defendendo essa tese em palcos internacionais? Lula? A presidente Dilma?

Na verdade, ouvi toda a história em uma exposição do presidente da Colômbia, Juan Manoel Santos, na abertura do 3.º Fórum Econômico Internacional da América Latina e Caribe, promovido na semana passada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris. E ele não estava contando vantagem. Apenas tentava explicar porque a América Latina passara bem pela crise e voltara a crescer rapidamente.

Falou também de perspectivas. A América Latina tem uma população jovem, o que significa que está colocando no mercado milhões de consumidores e trabalhadores na formação das "novas classes médias". A região tem energia - incluindo aí carvão e petróleo, com reservas novas descobertas em diversos países. Mas também existem algumas possibilidades amplas na energia limpa ou verde: hidrelétrica, eólica e, sobretudo, biocombustível.

A América Latina tem água e a biodiversidade das florestas (aliás, Santos contou que uma empresa da Califórnia havia lhe mostrado uma novíssima tecnologia para medir e avaliar as riquezas da Floresta Amazônica).

A América Latina é uma grande produtora de minérios e de alimentos, com a possibilidade de expandir mais a oferta.

No campo social, uma boa notícia: a pobreza é uma questão bem encaminhada. Não resolvida, claro, porque há milhões de pobres pela região. Mas, em praticamente todos os países, essas pessoas são atendidas por algum programa de "transferência de renda com condicionalidade", designação técnica de políticas tipo Bolsa-Família.

Foi um avanço notável, observa o diretor do Centro de Desenvolvimento da OCDE, Mario Pezzini. Há dez anos, na virada do século, apenas três países da América Latina tinham programas de transferência de renda: México (pioneiro), Honduras e Brasil. Hoje estão por toda a parte e, mais importante ainda, em geral, funcionando bem.

Pode-se dizer, por aí, que o problema da pobreza extrema está resolvido? Sim, se isso quer dizer que essas pessoas recebem renda mensal e regular suficiente para a manutenção básica. Mas não, se a meta é criar condições para que essas pessoas deixem de ser pobres e vivam por sua própria conta, quer dizer, com seu trabalho ou seus empreendimentos.

E isso nos remete à agenda da América Latina, tal como foi debatido no fórum da OCDE. Como dar o salto definitivo para a prosperidade? Ou, na palavra de Santos, como podemos realizar "a década ou, quem sabe, o século da América Latina?".

A observar: se os leitores acharam que o presidente colombiano descreve muito bem a situação brasileira, verificarão agora que as agendas propostas também caem como uma luva para o Brasil.

Sim, somos muito parecidos.

A prioridade número um é a educação. Mais exatamente: educação pública de qualidade. No geral, as crianças já estão na escola, mas aprendem pouco e mal. Esse é um fator de injustiça social - os ricos vão melhor nas escolas privadas - e de baixa produtividade no trabalho, uma restrição à prosperidade das famílias e do País.

A segunda prioridade está no emprego ou, mais amplamente, nas oportunidades de trabalho. Há muito trabalho informal e, para os empreendedores, os que tocam o próprio negócio, por necessidade ou por escolha, a formalização das empresas é complicada e cara.

Outro risco para as famílias - que podem perder tudo de repente e cair da classe média para a pobreza - e outra restrição ao crescimento.

A terceira é desenvolver e/ou melhorar os sistemas públicos de saúde, incluindo o saneamento básico.

No âmbito da macroeconomia, a questão imediata é como lidar com o boom das commodities (minérios e alimentos), puxado especialmente pela China, numa onda em que todos os principais países da América Latina estão surfando desde o início deste século.

Um dos temas do fórum da OCDE era: comércio de commodities, maldição ou bênção? Esses produtos têm trazido navios de dólares para a América Latina, aos quais se somam os recursos externos que entram para investimentos e aplicação financeira. A região, sempre carente de dólares e com moedas locais desvalorizadas, agora tem sobra de dólares e moedas valorizadas. Como lidar?

(A propósito: não há uma agenda comum da América Latina para lidar com a China nem com os Estados Unidos e o ambiente global. A Colômbia, por exemplo, não está no G-20 e o presidente Santos disse que seu país não se sente representado por Brasil, México ou Argentina, membros do grupo.)

Finalmente, está na agenda de todos a construção de uma infraestrutura - estradas, portos, aeroportos - que permita ganhos de produtividade.

Como fazer? Nossos próximos temas.

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

A classe C vai ao resort
José Roberto de Toledo 
O Estado de S. Paulo - 31/01/2011

Sonolento balneário do sul da Bahia, Santo André vive do turismo. São duas ruas apenas: a da praia é dominada por pousadas e restaurantes cujos donos falam português com sotaque. Os cardápios dão a volta ao mundo, mas é preciso rodar para encontrar uma moqueca.

O vilarejo tinha tudo para ser um destino privilegiado e exclusivo de VIPs internacionais. Privilegiado ainda é. Exclusivo, nem tanto. Quem tem movimentado a economia local são os turistas de outra sigla, a CVC.

Os "barões", como os nativos chamam os viajantes endinheirados, só passeiam por lá durante os meses de verão. No resto do ano, grande parte dos estabelecimentos fecha as portas, seus donos voltam para a Europa, seus chefs vão destrinchar peitos de pato em outras cozinhas.

Um dos poucos abertos 365 dias é o maior empreendimento turístico da praia, o Costa Brasilis. Resort com arquitetura e decoração para agradar ao baronato, passou a oferecer pacotes de uma semana por dez parcelas de R$ 130 ("aéreo" incluído). O preço mal paga duas faxinas em São Paulo.

Os comerciantes locais descobriram que, ao contrário do turista nobre, vale a pena investir no ex-pobre. Enquanto os primeiros ficavam entocados e intocados no resort, os novos viajantes se dispõem a explorar pratos além do buffet - desde que se ofereça táxi grátis na ida e volta do restaurante.

O neoturista desce no aeroporto de Porto Seguro, sobe em um ônibus amarelo ovo de janelas panorâmicas e 38 quilômetros, 29 quebra-molas, duas aldeias indígenas e uma balsa depois desembarca no seu hotel de luxo. Piscinas, jacuzzis e praias semi-virgens (sic) o aguardam, promete a propaganda.

O trecho menos glamouroso é entre o avião e o ônibus. O aeródromo de Porto Seguro é o único no Brasil que recebe voos internacionais a ser administrado por uma empresa privada. O feito é anunciado com orgulho no site da Sinart. A propósito, a sigla vem de Sociedade Nacional de Apoio Rodoviário Turístico. Seu forte são as rodoviárias.

A convivência no veraneio é pacífica entre descolados e deslocados. A praia é grande e demarcada. Na ponta de areia formada pelo encontro das águas doce e salgada há uma pororoca diária. Nada a ver com as marés. A onda é humana e corre do rio para o mar.

