quarta-feira, agosto 10, 2016

Futebol! A Marta e o Morto! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 10/08

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Socuerro! Rio-2016! Tudo ao mesmo tempo aqui e agora.

Tô praticando corrida em controle remoto! "Hoje eu vi futvôlei." "Quem ganhou?" "Não sei, mudei pro judô." "Quem ganhou?" "Não sei, mudei pro tênis de mesa."

Rarará!


Fê/Editoria de Arte/Folhapress



Ouro em controle remoto! E o Brasil ganha o primeiro ouro! Judoca Rafaela Silva!

Deu um ippon no racismo! As mulheres estão arrasando!

Então já temos duas medalhas: tiro e porrada. Só falta a bomba!

Rarará!

E corre na internet um meme do Carlos Galo com as fotos da Marta e do Neymar: A MARTA E O MORTO!

Rarará!

Vamos ver se hoje o Morto ressuscita! E o Neymar e o Galvão estão com relações estremecidas.

O site Futirinhas grampeou a conversa no celular!

Neymar: "Oi, amor, o que tá acontecendo?". "Nada." "Certeza? Mas tua voz tá estranha." "Precisamos conversar pessoalmente."

Rolou uma DR!

Rolou climão!

Rarará!

E ontem teve iatismo, hipismo e onanismo. Tudo esporte de rico!

Rarará!

E esta: "Velejadores elogiam qualidade da baía de Guanabara: a água estava brilhante".

De repente a baía de Guanabara ficou potável! É que todo mundo seguiu a recomendação do Eduardo Paes: vá cagar em Maricá!

Rarará!

E o Feliciano? O Infeliciano! "Feliciano denunciado por estupro."

Um boy partiu o coração dele e ele resolveu atacar sexualmente uma jornalista!

Todo moralista no fundo é um devasso! É um suposto estuprastor! Feliciano é um suposto estuprastor! Os estuprastores!

É mole? É mole, mas sobe!

Os Predestinados!

Mais dois para a minha série Os Predestinados!

Direto de Porto Alegre: cirurgia plástica e microcirurgia doutora Virginia PÓLVORA! Ela opera com dinamite?

Rarará!

E esse chinês de tênis de mesa: Li PING!

Rarará.

Nóis sofre, mas nóis goza!

Hoje só amanhã!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!


Lágrimas de triunfo ou fracasso - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 10/08

Chorar tem sido uma tocante forma de expressão na Rio-2016. Chora-se ao ganhar ou perder. Não estamos lidando somente com superatletas, mas com seres humanos na sua insuspeitada fragilidade. Na segunda-feira (8), a judoca Rafaela da Silva recebeu a medalha de ouro ao derrotar a lutadora mongol e chorou no pódio. A premiação redimia Rafaela de fundas humilhações no passado — uma delas por ter sido desclassificada em Londres-2012 e vítima de boçais agressões nas redes antissociais.

No domingo (7), outra judoca, Majlinda Kelmendi, também chorou ao receber o ouro e se tornar a primeira medalhista de Kosovo, país que só há pouco conquistou sua independência — aliás, ainda não reconhecida pelo Brasil. Já o sérvio Novak Djokovic, tenista nº 1 do mundo e campeão de quase tudo que disputou, foi eliminado no torneio de simples pelo argentino Juan Martín del Potro e saiu chorando como um principiante que visse seu mundo cair.

Foi o que deve ter sentido a esgrimista brasileira Marta Baeza ao ver rompido o ligamento do joelho esquerdo, ser obrigada a abandonar a luta contra a campeã polonesa e dar adeus à Rio-2016. Na tela, seu choro em close e em câmera lenta refletia mais do que a dor física.

Outro choro, talvez o primeiro desta Olimpíada, foi o do nadador boliviano José Quintanilla, 19, ao simplesmente desfilar na cerimônia de abertura no Maracanã, na sexta-feira (5) — ele que, em sua cidade na Bolívia, não tem uma piscina de 50 m para treinar. E também comovente foi o choro do nosso ginasta Diego Hypólito. Ao ajudar, talvez pela última vez, a levar o Brasil ao seu melhor resultado na ginástica por equipe, suas lágrimas lavaram as derrotas em duas Olimpíadas anteriores.

A ver se, nesta quarta (10), teremos lágrimas na seleção masculina de futebol contra a Dinamarca. Nem que sejam de vergonha.


O mérito e a justiça cósmica - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 10/08

A julgar pelas mensagens que recebi, a coluna de domingo (10), intitulada "O mito da meritocracia", na qual expus ideias de Robert Frank sobre a importância da sorte para o sucesso, foi mal interpretada. Não defendi o fim dos concursos públicos nem o tal de "coitadismo", o que quer que isso signifique.

Na esteira de Frank, tentei apenas mostrar que o sucesso, material, social ou profissional, até diz algo sobre a competência de uma pessoa. É raro que alguém sem nenhum talento alcance lugares de destaque. Mas, daí a concluir que a posição ocupada revela também o mérito, isto é, o merecimento entendido como uma materialização da justiça cósmica, configura um passo indevido. Trocando em miúdos, podemos defender que o poder público contrate os candidatos com maior pontuação no concurso. O motivo para fazê-lo, porém, é a eficiência, não a justiça. Em respeito ao dinheiro do contribuinte, o Estado deve sempre tentar recrutar o profissional mais preparado.

O ponto central é que atributos como inteligência, equilíbrio e mesmo disposição para o trabalho são resultado de uma loteria que envolve genética e ambiente e não manifestações de virtude individual. Não há mais mérito em ser brilhante do que em nascer com a beleza de uma Gisele Bündchen. E, assim como é errado prejudicar alguém por causa da cor da pele, também deveria sê-lo beneficiar devido a características que a pessoa nada fez para adquirir.

Humanos, porém, somos vítimas daquilo que o psicólogo Melvin Lerner chamou de falácia do mundo justo, que é crença de que o Universo recompensa os bons e pune os maus. É uma ilusão cognitiva, mas que tem valor adaptativo, já que tende a fazer com que nos engajemos em atividades com objetivo de longo prazo. O lado ruim da história é que deixamos de apreciar o verdadeiro papel do acaso em nossas vidas e acabamos acreditando que vítimas do azar "mereceram" seu destino.

O mundo no Rio - ROBERTO DAMATTA

O Globo - 10/08

Como não enxergar esse contraste entre a utopia da competição idealizada, delineada no juramento olímpico, e o descaso pelas leis com sérias consequências políticas?


Tal foi a frase de uma mensagem que recebi de Richard Moneygrand, meu velho mentor, que, ao ler a coluna na qual falo dos meus 80 anos, prediz com seu permanente e generoso otimismo que, com cautela, eu chego aos 90.

Mas, prossegue o sábio, como deixar de falar da variante brasileira dos Jogos Olímpicos que fazem o seu ano de nascimento, Roberto, o distante 1936, coincidir com esses Jogos de 2016?

Como não observar o modo pelo qual vocês aculturaram esse ritual reinventado na Europa, moldando-o e “nele dando um jeito”?

Dando-lhe um estilo no qual a ambiguidade — disfarçada de improviso (o qual perdoa tudo, até o roubo descarado pelos poderosos) — é um valor; visto que nem toda sociedade repete — como insistem os idiotas do determinismo histórico — o esquema que começava na antiguidade escravocrata e terminava no inferno da exploração burguesa.

Nesta indigente visão linear, não há misturas, repressões ou reversões. Mas como aplicar isso ao seu Brasil, que teve na escravidão africana o foco do seu desenvolvimento e da sua civilização fundada, como dizia Darcy Ribeiro, primeiro no “cunhadismo” (os colonizadores “casavam-se” com as índias) e, depois, pela mestiçagem, a qual engendrou um preconceito relacional. Nele, a aparência predominava sobre a origem, como ensinou um não lido Oracy Nogueira?

Como ser igual aos ingleses e franceses se vocês são — como tem visto o Comitê Olímpico Internacional com trepidação — uma coletividade na qual o improviso, o risco, o adiamento, o recurso e o foco do meio, e não do início ou do fim, são dimensões básicas de sua cosmologia? Para vocês, definir é um castigo, e o inferno não são os outros, pois tudo depende de quem é o outro. Se for amigo, é céu; se inimigo ou estrangeiro, fica-se com Sartre.

Como não especular que esse grandioso ritual esportivo marcado por normas fixas, simples e conhecidas não esteja ocorrendo em paralelo a um tenebroso julgamento criminal cujo ponto crítico é o exato oposto: o não cumprimento de leis pelos mais altos responsáveis pelo país?

Como não enxergar esse contraste entre a utopia da competição idealizada, delineada no juramento olímpico, e o descaso pelas leis com sérias consequências políticas? A maior delas sendo a divisão do Brasil como país, numa ocasião em que — diante de outras nações — ele deveria estar unido...

