ESTADÃO - 31/10
A rigor, por causa disso acabamos por perder recursos e oportunidades
Na última década, fomos capazes de estreitar relações com Cuba, Iraque, Venezuela e Angola – dentre outras nações vanguardistas do cenário político e econômico mundial –, mas não com os Estados Unidos. No mais emblemático dos casos desse período envolvendo uma eventual parceria com os americanos, fizemos questão de desqualificar o melhor produto, que concorria com preço competitivo. Os caças F/A-18 Super Hornet, da Boeing, preferidos pelos nossos militares, únicos testados com sucesso em combate, foram, primeiro, preteridos por causa de uma exigência de transferência de tecnologia (depois atendida pela empresa) e posteriormente, na falta de outra desculpa, por um suposto mal-estar provocado pelo vazamento de práticas de espionagem do governo americano no caso WikiLeaks.
Se não é exatamente uma surpresa os governos do PT terem certa ojeriza dos ianques, é interessante perceber que nosso sentimento antiamericano vai além dos simpatizantes das ideias socialistas e afins. Embora não difundido por toda a população, esse sentimento extrapola a classe dos nossos políticos – quase todos autoproclamados de esquerda ou centro-esquerda – e se estende principalmente pelas camadas ditas mais esclarecidas, particularmente entre acadêmicos e “intelectuais” diversos.
Há 20 anos, Alvaro Vargas Llosa, Plinio Mendoza e Carlos Alberto Montaner lançaram o Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, que trata com muita inteligência e ironia das crenças predominantes nesta região do mundo sobre as causas de nossa pobreza e nosso atraso. Nele retratam que nenhum preconceito, ressentimento ou desculpa pelos nossos fracassos é tão difundido quanto o antiamericanismo, dado que por estas bandas os americanos são considerados não apenas como a quintessência dos valores burgueses e do liberalismo, mas também do consumismo e da exploração imperialista dos fracos da Terra. Segundo eles, as origens dessa crença – dos Estados Unidos como fonte primal dos nossos males – se encontram na cultura hispano-católica, na visão econômica nacionalista ou marxista, na história de conflitos armados entre os EUA e os países ao sul e ainda em sentimentos antagônicos de inveja e admiração.
Em nosso caso, seria cabível desprezar o elemento bélico – seguramente nunca entramos num embate com os gringos; mas talvez acrescentar aquele fator de ordem acadêmica, dada a inclinação histórica de boa parte dos nossos professores e doutores – em especial nas universidades públicas – por autores europeus. Principalmente a França, a Alemanha, a Itália e mesmo a Inglaterra sempre foram olhadas – certamente com razão – como fontes inequívocas e legítimas de teorias, conceitos, estudos e análises, sem as reservas não raramente dirigidas aos americanos. Em minha prosaica, embora longa, passagem – de 1980 a 2005 – pela Universidade de São Paulo fui beneficiado pela frequente exposição às ideias e obras de europeus, porém desproporcionais reduzidas vezes aos acadêmicos e pensadores dos Estados Unidos. Ao menos em minha vivência, essa predileção pelos europeus se fazia presente nas aulas ligadas aos mais diversos temas. Para minha sorte e melhor formação, fui orientado por um excepcional professor que não sofre e nunca sofreu desse viés, ele mesmo estudou na californiana Stanford University durante seu doutorado.
Voltando aos dias de hoje, é verdade que a prática se tem imposto ao pensamento antiamericano com significativa força: são centenas de milhares de brasileiros que estudaram e estudam nos EUA, o número de turistas brasileiros por lá é da ordem de mais de 1 milhão/ano, são também cerca de 1 milhão os brasileiros que migraram para lá e a grande maioria dos 85% de conteúdo internacional das TVs por assinatura no País vem dos Estados Unidos, apenas para citar alguns números. Por outro lado, embora ainda uma das oito maiores economias do mundo, o Brasil é destino de apenas 2% das exportações dos EUA (11.ª posição) e apenas 1% da origem das importações americanas (17.ª posição).
A rigor, com nosso antiamericanismo acabamos por perder recursos e oportunidades. Perdemos recursos porque poderíamos intensificar e tornar mais vantajosas as trocas comerciais entre os dois países e também perdemos oportunidades de desenvolvimento de nossa sociedade por deixarmos de admitir que temos o que aprender com eles em inúmeras frentes, como educação, tecnologia, economia, infraestrutura, gestão pública e cidadania.
Ninguém precisa admirar a Associação Nacional do Rifle ou gostar de Donald Trump, mas ignorar a prioritodas as contribuições e os avanços americanos é um total nonsense. Seria importante que, ao menos a partir de agora, tivéssemos uma posição estruturada, institucional, constante e atuante a favor do estreitamento e fortalecimento da relação Brasil-Estados Unidos. Os primeiros sinais da nova fase do Ministério das Relações Exteriores parecem muito promissores. Que a tendência prossiga e independa deste ou daquele titular do Itamaraty.
Para finalizar, vale a pena resgatar uma história que novamente tem que ver com aviões: em 1943 e 1944, Casimiro Montenegro, militar e aviador, fez uma série de visitas ao Massachusetts Institute of Technology, o MIT, com a ideia de desenvolver a Aeronáutica no Brasil. Com a colaboração do chefe do Departamento de Engenharia Aeronáutica do MIT, Richard Habert Smith, concebeu o Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), que viria a ser fundado em 1950. Como consequência direta da existência do ITA, e tendo-o como condição sine qua non, surgiu em 1969 a Embraer, das mãos de um grupo de iteanos liderado por Ozires Silva. Passados quase 50 anos, a Embraer é hoje uma das quatro maiores empresas de aviação civil do planeta, na companhia da americana Boeing, do consórcio europeu Airbus e da canadense Bombardier.
*Engenheiro de produção, doutor em engenharia pela USP, diretor executivo e consultor de gestão, é professor de liderança e comportamento organizacional do MBA executivo do Insper
segunda-feira, outubro 31, 2016
Gente 'cult' tende a ser chata e afetada em suas opiniões - LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SP - 31/10
O mundo pós-moderno em que vivemos é um prato cheio para frescuras. A palavra "frescura" pode soar um pouco estranha para quem não possui um repertório um pouco mais sofisticado em filosofia. Se isso acontece com "frescura", quanto mais com a palavra "desconstruído", que tem em sua história gente chiquérrima, como o filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004). Quanto a "pós-moderno", então, nem me fale. Nada é mais chique do que algo ser pós-moderno. Voltaremos já ao que seria "pós-moderno".
Vamos por partes. Dizer que algo é uma "frescura" implica dizer que ela tem um frescor que lhe é peculiar, um certo tom de "novo", "avantgardiste", diria alguém versado em teoria da arte moderna. Portanto, sua raiz está no âmbito da natureza e da arte, ao mesmo tempo! Talvez, lá atrás, encontremos algum fenômeno a ver com mudança de estação do ano. Tal conceito também afeta qualquer teoria da moda.
Um detalhe: "frescura" sempre carrega alguma nuance de afetação. Quando algo ou alguém é "fresco", quer dizer que ele ou ela é um tanto exagerado (afetado) nas suas ações. Os mais velhos diriam: uma nota acima do necessário.
Na sua evolução semântica ("evolução semântica" quer dizer mudança de significado de uma palavra ao longo do tempo), a palavra "frescura" acabou assumindo um sentido próximo a "wannabe". O que quer dizer isso? Simples: "(to) want to be", em inglês, significa "querer ser algo","wannabe" significa "querer ser algo chique que não se é de verdade". Tipo gente que queria ser culta e por isso frequenta lugares "cult" para todo mundo pensar que é culta. Sacou? Conhece alguém assim? Aposto que sim. Gente "cult" tende a ser chata e afetada em suas opiniões.
E "descontruída"? Essa tem a ver com nossa época pós-moderna. Filósofos franceses chiques do final do século 20 se puseram a dizer (Jean-François Lyotard entre eles) que nossa época havia se cansado de "grandes narrativas". Em língua dos mortais, isso quer dizer ficar de saco cheio de muita teoria complicada e que é preciso ler muito para entender e, por isso mesmo, gastar o cérebro demais. Para os pós-modernos tudo é relativo e Shakespeare é igual a alguém batendo tambor repetidas vezes em algum recanto perdido do mundo.
Os pós-modernos começam então a misturar coisas que normalmente não iriam juntas, como bolsa Prada com pijamas no Iguatemi, paletós caros com sandálias Havaianas no Copacabana Palace e, assim, desconstruir tudo o que foi tomado como evidência antes deles. Daí chegamos a "frescuras desconstruídas" de nossa conversa de hoje.
Uma coisa que se adora desconstruir hoje em dia é a comida. Quando todo mundo acha que pode fazer comida gourmet, é melhor você se ater à comida da sua avó. Vou dar um exemplo real que me foi contado por uma amiga, recentemente. Olha só que primor de frescura (comida fresca que quer parecer inteligente e chique).
Um restaurante "top" na França. Num dado momento, é servido a ela uma "espuminha" com uma coisa escura e dura no meio do prato, completamente indecifrável. Mulher educada e com trânsito no mundo sofisticado, fica perplexa diante da dificuldade de identificar tamanha "desconstrução" do que seria muito banal, como carne, peixe, salada ou algo semelhante. Na sua modéstia típica de quem é de fato elegante, pergunta para o inteligente chef o que viria a ser aquilo.
Surpresa! Você não imaginaria a resposta, assumindo que você não seja uma dessas pessoas frescas que acham que comida deve ser inteligente.