Uma vez por dia, outra parte da "família CVC" desce desde Cabrália a bordo de duas chalanas. Centenas de alegres turistas vão passar algumas horas nos guarda-sóis e barracas que os esperam na barra. Muitas caipirinhas e águas de coco depois, voltam ao seu porto seguro.

À distância, a cena da prancha caindo sobre a praia, seguida do aglomerado deixando a chalana em ordem unida, poderia lembrar o movimento das balsas que povoaram as fazendas de pecuária da região do Araguaia, no sul do Pará, nos anos 70. Mas boi não dança axé.

A rotina silenciosa de Santo André é quebrada momentaneamente por uma terceira vaga diária. São as escunas que descem o rio e passam ao largo da costa até Coroa Grande. A cada rajada de vento ouvem-se, na praia, trechos entrecortados da música de bordo: "muito assanhada (...) lapada (...) rachada".

Na maré baixa, o horizonte divisa um ilhote de areia avermelhada e o que parecem centenas de gravetos espetados n"água. São, na verdade, os passageiros das escunas, passeando pelas faces descobertas de uma extensa barreira de coral, a quilômetros da costa. Na volta, eles param para almoçar em um restaurante à beira-rio.

Nenhum morador dá pistas de estar ficando milionário, mas o dinheiro circula. E assim, graças cada vez mais ao turismo de massa e cada vez menos ao exclusivismo da classe A gargalhada (A-A-A...), Santo André vai passando seus verões, sem perder a tranquilidade.

Não foi preciso reivindicar um policial permanente para a vila. Se alguém rouba algo, dizem os andreenses, avisa-se os operadores da balsa, e a cana aguarda o imprevidente larápio do outro lado da travessia.

Para muitos. O Costa Brasilis em Santo André está longe de ser único. Dezenas de milhares de brasileiros têm, cada vez mais, comprado seu lugar ao sol em resorts, sempre em módicas prestações.

GOSTOSA

GUSTAVO CERBASI

A cara falta de educação
GUSTAVO CERBASI
Folha de S. Paulo - 31/01/2011

O brasileiro médio não se qualifica para exercer atividades complexas ou desenvolver tecnologia

HÁ ALGUM TEMPO, na Suécia, eu tomava café em meu hotel quando avistei um buraco que se abriu de um dia para o outro no asfalto, devido a chuvas durante a madrugada.
Comentei despretensiosamente com amigos que a Suécia não era um país perfeito, pois tam- bém tinha buracos no asfalto, como em nosso país.
Antes mesmo de eu terminar minha refeição, chegou um veículo de obras para corrigir o problema.
O que vi dali em diante foi motivo de muita reflexão sobre diferenças culturais.
Daquela camionete saltou seu único ocupante, que ao toque de um botão acionou um elevador hidráulico que posicionou a seus pés um interessante kit de equipamentos de identificação.
Bandeiras, sinais de luz, placas de trânsito identificando a obra, cones e cavaletes foram rapidamente posicionados a uma distância segura para desviar o trânsito.
O mesmo profissional voltou à camionete, abriu uma tampa da carroceria e retirou algumas peças que pareciam ser molduras quadradas de metal. Uma delas, ao ser posicionada no asfalto, mostrou ter dimensões pouco maiores do que o buraco, e por isso foi usada como gabarito para riscar o piso.
Feita a marcação, o trabalhador pegou uma serra elétrica e cortou o asfalto com precisão cirúrgica, retirando com picareta uma placa quadrada com o buraco no meio.
O elevador hidráulico foi posicionado para erguer a peça e jogá-la no interior da caçamba, e depois manobrado para trazer ao piso uma placa nova, como uma lajota, que se encaixou perfeitamente no corte feito.
Com batidas de um martelete hidráulico e acabamento de uma pistola de piche, esse único funcionário fez em trinta minutos um serviço impecável. Após sua saída, ninguém dizia que aquele remendo havia sido feito há menos de um ano.
Estupefatos, eu e meus amigos começamos a comparar o que vimos com o mesmo serviço tipicamente feito no Brasil, normalmente por cerca de oito a dez profissionais, a maioria deles ociosa a maior parte do tempo, resultando em um remendo mal-acabado, sujo e extremamente danoso aos primeiros veículos que ali passassem.
Será que o serviço impecável da Suécia custaria muito mais caro do que o do Brasil? Fazendo algumas contas e considerando a soma dos parcos salários dos ineficientes trabalhadores brasileiros versus a tecnologia empregada mais o bom salário do pós-graduado trabalhador sueco, chegamos à conclusão de que tapar o buraco lá sai mais barato do que aqui.
Então, por que não mudamos? Simples: porque a limitada educação do trabalhador brasileiro ainda não permite.
Como temos uma educação que ainda proporciona resultados medíocres, o brasileiro médio não se qualifica para exercer atividades complexas ou desenvolver tecnologia. Por isso, acaba se sujeitando a precários trabalhos braçais que há décadas não são mais feitos em países desenvolvidos.
Se tivesse um nível educacional melhor, o brasileiro não aceitaria exercer atividades intensamente braçais ou sub-remuneradas.
Recusaria, por, exemplo, o trabalho de tapar buracos no asfalto e encontraria emprego em empresas de desenvolvimento de equipamentos de automação, criando soluções para suprir os trabalhos braçais.
Uma maior oferta de equipamentos permitiria seu uso em larga escala, o que contribuiria para a redução de seu preço.
Por outro lado, a partir do momento em que trabalhos simples passam a ser feitos por processos mais automatizados, exige-se que profissionais mais qualificados sejam contratados para essas atividades, criando uma nova oferta de empregos para profissionais bem educados.
Em outras palavras, o investimento em educação traz mais do que empregos. Traz processos mais baratos, mais seguros e mais eficientes, gerando bem-estar muito além do círculo familiar do cidadão que recebeu instrução qualificada.
Certamente compensa, mas é preciso ter a coragem de investir hoje para colher daqui a 15 anos. É hora de mudar isso.

GUSTAVO CERBASI é autor de "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" (ed. Gente) e "Como Organizar Sua Vida Financeira" (Campus).