Mas, por outro lado, continua Moneygrand, como não abrir-se para o fato de que o “esporte”, como a música, o vinho, o amor, o cinema e a literatura são maquinas de esquecimento? Que essas atividades que chamamos um tanto sem pensar de “jogos” inventam novos focos, mudam pontos de vista e, com isso, trocam as coisas de lugar? Primeiro, porque eles custam muito caro; depois, porque exigem uma imensa organização; e, finalmente, porque ninguém pode ser anfitrião sem arrumar sua própria casa.

Quando um país “joga” com outro, substituindo o conflito e a guerra por modalidades esportivas “olímpicas” — ou seja, formas de competir que incluem times e indivíduos, como é o caso do futebol e do atletismo e da natação —, o resultado não é o ressentimento que engendra outra guerra, mas aquela familiar transformação da frustração em solidariedade em nome de algo maior. E nada é mais importante e até mesmo sagrado, conforme diziam os sociólogos clássicos, do que a fabricação de uma totalidade capaz de englobar todas as suas partes num acordo indiscutível. De gestos, espaços, uniformes, aparelhos e regras que valem para todos e que não levam à destruição, mas cobrem de honra o perdedor e asseguram o direito a um outro “jogo”. De tal maneira — prossegue o professor — que não se pode mais distinguir vitória e derrota, porque elas são parte essencial de uma mesma moeda. Convenhamos que isso é o oposto da guerra na qual um grupo simplesmente aniquila o outro. Um dos “trabalhos” mais formidáveis do “esporte” é precisamente essa legitimação da derrota pela vitória que será superada ou vencida no próximo encontro ou campeonato.

A Olímpiada é — como você mesmo remarcou sem ter sido lido, pois ninguém é profeta na sua própria tribo, no seu livro “A bola corre mais que os homens” — um ritual de integração mundial. Nela, o protagonismo não é o da globalização com seus avanços técnicos, os quais abrem fossos entre as “maçãs” e as “bananas”, mas é o investimento humano. Esse elemento que nas artes mas, sobretudo, no esporte reúne técnica, esforço intelectual, perseverança espiritual ao ponto da renúncia do mundo, com desempenho. Na competição, vemos o exterior — a disputa de um time contra o outro; ou de pessoas usando seus corpos na luta contra o espaço e o tempo. Mas, olhando mais de perto, enxergamos a dedicação e o investimento reveladores de um espírito. Uma “ética de dedicação” a uma modalidade esportiva tão grande quanto a devoção e o amor.

Esse amor, prossegue meu velho amigo, finalizando sua mensagem, que hoje vocês têm neste Rio que é o palco do mundo.

A crise do Mercosul é a crise da integração regional - CARLOS MALAMUD

ESTADÃO - 10/08

Controvérsia no principal bloco da região é compartilhada por outras entidades e reflete fracasso de projeto bolivariano



O Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul) não encontra meios de sair da crise que atravessa, referente à presidência semestral rotativa. Não apenas isso: os governos de seus países-membros continuam sem dar respostas adequadas ao profundo atoleiro em que se encontram. Há três semanas, comparávamos a crise do Mercosul à situação, muito mais esperançosa, que vive a Aliança do Pacífico.

Na verdade, a delicada conjuntura do Mercosul é compartilhada pela União das Nações Sul-Americanas (Unasul), a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a Aliança Bolivariana de Nações (Alba) e reflete bem a decadência do projeto de integração bolivariano.

No caso do Mercosul, há vários problemas que incidem no atual estado de coisas, mas todos eles respondem às mesmas premissas que têm servido para contextualizar a presença da América Latina no mundo globalizado: a relação com as principais potências ocidentais, começando com Estados Unidos e União Europeia (UE); o papel do comércio internacional no crescimento dos países; a participação do Estado nas economias nacionais; e o excessivo protagonismo presidencial na definição da política exterior.

Esse último ponto tornou possível o início do trâmite de incorporação, em finais de 2005, da Venezuela no Mercosul, num processo marcado pela improvisação e voluntarismo do então presidente venezuelano, Hugo Chávez. Isso foi facilitado pelos parceiros de então: os presidentes Néstor Kirchner (da Argentina), Luiz Inácio Lula da Silva (da Brasil), Nicanor Duarte Frutos (da Paraguai) e Tabaré Vázquez (da Uruguai). O trâmite demorou bastante em consequência da oposição do Parlamento paraguaio e do Senado brasileiro, além da reiterada recusa do governo venezuelano em respeitar os consequentes compromissos de adequação de sua legislação comercial às regras do Mercosul.

Embora em 2012, aproveitando a suspensão do Paraguai da organização (causada pelas suspeitas levantadas pelos demais países-membros sobre o processo que levou à destituição do presidente esquerdista Fernando Lugo), o ingresso da Venezuela se tenha concretizado, em nenhum momento ficou clara a vontade venezuelana de mudar as leis e regulamentos do bloco, nem tampouco de o país se comportar como membro responsável do Mercosul.

O que está claro é que hoje se paga pelos erros do passado. Insistindo neles, em julho de 2015 os já cinco membros aprovaram a incorporação da Bolívia. Em nenhum dos dois casos se discutiu o projeto global do bloco, nem se as economias dos novos países eram ou não compatíveis com seu funcionamento interno.

Quando houve algumas mudanças de governo, a concepção dominante de entender a integração regional foi para o espaço.

Isso ocorreu porque em todos estes anos a ideologia e as afinidades políticas tinham prevalecido sobre os interesses nacionais.

Agora, os novos presidentes da Argentina, Brasil e Paraguai decidiram não mais se curvar ao chavismo, ou ao menos não tolerar mais seus permanentes questionamentos políticos de tudo aquilo que exceda os rígidos parâmetros bolivarianos de integração. Pretende-se reconduzir a integração segundo premissas diferentes, mesmo que os interessados ainda não tenham a força necessária. Esse estado de coisas ocorre paralelamente ao empenho venezuelano de impor a todo custo sua presidência. Com o objetivo de aparecer como vítima perante a opinião pública do país, a Venezuela começou a difundir a ideia de que é tudo um complô da direita regional, ajudada pelos EUA.

Termos grosseiros. A chancelaria venezuelana até já denunciou a criação de uma “tríplice aliança”, agora formada por Argentina, Brasil e Paraguai, com a intenção de “reeditar uma espécie de Operação Condor (a cooperação repressora entre os países do Cone Sul durante o período de ditaduras militares das décadas de 70 e 80) contra a Venezuela, fustigando e criminalizando seu modelo de desenvolvimento e democracia – agressão que não se detém nem frente à destruição da institucionalidade e legalidade do Mercosul”.

A comparação, grosseira e anti-histórica, dos atuais governos democráticos dos referidos países com as ditaduras militares dos anos 1970 se agrava com a tentativa de vincular o Paraguai à Tríplice Aliança.

Ocorre que, na guerra de 1864-1870, o Paraguai foi vítima e não agressor do bloco bélico formado pela Argentina, Brasil e Uruguai.

O governo uruguaio se empenha em manter a legalidade do Mercosul – que prevê a entrega da presidência do bloco à Venezuela, obedecendo ordem alfabética), enquanto Argentina, Brasil e Paraguai se opõem à liderança venezuelana, embora não se atrevam a aplicar a Carta Democrática da organização ou a questionar a participação da Venezuela dado seu não cumprimento das normas comunitárias. A isso se soma o temor do bloqueio que uma presidência venezuelana possa impor à negociação do Tratado de Associação e Livre-Comércio com a União Europeia. Em grande parte, a crise venezuelana está por trás da paralisia que afeta o funcionamento tanto da Unasul quanto da Celac.

Há uma situação de bloqueio que impede manter as políticas do passado e impulsionar as mudanças a que alguns aspiram.

As decisões irresponsáveis dos últimos 15 anos estão mandando a conta, sem que haja nenhum plano elaborado e coerente para reverter tão lamentável estado de coisas. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

*PESQUISADOR PARA AMÉRICA LATINA E COMUNIDADE IBERO-AMERICANA DO REAL INSTITUTO ELCANO DE ESTUDOS INTERNACIONAIS E ESTRATÉGICOS.