A revelação máxima: a coisa escura era uma pedra. Pedra com espuminha. A desconstrução máxima do que seria comida: uma pedra. Nenhum animal come pedra. Mas humanos desconstruídos, sim. Hoje em dia está na moda fazer espuminha de tudo na comida. De todas as cores: vermelho, amarelo, azul, verde, marrom...
A ideia dessa comida desconstruída é que você chupe a pedra molhando ela na espuminha até secar o prato e a pedra. Alguém poderia se perguntar qual o limite da desconstrução gourmet. Que tal baratas africanas com espuminha de fezes seca?
O mundo pós-moderno em que vivemos é um prato cheio para frescuras. A palavra "frescura" pode soar um pouco estranha para quem não possui um repertório um pouco mais sofisticado em filosofia. Se isso acontece com "frescura", quanto mais com a palavra "desconstruído", que tem em sua história gente chiquérrima, como o filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004). Quanto a "pós-moderno", então, nem me fale. Nada é mais chique do que algo ser pós-moderno. Voltaremos já ao que seria "pós-moderno".
Vamos por partes. Dizer que algo é uma "frescura" implica dizer que ela tem um frescor que lhe é peculiar, um certo tom de "novo", "avantgardiste", diria alguém versado em teoria da arte moderna. Portanto, sua raiz está no âmbito da natureza e da arte, ao mesmo tempo! Talvez, lá atrás, encontremos algum fenômeno a ver com mudança de estação do ano. Tal conceito também afeta qualquer teoria da moda.
Um detalhe: "frescura" sempre carrega alguma nuance de afetação. Quando algo ou alguém é "fresco", quer dizer que ele ou ela é um tanto exagerado (afetado) nas suas ações. Os mais velhos diriam: uma nota acima do necessário.
Na sua evolução semântica ("evolução semântica" quer dizer mudança de significado de uma palavra ao longo do tempo), a palavra "frescura" acabou assumindo um sentido próximo a "wannabe". O que quer dizer isso? Simples: "(to) want to be", em inglês, significa "querer ser algo","wannabe" significa "querer ser algo chique que não se é de verdade". Tipo gente que queria ser culta e por isso frequenta lugares "cult" para todo mundo pensar que é culta. Sacou? Conhece alguém assim? Aposto que sim. Gente "cult" tende a ser chata e afetada em suas opiniões.
E "descontruída"? Essa tem a ver com nossa época pós-moderna. Filósofos franceses chiques do final do século 20 se puseram a dizer (Jean-François Lyotard entre eles) que nossa época havia se cansado de "grandes narrativas". Em língua dos mortais, isso quer dizer ficar de saco cheio de muita teoria complicada e que é preciso ler muito para entender e, por isso mesmo, gastar o cérebro demais. Para os pós-modernos tudo é relativo e Shakespeare é igual a alguém batendo tambor repetidas vezes em algum recanto perdido do mundo.
Os pós-modernos começam então a misturar coisas que normalmente não iriam juntas, como bolsa Prada com pijamas no Iguatemi, paletós caros com sandálias Havaianas no Copacabana Palace e, assim, desconstruir tudo o que foi tomado como evidência antes deles. Daí chegamos a "frescuras desconstruídas" de nossa conversa de hoje.
Uma coisa que se adora desconstruir hoje em dia é a comida. Quando todo mundo acha que pode fazer comida gourmet, é melhor você se ater à comida da sua avó. Vou dar um exemplo real que me foi contado por uma amiga, recentemente. Olha só que primor de frescura (comida fresca que quer parecer inteligente e chique).
Um restaurante "top" na França. Num dado momento, é servido a ela uma "espuminha" com uma coisa escura e dura no meio do prato, completamente indecifrável. Mulher educada e com trânsito no mundo sofisticado, fica perplexa diante da dificuldade de identificar tamanha "desconstrução" do que seria muito banal, como carne, peixe, salada ou algo semelhante. Na sua modéstia típica de quem é de fato elegante, pergunta para o inteligente chef o que viria a ser aquilo.
Surpresa! Você não imaginaria a resposta, assumindo que você não seja uma dessas pessoas frescas que acham que comida deve ser inteligente.
A revelação máxima: a coisa escura era uma pedra. Pedra com espuminha. A desconstrução máxima do que seria comida: uma pedra. Nenhum animal come pedra. Mas humanos desconstruídos, sim. Hoje em dia está na moda fazer espuminha de tudo na comida. De todas as cores: vermelho, amarelo, azul, verde, marrom...
A ideia dessa comida desconstruída é que você chupe a pedra molhando ela na espuminha até secar o prato e a pedra. Alguém poderia se perguntar qual o limite da desconstrução gourmet. Que tal baratas africanas com espuminha de fezes seca?
O direito de greve - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 31/10
O viés populista no trato de questões trabalhistas desde Getúlio Vargas não tem contribuído para o entendimento claro do significado de serviço público
O direito de greve definido pela Constituição de 1988 foi regulamentado no ano seguinte pela Lei 7.783, no que diz respeito ao setor privado, mas desde então o Poder Legislativo tem fugido à responsabilidade de regulamentar a greve também no setor público. Consequentemente, tem cabido ao Poder Judiciário, ao longo de quase três décadas, decidir sobre questões relativas ao direito de greve de funcionários do governo. Foi o que fez mais uma vez o Supremo Tribunal Federal (STF) ao estabelecer, em sessão plenária realizada na quinta-feira passada, por 6 a 4, que servidores públicos em greve deverão ter os dias parados descontados de seus salários. Fica aberta, porém, a possibilidade de pagamento dos dias não trabalhados, desde que haja acordo entre as partes ou que o motivo da greve tenha sido o não pagamento de salário.
Os congressistas, geralmente movidos por uma noção precária das responsabilidades implícitas em seus mandatos de representação popular, têm verdadeira aversão a se expor no debate público de questões controvertidas que possam contrariar seu eleitorado. Não é por outra razão que existe um sólido consenso sobre as “enormes dificuldades” que o governo terá que enfrentar para aprovar no Parlamento propostas essenciais, mas impopulares, como a reforma da Previdência. Os ditos representantes do povo preferem se omitir e, com a cabeça enterrada na areia e o resto da anatomia na clássica posição das emas, ainda se julgam no direito de reclamar de que o STF “usurpa” atribuições do Congresso Nacional.
A decisão dos ministros togados resolve uma questão pendente há 10 anos, quando foi apresentado recurso contra decisão do Tribunal de Justiça fluminense que impediu o desconto no pagamento dos dias parados de grevistas de uma fundação estatal. Só no ano passado o relator do processo no STF, ministro Dias Toffoli, apresentou seu relatório, favorável ao desconto e agora aprovado.
A decisão coloca em foco, além do direito ou não ao recebimento de pagamento durante greve, o conceito de serviço público. O viés populista no trato de questões trabalhistas desde Getúlio Vargas não tem contribuído para o entendimento claro do significado de serviço público. O servidor público, por definição explicitada no próprio título, se distingue do trabalhador no setor privado pela responsabilidade social inextricavelmente vinculada à sua condição. Essa responsabilidade é compensada por privilégios que o trabalhador comum não tem: estabilidade no emprego, que deriva do fato de ser conquistado por concurso público, e aposentadoria integral, esta questionada no âmbito da reforma geral da Previdência Social. Não tem sentido o servidor público reivindicar mais um privilégio, o de não ter descontados de seu salário os dias dedicados a fazer greve.
Servir ao público, o que significa servir ao País, implica também não permitir que interesses corporativos se sobreponham ao direito que o conjunto dos cidadãos tem de exigir que lhe sejam prestados os serviços pelos quais paga por meio de taxas e impostos. É por esse motivo que o direito de greve é negado aos servidores públicos na maior parte do mundo, por exemplo, na Inglaterra, Alemanha, Japão e Estados Unidos – neste com exceção de apenas 10 de seus 50 Estados federados. E cabe ainda observar que no Brasil o direito de greve é garantido apenas a servidores civis de categorias não envolvidas em atividades essenciais à segurança da população.
Como era de esperar, os sindicalistas manipulados pelo lulopetismo reagiram mal à decisão do STF. Entidade ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal manifestou-se em tom de bravata: “Nossa categoria não é de recuar com esse tipo de intimidação”. Entendem esses sindicalistas que a Suprema Corte faz parte da conspiração contra as manifestações antigovernistas que estão sendo planejadas como preparação para uma greve geral em novembro.
Como nota hilária desse episódio, em sintonia com o sentimento “popular” o ministro Lewandowski, voto vencido no STF, afirmou ter “muita resistência a estabelecer condições unilaterais para o exercício de um direito constitucional”. A julgar pelo que engendrou no último ato do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, não parece.
O viés populista no trato de questões trabalhistas desde Getúlio Vargas não tem contribuído para o entendimento claro do significado de serviço público
O direito de greve definido pela Constituição de 1988 foi regulamentado no ano seguinte pela Lei 7.783, no que diz respeito ao setor privado, mas desde então o Poder Legislativo tem fugido à responsabilidade de regulamentar a greve também no setor público. Consequentemente, tem cabido ao Poder Judiciário, ao longo de quase três décadas, decidir sobre questões relativas ao direito de greve de funcionários do governo. Foi o que fez mais uma vez o Supremo Tribunal Federal (STF) ao estabelecer, em sessão plenária realizada na quinta-feira passada, por 6 a 4, que servidores públicos em greve deverão ter os dias parados descontados de seus salários. Fica aberta, porém, a possibilidade de pagamento dos dias não trabalhados, desde que haja acordo entre as partes ou que o motivo da greve tenha sido o não pagamento de salário.