LUIZ FELIPE PONDÉ

Adivinhe quem vem para jantar
LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SÃO PAULO - 31/01/11

Pessoalmente, suspeito fortemente de gente "legal" e "indignada", confio mais em gente blasé


VOCÊ NAMORARIA o porteiro do seu prédio? "O quê?!" Assusta-se a leitora, nesta segunda-feira, dia 31 de janeiro.
Hoje, o ano novo já mergulha na corrida sonambúlica de todos os anos velhos. Claro que seus planos para 2011 não darão certo.
Provavelmente você continuará menos amada do que gostaria, ganhando menos do que gostaria, com os mesmos amigos chatos, os mesmos namorados bobos (os melhores já estão "ocupados", como sempre, ainda que você possa, como sempre, tentar tomá-los das suas melhores amigas) e pegando o trânsito idiota de todo feriadão para ir a praias que são cheias de gente brega e mal-educada. Aquelas mesmas que invadem os aeroportos com seus quilos de bagagem e sua alegria de praça de alimentação.
Calma, talvez eu esteja apenas enganado, e em 2011 aconteça tudo que aquela vidente picareta disse para você que ia acontecer.
"Que diabos este colunista está querendo dizer com essa história de eu namorar o porteiro do meu prédio?" Mas, claro, ela não responde a minha pergunta, porque uma pergunta como essa pode revelar que ela não é tão legal quanto gosta de fazer parecer em jantares inteligentes.
Essa pergunta não é minha propriamente, mas de um amigo meu bem esquisito. Ele fez essa pergunta em meio a uma discussão sobre ter ou não ter preconceitos, e achei que era muito bem pensada. Na realidade, a conversa nasceu do meu desgosto com o estilo de vida "praça de alimentação". Esse meu desgosto deixa muita gente "legal" indignada. Pessoalmente, suspeito fortemente de gente "legal" e "indignada", confio mais em gente blasé.
Imagine você, toda bonita, magra na medida certa, dieta de baixo impacto calórico e bem-sucedida na profissão, mãe de um filho de 12 anos preocupado com o aquecimento global, enquanto deixa o quarto sempre desarrumado, até que você se descabele e comece a berrar "arrume esse quarto, menino!". Agora imagine você saindo com o porteiro de seu prédio, de mãos dadas, num desses restaurantes chiquinhos que você frequenta.
Do que vocês conversariam? Que tal sobre sua revolta contra preconceitos e contra injustiça social? Que tal um beijo na boca bem gostoso em nome da igualdade social? Você já viu aquele filme "Adivinhe Quem Vem para Jantar", com Sydney Poitier? Veja.
Antes que o plantão dos humilhados e ofendidos grite, também sou contra injustiça social e contra preconceito. Hoje todo mundo que sabe comer de boca fechada também sabe sofrer pelas criancinhas da África. Atualmente, ser contra injustiça social e contra preconceitos é tão banal quanto ler horóscopo todo dia de manhã.
Incrível como, suavemente, todos os ideais sociais modernos tombam, como o cristianismo já tombara desde a Antiguidade tardia, à hipocrisia social de salão.
Agora, imagine você, caro leitor, homem moderno, sensível, machista nem pensar, que acredita em redes sociais, que diz por aí que não tem medo de mulher (mentiroso, todo homem tem medo de mulher, principalmente quando está interessado nela).
Imagine que sua filha está a fim do porteiro do seu prédio. Imagine ela saindo com ele. Ele dirigindo o carro que você deu para ela. Que tal eles irem a algum churrasco na laje que ele frequenta? Ou, quem sabe, ir a alguma dessas igrejas por aí onde o Espírito Santo "baixa" e as pessoas pulam e gritam feito loucas "Aleluia, aleluia!"?
Que tal se sua filha quiser se casar com ele? Você paga pelo casamento? Que tal um filhinho com a cara dele? Você visitará a família dele no Nordeste?
Mas, atenção: nada de resort cinco estrelas ou pousadinhas de um holandês doidão que se cansou da Europa e veio em busca de uma natureza selvagem. Hospede-se na casa da família dele.
Agora, imagine nosso belo casal, tirando seus filhos dessas escolas chiquinhas que ensinam aos seus filhos "consciência social" ao preço de quase R$ 2.000 mensais, em bairros "nobres". Agora pense neles matriculando seus filhos em 2011 (afinal, ano novo, vida nova) numa escola pública onde o filho do seu porteiro estuda.
Agora convide seu porteiro para jantar. Qual é o nome dele mesmo?

PAULO RABELLO DE CASTRO

A Previdência deve abrir a temporada de reformas
Paulo Rabello de Castro
REVISTA ÉPOCA

O público pensante brasileiro, ainda não exatamente uma grande maioria, está gostando do estilo Dilma de governar por causa de suas poucas palavras. A presidenta vem aposentando o dispersivo falatório lulístico, que até teve sua razão de ser em algum outro momento pretérito, em que faltava confiança. O Brasil agora anseia por ações, propostas sérias, mudanças para valer. Até o pipoqueiro da esquina desconfia que paga impostos demais por serviços de menos.

Qualquer contribuinte do INSS também sabe que aportará recursos bons para um sistema que não garante nada no futuro, pois o atual regime de aposentadorias é destituído de qualquer lastro, funcionando na base da promessa vazia de um futuro oco. Daí a vontade de ver transformações reais.

Dilma tem, no entanto, um grande pepino político pela frente, que é o “não porque não” de seu principal partido de sustentação, o PMDB, cuja negativa diante de reformas virou uma espécie de bandeira. O partido histórico das mudanças, que um dia levantou a tese corajosa das liberdades democráticas, virou o centro velho das contrarreformas. Dilma tentará cumprir a palavra com o povo que a elegeu, mas seu tempo é curto. Ela entrou no jogo sem definição clara do que pretende fazer em matéria previdenciária, tributária, trabalhista ou de controle de despesas. A falta de clareza é arma na mão dos políticos do “não porque não”. Cada dia que passa, avança o exército dos interessados em manter o paquiderme da máquina de governo do mesmo jeito que o acoberta.

Sabemos que Dilma não quer, neste momento, aumentar o custo de sua negociação de cargos no segundo escalão – mais uma onerosa conta de milhares de sinecuras comissionadas com as quais o governante compra, a peso de ouro, o “sim” nas difíceis votações no Congresso mais caro do mundo ocidental. Não obstante, a prudência presidencial tem seu preço agravado pelo tempo decorrido. Num abrir e fechar de olhos, Dilma estará diante do balanço de seus primeiros 100 dias. Outro piscar d’olhos, e será um ano de governo e a nova batalha pelas prefeituras em 2012 a sua frente. Bem fez a presidenta de arrojar-se pelo menos num campo, o previdenciário, ao acenar com uma redução significativa da alíquota maluca de 20% hoje cobrada aos empregadores sobre sua folha de pagamentos. Esse é um dos tributos mais estúpidos na extensa coleção de canalhices tributárias inventadas por governos militares e civis desde os anos 80. Nisso os governos têm sido parecidos, sempre prometendo rever a incompreensível estrutura tributária nacional, mas sempre recuando em razão de um argumento torto qualquer.
Dilma tem pouco tempo. Fez bem em acenar com menor cobrança de INSS sobre os salários

Ao tentar mexer no vespeiro previdenciário, fonte inesgotável de mentiras oficiais, Dilma terá de afiar seus argumentos. Logo de saída, esclarecendo que os 20% de contribuição sobre a folha, embora recolhidos pelo empregador, são, antes de tudo, um ônus do empregado. Isso fica claro com a pergunta: faz diferença ao patrão recolher ao INSS ou pagar ao empregado para que ele recolha a contribuição? Diferença nenhuma! Portanto, é o empregado que paga a contribuição; o empregador apenas a recolhe, assim facilitando a cobrança sem choro. Daí ser fundamental que Dilma desonere a folha de pagamentos como um todo. Já que vai mexer, o ideal seria que ela propusesse a troca na base de incidência da contribuição “do empregador”. Sairia da folha para o chamado “lucro da operação”, que no mercado se conhece pela sigla “lagida” (ou, em inglês, ebitda). Nesse caso, a vantagem salarial do empregado seria máxima, com parte desses 20% podendo ser reintegrada ao salário líquido, algo que qualquer sindicato inteligente faria questão de levantar como bandeira.

