terça-feira, abril 16, 2019

A falta que a política faz - FERNÃO LARA MESQUITA

O Estado de S.Paulo - 16/04

Na repartição do que quer que seja a parte do leão fica com quem tem o poder

Além das seguidas capitulações espontâneas do presidente, o que mais tem comprometido a reforma da Previdência é a “embriaguez da onipotência numérica” vivida pela família Bolsonaro. Tratase de uma confusão que decorre do encantamento com a contagem de números absolutos revelados pelo súbito destampar de panelas há muito forçadamente lacradas, operado pelo aprendizado no uso das redes sociais, que tem levado a trágicos erros de avaliação política pelo mundo afora, da Primavera Árabe em diante.

Depois do salto proporcionado pela ânsia do Brasil de se livrar da venezuelização que elegeu Bolsonaro, as pesquisas indicam uma volta da opinião pública ao leito da normalidade. Cada vez mais as manifestações de radicalismo só repercutem no gueto da direita incondicional, que não precisa ser conquistada, pois já é e nunca deixará de ser dele, assim como os 30% da esquerda incondicional foram do PT e são hoje dos seus sucedâneos. Para tudo mais elas só prejudicam. Como chegar a 308 deputados (partindo dos atuais 190) mais 49 senadores que a reforma requer carimbando qualquer conversa com eles como “prova” de corrupção?

A próxima parada, diz Paulo Guedes, é o Novo Pacto Federativo que reservará 70% do dinheiro dos impostos para Estados e municípios e 30% para a União. A distribuição do dinheiro dos impostos em consonância com a quantidade de assistidos por cada ente de governo, entretanto, é produto, onde ocorre, de um arranjo político revolucionário, e não o contrário. Na repartição do que quer que seja a parte do leão fica com quem tem o poder. É uma lei da natureza. Logo, para inverter a distribuição do dinheiro é preciso antes pôr o povo no poder.

O federalismo foi o arranjo institucional que deu consequência prática a essa inversão. A fórmula que criou governos dentro de governos, cada um deles soberano na sua esfera de atuação, mas dividido em três Poderes encarregados de filtrar as decisões uns dos outros, foi, pela primeira vez na História da humanidade, uma teoria criada para ser posta imediatamente em prática estritamente dentro da característica pragmática da cultura anglo-saxônica. Não para “criar uma nova humanidade”, à latina, mas para resolver um problema específico: como montar um esquema funcional para transferir o poder do monarca absolutista humano para o conjunto da população, também humana, e evitar o retorno à condição anterior de opressão, agora por uma maioria. Esse o ponto a que chegou a Democracia 3.0, modelo século 18, que nós nunca alcançamos. E não foi suficiente. Ele teve de evoluir, no século 20, para a Democracia 4.0, que pôs o indivíduo reinando soberano sobre todas as outras soberanias ao reforçar dramaticamente os poderes dos eleitores antes e depois do momento das eleições, com os direitos de cassar mandatos a qualquer momento, dar a última palavra sobre as leis que se dispõem a obedecer e submeter até os juízes, periodicamente, à confirmação do seu beneplácito. Pôr o carro adiante dos bois com um eleitorado inteiramente desarmado e legalmente proibido de defender-se contra a violência legislativa e regulatória dos donos do poder (como nos querem até em relação à própria vida os radicais desarmamentistas) só levará a uma multiplicação desastrosa dos focos de corrupção.

A maior dificuldade para arrumar o Brasil não está no confronto entre visões divergentes, está em formular uma visão divergente de fato, coisa que não poderá ser aprendida na práxis política corrente, que, pela direita e pela esquerda, vive da distribuição de pequenos privilégios. Vai requerer um longo mergulho no estudo da teoria política, assunto hoje anatemizado como sintoma de propensão à corrupção, e da história da evolução da democracia, pois em todos os países os problemas foram os mesmos que enfrentamos e muitos conseguiram superá-los. Não é preciso reinventar a roda. A questão é como fazer isso num país que socializou o pequeno privilégio numa extensão inédita no mundo e todos amam o seu, cujas escolas ou estão destruídas, ou estão censuradas pelo aparelhamento ideológico, o que nos leva ao outro grande foco de ruídos dos primeiros 100 dias do governo Bolsonaro.

Nas democracias de DNA saxônico vigora um princípio que explica a resiliência delas e tem tudo que ver com federalismo. O controle da educação deve ficar o mais longe possível de quem já tem o controle da força armada, explicitamente como elemento básico de prevenção contra a sede insaciável de mais poder que todo poder tem.

De fato não faz nenhum sentido, senão como instrumento de perpetuação no poder, que num país continental cheio de itaocas e de megalópoles plantadas em realidades culturais, geográficas e de vocação econômica radicalmente diversas umas das outras, um único órgão centralizado, como o MEC, imponha o mesmo currículo e os mesmos métodos pedagógicos para todo mundo em todos os níveis de educação. Por isso, naquelas democracias, o controle das escolas públicas não fica sequer na mão do poder municipal, fica a cargo da menor unidade do sistema, os conselhos (school boards) eleitos por cada bairro entre os pais dos alunos que frequentarão aquela escola. Com sete membros com mandatos de quatro anos desencontrados, metade eleita a cada dois anos, são esses boards que contratam os diretores de cada escola pública e aprovam (ou não) os seus orçamentos e os seus programas pedagógicos.

Um conjunto de “distritos escolares”, o primeiro elo do sistema de eleições distritais puras, único que cria uma identificação perfeita entre os representantes eleitos e cada um dos seus representados permitindo o controle direto legítimo e seguro de uns sobre os outros, constituirá um distrito eleitoral municipal. Uma soma destes fará um distrito estadual, um conjunto dos quais dará um dos distritos federais que elegerão os deputados do Congresso Nacional.

A política, o patinho feio de todo o drama brasileiro, não pode, portanto, ser o último fator a ser considerado. Se for para curar o País, terá de ser o primeiro.

Guerra dos tolos - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 16/04

Hoje, o objeto fálico de comparação social são as séries de TV consumidas

O telefone toca, a pergunta vem logo a seguir. “Quais as suas expectativas sobre a última temporada da ‘Game of Thrones’?” É de madrugada, talvez umas 10 da manhã. Mas a jornalista, se entendi bem, quer saber quais as minhas expectativas blá-blá-blá?