Os congressistas, geralmente movidos por uma noção precária das responsabilidades implícitas em seus mandatos de representação popular, têm verdadeira aversão a se expor no debate público de questões controvertidas que possam contrariar seu eleitorado. Não é por outra razão que existe um sólido consenso sobre as “enormes dificuldades” que o governo terá que enfrentar para aprovar no Parlamento propostas essenciais, mas impopulares, como a reforma da Previdência. Os ditos representantes do povo preferem se omitir e, com a cabeça enterrada na areia e o resto da anatomia na clássica posição das emas, ainda se julgam no direito de reclamar de que o STF “usurpa” atribuições do Congresso Nacional.
A decisão dos ministros togados resolve uma questão pendente há 10 anos, quando foi apresentado recurso contra decisão do Tribunal de Justiça fluminense que impediu o desconto no pagamento dos dias parados de grevistas de uma fundação estatal. Só no ano passado o relator do processo no STF, ministro Dias Toffoli, apresentou seu relatório, favorável ao desconto e agora aprovado.
A decisão coloca em foco, além do direito ou não ao recebimento de pagamento durante greve, o conceito de serviço público. O viés populista no trato de questões trabalhistas desde Getúlio Vargas não tem contribuído para o entendimento claro do significado de serviço público. O servidor público, por definição explicitada no próprio título, se distingue do trabalhador no setor privado pela responsabilidade social inextricavelmente vinculada à sua condição. Essa responsabilidade é compensada por privilégios que o trabalhador comum não tem: estabilidade no emprego, que deriva do fato de ser conquistado por concurso público, e aposentadoria integral, esta questionada no âmbito da reforma geral da Previdência Social. Não tem sentido o servidor público reivindicar mais um privilégio, o de não ter descontados de seu salário os dias dedicados a fazer greve.
Servir ao público, o que significa servir ao País, implica também não permitir que interesses corporativos se sobreponham ao direito que o conjunto dos cidadãos tem de exigir que lhe sejam prestados os serviços pelos quais paga por meio de taxas e impostos. É por esse motivo que o direito de greve é negado aos servidores públicos na maior parte do mundo, por exemplo, na Inglaterra, Alemanha, Japão e Estados Unidos – neste com exceção de apenas 10 de seus 50 Estados federados. E cabe ainda observar que no Brasil o direito de greve é garantido apenas a servidores civis de categorias não envolvidas em atividades essenciais à segurança da população.
Como era de esperar, os sindicalistas manipulados pelo lulopetismo reagiram mal à decisão do STF. Entidade ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal manifestou-se em tom de bravata: “Nossa categoria não é de recuar com esse tipo de intimidação”. Entendem esses sindicalistas que a Suprema Corte faz parte da conspiração contra as manifestações antigovernistas que estão sendo planejadas como preparação para uma greve geral em novembro.
Como nota hilária desse episódio, em sintonia com o sentimento “popular” o ministro Lewandowski, voto vencido no STF, afirmou ter “muita resistência a estabelecer condições unilaterais para o exercício de um direito constitucional”. A julgar pelo que engendrou no último ato do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, não parece.
Incra, nova fase - DENIS LERRER ROSENFIELD
ESTADÃO - 31/10
A realidade mudou completamente, abre-se o caminho para a pacificação nacional
O noticiário político está tão voltado para questões urgentes – como a aprovação da PEC 241, do teto do gastos públicos, e a reforma da Previdência – que iniciativas importantes terminam por ser relegadas a segundo plano. Nesse caso se encontram mudanças importantes no Plano Nacional de Reforma Agrária que estão sendo implementadas, mostrando outra face do governo Temer. A reforma fiscal tem, aqui, uma contraparte essencialmente social.
O presidente tem dado orientações explícitas a esse aspecto social de sua atuação, enfatizando todo um novo processo de aprimoramento dos instrumentos de obtenção de terras, de titulação dos assentamentos, de novo processo de seleção dos beneficiários e de regularização de terras cultivadas, sem a anuência do Incra. No dizer do presidente desse órgão estatal, Leonardo Góes, “o governo federal busca dar maior segurança jurídica àqueles que têm terra e produzem, além de promover o acesso à terra a quem quer produzir alimentos”.
Em pouco tempo será publicada uma medida provisória (MP) voltada para o equacionamento dessas questões. Ela se caracteriza por seu perfil eminentemente técnico, avesso a problemas de ordem ideológica. Só esse ponto já seria suficiente para definir a nova gestão do Incra.
Em vários momentos das administrações anteriores, com a ressalva da gestão Guedes, esse importante órgão deixou de ser propriamente um órgão de Estado para se tornar um instrumento dos movimentos sociais. Agora a orientação técnica é predominante com um sentido de Estado.
A questão da titulação é, certamente, uma das mais importantes em pauta. Uma particularidade dos assentamentos da reforma agrária, até aqui, consistia no fato de serem tutelados pelos movimentos sociais, que ali fincaram um dos pilares de sua militância e de recrutamento de membros para invasões.
Um assentado é, assim, não só tutelado pelo Estado, mas, principalmente, pelo MST. Não são produtores autônomos, mas objeto de uma política assistencialista, voltada para a criação de uma clientela política. Também não são propriamente agricultores familiares, por não deterem a propriedade de suas terras.
Com a titulação abre-se a possibilidade de se tornarem verdadeiramente agricultores familiares, com melhores condições de obtenção de crédito, de compra de maquinário e de assistência técnica. Um agricultor familiar entra numa relação de mercado, tem melhores condições de trabalho e de educação para seus filhos, vislumbrando-se um futuro melhor.
Contraste-se, por exemplo, a condição dos agricultores familiares no sistema integrado de produção no Sul do País, envolvendo as cadeias produtivas do tabaco (pioneira), de aves e de suínos e se estendendo a outros setores produtivos, com a dos assentados. Uns são prósperos, outros vivem em favelas rurais.
Muitos assentamentos têm agricultores produtivos, que almejam tornar-se familiares, mas se veem impedidos por não poderem adquirir terras de seus vizinhos que não produzem e vivem da assistência estatal. Pelos critérios atuais, ao cultivarem as terras desses seus vizinhos, que podem tê-las cedido mediante um contrato informal de arrendamento ou de compra e venda, eles se encontram em situação irregular. Aliás, ambos estão, por não serem proprietários de suas respectivas terras. São tutelados, não têm liberdade de escolha.
Pela nova MP, porém, poderão regularizar sua situação, aumentando a produção de alimentos, e a terra pode ser cultivada por quem quer realmente produzir. É urgente este novo reordenamento fundiário, corrigindo aquelas anomalias, ainda defendidas por movimentos sociais ideologicamente obtusos.
A nova seleção de beneficiários almeja ser técnica e transparente, deixando de ser um instrumento do MST, que tinha a função de escolher os beneficiários, aumentando assim a sua militância. Várias denúncias, aliás, têm aparecido envolvendo pessoas que já são proprietárias, funcionários públicos, militantes, etc.
Incra. Chegou a impedir novos assentamentos para que essas anomalias fossem devidamente corrigidas. O descalabro era enorme, produzido, principalmente, pelo viés ideológico e político-partidário que presidia o processo seletivo. Haverá, agora, um papel mais importante das prefeituras e, sobretudo, maior divulgação de todo esse processo.
Outro ponto diz respeito à obtenção de terras para a regularização fundiária, por exemplo, na Amazônia Legal, ou para os assentamentos da reforma agrária. Há a necessidade de acelerar os trâmites administrativos, para tudo se resolver o mais rapidamente possível.
Imagine-se a situação de um proprietário que tem a sua terra invadida enquanto decisões judiciais de reintegração de posse não são cumpridas. O Pará é um Estado que vive enorme crise, numa situação que poderíamos designar como terra sem lei.
Um tal mecanismo de obtenção de terras, a preços vigentes e com pagamento em dinheiro – e não necessariamente mediante Títulos da Dívida Agrária –, seria um instrumento que poderia facilitar o equacionamento de tais conflitos, além, evidentemente, de maior respeito à lei, não seguida em vários Estados do País. Seriam compras nas condições de uma economia de mercado.
O campo brasileiro foi, nos governos petistas, um terreno privilegiado de conflitos, como se tivéssemos aqui uma “luta de classes” que terminaria com a vitória “revolucionária” dos ditos “movimentos sociais”. O setor rural, a despeito dos ideólogos esquerdistas, foi, porém, objeto de uma verdadeira reforma, que tornou o Brasil um dos maiores produtores mundiais de alimentos.
A realidade mudou completamente nas últimas décadas. Cabe, agora, uma nova legislação e uma nova política que reflitam e deem conta desta nova situação. O caminho abre-se à pacificação nacional.
*Professor de filosofia na UFRGS; e-mail: denisrosenfield@terra.com.br
A realidade mudou completamente, abre-se o caminho para a pacificação nacional
O noticiário político está tão voltado para questões urgentes – como a aprovação da PEC 241, do teto do gastos públicos, e a reforma da Previdência – que iniciativas importantes terminam por ser relegadas a segundo plano. Nesse caso se encontram mudanças importantes no Plano Nacional de Reforma Agrária que estão sendo implementadas, mostrando outra face do governo Temer. A reforma fiscal tem, aqui, uma contraparte essencialmente social.