O tema tem complicadores. Ressalto ao paciente leitor que o Brasil só não terá uma grande reforma previdenciária se a falta de imaginação de uns se aliar à maldade política de outros para nos tapear com a falsa tese da impossibilidade de mexer no que, há décadas, funciona mal e porcamente.
PAULO RABELLO DE CASTRO
é doutor em economia e palestrante, conselheiro de empresas, autor de livros como A grande bolha de Wall Street.

CANALHAS

RUY CASTRO

 Proposta de recall
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 31/01/11

RIO DE JANEIRO - Você sabe o que é recall -recolha, em português. Um fabricante é alertado ou se dá conta de que despejou no mercado um produto com defeito ou fora das especificações. Para evitar problemas, solta um anúncio na praça acusando-se e recolhe o produto -aos milhares, aos milhões, quantos tiver distribuído ou vendido. Daí devolve o dinheiro ou substitui as peças por outras sem jaça.
Pois o Brasil, habituado ao recall de carros, remédios, alimentos, temperos, carrinhos de bebê,fraldas, brinquedos, laptops, pilhas, camisinha e outros produtos, está na iminência de assistir a um recall inédito -de vacas.
Não, você não leu errado. Segundo um blog na internet, um grupo de fazendeiros comprou, a R$ 30 mil a dose, um lote do sêmen congelado de Radar, touro premiado da raça Gir, famoso pelo pedigree, força, beleza, postura e outras qualidades que o tornaram a paixão de milhares de vacas na sua longa carreira amorosa. Radar já morreu há dez anos, mas deixou sêmen suficiente para inseminar manadas e produzir novilhos também campeões e vacas recordistas de leite.
Ainda segundo o blog, alguém suspeitou de que os novilhos gerados por aquele lote, apresentando características que não condiziam exatamente com as do incansável reprodutor, teriam saído de outro touro. Aplicada a humanos, essa história parece enredo de Arthur Schnitzler ou Marcel Pagnol. Pois, pelo sim ou pelo não, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, sempre segundo o blog, irá proceder a um monumental recall de vacas, o primeiro do país.
Tenho pouca intimidade com vacas, exceto no copo ou no prato. Mas estou gostando dessa história de recall. Deveria ser aplicada aos políticos que, passada a eleição, se revelassem com defeito. Mas o importante é que, depois de recolhidos, fossem esterilizados e não ficassem nem para reprodução.

MÔNICA BERGAMO

LOIRA FATAL
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 31/01/11

Raquel Zimmermann ganhou camarim exclusivo na São Paulo Fashion Week, mas quis ficar na bagunça antes de desfilar para a Animale; ontem, viajou a Londres para fazer um ensaio da "Vogue" América

VENTO QUENTE
Cinco marcas de ventiladores de mesa, um dos eletrodomésticos mais vendidos no verão, foram reprovadas em análise feita pela ProTeste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor). A entidade constatou que, submetidos a um mau contato ou a um curto-circuito, os aparelhos podem pegar fogo. A ProTeste submeteu o invólucro e o eixo da chave de ligar dos aparelhos a um ensaio com fio incandescente a 750 ºC, segundo padrões internacionais de segurança. E as peças pegaram fogo.

VENTO QUENTE 2

A Arno diz que não detectou a irregularidade apontada pela ProTeste no modelo Turbo Silêncio 30, mas que submeterá os componentes a uma reavaliação. A Mondial avisa que o aparelho testado (Premium NV- 31) está fora de linha. Já a Britânia, fabricante do modelo Protect Turbo 30, afirma que as adequações estipuladas pelo Programa Brasileiro de Etiquetagem estão sendo realizadas. Fabricante do Security Black, a Mallory diz que seu produto tem voltagem de 127 V e que o teste não poderia ter sido feito com uma corrente de 120 V. A Faet, que fabrica o Super 30, não respondeu.

HERÓI NACIONAL
A série "O Vigilante Rodoviário" ganhará uma releitura 50 anos depois de estrear na TV Tupi, em janeiro de 1962. A Academia de Filmes negociou os direitos de uma nova temporada com a família de Ary Fernandes, idealizador do programa. Newton Cannito, que acaba de deixar a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, vai roteirizar os novos episódios. O projeto está em negociação com um canal da TV aberta.

RETRATO DE CARREIRA
Com a saúde debilitada, o fotógrafo Thomaz Farkas, 86, emocionou os convidados ao aparecer na abertura da mostra "Thomaz Farkas: Uma Antologia Pessoal", no Instituto Moreira Salles. A nata da profissão fez fila para autógrafos do livro homônimo: Cristiano Mascaro, German Lorca e Maureen Bisilliat passaram por lá.

O DIA DO CAÇA

Menos de um ano depois de ter ido à Suécia visitar a Saab, o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT-SP), viajará para conhecer as instalações de outro concorrente à venda de caças para a Força Aérea Brasileira. Ele embarca amanhã para a França, onde irá à sede da Dassault e voará no Rafale. E tentará convencer a empresa a instalar, como fez sua concorrente sueca, um centro de pesquisas na cidade do ABC.

LEÃO FAMINTO
A Receita Federal multou o deputado federal José Fuscaldi Cesílio (PTB-GO), conhecido como José Tatico, em cerca de R$ 65 milhões. A autuação resulta de uma força-tarefa da Receita e da Procuradoria-Geral da Fazenda que fiscalizou o Supermercado Tatico, rede do parlamentar, por quatro meses. O advogado de Tatico, Abelardo Lima, afirma não estar autorizado a falar.

DE ESTIMAÇÃO
Didi Wagner, apresentadora do "Lugar Incomum" (Multishow), deixou Nova York para voltar a morar no Brasil. Na bagagem, trouxe o hamster Fluffy, da filha Laura, 7. O bicho teve que tirar uma espécie de passaporte emitido por um veterinário para voar e entrar no país.

A ARTE DE TIA LENITA
Lenita Miranda de Figueiredo, a Tia Lenita, lança hoje, às 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, a nova edição, atualizada, de "História da Arte para Crianças". Aos 87 anos, ela diz que a educação infantil "precisa virar de cabeça para baixo". Defende, por exemplo, que as crianças tenham aulas de educação sexual desde pequenas. "Era um tabu, hoje é necessário. Elas podem conversar com estranhos, encontrar um pedófilo", diz, com a convicção de quem fala com elas há mais de 40 anos. "Tem que ensinar que a gente nasce, cresce e morre, mas sem tirar a fantasia."
Em 1963, Tia Lenita criou a Folhinha de S.Paulo (atual Folhinha), caderno infantil pioneiro e que trazia, de forma lúdica, desde dicas de livros a aulas de "elegância e bom-tom", que ela acredita fazerem falta às crianças de hoje. "Elas estão muito mal-educadas." Vencedora do Prêmio Jabuti em 1961 e 1971, Lenita sonha ganhar o terceiro com um romance, protagonizado por uma bióloga e ambientado no Brasil, na Itália e na França, que prepara para 2012. Ela também quer lançar, até o final deste ano, "História da Folhinha" e "História da Música para Crianças".