Reconstruindo as Telecomunicações - ADRIANO PIRES

ESTADÃO - 10/08

Setor de infraestrutura no Brasil precisa ser reinventado



O setor de infraestrutura no Brasil precisa ser reinventado. No âmbito externo vêm ocorrendo mudanças tecnológicas profundas num espaço de tempo cada vez menor e, internamente, a nossa regulação e legislação não acompanharam a entrada no mercado das novas tecnologias, bem como tivemos um período de excessiva intervenção do governo no setor de infraestrutura, reduzindo o papel das agências reguladoras e causando grandes perdas econômicas e mesmo comprometendo a existência das principais empresas do setor. Definitivamente, a política econômica de criar as empresas campeãs nacionais foi um fracasso e a conta a pagar é enorme, a começar pela própria estatal Petrobrás. Mas isso é passado e o atual governo mostra ter total conhecimento da necessidade de transformações regulatórias, legais, novos modelos de negócio e de financiamento. Nesse sentido, criou uma secretaria especial e um Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) para cuidar de concessões, privatizações e parcerias público-privadas no segmento de infraestrutura, olhando para o futuro e procurando corrigir os erros do passado.

No setor de telecomunicações estamos vendo uma das principais empresas do setor, a Oi, entrar em recuperação judicial. É a primeira vez que a Lei de Recuperação Judicial, criada em 2005, estará sendo aplicada num caso de repercussões financeiras e estratégicas extraordinárias. É sempre bom lembrar que, além das questões referentes às comunicações das pessoas no Brasil, as telecomunicações têm importância estratégica para a economia e a defesa do País.

Nesse sentido, o mundo empresarial brasileiro e internacional, em razão das proporções do caso, está atento a como o governo, por meio de suas agências reguladoras como a Anatel e o Cade, o Legislativo e a Justiça brasileira vão atuar neste processo de retorno à estabilidade regulatória e jurídica, permitindo a atração de investidores de qualidade locais e estrangeiros, recolocando a empresa no caminho da eficiência e da lucratividade. Circulam informações de que três grupos de investidores nacionais e internacionais estão interessados em reestruturar a Oi e mantê-la em funcionamento. Isso é bastante auspicioso, pois revela que existem investidores dispostos a acreditar na empresa e no atual governo brasileiro. Isso pode ser explicado por dois fatos: o primeiro, a empresa presta serviço a mais de 3,5 milhões de consumidores, sem falar na sua abrangência nacional. Segundo, a demanda por infraestrutura de qualidade no Brasil é imensa, o que falta são políticas públicas consistentes e que reflitam a realidade do mercado.

O governo já definiu sua proposta para reformar a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997. O texto prevê que os contratos de concessão poderão ser transformados em autorizações. O novo regime dará mais estabilidade regulatória e segurança jurídica ao setor, já que o atual traz incertezas sobre a natureza do contrato e as responsabilidades inerentes. Especialmente quanto aos bens e infraestrutura envolvidos na operação. Nesse sentido, o Projeto de Lei 3.453/2015, que tramita na Câmara dos Deputados e reforma a modalidade de licenciamento, é fundamental para o retorno da estabilidade e atração de investidores.

É obvio que a recuperação judicial da Oi pressiona pela aprovação das mudanças, na medida em que precisamos atrair para o setor e, particularmente, para a Oi investidores de comprovada qualificação técnica e com condições financeiras de colocar recursos imediatos na empresa. Aquele modelo de o governo colocar recursos, principalmente, por meio do BNDES acabou, e agora precisamos de maior participação de recursos vindos dos privados. Ou seja, quem for o escolhido deve propor a imediata injeção de dinheiro no caixa da empresa, demonstrar capacidade para negociar com credores nacionais e internacionais e ter uma relação de confiança com o governo e a agência reguladora. E, por fim, ter uma direção de executivos brasileiros que potencializem as qualidades da empresa.

*É diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)

Crescimento que nos espera dificilmente será vigoroso - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 10/08

Observamos os primeiros sinais de recuperação da atividade econômica. Depois de oito trimestres consecutivos de contração, a produção industrial finalmente deu sinal de vida, ao crescer 1,2% no segundo trimestre do ano na comparação com o primeiro, já descontando os movimentos sazonais do período.

Vale comemorar, pois, entre os praticamente 22 trimestres em que o país esteve sob o governo de Dilma Rousseff, houve crescimento da indústria em apenas 7, já contando a observação mais recente, um recorde negativo de pelo menos 25 anos. Ainda assim, mesmo com a modesta recuperação, a produção se encontra 18% abaixo de seu pico, no começo de 2011.

Antes, porém, que comece a choradeira da "crise global", noto que no mesmo período, segundo os dados do Birô de Análise de Política Econômica (CPB) na Holanda, a produção industrial mundial não caiu em nenhum trimestre. Ao contrário, registra nada menos do que 29 trimestres de expansão contínua desde o começo de 2009, a mais longa (embora não a mais rápida) da série iniciada em 1991.

Resta, contudo, saber se essa módica retomada é prenúncio de recuperação à frente ou apenas um rebote natural depois de período tão longo de queda. Hoje me inclino para a primeira alternativa, observando, entretanto, que o crescimento que nos espera no futuro próximo dificilmente será vigoroso.

A começar porque o consumo, principal componente da demanda interna, permanece anestesiado. As vendas no varejo caem a um ritmo menor, mas não tornaram a crescer, nem poderiam, diante da queda da renda e do emprego, que se somam a um endividamento familiar ainda elevado para nossos padrões.

Da mesma forma, em que pese alguma melhora na produção de máquinas e equipamentos, a construção civil também segue em queda. Essa combinação indica que a retomada industrial dificilmente pode ser atribuída ao investimento, já que a construção é o seu principal componente.

Resta, portanto, o setor externo como motor da expansão industrial. Em parte como resposta ao aumento das exportações de produtos manufaturados (em quantidade), mas principalmente em razão da recuperação de parcela do mercado que havia sido perdida para as importações.

No entanto, a história mostra que o setor externo pode atenuar o impulso negativo da demanda interna e, ocasionalmente, produzir algum crescimento. Não consegue, porém, sustentar a indústria nacional por períodos muito longos, muito menos a um ritmo vigoroso. A razão é simples: mesmo considerando que a indústria é bem mais exposta ao comércio exterior do que a economia como um todo, o peso do comércio é pequeno ante a produção, insuficiente para impulsioná-la de forma persistente e rápida.

Posto de outra forma, é bem possível que o PIB volte a crescer na segunda metade do ano, seguindo de forma defasada a produção industrial. Todavia, na contramão das experiências de saída das últimas recessões (em 2000, 2004 e 2010), é pouco provável que a expansão seja forte o suficiente para recuperar rapidamente o terreno perdido de 2014 para cá.

Essa é a herança dos defensores da Nova Matriz Econômica, que agora buscam se refugiar por trás de novos rótulos ("neodesenvolvimentismo", ou coisa que o valha). Lembrem-se dela quando esbarrarem nas propostas desse pessoal.

A quarta raiz - CELSO MING

ESTADÃO - 10/08

A abertura dos Jogos do Rio ajudou a reparar a grave omissão dos principais estudiosos sobre a contribuição dos imigrantes ao Brasil



A festa de abertura dos Jogos Olímpicos ajudou a reparar uma grave omissão dos principais estudiosos da gênese do povo brasileiro.

Quando incluiu entre os grandes esculpidores da nossa cultura e da nossa economia a importante e até agora incompreensivelmente ignorada contribuição dos imigrantes, a festa de abertura avançou sobre as grandes análises clássicas.

Até hoje se ensina nas escolas que o caldeirão demográfico do Brasil foi construído pela fusão do branco, aí entendido o português descobridor, pelo índio e pelo negro africano. E se esquece dos outros. A partir de meados do século 19, especialmente pela política imigratória desenvolvida pelo então senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, o Brasil recebeu imigrantes da Europa e da Ásia cuja principal função inicial foi substituir a mão de obra escrava. A solenidade de abertura mencionou apenas sírios e japoneses, mas a contribuição de alemães, italianos, espanhóis, poloneses, suíços e, mais recentemente, de chineses e coreanos foi e continua sendo incomensurável.

Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala, e Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, dois dos mais percucientes analistas do DNA cultural do Brasil, mencionam apenas superficialmente os imigrantes e, ainda assim, apenas para concluir que os portugueses apresentaram mais condições do que, por exemplo, franceses, alemães, holandeses e nórdicos para lidar com as adversidades do clima e das endemias. Os demais ignoram esse legado e aí se incluem Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Raimundo Faoro e Darcy Ribeiro.

As contribuições do imigrante ao brasileiro não se limitaram ao uso de botas pelo conformado e fatalista Jeca Tatu depois que o italiano apareceu nas lavouras brasileiras. O imigrante inventou o colonato e trouxe práticas racionais de cultivo até hoje em desenvolvimento. Introduziu no País a nova ética do trabalho, que mudou o jeito de encarar a vida, mudou o jeito de produzir e de buscar em vida a recompensa de quem madruga, sua a camisa e caleja as mãos.