Em estado semiconsciente, respondo: “Nenhuma”. Ela reage: “Como, nenhuma?”. Informo que nunca vi a série. Há uma pausa do outro lado, como se eu tivesse confessado a minha preferência pelo bestialismo, seguida de um “mas você está brincando”.

Digo que sim, que estou, e que as minhas expectativas são as melhores. Nem consigo dormir com tanta excitação. Desligo o celular, preventivamente, para evitar novas investidas. Regresso ao sarcófago.
Não estava a brincar. Nem sequer a conservar o meu sono estilhaçado. Nunca assisti a “Game of Thrones”. Serei normal?

Aliás, os nomes das séries “imperdíveis”, “imprescindíveis”, “incontornáveis” que nunca me tiveram como cliente dariam para cobrir a fachada do Empire State Building. O que significa que sou um pária em certos círculos, onde a “serite aguda” é a patologia da moda.

Explico melhor. “Serite aguda” é uma obsessão autoinfligida em que adultos razoavelmente sãos iniciam uma competição entre eles para descobrir quem vê a maior quantidade de séries recentes.

Mas não só. Dentro das séries recentes, a serite aguda se desdobra em vários sintomas. Um deles é saber quem viu mais episódios da série em causa e, de preferência, em quantas horas.

O vencedor sente um alívio temporário e uma sensação de superioridade que dura até ao lançamento da próxima série. O derrotado questiona se vale a pena viver.

No fundo, é uma exibição de status levada até suas últimas consequências. Houve um tempo em que os adultos se entretinham a comparar os restaurantes que frequentavam, as férias que faziam, até as notas que os filhos tiravam na escola.

Não mais. Hoje, o objeto fálico de comparação social são as séries de TV consumidas.
No início, tentei brincar com o assunto. E, só para confundir, citava séries que ninguém tinha visto pelo simples fato de que ninguém tinha feito. “Você já assistiu ao ‘Mortos de Medo’, a última da Netflix?”, perguntava eu, “sotto voce”, como se revelasse a última preciosidade do universo.

O comparsa, abismado e tão morto de medo como o nome da série imaginária, dizia que não. Depois passava a palavra. Havia sempre alguém que ia no Google e desfazia o equívoco.

Hoje, opto pela verdade, só a verdade, nada mais que a verdade. “Terminei ‘Família Soprano’ há pouco tempo”, digo eu, como se proferisse uma blasfêmia. A incredulidade chega a ser humilhante. “Família Soprano”? De 1999? O que virá a seguir, meu Deus? “O Barco do Amor”? Risos alarves.

Artisticamente falando, a obsessão pela novidade não faz sentido. Basta pensar em outras expressões artísticas, nas quais o estatuto de clássico não justifica nenhuma atitude de desprezo ou repulsa.

Ler Shakespeare, escutar Bach, assistir a um filme de Hitchcock não é pior do que ler o último romance do escritor X, escutar o mais recente CD do compositor Y ou perder duas horas de vida com o filme recém-estreado do diretor Z. Às vezes, optar pelo clássico é até bem melhor —e, no meu caso, uma fonte recente de melancolia.

Sei do que falo. Todos os dias, quando entro na biblioteca da casa, passo os olhos pelos títulos que vejo nas estantes e um pensamento triste faz o seu ninho nos meus neurônios. “Já não tenho tempo para ler isso tudo.”

Verdade. Nunca tive. Nunca temos. Mas, a caminho da meia-idade, o tempo acelera como nunca e a finitude abate-se sem aviso sobre qualquer bibliófilo racional.

Traduzindo: fará sentido ler o romance “incontornável” da semana quando nunca li do princípio ao fim o “À la Recherche...” de Proust (ou, por falar nisso, o seu discípulo inglês, Anthony Powell)?

Os ansiosos das séries não me parecem racionais. Parecem-me filistinos, no sentido em que Matthew Arnold usou o termo no século 19. A cultura, para eles, não é uma forma de enriquecimento espiritual.

A cultura, sob a forma de séries de TV, é um valor meramente instrumental para exibir status. E, nesse espetáculo, o que interessa não é a qualidade; é a quantidade.

Isso significa que a “Game of Thrones” está fora do meu radar? Errado. Nada está fora. Mas é provável que só espreite o assunto em 2020, ou 2021. Ou nunca.

Há prioridades na vida. “O Barco do Amor” pode ser uma delas.

João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Mais um ano no vermelho - LUIZ CARLOS AZEDO

Correio Braziliense - Nas entrelinhas - 16/04

“Bolsonaro emite sinais de que não está muito empenhado em aprovar a reforma da Previdência nem acredita nos fundamentos liberais de sua política econômica”


O governo Bolsonaro prefere rosa e azul, principalmente na roupa das crianças, mas é vermelho o seu projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) apresentado ontem: a estimativa do deficit das contas públicas no próximo ano é de R$ 124 bilhões, R$ 14 bilhões a mais do que a anterior. Ou seja, o governo está enxugando gelo em termos de ajuste fiscal, mesmo considerando a reforma da Previdência.

O outro lado da moeda é o valor do salário mínimo em 2020, que será de R$ 1.040, um aumento de R$ 42 em relação aos atuais R$ 998. Não haverá aumento real do salário mínimo no ano que vem, que será corrigido apenas pela inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). Os números da LDO são um banho de realidade na retórica da “nova política”, que coleciona polêmicas no varejo. No atacado, a opção é quase o “mais do mesmo”: meta de inflação e câmbio flutuante; o superavit fiscal, premissa para a retomada do crescimento, está além do horizonte.

A economia do país está em desaceleração. Em fevereiro, registrou a maior retração desde maio de 2018, quando ocorreu a greve dos caminhoneiros, segundo os números divulgados, ontem, pelo Banco Central. Considerado uma prévia do PIB, o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) registrou, em fevereiro, um recuo de 0,73%, na comparação com janeiro deste ano. O resultado foi calculado após ajuste sazonal (uma espécie de “compensação” para comparar períodos diferentes). Maio de 2018 foi marcado pelos efeitos da greve dos caminhoneiros, que resultou em um tombo de 3,11% na prévia do PIB.

A economia está travada porque o cenário macroeconômico não mudou, em grande parte, porque o presidente Jair Bolsonaro emite sinais de que não está muito empenhado em aprovar a reforma da Previdência nem acredita nos fundamentos liberais de sua política econômica. No varejo, há sinais preocupantes de que o presidente Bolsonaro governa na contramão do projeto do atacado. O caso da política de preços da Petrobras é bastante emblemático quanto a isso.