O presidente tem dado orientações explícitas a esse aspecto social de sua atuação, enfatizando todo um novo processo de aprimoramento dos instrumentos de obtenção de terras, de titulação dos assentamentos, de novo processo de seleção dos beneficiários e de regularização de terras cultivadas, sem a anuência do Incra. No dizer do presidente desse órgão estatal, Leonardo Góes, “o governo federal busca dar maior segurança jurídica àqueles que têm terra e produzem, além de promover o acesso à terra a quem quer produzir alimentos”.
Em pouco tempo será publicada uma medida provisória (MP) voltada para o equacionamento dessas questões. Ela se caracteriza por seu perfil eminentemente técnico, avesso a problemas de ordem ideológica. Só esse ponto já seria suficiente para definir a nova gestão do Incra.
Em vários momentos das administrações anteriores, com a ressalva da gestão Guedes, esse importante órgão deixou de ser propriamente um órgão de Estado para se tornar um instrumento dos movimentos sociais. Agora a orientação técnica é predominante com um sentido de Estado.
A questão da titulação é, certamente, uma das mais importantes em pauta. Uma particularidade dos assentamentos da reforma agrária, até aqui, consistia no fato de serem tutelados pelos movimentos sociais, que ali fincaram um dos pilares de sua militância e de recrutamento de membros para invasões.
Um assentado é, assim, não só tutelado pelo Estado, mas, principalmente, pelo MST. Não são produtores autônomos, mas objeto de uma política assistencialista, voltada para a criação de uma clientela política. Também não são propriamente agricultores familiares, por não deterem a propriedade de suas terras.
Com a titulação abre-se a possibilidade de se tornarem verdadeiramente agricultores familiares, com melhores condições de obtenção de crédito, de compra de maquinário e de assistência técnica. Um agricultor familiar entra numa relação de mercado, tem melhores condições de trabalho e de educação para seus filhos, vislumbrando-se um futuro melhor.
Contraste-se, por exemplo, a condição dos agricultores familiares no sistema integrado de produção no Sul do País, envolvendo as cadeias produtivas do tabaco (pioneira), de aves e de suínos e se estendendo a outros setores produtivos, com a dos assentados. Uns são prósperos, outros vivem em favelas rurais.
Muitos assentamentos têm agricultores produtivos, que almejam tornar-se familiares, mas se veem impedidos por não poderem adquirir terras de seus vizinhos que não produzem e vivem da assistência estatal. Pelos critérios atuais, ao cultivarem as terras desses seus vizinhos, que podem tê-las cedido mediante um contrato informal de arrendamento ou de compra e venda, eles se encontram em situação irregular. Aliás, ambos estão, por não serem proprietários de suas respectivas terras. São tutelados, não têm liberdade de escolha.
Pela nova MP, porém, poderão regularizar sua situação, aumentando a produção de alimentos, e a terra pode ser cultivada por quem quer realmente produzir. É urgente este novo reordenamento fundiário, corrigindo aquelas anomalias, ainda defendidas por movimentos sociais ideologicamente obtusos.
A nova seleção de beneficiários almeja ser técnica e transparente, deixando de ser um instrumento do MST, que tinha a função de escolher os beneficiários, aumentando assim a sua militância. Várias denúncias, aliás, têm aparecido envolvendo pessoas que já são proprietárias, funcionários públicos, militantes, etc.
Incra. Chegou a impedir novos assentamentos para que essas anomalias fossem devidamente corrigidas. O descalabro era enorme, produzido, principalmente, pelo viés ideológico e político-partidário que presidia o processo seletivo. Haverá, agora, um papel mais importante das prefeituras e, sobretudo, maior divulgação de todo esse processo.
Outro ponto diz respeito à obtenção de terras para a regularização fundiária, por exemplo, na Amazônia Legal, ou para os assentamentos da reforma agrária. Há a necessidade de acelerar os trâmites administrativos, para tudo se resolver o mais rapidamente possível.
Imagine-se a situação de um proprietário que tem a sua terra invadida enquanto decisões judiciais de reintegração de posse não são cumpridas. O Pará é um Estado que vive enorme crise, numa situação que poderíamos designar como terra sem lei.
Um tal mecanismo de obtenção de terras, a preços vigentes e com pagamento em dinheiro – e não necessariamente mediante Títulos da Dívida Agrária –, seria um instrumento que poderia facilitar o equacionamento de tais conflitos, além, evidentemente, de maior respeito à lei, não seguida em vários Estados do País. Seriam compras nas condições de uma economia de mercado.
O campo brasileiro foi, nos governos petistas, um terreno privilegiado de conflitos, como se tivéssemos aqui uma “luta de classes” que terminaria com a vitória “revolucionária” dos ditos “movimentos sociais”. O setor rural, a despeito dos ideólogos esquerdistas, foi, porém, objeto de uma verdadeira reforma, que tornou o Brasil um dos maiores produtores mundiais de alimentos.
A realidade mudou completamente nas últimas décadas. Cabe, agora, uma nova legislação e uma nova política que reflitam e deem conta desta nova situação. O caminho abre-se à pacificação nacional.
*Professor de filosofia na UFRGS; e-mail: denisrosenfield@terra.com.br
Resumo da ópera - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 31/10
RIO DE JANEIRO - Bob Dylan foi o 385º Nobel ganho pelos EUA desde a instituição do prêmio, em 1901. Os EUA são, disparados, o país que mais levou o Nobel, mais do que os conquistados pelos cinco países seguintes —Reino Unido, Alemanha, França, Suécia e Rússia— somados. Claro que, se até Bob Dylan já ganhou um Nobel, pode haver outros americanos duvidosos nas demais categorias. Mas é inútil. Eles são tantos, em física, química, medicina, literatura, economia e até no da paz, que, na maioria dos casos, o Nobel deve ter acertado.
E não é só no Nobel que os americanos exorbitam. Segundo um ranking respeitável, 13 das 15 melhores universidades do mundo estão hoje nos EUA - as outras duas, Oxford e Cambridge, na Inglaterra, são a sexta e a sétima. A primeira, Harvard, em Massachusetts, foi fundada em 1636, quando os EUA, ainda colônia, eram habitados quase que exclusivamente por búfalos.
Na área das invenções em qualquer departamento, é duro competir com eles. De 1830 para cá, metade do que se apresentou de importante no mundo saiu dos americanos —do alfinete de fralda às impressoras rotativas, a metralhadora, a calça jeans, a gilete, o arranha-céu, a reportagem, o e-mail, o mouse, o touch screen. Uma ideia levava à outra: o mesmo sujeito que inventou o chicletes, Thomas Adams, inventou a máquina para vendê-lo, bastando enfiar uma moeda. O inventor da cadeira elétrica foi um dentista, Alfred Southwick, que teve um cliente eletrocutado por acidente em sua cadeira no consultório. E por aí vai. O que eles não inventaram, como a lâmpada elétrica, o cinema e o avião, apoderaram-se.
Sem falar no que devemos a seus humanistas, juristas, médicos, atletas, músicos, filantropos.
O incrível é tudo isso ter acontecido para, de repente, a vida se resumir a Hillary Clinton vs. Donald Trump.
RIO DE JANEIRO - Bob Dylan foi o 385º Nobel ganho pelos EUA desde a instituição do prêmio, em 1901. Os EUA são, disparados, o país que mais levou o Nobel, mais do que os conquistados pelos cinco países seguintes —Reino Unido, Alemanha, França, Suécia e Rússia— somados. Claro que, se até Bob Dylan já ganhou um Nobel, pode haver outros americanos duvidosos nas demais categorias. Mas é inútil. Eles são tantos, em física, química, medicina, literatura, economia e até no da paz, que, na maioria dos casos, o Nobel deve ter acertado.
E não é só no Nobel que os americanos exorbitam. Segundo um ranking respeitável, 13 das 15 melhores universidades do mundo estão hoje nos EUA - as outras duas, Oxford e Cambridge, na Inglaterra, são a sexta e a sétima. A primeira, Harvard, em Massachusetts, foi fundada em 1636, quando os EUA, ainda colônia, eram habitados quase que exclusivamente por búfalos.
Na área das invenções em qualquer departamento, é duro competir com eles. De 1830 para cá, metade do que se apresentou de importante no mundo saiu dos americanos —do alfinete de fralda às impressoras rotativas, a metralhadora, a calça jeans, a gilete, o arranha-céu, a reportagem, o e-mail, o mouse, o touch screen. Uma ideia levava à outra: o mesmo sujeito que inventou o chicletes, Thomas Adams, inventou a máquina para vendê-lo, bastando enfiar uma moeda. O inventor da cadeira elétrica foi um dentista, Alfred Southwick, que teve um cliente eletrocutado por acidente em sua cadeira no consultório. E por aí vai. O que eles não inventaram, como a lâmpada elétrica, o cinema e o avião, apoderaram-se.
Sem falar no que devemos a seus humanistas, juristas, médicos, atletas, músicos, filantropos.
O incrível é tudo isso ter acontecido para, de repente, a vida se resumir a Hillary Clinton vs. Donald Trump.
Mau exemplo dos derrotados nas eleições - VALDO CRUZ
FOLHA DE SP - 31/10
BRASÍLIA - Talvez nada simbolize melhor a situação dos derrotados nesta eleição municipal de 2016 do que a decisão dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff de não votarem no segundo turno. O primeiro, pela idade, não precisava ir. A segunda justificou a ausência.
Numa eleição de elevada abstenção, uma forma de protesto e desencanto do eleitor com a política, os dois petistas deram um mau exemplo. Deles esperava-se o contrário, o de mostrar a importância de uma eleição. Decidiram desprestigiá-la.