Entre os novos campeões do agronegócio está grande número de sobrenomes estrangeiros. A indústria de transformação foi moldada pelas famílias Matarazzo, Calfat, Gerdau, Bardella, Romi, Nardini, Feffer, Mindlin e tantas e tantas mais.

Nosso maior arquiteto se chamava Niemeyer. Nossa campeã das passarelas, Bündchen. Ambos foram lembrados com os encantamentos da festa de abertura. Niemeyer, por meio das curvas projetadas no cenário; Bündchen, ao vivo, com seu sorriso, graça e curvas.

Apenas nos últimos 50 anos, sete presidentes da República do Brasil ostentaram sobrenomes estrangeiros: Kubitschek, Goulart, Médici, Geisel, Collor, Rousseff e podemos acrescentar o ainda interino Temer.

Quem sabe se, depois que a festa de abertura dos Jogos Olímpicos lembrou aos brasileiros (e não só ao resto do mundo) que a imigração foi um dos elementos que moldaram nossa personalidade, alguém agora se dedique a reescrever a gênese do nosso povo com o elemento até agora ignorado pelos livros-texto.

CONFIRA:




No gráfico, a evolução das projeções do mercado sobre a inflação e o PIB.

Condução das expectativas

O Banco Central está conseguindo alinhar as expectativas de inflação do mercado. Há seis semanas, as projeções da evolução do IPCA de 2017, tal como medidas pela Pesquisa Focus, estão em queda, já bem mais perto da meta estabelecida pelo Banco Central (4,5%). As expectativas de inflação deste ano, bem mais altas, seguem relativamente mais estáveis. E o mesmo pode-se dizer das demais projeções macroeconômicas.

Mudança de lado - MIRIAM LEITÃO

O Globo - 10/08

O projeto de renegociação das dívidas dos estados mostra como o Brasil é um país complexo. O governo Dilma mandou o texto original fazendo concessões aos estados, o governo Temer ampliou as concessões. Mas ontem o PT e seus aliados estavam criticando a proposta, em plenário, com o argumento de que ela favorece os estados ricos. Mas quem começou a favorecê-los foi o PT.

Os estados mais pobres, do Norte e Nordeste, têm razão quando levantam o argumento de que eles não tiveram o mesmo benefício que os maiores. São Paulo, Minas, Rio e Rio Grande do Sul representam 80% da dívida que está sendo renegociada. Portanto, se há um benefício concedido aos devedores, quem deve menos, ganha menos. São Paulo tem 45% do total da dívida, Piauí tem zero. Esse foi o ponto desde o começo, o problema é que em 2014 o governo petista decidiu mexer na negociação que havia sido feita em 1997.

A mudança do indexador de IGP-M para IPCA e a redução dos juros foram o começo dessa renegociação. Os estados e municípios pediram para mudar o índice que reajustava a dívida e reduzir os juros, e isso representou um custo alto para o governo federal e um benefício enorme para os devedores. A cidade de São Paulo foi amplamente favorecida.

A partir daí foi preciso aprovar um projeto de lei para regulamentar a mudança. Como o governo Dilma no começo deste ano perdeu o prazo para apresentar o cálculo do valor das dívidas, os estados entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo para pagar a dívida com juros simples. Vários receberam liminares concedendo esse direito, o que elevava de forma exponencial as perdas do Tesouro.

A situação estava neste pé quando começou o governo interino de Michel Temer. O STF determinara que fosse fechada uma negociação em 60 dias. A administração provisória teve que fechar o acordo rapidamente para não perder o prazo. Achou que bastaria combinar com os devedores, escrever as condições nos contratos e mandar o PL para o Congresso.

O problema é que a Câmara é o local onde as pressões dos governadores sobre suas bancadas é forte. O governo mudou várias vezes o projeto original. Ora estabelecia condições rígidas aos estados, ora as retirava e dizia que elas não eram importantes e por fim voltou a incluí-las afirmando que eram fundamentais. Como os estados já tiveram a garantia do benefício quando assinaram os contratos, estão agora barganhando para não cumprir as contrapartidas que aceitaram. Para agravar a situação, os estados menos endividados querem uma ajuda de R$ 7 bilhões, pelo fato de que o governo federal está tendo um enorme custo com os governos mais endividados.

Em momento em que o governo federal é fraco e o assunto interessa aos estados, as bancadas se juntam para tirar mais concessões do Tesouro. É uma tendência natural. Ontem havia um detalhe a mais para complicar: como quem era governo hoje é oposição, o PT e seus apoiadores criticavam as contrapartidas exigidas que eram parecidas com as que eles mesmos haviam proposto.

Coube ao deputado Esperidião Amin revelar isso, de forma curiosa. Enquanto lia o parecer, Amin preparou uma verdadeira pegadinha. Passou a ler, ao invés do seu relatório, o texto que foi enviado pelo governo Dilma ao Congresso, que determinava como contrapartida dos estados o congelamento por dois anos das contratações de servidores. Alertado pelo deputado Pauderney Avelino, Amin disse que se confundiu, mas que isso tinha sido bom para mostrar a incoerência dos deputados petistas, que tentaram obstruir a votação:

— O texto que votamos hoje é de autoria do governo que estava em 22 de março, do governo Dilma Rousseff.

O processo político é mais complexo do que imaginam os que veem os assuntos pelo lado da economia, apenas. Tudo o que parece lógico pode perder o sentido quando tramita em plenário. E os estados se unem, ou fazem pacto entre si, quando o objetivo é tirar dinheiro do governo federal, principalmente numa crise fiscal tão grave como esta. O governo tem cedido tanto aos estados que a leitura do texto pelo deputado Esperidião Amin mostrou que o governo Dilma impunha regras mais duras durante a renegociação. O erro dela foi cutucar esse vespeiro.

‘Trumponomics’ - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 10/08

Dentre os treze homens de confiança de Trump na economia, apenas três têm alguma experiência



Treze homens e nenhum segredo. Após semana desastrosa, Donald Trump anunciou seus treze homens de confiança na economia. Dentre os treze, apenas três têm alguma experiência relacionada à formulação de políticas econômicas. Os demais são homens de negócios como o candidato. Homens cuja semelhança não se restringe ao gênero, à cor, ou mesmo ao tipo de atividade que exercem, mas envolve, ironicamente, seus nomes: seis chamam-se Steve, Stephen ou Steven.

A campanha de Trump atravessa momento complicado. Nas últimas duas semanas, vários republicanos sentiram-se compelidos a repudiar declarações de Trump, abandoná-lo por completo, ou declarar apoio a Hillary Clinton. O anúncio do plano econômico que fará dos EUA país “grandioso novamente” foi tentativa clara de reaproximar-se de algumas bandeiras republicanas clássicas, como a redução dos impostos. A proposta do candidato prevê redução da alíquota dos impostos corporativos dos atuais 35% para 15%, o que poderia atrair empresas multinacionais ao tornar os EUA país mais competitivo. Contudo, o candidato não explicou como fará para compensar o impacto da queda da tributação sobre o déficit e a dívida pública. Projeções do Congressional Budget Office, órgão independente que fiscaliza as contas públicas dos EUA, revelam que a dívida pública federal – métrica que exclui a dívida dos Estados, diferente do Brasil – deve subir de 76% do PIB em 2016 para perto de 90% em dez anos. Tal valor superaria a média das últimas cinco décadas. Parte relevante do aumento da dívida americana está atrelada ao aumento dos gastos obrigatórios com saúde e previdência ante o envelhecimento populacional. Em seu discurso, Trump não mencionou o problema da dívida pública.

O candidato falou ainda em simplificar o imposto de renda sobre pessoas físicas, reduzindo de 7 para 3 as faixas relevantes. Embora ele tenha se dirigido ao público de descontentes, salientando que seu plano ajudará a classe média e quem enfrenta dificuldades no mercado de trabalho, o fato é que os mais beneficiados pelas medidas de Trump seriam os mais ricos, gente bem parecida com seus 13 escolhidos e com ele próprio. Trumponomics também prevê a eliminação do imposto sobre heranças, que, por construção, beneficia os mais abastados dos mais abastados – paga 40% de imposto nos EUA quem recebe herança superior a US$ 5,5 milhões, ou US$ 10 milhões para casais. O plano menciona a necessidade de diminuir a regulação para estimular o investimento, sobretudo no setor de energia, mas nada diz quanto às regulações que seriam removidas e seu impacto.