Ao intervir numa decisão da petroleira, sustando o aumento do diesel, para atender reclamações de lideranças dos caminhoneiros, o governo meteu-se numa enrascada, porque sinalizou fraqueza e desorientação. Recuou diante de uma ameaça de greve dos caminhoneiros, que foram um esteio de sua campanha eleitoral; agiu de forma extremamente inábil, ao vetar publicamente o aumento, o que desmoralizou a diretoria da empresa e sua política de preços perante os seus investidores.

Ontem, ministros e técnicos do governo passaram o dia discutindo como consertar o estrago, enquanto o mercado aguarda uma decisão sobre o preço do diesel, que deve ser anunciada, hoje, em reunião com o próprio presidente Jair Bolsonaro. A política de concessões do governo Bolsonaro é seu ponto mais forte, administrativamente, mas está batendo no teto, enquanto o programa de concessões e os leilões de petróleo vão muito bem, obrigado. O problema são as privatizações, que estão estagnadas. Os militares ocuparam as empresas estatais e consideram muitas delas estratégicas para o desenvolvimento nacional.

Filho feio
Bolsonaro é um cristão novo do liberalismo, ao qual se converteu mais por conveniência política do que por convicção decorrente do conhecimento: já disse que não entende nada de economia. Entretanto, a política é a economia concentrada, e Bolsonaro não hesita na hora de tomar decisões com base no senso comum de suas bases eleitorais, sem medir muito as consequências, como no caso do diesel.

Enquanto administra no varejo, a inércia começa a mostrar sua cara no atacado. Ontem, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados decidiu discutir a proposta que aumenta os gastos obrigatórios do governo, a chamada PEC do Orçamento, antes de debater a reforma da Previdência. A reunião havia sido convocada para discutir a reforma da Previdência. Foi uma derrota anunciada do governo, pois, desde a semana passada, os partidos do Centrão passaram a articular o adiamento do debate, enquanto Bolsonaro estava mais preocupado com as máquinas e os equipamentos dos ladrões de madeira da Amazônia apreendidos pelo Ibama.

Bolsonaro precisa reavaliar a forma como está conduzindo sua relação com o Congresso. Os partidos do Centrão, como PP, PR e DEM, apoiaram um requerimento do PT para a CCJ analisar, primeiro, a proposta sobre o Orçamento. PSDB, Novo e Patriota votaram contra a inversão da pauta. Até mesmo o PSL, partido de Bolsonaro, votou a favor da mudança. As conversas com Bolsonaro levaram os líderes desses partidos a concluírem que o presidente da República não quer colar seu nome à reforma da Previdência; no jargão parlamentar, “filho feio não tem pai”.

O dilema da responsabilidade - CARLOS ANDREAZZA

O GLOBO - 16/04

Sob o bolsonarismo, obrigatoriamente, viveremos num regime de crises

‘Crédito maligno”, a expressão concebida pelo escritor Augusto de Franco, projeta as condições para aquilo que chamarei de dilema da responsabilidade. Qual seja: a situação do indivíduo convicto da necessidade de se aprovar uma reforma da Previdência potente, mas que, ao mesmo tempo, contempla os riscos decorrentes de entregar descompressão fiscal — logo, capacidade de investimento — a um governo cuja natureza autocrática é tão evidente quanto de operação singular.

Não trato aqui de ameaça fascista nem da possibilidade de uma ditadura conforme o modelo clássico, mas de um projeto de poder autoritário cuja dinâmica, a da campanha permanente, do conflito constante, é de emparedamento da democracia representativa e de rebaixamento das instituições republicanas em prol de uma hierarquia submetida ao governante eleito.

O governo Bolsonaro é um terreno para confronto incessante. Os choques não são pontuais nem podem ser compreendidos como típicos de uma administração ainda no início, mas consistem na exata expressão do grupo bolsonarista mais influente, a autointitulada ala antiestablishment, que não existe senão forjando campos de batalha para a tal guerra cultural. O bolsonarismo, comando para combate, produto do colapso político brasileiro, precisa do fomento continuado a rupturas e da conflagração institucional regular.

Já escrevi que o sucesso de um pacote liberal pujante tracionaria as engrenagens econômicas para que o bolsonarismo pudesse brincar longamente no parquinho ideológico. Ocorre que não é brincadeira. Não nos esqueçamos de que um governo pode ser ruim — nocivo — ao ambiente democrático, à qualidade do convívio social, e, concomitantemente, bem-sucedido em matéria econômica, esse bom resultado bancando os olhos fechados à depauperação dos pesos e contrapesos que ancoram a liberdade.

A história é rica em exemplos de quando a mentalidade econômica liberal, tecnocrata, serviu a projetos autoritários de poder. Não seria novidade nem caberia atribuir ingenuidade aos liberais econômicos; mas, antes, refletir sobre se não teriam entendido que fica mais fácil avançar a agenda sob menos contraditório.

Não é mandatório que um programa econômico liberal dependa de instituições democráticas vigorosas nem é certo que liberais econômicos tenham a democracia liberal como padrão inegociável. Certo é, porém, que o bolsonarismo precisa que algo da agenda liberal encaixe como gatilho — “crédito maligno” — para o lastro material de um esquema autocrático a ser acomodado pela tranquilidade concreta proporcionada, por exemplo, pela geração de empregos.

Aí está o dilema da responsabilidade: quanto estaremos dispostos a comerciar da estabilidade — do equilíbrio — institucional em troca de uma reforma cujo impacto abriria os cofres para um governo que funciona, como regra, na lógica da colisão e que tem, por oxigênio, a necessidade de fabricar inimigos?

Sob o bolsonarismo, obrigatoriamente, viveremos num regime de crises, sob o desgaste de um tempo de imprevisibilidade e do que sempre nos parecerão exceções — a própria negação do espírito de ponderação que caracteriza a democracia. O processo de revolução reacionária bolsonarista não é mera retórica eleitoral — no sentido de que não se esgotou com a vitória nas urnas. É perene, agora vertido em guerra interna contra o establishment encrustado na máquina pública. Um governo que, melhor ou pior gestor, é sobretudo oposição.

É batalha sem fim, briga cujo cerne é a infinitude, guerrilha de mobilização cujo norte é criminalizar a atividade política para deslocar o Poder representativo, o Legislativo, tratado como força intermediária e menor, à posição de acuado que se deve encurralar sempre. Isso está dado. Não há República que prospere assim, embora não seja improvável que a economia o faça; de modo que não será ilegítimo um parlamentar pensar da seguinte maneira, o dilema da responsabilidade agravado pelo instinto de sobrevivência: “Se, sob tamanha crise e precisando de mim, o governo me trata como bandido, como me tratará quando estiver nadando em dinheiro e eu não for mais necessário?”