Os dois têm lá seus motivos para não terem comparecido às suas seções eleitorais em São Bernardo do Campo e Porto Alegre. Seus candidatos ficaram de fora do segundo turno. Mas isso não seria, com certeza, o que eles defenderiam se ainda estivessem no comando do país.
Enquanto o PT de Lula e Dilma sai como o grande derrotado da eleição municipal, o PSDB, que perdeu a eleição presidencial para a petista, desponta com o principal vitorioso.
No ninho tucano, o segundo turno reforçou a posição de Geraldo Alckmin. Ele elegeu João Doria no primeiro turno em São Paulo e derrotou o PT no Grande ABC, berço político do Partido dos Trabalhadores.
Já seu principal opositor dentro do PSDB amargou nova derrota. Aécio Neves não elegeu seu candidato, João Leite, prefeito de Belo Horizonte. Para quem era considerado imbatível no seu Estado natal, o novo revés não ajuda nem um pouco.
Daí que, hoje, Alckmin ganha pontos na disputa interna para ser o candidato tucano a presidente em 2018. Em situação privilegiada. O PSDB seguirá na aliança de Temer, apoiando medidas até impopulares, mas poderá desembarcar lá na frente.
Já o presidente Temer não tem do que reclamar. Seus aliados ganharam a eleição. O que pode ajudar nas votações de suas medidas no Congresso. Se reverter a crise econômica, pode até ser o que diz que não será, candidato. Mas temos de esperar a Lava Jato, que tudo pode mudar.
BRASÍLIA - Talvez nada simbolize melhor a situação dos derrotados nesta eleição municipal de 2016 do que a decisão dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff de não votarem no segundo turno. O primeiro, pela idade, não precisava ir. A segunda justificou a ausência.
Numa eleição de elevada abstenção, uma forma de protesto e desencanto do eleitor com a política, os dois petistas deram um mau exemplo. Deles esperava-se o contrário, o de mostrar a importância de uma eleição. Decidiram desprestigiá-la.
Os dois têm lá seus motivos para não terem comparecido às suas seções eleitorais em São Bernardo do Campo e Porto Alegre. Seus candidatos ficaram de fora do segundo turno. Mas isso não seria, com certeza, o que eles defenderiam se ainda estivessem no comando do país.
Enquanto o PT de Lula e Dilma sai como o grande derrotado da eleição municipal, o PSDB, que perdeu a eleição presidencial para a petista, desponta com o principal vitorioso.
No ninho tucano, o segundo turno reforçou a posição de Geraldo Alckmin. Ele elegeu João Doria no primeiro turno em São Paulo e derrotou o PT no Grande ABC, berço político do Partido dos Trabalhadores.
Já seu principal opositor dentro do PSDB amargou nova derrota. Aécio Neves não elegeu seu candidato, João Leite, prefeito de Belo Horizonte. Para quem era considerado imbatível no seu Estado natal, o novo revés não ajuda nem um pouco.
Daí que, hoje, Alckmin ganha pontos na disputa interna para ser o candidato tucano a presidente em 2018. Em situação privilegiada. O PSDB seguirá na aliança de Temer, apoiando medidas até impopulares, mas poderá desembarcar lá na frente.
Já o presidente Temer não tem do que reclamar. Seus aliados ganharam a eleição. O que pode ajudar nas votações de suas medidas no Congresso. Se reverter a crise econômica, pode até ser o que diz que não será, candidato. Mas temos de esperar a Lava Jato, que tudo pode mudar.
A reforma trabalhista no STF - EDUARDO PASTORE E LUCIANA FREIRE
O Globo - 31/10
Ministro Luís Roberto Barroso afirmou que as partes têm, sim, legitimidade e capacidade de decidir o que é melhor para ambas
Em agosto último, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso decidiu questão importante para o Direito do Trabalho. Estamos falando aqui da discussão sobre a prevalência do que é negociado sobre a lei e aquilo que, para o Direito do Trabalho, é sagrado: nada pode se sobrepor à lei, mesmo que as partes (sindicatos) negociem legitima e livremente seus interesses.
O caso analisado pelo ministro Luís Roberto Barroso diz respeito a um empregado que aderiu a um plano de demissão incentivada, negociado entre seu sindicato e o sindicato patronal. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) anulou o acordo, alegando que o empregado, ainda que representado por seu sindicato, não poderia ter dado quitação plena de direitos.
E como decidiu Barroso sobre o caso? Fundamentou seu argumento alegando que o princípio da autonomia coletiva dos sindicatos garante que o trabalhador não sofra qualquer lesão a seu direito, justamente porque seu sindicato o representa coletivamente, assegurando que não haverá pressão por parte da empresa para que faça o que não deseja fazer.
Com tais argumentos, Barroso ratificou a validade do termo de quitação plena do plano de demissão incentivada, privilegiando o princípio da lealdade negocial, o princípio da vontade coletiva, contrariando o entendimento do TST. Ou seja, elevou ao grau máximo o princípio da boa-fé da negociação coletiva, afirmando que as partes têm, sim, legitimidade e capacidade de decidir o que é melhor para ambas.
Outro caso, parecido com este, também merece reflexão. Trata-se do chamado princípio da ultratividade. De acordo com o TST, os direitos que os sindicatos negociam em nome de seus empregados, por meio de acordo ou convenção coletiva, incorporam-se automaticamente no contrato do trabalhador. A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino questionou junto ao STF esta premissa, alegando que o TST não poderia decidir dessa forma, uma vez que não há lei permitindo que assim agisse. Alegou ainda que o TST violou o princípio da separação dos poderes, uma vez que legislou. E como decidiu o ministro Gilmar Mendes no caso? Considerou que o TST praticou uma ilegalidade, que ainda invadiu a competência do Poder Legislativo e que nem a Constituição Federal permitiria que o TST decidisse de tal modo.
Em outro caso, o ministro Teori Zavascki (STF) decidiu que, através de negociação coletiva, a empresa pode compensar com outros benefícios o tempo que o empregado gasta para ir e voltar ao trabalho, em vez de pagá-lo em dinheiro, como entende e determina o Tribunal Superior do Trabalho.
Eis o Supremo Tribunal Federal mostrando como se faz a reforma trabalhista, com segurança jurídica, bom senso e valorizando o princípio da autonomia da vontade na negociação coletiva. Parabéns, STF! Os votos dos ministros foram magistrais.
Ministro Luís Roberto Barroso afirmou que as partes têm, sim, legitimidade e capacidade de decidir o que é melhor para ambas
Em agosto último, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso decidiu questão importante para o Direito do Trabalho. Estamos falando aqui da discussão sobre a prevalência do que é negociado sobre a lei e aquilo que, para o Direito do Trabalho, é sagrado: nada pode se sobrepor à lei, mesmo que as partes (sindicatos) negociem legitima e livremente seus interesses.
O caso analisado pelo ministro Luís Roberto Barroso diz respeito a um empregado que aderiu a um plano de demissão incentivada, negociado entre seu sindicato e o sindicato patronal. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) anulou o acordo, alegando que o empregado, ainda que representado por seu sindicato, não poderia ter dado quitação plena de direitos.
E como decidiu Barroso sobre o caso? Fundamentou seu argumento alegando que o princípio da autonomia coletiva dos sindicatos garante que o trabalhador não sofra qualquer lesão a seu direito, justamente porque seu sindicato o representa coletivamente, assegurando que não haverá pressão por parte da empresa para que faça o que não deseja fazer.
Com tais argumentos, Barroso ratificou a validade do termo de quitação plena do plano de demissão incentivada, privilegiando o princípio da lealdade negocial, o princípio da vontade coletiva, contrariando o entendimento do TST. Ou seja, elevou ao grau máximo o princípio da boa-fé da negociação coletiva, afirmando que as partes têm, sim, legitimidade e capacidade de decidir o que é melhor para ambas.
Outro caso, parecido com este, também merece reflexão. Trata-se do chamado princípio da ultratividade. De acordo com o TST, os direitos que os sindicatos negociam em nome de seus empregados, por meio de acordo ou convenção coletiva, incorporam-se automaticamente no contrato do trabalhador. A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino questionou junto ao STF esta premissa, alegando que o TST não poderia decidir dessa forma, uma vez que não há lei permitindo que assim agisse. Alegou ainda que o TST violou o princípio da separação dos poderes, uma vez que legislou. E como decidiu o ministro Gilmar Mendes no caso? Considerou que o TST praticou uma ilegalidade, que ainda invadiu a competência do Poder Legislativo e que nem a Constituição Federal permitiria que o TST decidisse de tal modo.
Em outro caso, o ministro Teori Zavascki (STF) decidiu que, através de negociação coletiva, a empresa pode compensar com outros benefícios o tempo que o empregado gasta para ir e voltar ao trabalho, em vez de pagá-lo em dinheiro, como entende e determina o Tribunal Superior do Trabalho.
Eis o Supremo Tribunal Federal mostrando como se faz a reforma trabalhista, com segurança jurídica, bom senso e valorizando o princípio da autonomia da vontade na negociação coletiva. Parabéns, STF! Os votos dos ministros foram magistrais.