A tentativa de Trump de adequar-se à agenda republicana tradicional, esforço para recuperar apoio dentro do partido que o acolheu, encerra-se aí. Trump voltou a rechaçar com veemência aquela que sempre foi a mais clássica bandeira dos republicanos: o livre-comércio e os acordos de integração. Trump reiterou que, se eleito, irá enterrar o Acordo Trans-Pacífico (“Trans-Pacific Partnership”, o TPP) recém-negociado entre os EUA e mais onze países com amplo apoio republicano. Também disse que haverá de renegociar o Nafta – o acordo entre México, EUA e Canadá, em vigor desde meados dos anos 90. Essas duas iniciativas, por si, não apenas trariam prejuízos aos EUA tanto do ponto de vista geopolítico quanto nos aspectos econômicos – as empresas americanas que estão engajadas no comércio internacional perderiam mercados e sofreriam retaliações –, como dariam à China posição proeminente no comércio internacional. Trump acredita ser possível resolver o “problema chinês” solapando tarifas de 45% nos produtos do país asiático, desconsiderando qualquer efeito bumerangue que isso poderia ter para a economia americana.

A perda do superávit de US$ 300 bilhões da China com os EUA pouco prejudicaria a potência asiática, cujo PIB se aproxima dos US$ 5 trilhões. Por fim, a postura anticomércio de Trump seria desastrosa para um Brasil que tenta se reinserir no mundo reconhecendo a importância do engajamento global, contrariando o bom histórico das relações bilaterais com governos republicanos.

Trump, 13 homens, e um plano sem substância. Não dá nem roteiro de filme. Muito menos estratégia para a presidência da maior economia do planeta.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

Fora do tempo - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 10/08

Um clima de desalento tomou os aliados de Dilma Rousseff no dia em que o Senado se reuniu para transformá-la em ré no processo de impeachment. Afastada há quase três meses, a presidente não conseguiu virar um único voto a seu favor. Ao contrário: na noite de terça (9), todas as previsões indicavam que ela sofreria uma derrota pior que a de maio, quando foi retirada do cargo.

O desinteresse pelos discursos era visível no plenário. Alheios à tribuna, senadores consultavam os celulares em busca de notícias da Olimpíada. Enquanto os atletas competiam no Rio, a sensação em Brasília era de jogo encerrado.

Fora do alcance das câmeras, os náufragos do governo afastado buscavam explicações para o fracasso anunciado. Muitos repetiam que Dilma perdeu o "timing" para esboçar uma reação. A ideia de divulgar uma carta aos senadores, com os últimos apelos contra o impeachment, teria sido tomada tarde demais.

"Esta foi a tônica do governo dela. Até as decisões certas saíram na hora errada", lamentava um senador petista. Os aliados também criticaram a hesitação em propor novas eleições. Quando Dilma finalmente aceitou a tese, alguns autores da ideia já haviam sido cooptados pelo grupo de Michel Temer.

Fora do poder, a presidente afastada voltou a esbarrar num problema antigo: a falta de sintonia com seu partido. Na semana passada, a direção do PT a desautorizou publicamente ao rejeitar a antecipação das eleições. Os choques com a sigla desmobilizaram entidades como MST e CUT, que prometiam ocupar as ruas para defender o "Volta, Dilma".

Cercado pela Lava Jato, Lula também se afastou da defesa de Dilma. Ontem ele desembarcou na capital quando a maioria dos senadores já havia anunciado seus votos. Aliados diziam que o ex-presidente não via mais tempo hábil para salvar a sucessora. Sua missão era discutir o pós-impeachment e a sobrevivência do PT nas eleições municipais.

Temer é só o que temos para o jantar - JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 10/08

No impeachment de Dilma, Lewandowski atua como mordomo conferindo a despensa



Por que Michel Temer foi vaiado na abertura da Olimpíada Rio 2016? Porque no Maracanã “vaia-se até minuto de silêncio”, como constatou Nelson Rodrigues? Porque ele é o mais poderoso membro da impopular elite dirigente política nacional? Porque está comandando um “golpe branco e manso” contra a presidente reeleita em 2014? Das hipóteses acima é possível apostar apenas na última, não por ser verdadeira, pois não é, mas porque 32% da população brasileira, ou seja, menos de um terço, acredita nessa bazófia. Os fatos conspiram contra as outras: Médici foi aplaudido unanimemente por torcidas antagonistas na época mais brutal e menos democrática da História de nossa insana República. E na noite de 5 de agosto houve aplausos de delírio para Giselle Bündchen, ídolos da Música Popular Brasileira ou para a pira olímpica que virou sol.

Saiba quem ouviu a vaia e calou (consentindo-a?), mesmo sem considerar os aplausos, que os houve, que Temer é só o que “temos para o jantar”. Se Dilma Rousseff, do PT, for mesmo impedida, o vice, do PMDB, eleito juntamente com ela pelos mesmos 54 milhões de eleitores que a preferiram a Aécio Neves, do PSDB, em novembro de 2014, assume seu lugar por ser essa sua obrigação funcional, conferida na Constituição vigente. Apenas se voluntariamente ele se negar a cumprir seu dever se considerará a hipótese de substituição pelo vencedor de uma eventual eleição, direta se for este ano e indireta (ou seja, pelo Congresso) se convocada a partir de 2017. Talvez essa seja uma boa causa para os apupos, se se considerar que ele foi cúmplice da má gestão da titular da chapa, responsabilizada pela maior crise ética, econômica e política da História.

Desobrigada pelo afastamento, Dilma, ela mesma vaiada e xingada na abertura do Mundial da Fifa de 2014, ausentou-se do estádio para evitar esse dissabor. Do qual, aliás, não escaparia nenhum mandatário de nenhum dos Poderes republicanos. Nem mesmo alguns colegas de ofício do popular Sergio Moro seriam poupados.

Salvo a exceção, que inspira imitadores, do citado Moro, o Judiciário também não goza de boa fama, mormente após seu ápice de popularidade, durante a transmissão pelas TVs por assinatura das sessões do julgamento do chamado mensalão. Joaquim Barbosa, então herói, antecipou a aposentadoria, deixou sem justa causa seus fãs órfãos e os dispersou ao assumir a defesa da causa mais impopular da História republicana, “Fica, Dilma”, não defendida sequer pelos militantes contra o “golpismo”, que só usam como cavalo de batalha o “Fora, Temer”. Para complicar, o desacreditado antagonista do relator no mensalão, Ricardo Lewandowski, assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Após ser tido pelo público como defensor avançado da causa dos petistas acusados de corrupção, o ministro indicado pelo amigo de longa data em São Bernardo do Campo Luiz Inácio Lula da Silva, sob cuja égide foi eleito e reeleito o poste Dilma e uma organização criminosa perpetrou o saque ao Tesouro, passou a comportar-se como chefão sindical de pares e servidores. Porta-bandeira de reivindicações salariais de funcionários e ministros em plenos quebradeira de empresas e desemprego de operários, ele se permitiu funcionar como supremo árbitro de todas as querelas, deixando a impressão de abusar das próprias prerrogativas de chefe de Poder.

Nesse afã, omitiu sutilezas do passado, ao assumir o comando do processo de impeachment da presidente afastada, que devia ser aberto pela Câmara e julgado no Senado. A inércia dos parlamentares o ajudou: por 66 anos, estes nada fizeram para reformar uma circunstância específica da Constituição de 1946, que transferiu o comando do julgamento do processo político de impedimento do presidente para o chefão do Judiciário, já que o vice era presidente do Senado e, como parte interessada, não poderia comandar a votação.

Para tanto contou com cumplicidade generalizada. Como ninguém atentou para o detalhe, ele não se fez de rogado em rebaixar a encarregada apenas de dirimir dúvidas de técnica processual a árbitra intrometida de questiúnculas regimentais. Sob sua presidência, os colegas do STF massacraram o direito democrático elementar da candidatura avulsa de parlamentares, tão eleitos pelo povo quanto a chefe do Executivo, para atender aos interesses dela na composição da comissão da Câmara que decidiu sobre a abertura do processo.

E não precisou de cumplicidade dos outros dez colegas para se intrometer em questões internas da comissão do Senado, ao decretar o sugestivo total de 40 testemunhas de defesa, decretando uma paródia de “abre-te, Sésamo”, que acaba de repetir ao ampliar de cinco para seis o novo número de testemunhos em prol da acusada, depois da aprovação de sua pronúncia pela maioria simples dos senadores.

Em nome do precedente Collor, que adotou a lei sem nexo à falta de outra, atua como mordomo diligente, a conferir a despensa do palácio, cuidando de cada minúcia, sem repetir o exemplo discreto de Sydney Sanches, presidente do STF em 1992. A comissão da Câmara, composta no figurino de Dilma-Cardozo, derrotou essa dupla por 38 a 27. As 40 testemunhas não evitaram o 14 a 5 da comissão do Senado a favor do voto do relator, Antonio Anastasia. Mas o causídico da “presidenta” conta com novas intervenções do STF para desautorizar a maioria de dois terços no julgamento final, apesar de Lewandowski presidi-lo, a pretexto de evitar nova enxurrada de recursos. Por essa razão, o julgamento de Dilma só será realizado após decorrer o triplo dos 90 dias usados para depor o Carcará Sanguinolento.