Como editor e jornalista, tenho pensado: devo apoiar — devo me empenhar por — uma reforma da Previdência trilionária, que sei necessária, se também sei que é a condição fundamental para o financiamento de um projeto autoritário de poder? Tenho pensado, admito, sobre se não haveria solução intermediária capaz de minimizar o problema e empurrar o enfrentamento estrutural da Previdência para uma ocasião mais saudável politicamente.

Nunca tive dúvida de que a democracia liberal — como a temos hoje — não é valor para o bolsonarismo. O ponto é que talvez seja mesmo o empecilho.

A política nacional em rotações por minuto - ANDREA JUBÉ

Valor Econômico - 16/04

A política dá voltas, e erros e pressões do passado ressurgem



Vivemos tempos estranhos em que a surpreendente fotografia de um buraco negro a 55 milhões de anos-luz da Terra, resultado inequívoco dos avanços científicos e tecnológicos, convive com a crença medieval dos terraplanistas de que a Terra é plana, e o Sol e a Lua orbitam dentro de um domo na nossa atmosfera. A Antártida ocuparia as bordas da Terra, que teria a nostálgica forma de um disco de vinil.

Contrariando os novos céticos, as evidências científicas ainda são as de que a Terra é redonda, gira em torno de si mesma, à velocidade média de 1.674 km/h para dar a volta completa em torno de seu eixo. O mesmo fenômeno se repete no estranho "planeta" chamado Brasília, conforme atestam cientistas, astrofísicos e articuladores políticos mais experientes, com milhares de horas de voo no Congresso Nacional.

Para os profissionais da Ciência Política, o mundo e a política dão voltas, em um movimento de rotação como o da Terra, de modo que a história se repete como uma constante, para recomeçar do mesmo lugar. Essa repetição dos fatos é uma oportunidade conferida aos atores políticos - que se revezam em seus papéis - para que aprendam com erros do passado.

Por esse raciocínio, nos últimos três anos, a política nacional girou e girou em torno de episódios dramáticos como um processo de impeachment, as eleições municipais, a greve dos caminhoneiros que paralisou o país, uma conturbada eleição nacional - com o clímax de um atentado a faca contra um dos candidatos - até a posse do presidente Jair Bolsonaro.

Depois de milhares de rotações por minuto, os fatos políticos voltam ao mesmo ponto de partida de 2016: ressurge o temor de nova greve dos caminhoneiros; deputados e senadores se veem novamente às voltas com a votação de uma imbricada reforma da Previdência e de uma reforma ministerial, sob as mesmas pressões enfrentadas pelo então presidente Michel Temer. Uma delas, que promete ganhar corpo nas próximas semanas, é a recriação do Ministério da Cultura.

O pano de fundo desse movimento de rotação política é a capacidade de articulação do governo. Três vezes presidente da Câmara, Michel Temer era considerado um articulador político habilidoso e profundo conhecedor das idiossincrasias do Legislativo - atributos que não se aplicam ao atual chefe do Executivo.

Apesar de toda a expertise, Temer quase viu ruir a reforma ministerial, como relembram alguns de seus aliados a propósito da iminente votação da reconfiguração da Esplanada de Jair Bolsonaro, que ocorrerá em maio, junto com a discussão das novas regras da aposentadoria na comissão especial.

A votação da reforma ministerial de Temer em 2016 foi dramática: a medida foi aprovada na Câmara na madrugada do dia 30 de agosto, após uma rebelião da bancada feminina, e perderia a validade uma semana depois. A votação só se viabilizou com a boa vontade do então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que fazia oposição a Temer, mas garantiu a apreciação da matéria em meio ao feriado de 7 de setembro. Se não fosse analisada, a reforma perderia efeito e o Executivo precisaria editar uma nova proposta. Porém, a Constituição veda a reedição de uma MP derrubada pelo Congresso.

Agora a história se repete com a "MP dos Ministérios" de Bolsonaro. Assim como Temer havia escalado o líder do governo, deputado André Moura (PSC-SE), para relatar a matéria, o líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), assumiu a relatoria da reforma ministerial. Ele tem 541 emendas para analisar neste mês, entre as quais as tentativas de recriação dos ministérios da Cultura, da Segurança Pública, do Trabalho e do Desenvolvimento Agrário.

A mesma falha de articulação que tumultua as negociações em torno da reforma da Previdência afetará a reforma ministerial, diz uma liderança da Câmara. Este parlamentar antecipa que dezenas de deputados não comprometidos com a causa da cultura pretendem endossar a emenda de recriação do ministério, apresentada pelo ex-ministro e deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), como uma "demonstração de força", uma "resposta do parlamento" à arrogância do Planalto.

Ontem a articulação política do Planalto sofreu nova derrota diante da inversão da pauta na Comissão de Constituição e Justiça para votar a proposta de emenda constitucional do orçamento impositivo antes da reforma da Previdência, que pode ficar para a próxima semana.

O setor cultural tem simpatia pelo ministro Osmar Terra, que herdou as funções da pasta, e pelo secretário de Cultura, José Henrique Medeiros Pires, que não teria autonomia no cargo.

Com Temer, a pressão pela recriação do Ministério da Cultura foi uma questão de dias, depois que o ex-presidente José Sarney e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, entraram em campo.

Agora o partido de Bolsonaro tem representantes a favor da recriação do ministério, como o deputado Alexandre Frota (PSL-SP), ligado aos artistas, e bolsonarista de carteirinha. Ele fez uma postagem nas redes sociais pedindo o retorno da pasta: "Teto proposto por Bolsonaro na Lei Rouanet cortaria R$ 4,9 bilhões em 2018. Precisamos na verdade ter o Ministério da Cultura de volta. #voltaminc", publicou.

Autor da emenda, Orlando Silva alega que o setor cultural gera 2,7% do PIB e mais de um milhão de empregos diretos, englobando as mais de 200 mil empresas e instituições públicas e privadas. " O deputado e ex-ministro da Cultura Marcelo Calero (Cidadania-RJ) engrossa o coro: "Não há economia para os cofres públicos, é preciso uma pasta específica para a gestão e a execução das políticas culturais", reforça.