CURTO-CIRCUITO

O compositor Rodrigo Campos fará show amanhã, às 19h30, no Sesc Consolação, abrindo a programação de fevereiro da série "Música na Convivência". Livre.

A grife Victor Hugo faz brunch de lançamento da coleção de inverno, hoje, em seu showroom da av. Faria Lima.

Lynne Comeau, da grife Bernardo Footwear, estará no Inspiramais, salão de design da indústria calçadista que começa amanhã, no Centro de Convenções Frei Caneca.

O shopping Iguatemi disponibiliza até quarta vans para os clientes que desejarem ir à São Paulo Fashion Week.

com ELIANE TRINDADE (interina), DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

DENIS LERRER ROSENFIELD

Oportunismo ambiental
Denis Lerrer Rosenfield 
O Estado de S.Paulo - 31/01/11

Se um extraterrestre aterrissasse no Brasil após a tragédia no Rio de Janeiro, lendo certos jornais e notícias de algumas ONGs ambientalistas, não hesitaria em considerar o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) um criminoso, responsável pela morte de mais de 780 pessoas. Espantado com a enormidade da tragédia, logo diria, sem hesitar, que a revisão do Código Florestal fora a grande culpada pelo acontecido.

Mas, curioso, o extraterrestre procuraria informar-se melhor, acessaria o site do Greenpeace e depararia com uma matéria intitulada A receita da tragédia, na qual a "turma da motosserra" seria, também, a verdadeira responsável por tudo. Ou seja, os ruralistas, o agronegócio e o deputado Aldo Rebelo seriam os culpados pela ocupação desordenada do solo nas regiões urbanas! Em apoio, a matéria cita ainda dois membros da mesma ONG com opiniões balizadas sobre o assunto. Isso seria o equivalente a pedir a uma mãe judia ou italiana uma opinião isenta sobre o seu filho. A parcialidade seria manifesta!

O extraterrestre, no entanto, não seria uma pessoa politicamente correta, que embarcaria em qualquer história que lhe fosse contada. Há muito se teria vacinado contra tal tipo de posição. Seria apenas uma pessoa interessada na verdade, atenta aos fatos e informando-se nas mais diferentes fontes.

Atento, começaria ele por se indagar sobre conexões causais mínimas, que devem, logicamente, seguir um critério de temporalidade. O efeito, por exemplo, deve ser - esta é uma condição lógica - posterior à causa. A filha não pode ser a causa do nascimento da mãe. A revisão do Código Florestal está em discussão na Câmara dos Deputados, não tendo sido ainda aprovada. Uma vez aprovada, deverá seguir para o Senado e, depois, para a sanção presidencial. Logo, se ela não vigora, como poderia ser a causa da tragédia? A causa deve ser necessariamente outra, que obedeça, pelo menos, a um nexo lógico e temporal.

Cidades têm uma legislação específica, que é a Lei de Parcelamento e Ocupação do Solo Urbano. É essa a lei que vigora nas áreas devastadas. Aliás, o próprio deputado Aldo Rebelo já se manifestou a respeito, declarando que seu parecer não introduz nenhuma alteração na lei em vigor, destinando-se à área rural. Uma questão sensata, portanto, é a de indagar se a lei foi seguida, a saber, fiscalizada, obedecida, nas cidades atingidas por essa tragédia. Talvez aí esteja a verdadeira receita da tragédia, e não em causas fantasiosas. Aliás, a quem interessa esse ataque despropositado à revisão do Código Florestal?

Tomemos um exemplo para melhor expor o absurdo do "argumento". Segundo alguns defensores ambientalistas, deveria ser proibido construir em topos de morros, aqueles que o tenham feito devendo restaurar a mata ou vegetação nativa. Tal medida valeria, ainda segundo eles, para cidades e para zonas rurais. Isso significa, então, que o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor deveriam ser removidos. O "argumento", levado a sério, leva a essa conclusão. Ainda do ponto de vista urbano, isso significaria, em muitas cidades brasileiras, como São Paulo, a remoção de casas e edifícios construídos à margem de rios, córregos e em várzeas. Ruas e avenidas de muitos centros urbanos simplesmente desapareceriam. Algumas cidades deveriam, mesmo, ser parcialmente reconstruídas.

Pessoas mais sensatas poderiam contra-argumentar que o que já foi feito, segundo a legislação vigente na época, deveria ser reconhecido como legalmente válido, não comportando nenhuma alteração. Ora, é isso que o deputado Aldo Rebelo defende em seu relatório, voltado, aqui, para a questão rural, atingindo agricultores familiares, pequenos, médios e grandes produtores, todos se encontrando numa mesma situação.

A sensatez, no entanto, não é um bem compartilhado pelo mundo do politicamente correto. Os seus defensores mais acerbos sustentam que, no que diz respeito ao direito ambiental, não há direito adquirido nem legislação que se contraponha a ele. O direito ambiental teria efeito retroativo, o que é uma enormidade, só defendida pelo nazismo.

O extraterrestre, além de afeito às leis da lógica, da temporalidade e causalidade, teria particular sensibilidade para fotos e imagens. Lendo jornais e vendo televisão, verificaria que áreas particularmente atingidas pelos deslizamentos são de mata nativa. Isso mesmo, mata nativa, e não áreas desmatadas. Talvez o problema tivesse origem, conforme essa ótica, num fenômeno natural, isto é, numa grande precipitação pluvial que teria encharcado uma terra de pouca espessura e densidade, sobre um terreno rochoso. A terra, encharcada, teria perdido a sua estabilidade e levado consigo a vegetação nativa.

As vítimas seriam pessoas cujas moradias foram irregularmente construídas abaixo dessa área instável, tendo sido levadas de roldão. Analogamente, isso seria o equivalente a "permitir" a construção dos mais diferentes tipos de moradia no sopé de vulcões ativos. Em consequência, a responsabilidade seria basicamente dos prefeitos e de suas equipes, que deixaram que essas construções fossem erigidas.

Primeiro, populações pobres começaram a levantar moradias em áreas de risco, com o beneplácito do poder público, graças a governantes populistas que pretendiam com isso faturar politicamente. Há discursos feitos em nome dos pobres que matam pobres. Segundo, moradias de ricos também foram construídas em algumas dessas áreas, graças, provavelmente, à venalidade da administração - e da fiscalização, em particular. Não há nenhuma relação com a revisão do Código Florestal.