Eduardo Pastore e Luciana Freire são advogados
Não há como recuar - PAULO GUEDES
O Globo - 31/10
Avança o esclarecimento do fenômeno da corrupção sistêmica. Em meio às chamas, a precária situação fiscal exige reformas urgentes
É decididamente uma corrida contra o tempo. A aprovação da proposta que limita a expansão de gastos foi, embora decisiva, apenas um passo inicial rumo à recuperação das finanças públicas. É fundamental que o governo encaminhe o quanto antes ao Congresso a reforma da Previdência. A urgência dessa agenda é óbvia. As chamas da operação Lava-Jato ameaçam incendiar o Congresso. Avançam as delações premiadas da Odebrecht. “Pela extensão da colaboração, haverá grande turbulência. Espero que o Brasil sobreviva”, teria dito o juiz Sérgio Moro ante o andamento das investigações. Estariam envolvidas nossas principais lideranças políticas. E não pode ser descartada uma colaboração do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha para o esclarecimento do inegável fenômeno da corrupção sistêmica. Estaria também ameaçado pela iminente turbulência o presidente do Congresso, Renan Calheiros?
Registra Fernando Gabeira, em sua coluna no GLOBO deste domingo: “Hoje sabemos que ordenou varreduras em pontos estratégicos ligados aos senadores investigados pela roubalheira na Petrobras. Sua polícia legislativa funciona como uma espécie de jagunços a serviço de alguns coronéis instalados no Senado. Agora ele quer que o foro privilegiado, que já era uma excrescência para deputados e senadores, estenda-se a seus jagunços. E que o espaço do Senado seja santuário para qualquer quadrilha que tenha um parlamentar como membro. Sob investigação em 12 processos diferentes, para ele o Supremo Tribunal Federal é apenas o cemitério de seus processos. Negar à Polícia Federal o direito de entrar no Senado quando o crime está sendo cometido pela própria polícia parlamentar parece absurdo. O foro privilegiado tem sido uma espécie de escudo para bandidos eleitos. É justo cometer crimes em série sob o escudo de um mandato parlamentar?”
A urgência das reformas econômicas decorre ainda da precariedade de nossos fundamentos fiscais. O Banco Central demonstrou prudência iniciando de forma moderada o processo de redução de juros. É o reconhecimento de que está baseado até agora em expectativas o início do círculo virtuoso de queda da inflação, recuperação das finanças públicas, retomada do crescimento e da criação de empregos. Em meio às chamas, não há como recuar.
Avança o esclarecimento do fenômeno da corrupção sistêmica. Em meio às chamas, a precária situação fiscal exige reformas urgentes
É decididamente uma corrida contra o tempo. A aprovação da proposta que limita a expansão de gastos foi, embora decisiva, apenas um passo inicial rumo à recuperação das finanças públicas. É fundamental que o governo encaminhe o quanto antes ao Congresso a reforma da Previdência. A urgência dessa agenda é óbvia. As chamas da operação Lava-Jato ameaçam incendiar o Congresso. Avançam as delações premiadas da Odebrecht. “Pela extensão da colaboração, haverá grande turbulência. Espero que o Brasil sobreviva”, teria dito o juiz Sérgio Moro ante o andamento das investigações. Estariam envolvidas nossas principais lideranças políticas. E não pode ser descartada uma colaboração do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha para o esclarecimento do inegável fenômeno da corrupção sistêmica. Estaria também ameaçado pela iminente turbulência o presidente do Congresso, Renan Calheiros?
Registra Fernando Gabeira, em sua coluna no GLOBO deste domingo: “Hoje sabemos que ordenou varreduras em pontos estratégicos ligados aos senadores investigados pela roubalheira na Petrobras. Sua polícia legislativa funciona como uma espécie de jagunços a serviço de alguns coronéis instalados no Senado. Agora ele quer que o foro privilegiado, que já era uma excrescência para deputados e senadores, estenda-se a seus jagunços. E que o espaço do Senado seja santuário para qualquer quadrilha que tenha um parlamentar como membro. Sob investigação em 12 processos diferentes, para ele o Supremo Tribunal Federal é apenas o cemitério de seus processos. Negar à Polícia Federal o direito de entrar no Senado quando o crime está sendo cometido pela própria polícia parlamentar parece absurdo. O foro privilegiado tem sido uma espécie de escudo para bandidos eleitos. É justo cometer crimes em série sob o escudo de um mandato parlamentar?”
A urgência das reformas econômicas decorre ainda da precariedade de nossos fundamentos fiscais. O Banco Central demonstrou prudência iniciando de forma moderada o processo de redução de juros. É o reconhecimento de que está baseado até agora em expectativas o início do círculo virtuoso de queda da inflação, recuperação das finanças públicas, retomada do crescimento e da criação de empregos. Em meio às chamas, não há como recuar.
O que de fato importa - RICARDO NOBLAT
O Globo - 31/10
“Não podemos jamais cair na praga maldita da vingança. O processo eleitoral termina aqui”
“Não podemos jamais cair na praga maldita da vingança. O processo eleitoral termina aqui”
MARCELO CRIVELLA, prefeito eleito do Rio
Nada vai superar o que a Lava-Jato nos reserva. De volta à Lava-Jato, que há dois anos e meio não sai de cena, mas que nos últimos quatro meses dividiu o protagonismo com a Olimpíada, a Paraolimpíada e, por último, as eleições municipais, encerradas ontem com a mais avassaladora derrota já colhida pelo PT em todos os seus anos de vida, a vitória do PSDB nas maiores cidades do país e o fortalecimento, por ora, do governo de Michel Temer.
TUDO O MAIS de previsível que possa acontecer pelo menos nos próximos seis meses dificilmente será capaz de superar o que a Lava-Jato nos reserva em termos de fortes emoções. O destino de Lula, por exemplo, será definido até o fim do ano ou início de 2017. O juiz Sérgio Moro, na segunda quinzena de novembro, tomará o depoimento de quem delatou Lula por corrupção.
EM SEGUIDA, a confirmar-se o que o próprio PT espera, Moro condenará Lula. Poderá mandar prendê-lo ou não. Se não prender, Lula aguardará em liberdade a decisão posterior do Tribunal Federal de Recursos com sede em Porto Alegre. Até aqui, o tribunal avalizou ou agravou as sentenças de Moro. Caso isso se repita, Lula deverá ser preso e, como ficha-suja, não disputará a eleição de 2018.
A DELAÇÃO DE Marcelo Odebrecht e de cerca de 70 executivos da maior empreiteira do país ainda não foi fechada, mas falta pouco para que seja. Apontada desde já como “a delação do fim do mundo” e, certamente, a maior de todos os tempos aqui ou em qualquer lugar, ela parece destinada a varrer como um tsunami o que ainda resta de pé do atual e carcomido sistema político.
VIDA INGRATA! Lula — sempre ele — será alvo da delação daqueles a quem tanto ajudou como presidente da República e, depois, como lobista internacional. Nada de pessoal, é claro. Foi bem recompensado pelo que fez. Mas, além de Lula, a delação atingirá cabeças coroadas de quase todos os partidos, algumas delas aspirantes à sucessão de Temer.
O GOVERNO NÃO escapará incólume. Temer talvez se veja obrigado a promover uma pequena reforma ministerial. Talvez promova uma reforma de médio porte, aproveitando para livrar-se de alguns ministros que não correspondem às exigências dos seus cargos. Estilhaços da delação poderão alcançar o próprio Temer. Embora protegido pelo exercício do mandato, ele não ficará bem.
O SUPREMO TRIBUNAL Federal (STF) não ficará bem se ali continuarem seguindo devagar, quase parando, as denúncias e os processos que envolvem políticos e autoridades com direito a foro especial. Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, é um desses políticos. Responde no STF a onze processos. O primeiro, depois de sete anos emperrado, está pronto para ser julgado.
QUANDO CHEGAR ao seu final, a Lava-Jato de pouco terá servido, na ausência de uma reforma política que de fato desmonte o que a provocou. Políticos que se imaginam a salvo da Lava-Jato, ou que rezam para se salvar, falam em reforma política a ser aprovada para produzir efeitos em 2018. Mas serão eles (cruzes!) que votarão tal reforma. É de se acreditar que produzirão algo decente?
OUTRO DIA, EM meio a uma sessão da Câmara dos Deputados, tentou-se aprovar uma anistia para quem se elegeu com dinheiro não declarado à Justiça. E também para os doadores do dinheiro. A proposta de anistia está sendo revista. Deverá ser reapresentada em breve. Estamos nos estertores de um sistema político moribundo que teima em respirar. Todo cuidado com ele é pouco.
Nada vai superar o que a Lava-Jato nos reserva. De volta à Lava-Jato, que há dois anos e meio não sai de cena, mas que nos últimos quatro meses dividiu o protagonismo com a Olimpíada, a Paraolimpíada e, por último, as eleições municipais, encerradas ontem com a mais avassaladora derrota já colhida pelo PT em todos os seus anos de vida, a vitória do PSDB nas maiores cidades do país e o fortalecimento, por ora, do governo de Michel Temer.
TUDO O MAIS de previsível que possa acontecer pelo menos nos próximos seis meses dificilmente será capaz de superar o que a Lava-Jato nos reserva em termos de fortes emoções. O destino de Lula, por exemplo, será definido até o fim do ano ou início de 2017. O juiz Sérgio Moro, na segunda quinzena de novembro, tomará o depoimento de quem delatou Lula por corrupção.
EM SEGUIDA, a confirmar-se o que o próprio PT espera, Moro condenará Lula. Poderá mandar prendê-lo ou não. Se não prender, Lula aguardará em liberdade a decisão posterior do Tribunal Federal de Recursos com sede em Porto Alegre. Até aqui, o tribunal avalizou ou agravou as sentenças de Moro. Caso isso se repita, Lula deverá ser preso e, como ficha-suja, não disputará a eleição de 2018.