Terra redondaO ministro e astronauta Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, fez uma viagem de dez dias ao espaço em 2006, na "Missão Centenário" da Nasa. De lá, constatou que a Terra era redonda. No último dia 10, questionado em uma audiência pública sobre os terraplanistas, ele respondeu que é preciso refletir sobre coisas que existem, como inclusão, ciência e tecnologia. "Tem que pensar em ciência e tecnologia, baseado em fatos e pesquisas. Tudo que é fora disso não é para ser tratado", alertou.

"Choque de realidade: fomos enganados, de novo - SÉRVULO DIAS

GAZETA DO POVO - PR - 16/04

Fomos novamente enganados por uma tropa de ideólogos “ultraliberais” no discurso e “nada-liberais” na prática


As notícias do final da tarde da última quinta-feira (11 de abril) e seus reflexos no dia seguinte fecharam mais uma semana de bastante pessimismo em relação ao atual governo. Bolsonaro, na linguagem dos memes das redes sociais, “dilmou” novamente ao intervir na política de preços da Petrobras, vetando um aumento de 5,7% no preço do óleo diesel que a empresa oficializara horas antes. As ações da Petrobras foram fortemente penalizadas no pregão da sexta-feira, desvalorizando mais de 8% e representando uma perda total de valor de mercado superior a 32 bilhões de reais em um único dia. O mesmo efeito atingiu ações de outras estatais tais como Eletrobras, Banco do Brasil e BR Distribuidora, também potenciais reféns do populismo estatal. O movimento de rejeição às ações de empresas estatais foi tão forte a ponto de alguns fundos decidirem por “zerar” suas posições nesses papéis diante dos receios em relação à governança e ao grau de ingerência que o governo pode passar a exercer sobre essas companhias.

Não demorou até que as justificativas mais esfarrapadas começassem a surgir a partir do Palácio do Planalto e da rede de afiliados que defendem cegamente as ações do “mito”. O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou em entrevista que Bolsonaro não irá “repetir” Dilma e que o recuo no diesel foi por um “bem maior”, ou seja, evitar o risco de uma nova greve dos caminhoneiros. Depois disso, Eduardo Bolsonaro defendeu que a intervenção nos preços deveria ocorrer em todos os combustíveis e que o liberalismo econômico deveria ser feito a “passos graduais”. Assim são os ideólogos. Sempre acreditam que a causa deles é mais nobre que a causa daqueles que fizeram o mesmo em outros momentos e em outras circunstâncias.

Conhecemos muito bem as mazelas causadas pelo intervencionismo estatal na formação dos preços de mercado

Vale lembrar que uma das principais bandeiras eleitorais do atual governo foi a bandeira do pragmatismo em relação a uma economia liberal. É aqui que começa o nosso choque de realidade, ou seja, fomos novamente enganados por uma tropa de ideólogos “ultraliberais” no discurso e “nada-liberais” na prática. Bastaram apenas 100 dias para que Bolsonaro nos desse evidências de que seu pragmatismo econômico liberal tem uma amplitude bastante limitada. A primeira intervenção nos preços ocorreu logo no início do governo quando Bolsonaro decidiu não retirar os impostos de importação que incidem sobre o leite em pó, alegando que tal ação seria benéfica ao consumidor brasileiro e protegendo assim a mal-acostumada indústria local, gerando um mal-estar enorme com o ministro Paulo Guedes. O caso recente envolvendo a Petrobras parece ser ainda mais grave, pois o ministro deu a entender que não foi sequer consultado por Bolsonaro sobre o tema, o que ilustra o caráter quase “absolutista” da decisão do presidente. Sabe-se ainda que Bolsonaro “convocou” a diretoria da Petrobras para que lhe fossem apresentados os argumentos que sustentem a necessidade do ajuste nos preços, o que soa altamente intervencionista.

Conhecemos muito bem as mazelas causadas pelo intervencionismo estatal na formação dos preços de mercado. A presidente Dilma Rousseff utilizava o controle artificial de preços administrados como energia elétrica e gasolina para colocar o IPCA dentro do limite superior da meta de inflação. O resultado, como já se sabia desde o início dessa política, era uma inflação represada, que cedo ou tarde seria refletida nos preços. Dilma Rousseff esperou passar as eleições de 2014 para liberar os aumentos nos preços e até hoje pagamos essa conta. Eletrobras e Petrobras tiveram seus resultados severamente afetados por tal medida. Além da distorção no sistema de formação de preços, o governo atual também mostra sua fragilidade frente às ameaças de greve por parte dos caminhoneiros, que cada vez mais se convencem de seu poder de barganha, já que conseguem conquistar seus pleitos antes mesmo da greve de facto.

O governo precisa se convencer de que não existe o status de “meio liberal”. Liberalismo não é um espectro sobre o qual se pode caminhar conforme as circunstâncias; liberalismo é um posicionamento binário, “ser liberal” ou “não ser liberal”, simples assim. Acima de tudo, o atual governo precisa aprender a governar e articular para que as reformas sejam colocadas em votação com a maior urgência possível. A excessiva dispersão com temas secundários e ideológicos coloca ainda mais em risco a saúde das nossas já debilitadas contas públicas e nossa estabilidade econômica, especialmente em um ambiente externo com alta volatilidade. A aceleração da agenda de privatizações também seria bastante salutar diante do cenário de risco iminente de maior intervenção governamental nas empresas públicas, já saqueadas ao limite e, em sua grande maioria, administradas por um corpo político incompetente e descompromissado com o Brasil.

Sérvulo Dias é economista pela FEA/USP, administrador de empresas, empreendedor, palestrante e especialista do Instituto Millenium."

Reféns do senso comum - MERVAL PEREIRA

O Globo - 16/04

A decisão do presidente Jair Bolsonaro de intervir na Petrobras, proibindo o aumento do óleo diesel programado pela estatal, está gerando apreensão não apenas no campo econômico do governo, liderado por Paulo Guedes, mas também nos setores militares que cuidam das questões de segurança.

A certeza é de que o governo não pode ficar refém dos caminhoneiros, mesmo que avaliações políticas do Chefe do Gabinete Civil, Onyx Lorenzoni, tenham pesado mais na decisão presidencial do que a política de preços que vem sendo adotada pela Petrobras desde o governo Temer.

A estatal só se recuperou da crise em que foi jogada pelas ações populistas dos governos petistas, principalmente no mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, porque adotou uma política de preços alinhada ao mercado internacional.