Dotado de bom senso, o extraterrestre se perguntaria por que nenhum sistema de alerta funcionou a contendo. Já precavido, não culparia o deputado Aldo Rebelo, os ruralistas e o agronegócio, ainda que isso fosse "lógico", segundo o oportunismo ambiental. Saberia que projetos anunciados não foram realizados nem verbas federais, liberadas. Certos terráqueos têm cada uma!

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Dilma no Congresso
RANIER BRAGON
FOLHA DE SÃO PAULO - 31/01/11

Dilma Rousseff decidiu que vai ao Congresso Nacional entregar a mensagem presidencial, na quarta. O gesto repete Lula, que em 2003 também ignorou a tradição de reservar a tarefa ao ministro da Casa Civil.
Na solenidade, que marca o início da Legislatura, Dilma lerá a introdução da mensagem, calhamaço que reúne as diretrizes do governo, mas que no Brasil costuma despertar pouco interesse político. Segundo aliados, a ida da presidente busca aplacar críticas de que estaria menosprezando a relação com os congressistas. Embora majoritária, sua base de apoio abriga disputa PT x PMDB por cargos, além de setores que buscam elevar os R$ 545 propostos para o mínimo.
Olimpo É enorme a insatisfação de aliados que dizem não ter conseguido nesse início o mais remoto canal de acesso à presidente.

Bola quebrada 

Questionado na semana passada sobre a possibilidade de ida de Dilma, o presidente do Congresso, José Sarney (PMDB-AP), a havia praticamente descartado. Lembrava não ser "tradição" receber a mensagem das mãos do presidente da República.

Sintonia 
Coincidência ou não, Eduardo Suplicy (PT-SP) enviou carta aconselhando Dilma a ir ao Congresso.

Cautela
Cézar Peluso avisou a interlocutores de Dilma que fará discurso "institucional" na abertura do ano judiciário amanhã, evitando cobrança pública à presidente quanto à demora na indicação do 11º membro do STF. No Planalto, a informação é que sai a qualquer momento a oficialização de Luiz Fux.

Esperando Godot 

Candidato azarão à presidência da Câmara, Sandro Mabel (PR-GO) disse a aliados que só desistiria da disputa se recebesse um apelo de Dilma em pessoa. Ontem o deputado passou o dia ao telefone e em reuniões. E convocou a imprensa para uma entrevista hoje pela manhã. A promessa é de que anunciará um "fato novo".

Outro lado 

Embora reafirme a intenção de continuar presidente do PSDB, Sérgio Guerra diz que não fez contabilidade de apoio. De acordo com aliados de José Serra, Guerra havia dito contar com seis dos oito governadores tucanos, além da maioria dos congressistas.

Como é? 
Entre os deputados-tampões da Câmara que usaram a verba de custeio do mandato durante as férias legislativas, Airton Roveda (PR-PR) foi um dos que menos pediu reembolso. Mas um gasto chama atenção: um sedex internacional, de R$ 68. Assessora do gabinete diz que foi ela quem usou, para mandar uma chave a ela mesma, no exterior.

Mais o que fazer 
Em pé de guerra com José Pimentel (PT-CE) pela vice-presidência do Senado, Marta Suplicy (PT-SP) se recusou a conversar com o concorrente após a reunião da bancada do PT, na quinta. Diante do pedido de Pimentel, disse para ele ligar no outro dia, após às 14h, que ela ia avaliar.

Recado 
Sobre a disputa entre PT e PMDB pelo comando de Furnas, o ministro Luiz Sérgio (Relações Institucionais) diz: "Fazer esse processo via dossiê não fortalece quem o está produzindo". Sérgio recebeu do deputado licenciado Jorge Bittar (PT-RJ) documentos listando supostas fraudes na estatal.

Caladão 
Os desabafos do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no Twitter sobre as acusações envolvendo seu nome e o de Furnas fizeram aliados de A a Z sugerirem moderação ao peemedebista no mundo virtual.
com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

Tiroteio
"Suplente que toma posse no recesso é como comandante de um navio fora d'água. Não tem como navegar."
DO DEPUTADO FLÁVIO DINO (PC DO B-MA), sobre os suplentes de deputado federal que tomaram posse para exercer o mandato nas férias legislativas.

Contraponto

Cardápio
Senadores do PT discutiam na última quinta-feira a indicação de nomes para a Mesa e as comissões, quando Walter Pinheiro (BA) propôs ao colega Delcídio Amaral (MS) que convidasse Eduardo Suplicy (SP) para um jantar, ocasião em que os dois poderiam com calma se acertar sobre quem presidiria a Comissão de Assuntos Econômicos, uma das principais da casa. Como o clima era acirrado, Pinheiro brincou:
-Mas preste atenção: é para jantar um com o outro, não um jantar o outro!

GOSTOSA

RENATO JANINE RIBEIRO

O caso Battisti e a Constituição
Renato Janine Ribeiro 
O Estado de S.Paulo - 31/01/11

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao rever o caso Battisti, terá de se pronunciar, direta ou indiretamente, sobre dois pontos cruciais de nossa vida constitucional - o que não afeta somente os juristas, mas também os cidadãos, e nesta condição me exprimo. O primeiro ponto é o sentido de crime político. Nossa tradição constitucional proíbe a extradição por esse tipo de delito. Portanto, Cesare Battisti, culpado ou não, só poderia ser entregue à Itália caso seu crime não fosse político. Ora, à primeira vista os atos de que é acusado têm motivação política. O que torna difícil aceitar esse caráter talvez seja nossa tendência a achar que crimes políticos são bonitos, dignos, melhores do que crimes comuns. Em regra, sim. Criminosos políticos geralmente são pessoas perseguidas por delito de opinião - ou seja, não são criminosos, criminoso é quem os persegue, como em nossa ditadura - ou, em menor número de casos, pessoas que recorreram à violência, roubando e até matando, mas isso porque não podiam defender suas ideias, numa sociedade que carecia de liberdades políticas. Nessa descrição se encaixa a grande maioria dos delitos políticos e não há como lhes negar alguma ou mesmo muita nobreza.

Contudo o terror italiano dos anos 1970 - ou o colombiano das últimas décadas - se dá no interior de sociedades democráticas. Concordo que nem a Itália da época nem a Colômbia de hoje são modelos de perfeição política, mas o fato é que se podia e se pode organizar em partidos, disputar eleições, clamar pela apuração honesta de atos criminosos do poder. A questão que fica é: quem usa armas contra tais regimes, mesmo quando estes cometem injustiças, pode ser entendido como criminoso político? Isso é decisivo para o Brasil e a América Latina, criadora do conceito de asilo político. Podemos, como disse acima, sair do conceito heroico e bonito de crime político e aceitar que certos crimes praticados na democracia ou com crueldade são políticos e merecem, pois, asilo. Ou podemos - mas esta é uma novidade cujo preço deve ser meditado - pensar que quem se revolta contra autoridades legitimamente constituídas, eleitas democraticamente, num país em que vige o Estado de Direito, não merece ser considerado criminoso político. Ou seja, as fronteiras da política seriam as da democracia. Lutar contra a democracia seria negar a política. Não seriam criminosos políticos os que violam direitos humanos, procuram acabar com as eleições e impor uma ditadura. Será isso mesmo? Ou será que até democracias têm sua parte de sombra, como a Turquia, Estado de Direito, mas no qual os curdos têm dificuldade de se organizar para defender seus direitos?