Os caprichos de Lewandowski ainda podem alongar esse prazo para setembro. Para alívio de pelo menos dois terços de Câmara, Senado e cidadãos, ele não poderá postergá-lo para depois de 10 de setembro, quando já terá empossado Cármen Lúcia em seu lugar.

*Jornalista, poeta e escritor

A Lava Jato chegou ao PSDB - ELIO GASPARI

O GLOBO - 10/08

Depois da Olimpíada começará a maratona da memória e da contabilidade da OAS e da Odebrecht



A revelação de que em 2010 a Odebrecht botou R$ 23 milhões (sem nota fiscal) na caixa da campanha presidencial de José Serra levou a Lava-Jato para a porta do PSDB. Há pelo menos dois meses sabia-se que isso aconteceria, assim como se sabe que a OAS repetirá a dose. Nos dois casos, as denúncias só ficarão de pé se vierem acompanhadas de demonstrativos das movimentações financeiras. Vinte e três milhões não eram um trocado. Equivaliam a dez vezes o que a empreiteira declarou oficialmente e a 20% do custo total da campanha estimado pela tesouraria do PSDB semanas antes do pleito.

A colaboração dos empreiteiros poderá trazer de volta ao cenário um personagem que assombrou o tucanato durante a campanha de 2010. É Paulo Vieira de Souza, um ex-diretor da Dersa, a estatal paulista de rodovias. Engenheiro respeitado, era um destacado negociador de contratos com empreiteiras. Ele também era conhecido como “Paulo Preto” e foi “cripticamente” mencionado por Dilma Roussef durante um debate da campanha. No serpentário tucano, acusavam-no de ter sumido com R$ 4 milhões do partido. Em três ocasiões, a bancada do PSDB evitou que ele depusesse a uma comissão da Assembleia sobre os custos de obras rodoviárias. Vieira de Souza chegou a se queixar dos tucanos “ingratos” e “incompetentes”, pois não se deixa “um líder ferido na estrada a troco de nada”. A chaga cicatrizou, mas será reaberta se algum executivo de empreiteira mencionar o seu nome na colaboração.

O PSDB governa São Paulo desde 1995 e Geraldo Alckmin é o cidadão que esteve por mais tempo na cadeira de Prudente de Moraes, Campos Salles e Rodrigues Alves. Essa longevidade, mesmo derivando de eleições competitivas, dá ao tucanato uma aura de República Velha, com o inevitável cansaço dos materiais.

Desde 2008, quando a Siemens alemã demitiu o presidente de sua filial brasileira “por grave contravenção das diretrizes” da empresa, as administrações tucanas são perseguidas por denúncias de irregularidades na contratação de serviços e equipamentos em obras de transporte público. A Siemens colaborou com o Ministério Público quando a expressão “delação premiada” ainda era pouco conhecida e fez isso a partir de uma reviravolta na política de sua matriz. Nada a ver com as implicâncias locais, inclusive porque a denúncia veio da uma reportagem do “The Wall Street Journal”. Procuradores suíços remeteram ao Brasil documentos que comprovavam o pagamento de propinas, e um dos fornecedores de equipamentos, a francesa Alstom, tornou-se sinônimo da própria encrenca. Ela compartilhava os consórcios de obras de linhas do metrô de São Paulo com as empreiteiras Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Andrade Gueierrez e Queiroz Galvão. Segundo o Ministério Público da Suíça, entre 1998 e 2001, a Alstom aspergiu US$ 34 milhões na burocracia paulista sob a forma de contratos fictícios de consultoria. À primeira vista, esses malfeitos seriam semelhantes, em ponto menor, às petrorroubalheiras petistas. O que diferencia as duas investigações é o resultado. Em menos dois anos, a Operação Lava-Jato já condenou 57 réus a 680 anos de prisão. A investigação paulista completou oito anos, sem maiores resultados.

Elio Gaspari é jornalista

Definindo limites - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 10/08

Com a certeza de que o processo de impeachment no Senado caminha para uma decisão amplamente favorável à sua efetivação no cargo, e pacificada a base aliada em relação à cassação do mandato do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que deve ocorrer apenas depois da definição do impeachment para prevenir qualquer tipo de retaliação, o governo Temer negocia intensamente a aprovação do projeto que define limitação nos gastos de estados e municípios.

Há uma reação grande na Câmara à definição do teto, com governadores e prefeitos acusando o governo de interferir nas gestões locais, especialmente quando proíbe os aumentos dos servidores públicos fora dos limites de gasto estabelecidos na nova legislação.

O Palácio do Planalto vem tentando contornar essas reações em negociações com as lideranças políticas, e o próprio presidente interino, Michel Temer, tem argumentado que o projeto que limita gastos apenas repete o que está definido na Constituição, a saber:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas:

I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes.

Com a rememoração do que está definido na Constituição, Temer quer demonstrar apenas que o projeto de lei que o governo enviou ao Congresso não inova nada nesse quesito, repetindo apenas o que já está em vigor. A diferença, evidentemente, é que o governo definiu que os gastos só poderão ser reajustados de acordo com o índice oficial de inflação, mesmo que os governos tenham condições de dar aumentos maiores.

Essa situação provavelmente não se materializa neste momento de crise econômica, e não há indicação de que tão cedo os governos terão folga para benevolências salariais, mas o que incomoda os governadores e prefeitos é a proibição permanente.

O governo Temer espera que o dispositivo do projeto de lei seja mantido, mas argumenta com seus aliados que de nada adiantará derrubar o dispositivo, pois o artigo 169 da Constituição continuará em vigor, dizendo que o aumento “não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar”. E o projeto de lei em debate no Congresso estabelece a inflação oficial como limite para o aumento de gastos, para os governos federal, estadual e municipal.

Se o Congresso alterar o projeto de lei abrindo brecha para aumentos além dos limites estabelecidos pelo governo, o presidente interino poderá vetar a mudança por ir contra o artigo 169 da Constituição.

Prerrogativas
O constitucionalista Gustavo Binenbojm, perguntado, manda dizer que, no seu entender, Michel Temer, desde que assumiu a Presidência da República, ainda que interinamente, tem as mesmas prerrogativas do presidente efetivo. Assim, ele não pode responder por nenhum ato estranho ao exercício da Presidência, salvo o julgamento da chapa no Tribunal Superior Eleitoral.


Para entender o sistema eleitoral americano - ELISABETH DREW

VALOR ECONÔMICO - 10/08

Qualquer pessoa que acompanhe a campanha presidencial americana precisa compreender que as pesquisas de opinião nacionais não proporcionam uma visão precisa do desfecho eleitoral. Graças ao Colégio Eleitoral americano, não é o destinatário da maioria dos votos no país como um todo que importa, no fim das contas, mas quem vence em quais Estados.

A cada Estado é atribuído um determinado número de votos no Colégio Eleitoral, dependendo do tamanho de sua população. O candidato que cruza o limiar de 270 votos eleitorais ganha a Presidência.

Em quase todos os Estados, um candidato que ganha 50,1% do voto popular leva 100% de seus votos eleitorais (só Maine e Nebraska não seguem a regra pela qual o vencedor leva tudo; eles dividem o voto do Colégio Eleitoral por distrito congressional). Em consequência, os votos de milhões de pessoas que participam da eleição acabam não contando. Se você é um republicano em Nova York ou na Califórnia, que são dominados pelos democratas, ou um democrata em Wyoming ou Mississippi, que são confiavelmente republicanos, esqueça - seu voto para presidente não vai contar.

O sistema tem enorme impacto na campanha, já que determina onde os candidatos gastam seu tempo e dinheiro. Apenas cerca de dez Estados são tidos como "decisivos", capazes de preferir qualquer dos dois partidos; os demais são "seguros" para um ou outro partido

Um resultado peculiar desse sistema peculiar é que um candidato pode obter a maioria do voto popular nacional, mas perder no Colégio Eleitoral, se for derrotado por pouco em Estados populosos e ganhar em alguns Estados menores. Isso não ocorre frequentemente, mas sempre que acontece, os EUA passam por um paroxismo desesperado diante desse mecanismo aparentemente antidemocrático. No caso mais recente, Al Gore ganhou a maioria do voto popular em 2000, mas George W. Bush conquistou a Presidência.

Devido ao Colégio Eleitoral, os eleitores vão às urnas não para votar num candidato, mas em um elenco de eleitores - militantes do partido, inclusive amigos e aliados do candidato - que irão defender sua escolha. O papel dos eleitores é uma breve formalidade; eles se reúnem em seu Capitólio estadual e votam. Mas já sabemos qual será o desfecho disso, porque os resultados das eleições presidenciais são reportados nesse momento em termos de quem conquistou cada Estado.