As reuniões que começaram ontem e vão até hoje, em que estão presentes o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e o ministro da Economia, Paulo Guedes, buscam compatibilizar o senso comum do presidente com as necessidades técnicas da Petrobras de se manter competitiva no mercado internacional.

Um busca otimizar a performance econômica do governo, outra procura se alinhar com seu eleitorado, que se sente explorado pelos preços da gasolina e do óleo diesel cobrados nas bombas. Uma atenção especial, no entanto, precisa ser dada à questão do ICMS, que encarece o preço do óleo diesel e da gasolina para o consumidor.

No diesel, as alíquotas mais altas são as do Amapá (25%) e Maranhão (20%). Sete estados utilizam a tarifa de 12%, a menor permitida por lei: Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O Rio a reduziu de 16% para 12% depois da greve dos caminhoneiros.

O presidente Jair Bolsonaro colocou em seu Twitter ontem uma comparação com a média dos preços da gasolina cobrados em vários países do mundo e os do Brasil, para demonstrar que cobramos muito acima: R$ 0,84 contra R$ 4,00 por litro.

Esse é um raciocínio que reflete o senso comum que se espalha pelo Twitter e outras mídias sociais. Só que Bolsonaro se esqueceu do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias), que eleva os preços nas bombas, pois a gasolina e o diesel são vendidos pela Petrobras por um preço abaixo, que chega às bombas muito mais caro.

O Rio sempre foi o estado com maior ICMS sobre a gasolina, atualmente de 34%. O querosene de aviação também é muito mais taxado no Rio do que em São Paulo, por exemplo.

Somente uma reforma tributária, que está prevista como desdobramento da reforma da Previdência, poderá resolver esse problema, dentro de um novo pacto federativo que distribua melhor os impostos entre estados e municípios.


Censura


A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de mandar retirar do site O Antagonista e de sua revista “Crusoé” uma reportagem sobre o presidente do STF, ministro Dias Tofolli, é de uma gravidade sem precedentes em tempos democráticos.

Ele alega que não houve censura prévia, como se houvesse diferença entre censuras. A reportagem informava que Marcelo Odebrecht revelou em depoimento a que os sites tiveram acesso, que era Tofolli o “amigo do amigo de meu pai”, como se referia ao então advogado-geral da União, amigo de Lula.

A Procuradoria-Geral da República negou que a informação fosse verdadeira, e baseado na declaração formal da PGR, Moraes mandou que a reportagem fosse suprimida. Os sites reafirmam a veracidade da informação.

Se o objeto da denúncia fosse um cidadão comum, iria à Justiça pedir reparação. Mas o ministro Dias Tofolli parece que não é uma pessoa comum.


Um trimestre perdido - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 16/04

Já se perdeu um quarto do ano, com crescimento zero ou até negativo no primeiro trimestre, e as perspectivas para o resto de 2019 continuam piorando. Vai muito mal, na economia, o primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro, apesar das declarações de confiança de empresários e investidores depois de sua eleição. É sinal de otimismo, hoje, projetar 2% de expansão econômica neste ano, um resultado abaixo de medíocre. Não se trata de um surto de mau humor nos mercados, embora haja motivos para isso, nem de torcida contra o governo. Os meses finais de 2018 foram muito ruins e qualquer esperança de melhora a partir da posse presidencial foi frustrada. As avaliações negativas acabam de ser reforçadas com a divulgação, ontem, do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), conhecido como prévia do Produto Interno Bruto (PIB). Depois de ter caído 0,31% em janeiro, o indicador baixou mais 0,73% no mês seguinte.

Com mais essa queda, a atividade medida pelo BC chegou ao patamar mais baixo depois de maio do ano passado. Bateu num ponto inferior ao de junho de 2018, quando o País sofria os efeitos mais fortes da paralisação do transporte rodoviário de carga. Para impedir a passagem de carregamentos, caminhoneiros bloquearam estradas, numa ação aplaudida pelo candidato Jair Bolsonaro. Já na
Presidência, Bolsonaro ordenou, alegando o interesse dos caminhoneiros, a suspensão de um aumento de preço do diesel, intervindo numa ação administrativa da Petrobrás.

Com o novo tombo, o índice do trimestre móvel encerrado em fevereiro foi 0,21% inferior ao do trimestre anterior (de setembro a novembro de 2018). O indicador superou por 1,20%, no entanto, o nível de igual período de um ano antes, na série sem ajuste sazonal. Mas as diferenças positivas acumuladas em períodos anuais tendem a esgotar-se, nos próximos meses, se a atividade continuar emperrada.

Depois do último IBC-Br, as hipóteses de crescimento zero e até de queda do PIB no primeiro trimestre ganharam força entre os analistas do setor privado. Mesmo se alguma recuperação tiver ocorrido em março, o balanço dos primeiros três meses do governo Bolsonaro será certamente ruim. Não houve, até agora, sinais de atividade significativamente mais intensa depois de um primeiro bimestre de estagnação.

O cenário de marasmo se estende por um longo período, para trás, e deverá, segundo as estimativas correntes, continuar por um bom período. Em 12 meses a atividade cresceu apenas 1,21%, segundo os dados do BC na série sem ajuste.

Esse quadro é muito parecido com os últimos números consolidados das contas nacionais. O PIB cresceu 1,1% em 2017 e de novo 1,1% em 2018, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As projeções para 2019 vêm caindo há semanas, de acordo com a pesquisa Focus.

Nessa pesquisa, atualizada semanalmente, o BC consulta cerca de cem instituições financeiras e consultorias. No relatório divulgado nesta segundafeira, a mediana das projeções aponta um crescimento de 1,95% para o PIB em 2019. Quatro semanas antes a estimativa ainda era de uma expansão de 2,01% neste ano.

A piora das expectativas é mostrada também pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em seu Indicador Antecedente Composto da Economia Brasileira. Esse indicador, formado por oito séries de componentes, caiu 1,35% em março. Houve quedas em seis das oito séries. As mais amplas ocorreram nos índices de expectativas do consumidor e do setor de serviços, com variações negativas de 9,7% e 4,2%.

O desemprego ainda em torno de 12% e o baixo dinamismo da indústria justificam a piora das expectativas em relação ao desempenho da economia. A desocupação limita a expansão do consumo, enquanto a estagnação industrial contamina a maior parte das atividades. Na pesquisa Focus, o crescimento previsto para a produção da indústria caiu de 2,57% para 2,30% em quatro semanas. Não se melhoram as expectativas do mercado com voluntarismo e tuítes, mas com ações firmes na direção correta.