Outra hipótese é considerar não só o contexto (constitucional ou arbitrário) em que se pratica o crime político, mas os meios que seu autor usa. Matar indiscriminadamente ou colocar bombas que matem civis, pior, crianças ou idosos, significaria sair do crime político e entrar no terrorismo. Pode ser. Assim ocorreu na Itália. Mas lembrem que o grupo de Menachem Begin, mais tarde primeiro-ministro de Israel, explodiu um hotel em Jerusalém, no tempo do mandato britânico, matando 91 pessoas, inclusive civis. Então, se o critério for o meio empregado - a agressão a não militares, o terrorismo -, às vezes será difícil diferenciar o terror condenável e daquele cujo sucesso ulterior o absolve.

Mas essa é uma decisão que o STF terá de tomar. Terá de definir o que é crime político. Isso também significa dizer o que é, e o que não é, política.

O segundo ponto a examinar é a prerrogativa do presidente da República de dar a última palavra em asilo, extradição e expulsão de estrangeiros. O tribunal foi ambíguo a esse respeito. Em sua primeira deliberação, reconheceu que cabia ao presidente a decisão. Ficou esquisito: o STF deliberava, mas não decidia. Dias depois, o Supremo deu a entender que o presidente deveria seguir sua deliberação. Aqui, a situação também é complicada.

Por um lado, se o presidente tiver de acompanhar o Supremo, a separação dos Poderes - princípio constitucional fundamental - é posta em xeque. Cada vez mais o Judiciário e o Ministério Público, dois Poderes não eleitos, intervêm na coisa pública. Será isso bom? Com frequência eu vibro com o conteúdo de suas intervenções. Mas a questão não é se concordamos ou não com o que eles fazem. A questão é que, numa democracia, os principais Poderes devem ser os eleitos: Legislativo e Executivo. Quando o Judiciário e o Ministério Público ocupam seu território, as normas podem até melhorar, mas não a qualidade da democracia, o engajamento da sociedade e a educação política dos cidadãos. Não é fortuito que juristas falem em "tutela" dos direitos humanos. Sei que a palavra tutela tem vários sentidos, mas mesmo assim me inquieto. Porque a democracia é justamente o regime em que não cabe tutor.

Por outro lado, a Constituição também exige que as decisões - pelo menos as do Executivo e do Judiciário - sejam motivadas, isto é, que sejam expostas as suas razões. São tais arrazoados que nos permitem questionar as decisões, abrindo o espaço público, sem o qual, como sustenta Lênio Streck a propósito do júri (que não motiva suas deliberações), não há espírito republicano. Ora, se as decisões do presidente forem finais e irrecorríveis, subtrairemos do exame judicial assuntos de interesse público. Parece que o STF pende para esse lado: mesmo naquilo que o presidente tem a prerrogativa constitucional de decidir, ele tem de se justificar, e essa justificação pode ser revista pela Corte Suprema. Essa tese é positiva.

Mas notem também que é delicada. Imaginemos que um dia se conteste a nomeação de um ministro de Estado, por inepto, ou a concessão de uma condecoração pelo chefe de Estado, por imerecida. Onde terminará o exame, pelo Judiciário, das decisões do Poder Executivo? Como ficarão a separação dos Poderes e o respeito à escolha, pelo povo, dos seus dirigentes? Questões difíceis, que espero sejam devidamente debatidas e decididas pelo STF.

PROFESSOR TITULAR DE ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA DA USP

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Mercado de cartões deve crescer 21% neste ano
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 31/01/11

A indústria de cartões deve apresentar forte expansão neste ano, puxada pelo aumento do número de pessoas com acesso ao meio de pagamento e por parcerias de emissores com o varejo.
O número de transações com cartões (crédito, débito e "private label") no mercado brasileiro totalizará 8,6 bilhões neste ano, com crescimento de 21%, segundo projeções da consultoria Lafis.
A quantidade total de cartões deve crescer 12%, para 706,1 milhões, enquanto o faturamento do setor deverá alcançar R$ 624 bilhões.
"Os bancos estão captando o público das classes D e E. Além disso, crescem as parcerias entre empresas e bancos", diz Thaís Virga, analista da Lafis.
Grande parte da expansão da indústria vem da transferência de meios de pagamento, segundo Fernando Teles, diretor de cartões do Itaú Unibanco. "Pessoas que usavam cheque ou dinheiro passaram a usar os cartões."
Outro fator de destaque é o aumento do uso do cartão por pessoas que não possuem conta em banco. "Por meio de parcerias com o varejo, tem crescido o acesso dessa população", diz Teles.
O avanço dos cartões de débito será maior que os de crédito, na opinião de Denilson Molina, diretor de cartões do Banco do Brasil. "Os emergentes das classes D e E começam a ser bancarizados e a ter acesso aos cartões."
Outra tendência, segundo Molina, é a de os bancos passarem a ofertar cartões pré-pagos, com recarga, que possam ser usados no comércio.
Entre as estratégias das companhias, está o lançamento de produtos. A Credicard, que projeta aumento de 25% na quantidade de transações, planeja novo cartão para fevereiro.
"Vamos lançar um para os universitários, com programas de recompensas. É um público que, na média, tem baixo poder de consumo, porém é um investimento de futuro", diz Leonel Andrade, presidente da Credicard.

Licitação 
O ex-presidente da Federação Mundial de Hemofilia Brian O'Mahony chega hoje ao país. Ele mostrará ao governo modelos de licitação para compra de remédios que controlam crises de hemorragia em hemofílicos.

Gelado 
A rede de frozen iogurte Yogolove abriu quatro lojas no Estado de São Paulo neste mês. A empresa, cujo faturamento no ano passado foi de R$ 6,5 milhões, investiu R$ 1,4 milhão e pretende inaugurar mais 11 unidades em 2011.

No provador 1
 
O atendimento é o item mais levado em consideração por 51% dos consumidores de vestuário. Em seguida aparecem variedade de produtos, descontos e promoções, facilidades de pagamento e qualidade.

No provador 2 
Os preços ficam apenas em 9º lugar, de acordo com levantamento do Instituto de Estudos e Marketing Industrial.

No provador 3
 
As lojas ainda são as maiores responsáveis pelas vendas do varejo para todos os perfis de consumidores de roupa, com 90,9%. Em seguida aparecem as revendedoras (6,4%) e a internet (2,8%). A pesquisa foi realizada no ano passado e entrevistou 3.300 pessoas.

No altar 
Os organizadores da Expo Noivas & Festas esperam volume de negócios de R$ 16 milhões no evento em São Paulo, em fevereiro. O mercado movimenta por ano no Brasil R$ 10 bilhões, diz o diretor da feira José Luiz César.

