1. Caminho pelo centro de Londres. Várias mulheres de burca passam por mim. Como sempre, sinto desconforto físico e moral.
Essas coisas não se sentem, dizem. Nem se escrevem. Que direito tenho eu de impor um código de vestuário sobre terceiros?
Admito: nenhum. Mas quando vejo uma mulher transformada em múmia, não penso em mim. Penso nela. Aquilo é uma escolha pessoal? Ou, na esmagadora maioria dos casos, uma forma de submissão ao poder masculino?
As mulheres caminham integralmente cobertas, repito. Mas o homem avança na frente, expressão pública e visível do lugar que a mulher ocupa na hierarquia dos sexos.
É também por isso que concordo com a proibição de burcas ou véus integrais no espaço público europeu –já acontece na França; há debate na Alemanha. Primeiro, porque é uma forma de respeito pelos outros: viver nas sociedades ocidentais significa partilhar um código mínimo de valores ou comportamentos.
E, como já escrevi nesta Folha, se eu não ando nu pelas ruas (apesar da minha costela panteísta), agradeço que os outros não andem tapados da cabeça aos pés.
Mas a proibição é também uma forma de respeito pelas mulheres. Excetuando casos extremos, defendo que o Estado não entre na casa dos cidadãos. Que o mesmo é dizer: se uma mulher deseja estar integralmente vestida ou despida entre quatro paredes, problema dela.
Coisa diferente é falar do mundo que existe fora das quatro paredes.
Será que um Estado de Direito deve permitir a exibição pública de uma mulher encerrada em presídios de tecido? Ou deve declarar, em alto e bom som, que não há qualquer tolerância para essas manifestações de brutalidade masculina?
Claro que alguns crentes afirmam o oposto: brutalidade é remover a burca e o véu integral sem respeitar "culturas diferentes". Engraçado: eu julgava que a violência sobre as mulheres não era uma "cultura" digna de respeito entre pessoas civilizadas.
E, já agora, relembro aos multiculturalistas que o Ocidente também é uma "cultura diferente". Por que motivo a "tolerância" perante a diferença se aplica aos outros –mas não a nós?
Seja como for, só posso aconselhar às brigadas a leitura da história que o "Daily Telegraph" publica sobre a libertação da cidade síria de Manbij.
Foram dois anos sob as garras do chamado "Estado Islâmico". A libertação chegou com as tropas americanas. E quando as mulheres viram os soldados entrarem na cidade, o que fizeram? Rasgaram as burcas e, para festejar, fumaram cigarros.
Admito que essas duas ações –rasgar burcas, fumar cigarros– possam ofender multiculturalistas e higienistas em partes iguais. Mas quando vejo uma mulher de burca nas ruas de Londres, é também essa a minha vontade: convidá-la a sair da masmorra e oferecer-lhe um cigarro para comemorar.
2. Estreou no Brasil "Amor & Amizade", o mais recente filme de Whit Stillman. Prometo escrever em breve sobre o assunto. Merece. Primeiro, porque Stillman filma pouco mas filma barbaramente bem (conheci-o com "Metropolitan" e virei cliente). Depois, porque o diretor pegou uma novela "menor" de Jane Austen ("Lady Susan") e acertou no essencial: a cínica misoginia de Jane Austen.
Essa verdade não cai bem em certas fãs da escritora, que veem em Austen uma espécie de feminista "avant la lettre". Não era. Os homens, na prosa dela, podem ser tontos ou vulgares. Mas as mulheres, exceções à parte, são retratadas como seres gananciosos ou reptilianos. Só uma mulher poderia escrever assim sobre as outras mulheres.
E o que é válido para a literatura, é válido para o desporto. Leio na "The Economist" que a Universidade Harvard estudou "padrões de reconciliação" entre homens vs. homens e mulheres vs. mulheres depois de jogos "confrontacionais" (tênis, ping-pong, badminton, boxe).
Conclusão: quando o confronto termina, os homens têm mais contato físico (cumprimentos, abraços, palmadas nas costas etc.) do que as mulheres. As donzelas, com má cara, despacham o assunto rapidamente.
Como explicar a diferença? Os antropólogos de Harvard não sabem. Um pouco de Jane Austen talvez fosse útil para eles. Da minha parte, prometo apenas que vou prestar mais atenção aos Jogos do Rio. Só para confirmar se a "guerra dos sexos" é samba de uma nota só.