CORREIO BRAZILIENSE - 11/10
Em 1960, comando israelense sequestrou num subúrbio de Buenos Aires o alemão Adolf Eichmann, na época simples funcionário da Mercedes Benz na Argentina, acusado de ter sido o criador da solução final, que executou judeus na Europa em quantidades industriais. Ele foi levado para julgamento em Jerusalém com todas as preocupações de garantia de defesa ao acusado e pleno exercício das liberdades de imprensa. Seria o mais mediático dos julgamentos desde que se instalou em Nuremberg o tribunal para julgar os chefes do sistema nazista.
Hanna Arendt, alemã, judia, filósofa conhecida e reconhecida, foi escalada pela revista The New Yorker para fazer a cobertura do assunto sensacional. Ela produziu cinco magníficos artigos que se transformaram no livro Eichmann em Jerusalém, um relato sobre a banalidade do mal, publicado em 1963. A perplexidade da autora ocorreu quando ela percebeu que o monstro nazista era, na verdade, um burocrata disposto a cumprir ordens, incapaz de refletir sobre seus feitos e pronto para servir aos mais elevados escalões de seu partido.
Ele, aparentemente, não compreendeu a bárbara extensão de seus feitos. Apenas registrou que cumpriu as ordens recebidas e o fez com competência e eficiência. Era o que se esperava dele. Hanna Arendt chamou a esdrúxula situação de banalidade do mal. Ou seja, alguém pratica atos contra a humanidade e não tem a menor ideia do que está produzindo. Essa mesma sensação ocorre quando os jornais informam que na alta cúpula da Petrobras havia um grupo organizado para desviar verbas da empresa com objetivo de premiar empresas e naturalmente conseguir ganhos extraordinários. Paulo Roberto Costa, entre outras pérolas, admitiu repatriar algo em torno de US$ 23 milhões.
O mundo não caiu até agora, embora as notícias sejam cada vez mais estranhas, e até perturbadoras. A contadora Meire Poza depôs perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito e narrou fatos de fazer corar frade de pedra. Afirmou que o Partido dos Trabalhadores pagou a multa imposta pelo supremo tribunal Federal a Enivaldo Quadrado, dono da corretora Bonus-Banval, no valor de R$ 28,6 mil. Também acrescentou que ela própria, sob a orientação de Alberto Youssef, emitiu notas fiscais frias no valor de R$ 7 milhões. O festival de irregularidades extrapola a designação simples de corrupção. Trata-se de uma administração dentro do governo cujo objetivo era gerar obras para criar vantagens e propinas que se destinavam a pagar campanhas de partidos, no caso, PT, PMDB e PP, e naturalmente produzir uma sobra que abastecia contas pessoais em bancos na Suíça e outros paraísos fiscais.
Não há até agora sinais de indignação na sociedade. A Petrobras é uma empresa pública, de capital misto, com ações cotadas em bolsa. Já foi uma das maiores do mundo. Perdeu substância e valor nos últimos anos, justamente quando a quadrilha atuou. A produção nacional de petróleo ficou estagnada na década e agora, muito endividada, faz enorme esforço para retomar seu tamanho e sua importância. A instituição tem à sua frente a mina de ouro negro do pré-sal, que exige pesados investimentos para retirá-lo de 5 mil a 6 mil metros de profundidade. O jogo de conveniência entre diretores e doleiros teve pesadas repercussões na economia brasileira e interferiu diretamente na política nacional.
É difícil encontrar adjetivos para tamanha ousadia. Só a banalidade do mal e a certeza da impunidade podem ter concedido tamanha liberdade de ação a meia dúzia de pessoas que não hesitaram em meter a mão no cofre. A teia de interesses é grande e abrange gente graúda. As investigações estão apenas começando e o juiz tem se cercado de cuidados para que parlamentares, ou pessoas que ocupam o primeiro escalão, não sejam mencionadas. Se ocorrer, só o supremo tribunal Federal poderá analisar e julgar os malfeitos. É melhor investigar o possível agora.