Investidor está desanimado - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 16/04
Houve uma queda de valor de mercado da Petrobras que pode ser revertida rapidamente, e o governo está formatando uma saída para atenuar o que houve. Ontem, o presidente da estatal, ao sair da reunião no Palácio, disse que a empresa é livre para reajustar os preços. O problema de curto prazo pode ser resolvido. Mas a intervenção nos preços da companhia, na sexta-feira, confirmou a desconfiança que os mais seniores no mercado financeiro e os investidores da economia real têm neste momento. Há temores e dúvidas sobre a capacidade de a atual administração superar a crise econômica, e isso se reflete nas projeções de crescimento cada vez menores. Ontem o Banco Central divulgou uma queda de 0,73% no índice de atividade de fevereiro.

Frases feitas do presidente Bolsonaro como “não entendo de economia” ou “tudo é com o Posto Ipiranga” só conseguem tranquilizar os jovens operadores do mercado. Conversas com pessoas mais graduadas revelam que tem havido muita saída de dinheiro do país e muita hesitação em apostar realmente em novos empreendimentos, por causa do conjunto de sinais negativos do governo.

Evidentemente nenhum presidente precisa ser especialista em economia, ou em educação ou em saúde, ou em transportes, ou em meio ambiente. Mas tem que ter capacidade de compreensão de assuntos complexos para a tomada de decisão. Até para delegar é preciso entender o que está entregando. A intervenção no preço do diesel foi apenas uma peça que tornou o todo bem coerente. Bolsonaro é o que sempre foi. Tem um conhecimento raso dos vários assuntos que precisa dominar para governar e preserva intacta a sua crença no intervencionismo econômico.

Apesar de ter como bordão que na dúvida, diante da sua incapacidade de entender economia, ele consultaria o ministro da Economia, ele não o fez. Decidiu por impulso, com o chefe da Casa Civil, um assunto que obviamente é econômico. A questão é que, ao contrário do que diz, não delegou a economia a Paulo Guedes. Da mesma forma que não delegou a questão da segurança a Sérgio Moro. Tanto que revogou a escolha de Moro por uma integrante suplente de um conselho. O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, vendeu uma versão ontem à tarde que contraria todos os fatos que o país viu na sexta-feira. Segundo ele, não houve intervenção na Petrobras.

Não é tão difícil consertar esse problema do preço do diesel. Difícil é entender por que já não o fizeram. Esse era um encontro marcado. Durante a campanha eleitoral, a imprensa cansou de perguntar sobre a fórmula de reajuste que ele usaria para o diesel, dado que a do ex-presidente Temer caducaria no fim de dezembro. Os especialistas no tema deram muitas entrevistas com alertas sobre a necessidade de resolver isso em tempo. Tudo ficou mais urgente quando os preços internacionais do petróleo começaram a subir. Era, portanto, uma questão de tempo para que os caminhoneiros confrontassem os reajustes. O governo poderia ter formulado, assim que foi eleito, uma política que desse aos caminhoneiros o conforto de não ter que conviver com altas sucessivas do combustível e ao mesmo tempo preservasse a liberdade de decisão da Petrobras. O governo ignorou a complexidade e a urgência do assunto porque quis. Não faltaram avisos.

Perda de valor de mercado, recupera-se. Desconfiança dos investidores da economia real é mais difícil de mudar. A dúvida sobre o Brasil vai além da reforma da Previdência. Mesmo se ela for aprovada com poucas alterações, e garantir uma economia importante nos próximos dez anos, as contas públicas continuarão sendo um problema.

O governo tem colecionado derrotas até na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Imagina como será na Comissão Especial. Os militares são a única categoria que pode ter aumentos salariais no ano que vem, como explicou ontem a equipe econômica na apresentação do PLDO.

O presidente tem sido incapaz de gerenciar a coalizão, tem dado sinais contraditórios na economia e tem criado conflitos sem qualquer ganho visível. A retração que houve na atividade de fevereiro, divulgada ontem pelo BC, de 0,73%, é mais um sinal que se soma a outros dados negativos deste começo de ano.

Não é só o diesel! 6 atos pouco liberais do governo Bolsonaro na economia - FERNANDA TRISOTO

GAZETA DO POVO - PR - 16/04

Que Jair Bolsonaro (PSL) nunca foi um liberal de carteirinha na economia todo mundo já sabia – bastava observar o posicionamento estatizante e intervencionista que o presidente exibiu em três décadas de vida pública. O manto liberal caiu bem durante a campanha eleitoral, e o discurso afiado do ministro da Economia, Paulo Guedes, poderia dar a entender que o capitão seguiria esse caminho. Mas Bolsonaro tem dado vários sinais de que não abraçou de fato o liberalismo econômico.

O presidente se meteu em uma encruzilhada quando questionou e reverteu um reajuste anunciado pela Petrobras para o diesel, na quinta-feira (11) passada. A empresa segurou o aumento, num movimento que desagradou ao mercado e fez com que as ações da companhia despencassem na Bolsa.

Para apagar esse incêndio, Bolsonaro atuou em duas frentes. Convocou uma reunião com ministros e direção da Petrobras para esta terça-feira (16), sob a justificativa de tentar entender como a empresa compõe o preço dos combustíveis. Também declarou – e tuitou – que não entende de economia, mas que seu governo não estava sendo intervencionista.

A questão, de acordo com o presidente, foi o temor pela deflagração de uma nova greve dos caminhoneiros. Dos Estados Unidos, Paulo Guedes ajudou a conter os ânimos no final de semana: reafirmou que o presidente não é um especialista em economia e que pode ter atuado para tentar manobrar algum efeito político de uma possível paralisação dos caminhoneiros.

Nesta segunda-feira (15), o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, negou que tenha havido uma intervenção do governo na empresa. “A decisão foi tomada pela diretoria da Petrobras”, disse. “Ninguém ordenou que a Petrobras não reajustasse.”

O episódio da Petrobras é o mais recente em uma lista de atos nada liberais do governo. Veja outros sinais de que Bolsonaro não é tão liberal quanto se apresentou durante a eleição.

1) A intervenção na Petrobras
Mal havia anunciado um reajuste no preço do diesel, na noite de quinta-feira (11), e a Petrobras voltou atrás. A nova política de preços da companhia segue acompanhando a flutuação do petróleo no mercado internacional, mas só faz alterações por aqui a cada 15 dias. Nesse caso, o aumento seria de 5,7%, o que acendeu uma luz vermelha para o presidente Jair Bolsonaro.