A DELAÇÃO DE Marcelo Odebrecht e de cerca de 70 executivos da maior empreiteira do país ainda não foi fechada, mas falta pouco para que seja. Apontada desde já como “a delação do fim do mundo” e, certamente, a maior de todos os tempos aqui ou em qualquer lugar, ela parece destinada a varrer como um tsunami o que ainda resta de pé do atual e carcomido sistema político.
VIDA INGRATA! Lula — sempre ele — será alvo da delação daqueles a quem tanto ajudou como presidente da República e, depois, como lobista internacional. Nada de pessoal, é claro. Foi bem recompensado pelo que fez. Mas, além de Lula, a delação atingirá cabeças coroadas de quase todos os partidos, algumas delas aspirantes à sucessão de Temer.
O GOVERNO NÃO escapará incólume. Temer talvez se veja obrigado a promover uma pequena reforma ministerial. Talvez promova uma reforma de médio porte, aproveitando para livrar-se de alguns ministros que não correspondem às exigências dos seus cargos. Estilhaços da delação poderão alcançar o próprio Temer. Embora protegido pelo exercício do mandato, ele não ficará bem.
O SUPREMO TRIBUNAL Federal (STF) não ficará bem se ali continuarem seguindo devagar, quase parando, as denúncias e os processos que envolvem políticos e autoridades com direito a foro especial. Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, é um desses políticos. Responde no STF a onze processos. O primeiro, depois de sete anos emperrado, está pronto para ser julgado.
QUANDO CHEGAR ao seu final, a Lava-Jato de pouco terá servido, na ausência de uma reforma política que de fato desmonte o que a provocou. Políticos que se imaginam a salvo da Lava-Jato, ou que rezam para se salvar, falam em reforma política a ser aprovada para produzir efeitos em 2018. Mas serão eles (cruzes!) que votarão tal reforma. É de se acreditar que produzirão algo decente?
OUTRO DIA, EM meio a uma sessão da Câmara dos Deputados, tentou-se aprovar uma anistia para quem se elegeu com dinheiro não declarado à Justiça. E também para os doadores do dinheiro. A proposta de anistia está sendo revista. Deverá ser reapresentada em breve. Estamos nos estertores de um sistema político moribundo que teima em respirar. Todo cuidado com ele é pouco.
Nunca tantos deixaram de fazer suas escolhas partidárias - AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 31/10
Entre vencedores e vencidos, as eleições que se encerraram ontem apontam para um resultado consensual: há uma evidente crise da representatividade política no elevado número de votos nulos e brancos, considerando as duas etapas do pleito. Nunca tantos deixaram de fazer suas escolhas partidárias para expressar o inconformismo com a política tradicional. Este voto de negação precisa ser entendido para que possamos acelerar o esforço para reconquistar a confiança dos cidadãos.
O desgaste da democracia representativa não é um fenômeno brasileiro. Muitos países enfrentam essa crise, o que faz emergir, na cena pública global, personagens e grupos que se projetam por ostentar o discurso da antipolítica. Isso é particularmente grave no Brasil, onde a nossa jovem democracia vive suas primeiras décadas de amadurecimento.
Desde os acontecimentos que sacudiram as ruas do país em 2013, o descompasso entre cidadãos e seus representantes na vida pública se agravou. As denúncias de corrupção e as revelações da Operação Lava Jato, o processo de impeachment da ex-presidente Dilma e a crise que destruiu a economia e os sonhos de milhões de brasileiros ajudaram a multiplicar a descrença e o desalento.
Como resposta a esse estado de coisas, nada mais inútil e manipulador que a simples negação da política, já que esta se constitui no território do debate e do diálogo que sustentam o ambiente democrático.
Este é o momento de resgatar a boa política, revesti-la de significado para os que anseiam por maior participação. Naturalmente, os partidos precisam se oxigenar e se aproximar mais da vida real. A coletividade consegue hoje se organizar e se expressar em canais muito diversos. São movimentos legítimos e, por isso mesmo, precisam caminhar de forma articulada com a representação política. Fora do campo político, o que há é o autoritarismo e a intolerância.
É essencial avançar na reforma do sistema político e eleitoral no país. A fragmentação partidária —o Brasil tem nada menos que 35 partidos registrados no TSE e dezenas de outros a caminho—, o sistema eleitoral que dificulta as relações entre candidato e eleitor, e o mecanismo de financiamento das campanhas são questões que precisam ser vistas com urgência e responsabilidade. Já tramita no Congresso uma proposta de minha autoria e do senador Ricardo Ferraço que prevê uma cláusula de desempenho eleitoral capaz de inibir o número de partidos, expurgando aqueles que servem apenas como legendas de aluguel.
A democracia é um patrimônio da sociedade. Ainda que imperfeita, é a única garantia de que a pluralidade de vozes será respeitada. E não há nada que a fortaleça mais do que o exercício da boa política.
Entre vencedores e vencidos, as eleições que se encerraram ontem apontam para um resultado consensual: há uma evidente crise da representatividade política no elevado número de votos nulos e brancos, considerando as duas etapas do pleito. Nunca tantos deixaram de fazer suas escolhas partidárias para expressar o inconformismo com a política tradicional. Este voto de negação precisa ser entendido para que possamos acelerar o esforço para reconquistar a confiança dos cidadãos.
O desgaste da democracia representativa não é um fenômeno brasileiro. Muitos países enfrentam essa crise, o que faz emergir, na cena pública global, personagens e grupos que se projetam por ostentar o discurso da antipolítica. Isso é particularmente grave no Brasil, onde a nossa jovem democracia vive suas primeiras décadas de amadurecimento.
Desde os acontecimentos que sacudiram as ruas do país em 2013, o descompasso entre cidadãos e seus representantes na vida pública se agravou. As denúncias de corrupção e as revelações da Operação Lava Jato, o processo de impeachment da ex-presidente Dilma e a crise que destruiu a economia e os sonhos de milhões de brasileiros ajudaram a multiplicar a descrença e o desalento.
Como resposta a esse estado de coisas, nada mais inútil e manipulador que a simples negação da política, já que esta se constitui no território do debate e do diálogo que sustentam o ambiente democrático.
Este é o momento de resgatar a boa política, revesti-la de significado para os que anseiam por maior participação. Naturalmente, os partidos precisam se oxigenar e se aproximar mais da vida real. A coletividade consegue hoje se organizar e se expressar em canais muito diversos. São movimentos legítimos e, por isso mesmo, precisam caminhar de forma articulada com a representação política. Fora do campo político, o que há é o autoritarismo e a intolerância.
É essencial avançar na reforma do sistema político e eleitoral no país. A fragmentação partidária —o Brasil tem nada menos que 35 partidos registrados no TSE e dezenas de outros a caminho—, o sistema eleitoral que dificulta as relações entre candidato e eleitor, e o mecanismo de financiamento das campanhas são questões que precisam ser vistas com urgência e responsabilidade. Já tramita no Congresso uma proposta de minha autoria e do senador Ricardo Ferraço que prevê uma cláusula de desempenho eleitoral capaz de inibir o número de partidos, expurgando aqueles que servem apenas como legendas de aluguel.
A democracia é um patrimônio da sociedade. Ainda que imperfeita, é a única garantia de que a pluralidade de vozes será respeitada. E não há nada que a fortaleça mais do que o exercício da boa política.
PT saudações - VERA MAGALHÃES
ESTADÃO - 31/10
Derrota do partido é tão avassaladora que não permite nenhuma leitura atenuante
Se alguém ainda acreditava na possibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva ser candidato novamente à Presidência da República em 2018, mesmo depois da Lava Jato e do impeachment de Dilma Rousseff, o eleitor brasileiro tratou de dizer de forma clara e cristalina: não vai acontecer.
A derrota do PT é tão avassaladora que não permite nenhuma leitura atenuante. Não se salvou nada nem ninguém no partido. Mesmo o rosário da renovação da sigla, que começou a ser desfiado por Tarso Genro e outros, não sobrevive a uma constatação dura: não há candidatos aptos à tarefa.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, citado como opção na terra de cegos que virou o partido, não quer assumir a missão nem seria um nome com trânsito suficiente para desbancar os caciques de sempre e enterrar de vez o lulismo – do qual, diga-se, foi um dos últimos produtos exitosos.
Sim, porque a única remota chance de o PT se reerguer seria enterrar o lulismo, mas o partido há muito tempo fez a opção oposta, a de se enterrar se for preciso para defender Lula, em uma simbiose que as urnas acabam de rechaçar de maneira fragorosa.
Tanto que o partido não consegue pensar em uma alternativa para 2018 que não seja seu “comandante máximo”, para usar a designação que a Lava Jato deu ao ex-presidente.
A insistência na tese de que Lula é vítima de perseguição – com lances patéticos como queixa à ONU e manifestações internacionais bancadas por “sindicatos” que nada mais são que versões da CUT para gringo ver – mostra que o PT decidiu atrelar seu destino ao do ex-presidente.
Dilma já parece ter sido esquecida pelos petistas na mesma velocidade com que o foi pelos brasileiros. Tanto que, com exceção de Jandira Feghali, ninguém se lembrou dela nas eleições municipais.
A presidente cassada tem sido vista fazendo compras tranquilamente no Rio, em um sinal inequívoco de que o discurso de que houve um golpe era uma fantasia, a única saída para um partido que perdeu o poder porque já não tinha condições de governar nem apoio popular, como o resultado das eleições tratou de deixar evidente.