ARROZ COM FEIJÃO

A indústria alimentícia Broto Legal, de Campinas (SP), vai entrar no mercado mineiro. A empresa fechou contrato de licenciamento com os clubes Cruzeiro e Atlético-MG para lançar linhas de arroz e de feijão.
Também está nos planos abrir um centro de distribuição em Belo Horizonte.
Hoje, a empresa atua nos Estados de São Paulo e Paraná e na cidade de Manaus.
"O consumo de arroz e feijão vem caindo no país. O contrato com os clubes tem o objetivo de influenciar jovens e crianças a voltarem a se alimentar de arroz e feijão", diz Paulo Storti, presidente da empresa.
Para Storti, o governo deveria fazer uma campanha nacional sobre as qualidades nutricionais desses alimentos.
A companhia já iniciou as obras para ampliar a capacidade de produção da fábrica em 70%.
Com a parceria com os clubes, a empresa projeta crescimento das vendas de 15% a 20%.
A companhia lançou neste mês a linha de times com os clubes Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos e Portuguesa.

POEIRA ENERGÉTICA
O grupo Êxito Import & Export, de Recife (PE), começou a construir uma usina termoelétrica em Paragominas (PA) para gerar energia a partir da reciclagem de resíduo de madeira.
"É uma região com passivo ambiental muito grande. Paragominas por muitos anos foi conhecida como capital da madeira", diz José Lacy de Freitas Júnior, que afirma ter medido montanhas de pó de serra de 50 metros de altura no local, resíduo que causa problemas respiratórios à população.
Na cidade, os resíduos de madeira, que serão usados pela usina, costumam ser depositados em pátios de madeireiras e terrenos ou destinados a carvoarias e caieiras, fornos de produção de carvão, segundo a empresa.
"Queremos usar todo esse pó que está lá como lixo."
A unidade, que deve ficar pronta em abril de 2012, terá capacidade para gerar 8 MW e receberá investimentos de R$ 25 milhões.

Com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK e VITOR SION

MÚMIA BRASILEIRA

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

A trilogia impossível
José Márcio Camargo 

O Estado de S.Paulo - 31/01/11

A inflação está de volta às manchetes. China, Brasil, Índia, Colômbia, Coreia do Sul, União Europeia, Inglaterra, enfim, apenas os Estados Unidos e o Japão continuam com taxas de inflação estáveis ou em queda. O irônico é que a principal causa da volta do fenômeno inflacionário é o excesso de liquidez gerado pela política monetária do banco central americano, o Fed. Como ele emite dólares, que é a moeda utilizada para as transações comerciais e financeiras internacionais, um aumento de liquidez acima do que a economia americana é capaz de absorver é automaticamente desviado para o resto do mundo, aumentando a demanda por bens, serviços e ativos reais e financeiros nos outros países. O resultado é a pressão sobre os preços dos bens, commodities e serviços (inflação) e o aumento dos preços dos ativos reais e financeiros (bolhas).

Apesar da aceleração da taxa de inflação, as taxas de juros reais continuam muito abaixo de antes da crise econômica de 2008/2009, e os bancos centrais têm resistido a aumentá-las preventivamente, o que diminuiria os custos da estabilização.

A resistência dos bancos centrais deve-se a dois fatores. Nos países desenvolvidos, as economias ainda não retomaram uma trajetória de crescimento sustentável, continuam com grande ociosidade e elevadas taxas de desemprego. Na verdade, com os atuais níveis de taxas de juros e liquidez, os elevados déficits fiscais e ociosidade, essas economias deveriam estar "voando". Ao contrário, elas estão apenas começando a "engatinhar". Um aumento dos juros, nessas condições, traz consigo o risco de uma diminuição do já baixo crescimento, o que poderia levar a um duplo mergulho na recessão, o que os bancos centrais pretendem evitar a qualquer custo.

Entre os emergentes, a questão é que o excesso de liquidez tem gerado forte pressão por valorização das taxas de câmbio. Dado o diferencial (atual e esperado) de crescimento e de juros entre os países desenvolvidos e os emergentes, a liquidez excedente tem se deslocado na direção desses últimos, gerando aumento da oferta de dólares e sua desvalorização. Isso afeta a competitividade das empresas desses países, reduz as exportações e aumenta as importações, com efeitos negativos sobre o crescimento. Para evitar uma excessiva valorização das moedas e um possível risco de desindustrialização, os bancos centrais intervêm no mercado de câmbio, criam controles de capitais e evitam aumentar os juros.

Porém, em economia, nem tudo é possível e restrições precisam ser respeitadas. Em especial, sabe-se que é impossível adotar, simultaneamente, câmbio fixo, política monetária independente e liberdade do fluxo de capitais.

Suponha, por exemplo, que o país adote uma política de câmbio fixo. Se a taxa de juros interna for maior que a externa, o país atrai capitais internacionais e o fluxo de capitais aumenta, o que gera pressão por valorização da taxa de câmbio. Se a taxa de câmbio nominal permanecer constante, o aumento de liquidez leva a um aumento da taxa de inflação e, portanto, a uma valorização real da moeda. O aumento da inflação gera expectativa de aumento dos juros, o que eleva o fluxo de capitais e a pressão por valorização cambial. Nesse caso, a solução seria introduzir controles sobre o fluxo de capitais, ou flexibilizar a política cambial, ou adotar a política monetária de seus parceiros comerciais.

Os países emergentes bateram nessa restrição. Para evitar a valorização de suas moedas, estão introduzindo controles de capitais e tornando suas políticas monetárias mais dependentes da adotada pelo Fed, mantendo taxas de juros muito baixas e aceitando uma taxa de inflação mais elevada. Com isso, suas taxas de câmbio real estão se valorizando, ainda que as taxas nominais possam permanecer constantes, ao mesmo tempo que os controles de capitais e as intervenções no câmbio têm se intensificado.

Em países como o Brasil, com baixa taxa de poupança, um risco adicional é de que a introdução de controles acabe afugentando os capitais de longo prazo, dificultando o financiamento do déficit em conta corrente e forçando uma redução drástica do crescimento.

Porém o problema estrutural persiste. Enquanto o Fed insistir com sua política de gerar liquidez excessiva, as pressões inflacionárias continuarão a se aprofundar. A menos que os países emergentes decidam atacar o problema com políticas monetárias mais duras do que as atualmente vigentes, aceitem uma valorização mais pronunciada de suas moedas com menos crescimento ou decidam fechar sua conta de capitais. Eventualmente, os aumentos dos preços das commodities acabarão chegando à economia americana, gerando pressões inflacionárias e queda da renda real e do consumo, o que poderá afetar negativamente o crescimento. Por outro lado, caso as expectativas de inflação sejam afetadas, poderão forçar o Fed, o Banco Central Europeu ou o Banco da Inglaterra a reduzir a liquidez e aumentar os juros. É a trilogia impossível.


ECONOMISTA DA OPUS GESTÃO DE RECURSOS E PROF. DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC/RIO