“Ontem, às 19h40, fui informado sobre o aumento de 5,7% no óleo diesel. Liguei para o Presidente da Petrobras preocupado com o percentual num nível sequer previsto para a taxa de inflação do corrente ano. Nossa política é de mercado aberto e de não intervenção na economia. O presidente da Petrobras, após nos ouvir, suspendeu temporariamente o reajuste”, explicou, via Twitter, na sexta-feira (12).

Para justificar o recuo, a Petrobras disse que “revisitou sua posição de hedge e avaliou ao longo do dia, com o fechamento do mercado, que há margem para espaçar mais alguns dias o reajuste no diesel”. Bolsonaro, que não quer ver atribuída a si a pecha de intervencionista que tinha Dilma Rousseff (PT), disse que sua ação foi um reflexo do monitoramento das atividades dos caminhoneiros, que ameaçariam uma nova paralisação caso o preço nas bombas subisse.

As ações da Petrobras despencaram e a companhia perdeu R$ 32 bilhões em valor de mercado. Os caminhoneiros, por sua vez, comemoraram. E cobraram o cumprimento da tabela de frete mínimo.

2) Subsídios mantidos. E no terceiro dia de mandato
Ao longo da campanha, Paulo Guedes sempre falou em reduzir os benefícios fiscais que o governo concede para o setor privado. Pois no terceiro dia de mandato, Bolsonaro sancionou um projeto que prorrogou as desonerações para empresas instaladas nas áreas da Sudam e Sudene, no Norte e Nordeste do Brasil.

Nessa mesma ocasião, ele vetou um trecho do texto, que estendia esses benefícios para as empresas instaladas na área da Sudeco, no Centro-Oeste. A estimativa é de um impacto de ao menos R$ 2 bilhões nas contas públicas que, como todos sabem, andam em uma situação complicada.

Essas medidas tinham sido aprovadas pelo Congresso, no final de 2018. Quando sancionou o projeto, Bolsonaro disse que foi obrigado a prorrogá-los, porque fora vítima de uma pauta-bomba do Parlamento. Talvez a concessão tenha sido um aceno para tentar angariar a simpatia de deputados e senadores dessas regiões para a reforma da Previdência. Só resta saber se o aceno não se perdeu no meio da troca de farpas entre o Executivo e o Legislativo.

3) Agenda de privatizações desfalcada
A proposta de campanha era de uma agenda de privatizações bastante ampla. Mas Bolsonaro foi apresentando alguns vetos à venda de estatais consideradas estratégicas, como é o caso da Petrobras. Ele também desistiu de vender a EBC, conglomerado de mídia do governo, e a EPL, empresa que tiraria do papel o projeto do trem bala.

Ora, se o presidente pode se opor, alguns de seus ministros seguiram pelo mesmo caminho. É o caso do astronauta Marcos Pontes, responsável pela pasta de Ciência e Tecnologia. Desde o ano passado, ele já se declarava contrário à venda dos Correios, por exemplo. Na Infraero, a situação é curiosa: a atual presidente da empresa, a economista Martha Seillier, já traçou o plano de venda de 44 aeroportos da estatal até 2022. Mas antes que todos sejam vendidos, ela quer convencer o governo da importância de transformar a Infraero em uma prestadora de serviços de gestão de aeroportos para estados e municípios.

Passados os cem primeiros dias da gestão de Bolsonaro, a agenda de privatizações não deslanchou. E se o governo não alinhar as expectativas internas, o risco de o programa que aliviaria o caixa da União não acontecer é grande.

4) Um benefício para os amigos
Quando era candidato, Bolsonaro buscou apoio do agronegócio e sinalizou que poderia apoiar o perdão de dívidas de produtores rurais e agroindústrias com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). A Receita Federal estima que essa renúncia fiscal possa chegar ao montante de R$ 15,8 bilhões.

O problema é que, na atual circunstância das contas públicas, esse é um dinheiro do qual o governo não pode abrir mão. Tanto que áreas técnicas do Planalto recomendam que não haja apoio a um projeto de lei que está tramitando e pode perdoar essa dívida. O temor é que o suporte do presidente para essa questão configure crime de responsabilidade, o que poderia levar a um pedido de impeachment.

A anistia bilionária prometida pelo candidato Bolsonaro é uma dor de cabeça e tanto para o presidente. Recentemente o chefe do Executivo deu sinais de que continua apoiando o perdão das dívidas dos ruralistas. Enquanto isso, Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura e um dos principais conselheiros de Bolsonaro, já disse que o presidente não vai se precipitar para agradar o setor e correr o risco de perder o mandato.

5) Leite aguado
O Funrural não é a única polêmica envolvendo o setor do agronegócio e a gestão Bolsonaro. Paulo Guedes bem queria impor ações liberalizantes da economia mais rapidamente, mas seu ímpeto foi freado em fevereiro pela bancada ruralista. Ela não gostou nada do fim de medidas antidumping contra o leite em pó importado da União Europeia e da Nova Zelândia. O resultado? O governo decidiu sobretaxar o leite importado, sob o argumento de que a cadeia leiteira nacional estava correndo graves riscos.

Pelo Twitter, Bolsonaro comemorou o aumento do imposto de importação de leite em pó. “Comunico aos produtores de leite que o governo, tendo à frente a ministra da Agricultura Tereza Cristina, manteve o nível de competitividade do produto com outros países. Todos ganharam, em especial, os consumidores do Brasil”, escreveu na rede social.

Mas não adianta chorar pelo leite derramado: o fracasso na tentativa de impor um choque liberal é mais uma concessão do governo na tentativa de conquistar o apoio dos parlamentares para a reforma da Previdência.

6) A guerra das bananas
Sabe de onde vem a banana que você compra no mercado? Um assunto que aparentemente não preocupa muito os brasileiros chamou a atenção do presidente Jair Bolsonaro, que resolveu tratar do tema "importação de bananas" em uma de suas tradicionais lives pelo Facebook, ainda no começo de março. A ideia dele era proteger os produtores nacionais da concorrência externa.

O presidente contou que atuava com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para revogar uma portaria de 2014 que incentiva a importação de bananas do Equador. O argumento é que isso gera uma concorrência desleal com os produtores do Vale do Ribeira, em São Paulo. Bolsonaro voltaria ao assunto em pelo menos mais duas transmissões ao vivo nas semanas seguintes.