Nesse ponto, a contagem de votos nacional é insignificante. O Congresso se reúne e "conta" os votos eleitorais; mas isso também é mera formalidade. (A disputa Bush-Gore foi incomum, pois um vencedor só foi definido em 12 de dezembro, mais de um mês após a eleição, quando aSuprema Corte, numa decisão partidária e extremamente controvertida, votou por 5 a 4 pelo fim da recontagem dos votos na Flórida, entregando a presidência a Bush).

Então, aqui é onde as coisas podem ficar complicadas, e surgem possibilidades para malandragens: se ninguém obtém 270 votos no Colégio Eleitoral, a eleição vai para a Câmara, onde cada delegação estadual tem um único voto, independentemente do número de eleitores que a delegação representa. Wyoming (população de 585 mil) e Califórnia (população de 39 milhões) representam um único voto. E as delegações não são obrigadas a votar no candidato que obteve a maioria dos votos em seu Estado.

Então, depois de a Câmara eleger o presidente, o Senado escolhe o vice-presidente - cada senador tem um voto. É teoricamente possível que o Congresso eleja um presidente e um vice-presidente de partidos diferentes.

Esse sistema labiríntico para escolha do presidente reflete a ambivalência dos fundadores dos Estados Unidos sobre a democracia popular. Eles não confiavam nas decisões da plebe - nas massas - baseadas em desinformação ou falta de compreensão das questões em jogo. O voto no Reino Unido, em junho, decidindo abandonar a União Europeia - contra o conselho de especialistas e de aliados - parece validar essa preocupação.

Desde o início, os fundadores dos EUA tinham ciência dos perigos de governar por plebiscitos. Alexander Hamilton preocupava-se com dar poder ao povo, porque "eles raramente julgam ou decidem corretamente". Temendo "um excesso de democracia", eles interpuseram salvaguardas institucionais entre as decisões governamentais e as populares. Até 1913, os senadores eram escolhidos pelos legislativos estaduais, e não diretamente escolhidos pelos eleitores. E eles nos deram o Colégio Eleitoral.

Esse sistema tem um enorme impacto sobre a campanha real para a Presidência, uma vez que determina onde os candidatos gastam seu tempo e dinheiro. Apenas cerca de dez Estados são considerados "decisivos", capazes de preferir qualquer dos dois partidos; o demais são considerados Estados "seguros" para um ou outro partido.

Claro que, às vezes, as "certezas políticas" podem errar e um Estado sai fora de sua categoria. Mas esses dez Estados onde são travadas as batalhas são os únicos a serem observados, em busca de pistas sobre o desfecho da eleição. Eles são muito mais indicativos do resultado final do que as pesquisas nacionais.

Por exemplo, Califórnia e Nova York são tão rotineiramente democratas que a única razão pela qual os candidatos lá comparecem é para arrecadar dinheiro. Em contraste, Ohio - a joia da coroa de Estados decisivos, porque segundo a tradição nenhum republicano consegue chegar à Presidência sem vencer lá - é exaustivamente percorrida pelos candidatos. Os outros Estados considerados mais importantes para a vitória para qualquer dos campos são a Flórida e a Pensilvânia.

Como esses Estados populosos, juntamente com um punhado de outros, rotineiramente escolhem os democratas, os democratas têm uma vantagem embutida no Colégio Eleitoral. Por essa razão, acredita-se amplamente que Donald Trump tenha opções mais limitadas para conquistar 270 votos.

Talvez o Colégio Eleitoral não seja uma ideia tão estranha assim, no fim das contas. (Tradução de Sergio Blum).

Elisabeth Drew colabora regularmente com "The New York Review of Books"

O que resta a Lula - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 10/08

Sem ter apresentado argumentos capazes de desfazer a suspeita, cada vez mais concreta, de que foi beneficiário do monumental esquema de corrupção que funcionou em seu governo e no de sua sucessora, Dilma Rousseff, o chefão petista Lula da Silva adotou de vez a estratégia de politizar o caso. Não lhe parece restar alternativa: como a Justiça mostrou-se imune às chicanas do exército de causídicos que lhe prestam serviço, Lula transformou a vitimização em sua principal – senão única – linha de defesa. Pouco lhe importa se essa atitude, que inclui achincalhar a imagem da Justiça brasileira no exterior, prejudica a percepção internacional a respeito das instituições democráticas do País. O que interessa é inventar argumentos que transformem os agentes da lei dedicados a investigar Lula em algozes do ex-presidente, que estariam a soldo das “elites” interessadas em alijá-lo da eleição presidencial de 2018.

A estratégia ficou clara diante da reação da defesa de Lula à intimação de sua mulher, Marisa Letícia, e de um de seus filhos, Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha. A notificação foi determinada pelo delegado da Polícia Federal (PF) Márcio Anselmo, que integra a força-tarefa da Lava Jato e quer ouvir esclarecimentos sobre um sítio em Atibaia que Lula jura não lhe pertencer, mas que era frequentado como se fosse seu e de sua família.

Uma reforma feita no sítio em 2014 teria sido paga pela empreiteira OAS, envolvida na Lava Jato. Os investigadores informam que as reformas começaram depois que o imóvel foi oficialmente comprado pelos empresários Fernando Bittar e Jonas Suassuna, que seriam testas de ferro de Lula e de Lulinha. Um laudo da PF aponta “evidências substanciais” de que a reforma da cozinha do sítio – uma “cozinha gourmet”, como qualifica o documento, avaliada em R$ 252 mil – foi “acompanhada por arquiteto da OAS, sob o comando de Léo Pinheiro (dono da empreiteira) e, segundo consta nas comunicações do arquiteto da construtora, com orientação do ex-presidente Lula e sua esposa”.

O laudo apresenta ainda outros claros exemplos de que aquela propriedade estava sendo reformada ao gosto da família Lula, sob a liderança da “Dama”, apelido dado a Marisa Letícia pelos empreiteiros encarregados do trabalho. Por essa razão, Marisa foi intimada a prestar esclarecimentos.

Lulinha, por sua vez, foi chamado a depor porque há dúvidas sobre sua evolução patrimonial e sobre sua relação com Fernando Bittar e Jonas Suassuna, que são seus sócios em negócios que ninguém consegue explicar direito quais são. A polícia quer saber, por exemplo, se Lulinha paga aluguel para morar num apartamento avaliado em R$ 6 milhões cuja propriedade é oficialmente atribuída a Suassuna. Suassuna e Bittar também terão de prestar esclarecimentos à polícia.

Nenhuma autoridade do Judiciário que se deparasse com esses cabeludos indícios de trambiques poderia deixar de tomar as providências que a PF e a equipe da Lava Jato tomaram. No entanto, para a defesa de Lula, o trabalho de investigação, que inclui ouvir os familiares do chefão petista, nada tem a ver com Justiça.

Seus advogados reagiram à intimação de Marisa e de Lulinha afirmando que se trata de “mais uma tentativa da Lava Jato de produzir manchetes contra Lula”. Segundo eles, tudo não passa de “retaliação” pelo fato de Lula “ter exercido o seu legítimo direito de ir à ONU” – referência à patética denúncia que o petista fez à Comissão de Direitos Humanos da ONU, segundo a qual ele estaria sofrendo perseguição política e que “esses abusos não podem ser satisfatoriamente corrigidos na legislação brasileira”.

Ou seja, para os advogados de Lula, todos os policiais e procuradores empenhados em esclarecer as suspeitas sobre o ex-presidente integram uma maligna conspirata contra o “lutador dos direitos dos trabalhadores”, como ele é descrito na denúncia à comissão da ONU. Naquele texto, Lula manda dizer que não tem a “pretensão de estar acima da lei”. Sendo assim, que ele e sua família prestem todos os esclarecimentos que lhes forem solicitados, como qualquer cidadão teria de fazer.


Um novo ciclo EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 10/09

A visão de que o pior passou para a atividade econômica se aproxima do consenso. Em que pese a queda acumulada de 7% no PIB desde o início da recessão, no primeiro trimestre de 2014, surgem sinais de estabilização —ao que parece, a economia parou de piorar.

Sobrevive a incerteza, contudo, quanto à velocidade da retomada e ao tempo necessário para que cessem as demissões e a perda de renda das famílias. Até agora as boas notícias se concentram na rápida ascensão dos indicadores de confiança, em particular na indústria, que já retoma a produção.

Após 11 trimestres seguidos em queda, os últimos resultados do PIB trazem algum alento. Houve crescimento da produção de 1,2% no segundo trimestre, concentrada no segmento de máquinas e equipamentos, que subiu 6,6%.