O assunto ganhou tamanha dimensão que dificilmente ficará de fora do debate eleitoral que se iniciou ontem. Ainda haverá duas semanas de pancadaria recíproca. Os marqueteiros vão criar fogo de barragem com pesados ataques para esconder esse cenário desolador. Melhor que tentar justificar o injustificável. O tamanho do desvio de dinheiro não é ação de amadores que resolveram passar o fim de semana em Paris. É trabalho de profissionais que decidiram ficar ricos e tornar seus filhos e netos também milionários. Retrato da política brasileira.
Hanna Arendt, alemã, judia, filósofa conhecida e reconhecida, foi escalada pela revista The New Yorker para fazer a cobertura do assunto sensacional. Ela produziu cinco magníficos artigos que se transformaram no livro Eichmann em Jerusalém, um relato sobre a banalidade do mal, publicado em 1963. A perplexidade da autora ocorreu quando ela percebeu que o monstro nazista era, na verdade, um burocrata disposto a cumprir ordens, incapaz de refletir sobre seus feitos e pronto para servir aos mais elevados escalões de seu partido.
Ele, aparentemente, não compreendeu a bárbara extensão de seus feitos. Apenas registrou que cumpriu as ordens recebidas e o fez com competência e eficiência. Era o que se esperava dele. Hanna Arendt chamou a esdrúxula situação de banalidade do mal. Ou seja, alguém pratica atos contra a humanidade e não tem a menor ideia do que está produzindo. Essa mesma sensação ocorre quando os jornais informam que na alta cúpula da Petrobras havia um grupo organizado para desviar verbas da empresa com objetivo de premiar empresas e naturalmente conseguir ganhos extraordinários. Paulo Roberto Costa, entre outras pérolas, admitiu repatriar algo em torno de US$ 23 milhões.
O mundo não caiu até agora, embora as notícias sejam cada vez mais estranhas, e até perturbadoras. A contadora Meire Poza depôs perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito e narrou fatos de fazer corar frade de pedra. Afirmou que o Partido dos Trabalhadores pagou a multa imposta pelo supremo tribunal Federal a Enivaldo Quadrado, dono da corretora Bonus-Banval, no valor de R$ 28,6 mil. Também acrescentou que ela própria, sob a orientação de Alberto Youssef, emitiu notas fiscais frias no valor de R$ 7 milhões. O festival de irregularidades extrapola a designação simples de corrupção. Trata-se de uma administração dentro do governo cujo objetivo era gerar obras para criar vantagens e propinas que se destinavam a pagar campanhas de partidos, no caso, PT, PMDB e PP, e naturalmente produzir uma sobra que abastecia contas pessoais em bancos na Suíça e outros paraísos fiscais.
Não há até agora sinais de indignação na sociedade. A Petrobras é uma empresa pública, de capital misto, com ações cotadas em bolsa. Já foi uma das maiores do mundo. Perdeu substância e valor nos últimos anos, justamente quando a quadrilha atuou. A produção nacional de petróleo ficou estagnada na década e agora, muito endividada, faz enorme esforço para retomar seu tamanho e sua importância. A instituição tem à sua frente a mina de ouro negro do pré-sal, que exige pesados investimentos para retirá-lo de 5 mil a 6 mil metros de profundidade. O jogo de conveniência entre diretores e doleiros teve pesadas repercussões na economia brasileira e interferiu diretamente na política nacional.
É difícil encontrar adjetivos para tamanha ousadia. Só a banalidade do mal e a certeza da impunidade podem ter concedido tamanha liberdade de ação a meia dúzia de pessoas que não hesitaram em meter a mão no cofre. A teia de interesses é grande e abrange gente graúda. As investigações estão apenas começando e o juiz tem se cercado de cuidados para que parlamentares, ou pessoas que ocupam o primeiro escalão, não sejam mencionadas. Se ocorrer, só o supremo tribunal Federal poderá analisar e julgar os malfeitos. É melhor investigar o possível agora.
O assunto ganhou tamanha dimensão que dificilmente ficará de fora do debate eleitoral que se iniciou ontem. Ainda haverá duas semanas de pancadaria recíproca. Os marqueteiros vão criar fogo de barragem com pesados ataques para esconder esse cenário desolador. Melhor que tentar justificar o injustificável. O tamanho do desvio de dinheiro não é ação de amadores que resolveram passar o fim de semana em Paris. É trabalho de profissionais que decidiram ficar ricos e tornar seus filhos e netos também milionários. Retrato da política brasileira.