É normal que a indústria anteceda os movimentos do restante da economia. É um setor rápido em responder às variações de expectativas, além de sua longa cadeia de produção afetar vários segmentos.

Por enquanto, a reativação se concentra na substituição de importações, que ficaram menos competitivas com a desvalorização do real nos últimos anos. Além disso, empresas nacionais conseguiram reduzir custos e estoques, primeiro passo para ativar a produção.

Verdade que a indústria vem perdendo espaço na economia. Seu peso no PIB, segundo o IBGE, caiu de 28,5% (em 2005) a 20,4%, neste primeiro trimestre, o que restringe seu estímulo a outros setores.

O lado mais negativo diz respeito a outros obstáculos que custarão a ser removidos. O emprego tende a ser o último a reagir. As demissões ainda prosseguem em ritmo acelerado —foram fechadas 91 mil vagas formais em junho.

Outros fundamentos do consumo, além de renda, seguem piorando. O crédito passa por período de ressaca após o aumento acelerado em anos recentes. Bancos públicos enfrentam alta inadimplência, enquanto os privados relutam em aumentar desembolsos.

Apesar das dificuldades, há razões para discreto otimismo. A rapidez e a profundidade da recessão dos últimos dois anos decorreram da completa paralisia das decisões de consumo e investimento, algo difícil de explicar sem recorrer ao agravamento da crise política.

O efeito inverso pode se dar agora. A mera redução da incerteza traz mudança substancial de humor e, mesmo com barreiras estruturais, a retomada pode despontar.

Não seria impossível um crescimento superior a 2% em 2017, o que contribuiria para reforçar a arrecadação, facilitando o esforço de ajuste nas contas públicas. Um novo ciclo se abriria, e espera-se que possa ser mais virtuoso.

Seguro em obra pública aperfeiçoa licitações - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 10/08


Medida debatida no Senado deve corrigir erros que resultam em atrasos, superfaturamento e má qualidade das execuções, além de fechar brechas à corrupção

A proposta de reformular a lei de licitações (8.666/93), à luz de deficiências em obras públicas que variam da má qualidade a brechas para corrupção, representa um passo importante na modernização das relações entre governos e a iniciativa privada. O relator do novo projeto, senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), espera votar o projeto a partir de hoje, em comissão especial, para que vá a plenário no Senado na próxima semana.

A proposta traz uma novidade importante: a exigência de seguro para obras públicas. Se aprovada, a medida introduzirá uma terceira parte nesse negócio, representada pela seguradora, que fiscalizará da qualidade da execução a preços. Esta parte será vigilante e exigente, uma vez que recairá sobre ela o ônus de qualquer deficiência na execução do projeto, cause ou não acidentes. Pela proposta, a seguradora poderá inclusive assumir a obra, se a empresa vencedora da licitação não se mostrar capaz de concluir o projeto.

Trata-se de um modelo comum nos EUA, que aumenta o controle necessário para garantir o cumprimento completo do contrato, no que se refere a preço, prazo e qualidade. Caso flagrante é o desabamento da ciclovia na Avenida Niemeyer, no Rio. Poderia não ter ocorrido a tragédia se o empreendimento estivesse sob o escrutínio atento de um terceiro agente, além do contratante (poder público) e do contratado (empreiteira).

Isto sem mencionar a barreira que a seguradora representará a esquemas de corrupção existentes neste ramo de negócios.

A principal crítica feita por aqueles que são contra a proposta de inclusão de um seguro para obras públicas é o encarecimento do custo dos empreendimentos.

De acordo com cálculos de especialistas, no entanto, este impacto seria algo em torno de 3%. Trata-se de um custo irrelevante se comparado às consequências potenciais de um eventual problema na execução da obra, em termos de gastos, atrasos, acidentes etc.

A reforma da lei em discussão precisa ainda tratar de um anomalia na legislação de licitações públicas, representada pelo Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que está na base de escândalos recentes. Criado na esfera federal para as obras da Copa de 2014, o regime foi estendido e ampliado por meio de MP. Ele permite que a empreiteira vencedora da licitação faça também o projeto executivo, que detalha tecnicamente todas as etapas da obra.

Sem este detalhamento, antes de responsabilidade do poder público, os contratantes e órgãos fiscalizadores ficam sem parâmetros para avaliar itens como custo, prazo e segurança, favorecendo, assim, casos de superfaturamento a falhas estruturais que podem resultar na má qualidade da obra em execução. O petrolão começou assim.


O PT joga a toalha - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 10/08

O afastamento definitivo de Dilma fortalecerá o governo Temer, mas a crise ética continua sendo um fator desestabilizador da política
O PT jogou a toalha em relação à presidente Dilma Rousseff. O esperneio de ontem no plenário do Senado, na sessão de pronúncia do impeachment, esconde o afastamento entre a cúpula da legenda e a presidente afastada. A vinda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Brasília ontem teve o objetivo de evitar que a desmobilização petista contra o impeachment levasse a um agastamento ainda maior. A Operação Lava-Jato, a partir dos depoimentos do marqueteiro João Santana e sua mulher, Mônica Moura, abriu um fosso profundo entre a legenda e Dilma por causa do caixa dois da campanha presidencial.

Dilma responsabiliza a legenda por pagamentos não contabilizados oficialmente feitos ao marqueteiro no exterior, que disse desconhecer e não ter autorizado. O presidente do PT, Rui Falcão, que até agora não foi citado em nenhuma delação premiada, nega ter conhecimento do fato. Até agora, em nome do partido, Falcão assumiu todas as doações declaradas à Justiça Eleitoral, não importa a origem do dinheiro ser o "petrolão". Mas fez uma espécie de "saneamento" das finanças da legenda após a prisão do ex-tesoureiro João Vaccari Neto.

O fato é que não interessa ao PT esticar o julgamento de Dilma no Senado, pelas consequências que isso terá para a legenda nas eleições municipais, onde seus candidatos majoritários estão enfrentando grandes dificuldades, a começar pela reeleição do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. O PT prefere voltar a ser estilingue, contra o governo Temer, e deixar de ser vidraça por causa do fracasso do governo Dilma. As possibilidades futuras de legenda dependem da sobrevivência política do ex-presidente Lula. Mesmo acuado pela Operação Lava-Jato, o petista se mantém como candidato competitivo à Presidência.

O pior, porém, ainda pode estar por vir. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, determinou a abertura de processo pedindo a cassação do registro do partido. O ministro afirmou que há indícios de que o PT foi indiretamente financiado pela Petrobras, uma sociedade de economia mista, o que é proibido pela legislação eleitoral. "O que estamos dizendo é que essa prática pode dar ensejo à extinção e a corregedoria deve fazer a avaliação", disse o presidente do TSE na terça-feira, após palestra sobre as eleições de 2016 para a imprensa. O ministro não descartou que outros partidos possam ser investigados.

O PT foi pra cima do presidente do TSE, acusando-o de parcialidade. Entretanto, não costuma ser boa tática atacar o Judiciário. A estratégia fracassou no julgamento do "mensalão" pelo Supremo Tribunal Federal(STF) e não tem a menor chance de sucesso no julgamento da Operação Lava-Jato. O ministro é relator das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff, que foram julgadas e aprovadas pelo TSE logo depois das eleições, em dezembro de 2014. Mas, diante de indícios de irregularidades encontrados por técnicos do tribunal, decidiu investigá-las e surgiu um laranjal na prestação de contas.

Delação
A estratégia do PT é partir para a oposição feroz ao governo Temer, responsabilizando-o pelas consequências sociais da crise econômica, política e ética. O vazamento de trechos da suposta delação premiada do ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, citando o presidente interino Michel Temer, que supostamente teria recebido R$ 10 milhões do caixa dois da empresa para a campanha eleitoral, caiu do céu para os petistas. A delação premiada do empresário é esperada como uma espécie de "tsunami" político, pois promete entregar a lista completa de todos os políticos e partidos beneficiados pelo caixa dois eleitoral da empresa, cujos recursos tinham origem no superfaturamento de contratos de obras e serviços públicos, principalmente da Petrobras. As denúncias atingiram também os partidos da antiga oposição, sobretudo o PSDB.

Nada indica que a aprovação do impeachment de Dilma Rousseff possa representar a interrupção da Operação Lava-Jato, ou seja, um ponto final nas investigações contra os partidos e os políticos. O seu afastamento definitivo fortalecerá o governo Temer, com a consolidação de sua base política e do seu programa de ajuste fiscal, mas a crise ética continua sendo um fator desestabilizador do establishment político. O erro do PT é achar que uma metástase no sistema partidário possa salvar a legenda da decadência eleitoral. Em consequência da Lava-Jato pode acontecer quase tudo, menos isso.