É essa reflexão que o PT terá de fazer se quiser se refundar. Isso pressupõe admitir que patrocinou um esquema de corrupção cuja dimensão ainda está por ser inteiramente conhecida. Admitir que levou a economia do País à maior recessão da história. Que perdeu a governabilidade antes de Dilma perder a cadeira. E que Lula não é uma vítima de uma perseguição implacável que envolve Judiciário, imprensa, Ministério Público e sabe-se lá mais quem.
Quais as chances de o partido fazer isso seriamente? Remotas, para não dizer inexistentes.
Do outro lado do pêndulo político, o PSDB sai do pleito municipal como o grande vencedor mais por memória do eleitorado de décadas de polarização com o PT do que por força própria. Mas o fim dessa alternância, pelo simples fato de que um dos polos se esfacelou, também obrigará os tucanos a reverem sua estratégia para voltar a ter chance de governar o País.
Isso significa trocar as disputas de bastidores entre caciques para ver quem será o candidato da vez, uma constante desde a sucessão de Fernando Henrique Cardoso, por alguma nitidez programática capaz de mostrar ao eleitorado que o partido tem um projeto para tirar o País do buraco.
A pulverização de votos por uma miríade de siglas mostra que o eleitor, embora ainda enxergue no PSDB e PMDB as alternativas mais seguras à ruína petista, começa a procurar opções.
A negação da política é uma das marcas indeléveis de 2016. O único político de expressão nacional que saiu vitorioso, Geraldo Alckmin, acertou ao perceber o Zeitgeist e apostar em um candidato em São Paulo com o discurso da não política. Em escala nacional, no entanto, o País já viu o estrago que a eleição de um outsider pode provocar. Com Fernando Collor, antes. E com Dilma depois.
Derrota do partido é tão avassaladora que não permite nenhuma leitura atenuante
Se alguém ainda acreditava na possibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva ser candidato novamente à Presidência da República em 2018, mesmo depois da Lava Jato e do impeachment de Dilma Rousseff, o eleitor brasileiro tratou de dizer de forma clara e cristalina: não vai acontecer.
A derrota do PT é tão avassaladora que não permite nenhuma leitura atenuante. Não se salvou nada nem ninguém no partido. Mesmo o rosário da renovação da sigla, que começou a ser desfiado por Tarso Genro e outros, não sobrevive a uma constatação dura: não há candidatos aptos à tarefa.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, citado como opção na terra de cegos que virou o partido, não quer assumir a missão nem seria um nome com trânsito suficiente para desbancar os caciques de sempre e enterrar de vez o lulismo – do qual, diga-se, foi um dos últimos produtos exitosos.
Sim, porque a única remota chance de o PT se reerguer seria enterrar o lulismo, mas o partido há muito tempo fez a opção oposta, a de se enterrar se for preciso para defender Lula, em uma simbiose que as urnas acabam de rechaçar de maneira fragorosa.
Tanto que o partido não consegue pensar em uma alternativa para 2018 que não seja seu “comandante máximo”, para usar a designação que a Lava Jato deu ao ex-presidente.
A insistência na tese de que Lula é vítima de perseguição – com lances patéticos como queixa à ONU e manifestações internacionais bancadas por “sindicatos” que nada mais são que versões da CUT para gringo ver – mostra que o PT decidiu atrelar seu destino ao do ex-presidente.
Dilma já parece ter sido esquecida pelos petistas na mesma velocidade com que o foi pelos brasileiros. Tanto que, com exceção de Jandira Feghali, ninguém se lembrou dela nas eleições municipais.
A presidente cassada tem sido vista fazendo compras tranquilamente no Rio, em um sinal inequívoco de que o discurso de que houve um golpe era uma fantasia, a única saída para um partido que perdeu o poder porque já não tinha condições de governar nem apoio popular, como o resultado das eleições tratou de deixar evidente.
É essa reflexão que o PT terá de fazer se quiser se refundar. Isso pressupõe admitir que patrocinou um esquema de corrupção cuja dimensão ainda está por ser inteiramente conhecida. Admitir que levou a economia do País à maior recessão da história. Que perdeu a governabilidade antes de Dilma perder a cadeira. E que Lula não é uma vítima de uma perseguição implacável que envolve Judiciário, imprensa, Ministério Público e sabe-se lá mais quem.
Quais as chances de o partido fazer isso seriamente? Remotas, para não dizer inexistentes.
Do outro lado do pêndulo político, o PSDB sai do pleito municipal como o grande vencedor mais por memória do eleitorado de décadas de polarização com o PT do que por força própria. Mas o fim dessa alternância, pelo simples fato de que um dos polos se esfacelou, também obrigará os tucanos a reverem sua estratégia para voltar a ter chance de governar o País.
Isso significa trocar as disputas de bastidores entre caciques para ver quem será o candidato da vez, uma constante desde a sucessão de Fernando Henrique Cardoso, por alguma nitidez programática capaz de mostrar ao eleitorado que o partido tem um projeto para tirar o País do buraco.
A pulverização de votos por uma miríade de siglas mostra que o eleitor, embora ainda enxergue no PSDB e PMDB as alternativas mais seguras à ruína petista, começa a procurar opções.
A negação da política é uma das marcas indeléveis de 2016. O único político de expressão nacional que saiu vitorioso, Geraldo Alckmin, acertou ao perceber o Zeitgeist e apostar em um candidato em São Paulo com o discurso da não política. Em escala nacional, no entanto, o País já viu o estrago que a eleição de um outsider pode provocar. Com Fernando Collor, antes. E com Dilma depois.
A autonomia das agências - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 31/10
O projeto da nova Lei Geral das Agências Reguladoras assegura autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira às agências
Embora pareçam pouco relevantes, medidas administrativas do governo Temer vêm dando significado prático à disposição já anunciada de assegurar a restituição da autonomia das agências reguladoras, que lhes foi retirada pelo governo do PT com o objetivo de submetê-las aos interesses políticos e econômicos do lulopetismo. Enquanto tramita no Congresso projeto de lei que define com mais clareza as competências das agências, restabelecendo sua autonomia em relação aos Ministérios da área em que atuam e fixando regras claras para o preenchimento de suas diretorias, começam ser efetivadas alterações no modo de operação desses órgãos para lhes conferir maior capacidade operacional.
São iniciativas destinadas a assegurar as condições institucionais indispensáveis à execução do programa de concessões na área de infraestrutura, cuja primeira parte foi anunciada há pouco mais de um mês, com a meta de arrecadação de R$ 24 bilhões até o próximo ano. É apenas o começo de um plano muito mais amplo, que envolve a aplicação de várias dezenas de bilhões de dólares de empresas nacionais e estrangeiras. O volume de investimentos será proporcional à segurança de que disporão os investidores e que será assegurada pelas novas regras das concessões fixadas pelo governo e pela competência técnica e autonomia operacional das agências.
Ao mesmo tempo que conferem um mínimo de capacidade de atuação às agências, medidas comezinhas que serão formalizadas por meio de decreto a ser assinado em breve pelo presidente da República – como a permissão para viagens de funcionários das agências sem necessidade de consulta ao ministro da área – mostram o grau de intervenção do governo petista nas agências. Técnicos lotados nos órgãos reguladores ouvidos pelo Estadolembram que, desde que assumiu o Ministério de Minas e Energia em 2003, a ex-presidente Dilma Rousseff criticou duramente o papel dos órgãos reguladores e tentou controlá-los com rigor. A necessidade de autorização ministerial para viagens dos funcionários é um dos efeitos do controle que o governo petista exercia sobre eles.
“Queremos converter as agências em órgãos do Estado, e não de governo, como elas se tornaram”, disse ao Estado um integrante do governo. O controle político das agências, advertiu, pode significar ingerência indevida na regulação de contratos.
O projeto da nova Lei Geral das Agências Reguladoras, proposto em 2013 ao Senado e modificado por sua relatora, Simone Tebet (PMDB-MS), assegura autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira às agências. Elas passarão a ser tratadas como órgãos orçamentários da administração federal e não precisarão mais negociar a liberação de recursos com o Ministério de sua área.
A escolha dos dirigentes igualmente obedecerá a novos critérios. Os indicados deverão ter pelo menos dez anos de experiência profissional na área de atuação do órgão, seja no setor público ou na iniciativa privada. Não poderão ter tido, nos 12 meses anteriores, vínculo – como empregado, acionista ou conselheiro – com empresas que atuam no campo regulatório do órgão para o qual estejam sendo indicados. O texto proíbe também a indicação de ministros, secretários estaduais ou municipais, dirigentes de partido político, políticos com mandato parlamentar e pessoas que sejam inelegíveis. Os mandatos em todas as agências reguladoras serão de cinco anos, sem direito à recondução.
Além de assegurar maior segurança jurídica e regulatória aos investidores que participarem do programa de concessões, o governo pretende remover dos novos contratos os obstáculos que, por motivos ideológicos e políticos, o governo petista criou para a entrada de capital privado. Entre esses obstáculos estavam exigências excessivamente onerosas nos programas de obras de recuperação e ampliação dos serviços e a cobrança de tarifas muitas vezes abaixo do nível suficiente para remunerar o investimento. Não haverá mais populismo tarifário nem punição do capital privado.
O projeto da nova Lei Geral das Agências Reguladoras assegura autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira às agências
Embora pareçam pouco relevantes, medidas administrativas do governo Temer vêm dando significado prático à disposição já anunciada de assegurar a restituição da autonomia das agências reguladoras, que lhes foi retirada pelo governo do PT com o objetivo de submetê-las aos interesses políticos e econômicos do lulopetismo. Enquanto tramita no Congresso projeto de lei que define com mais clareza as competências das agências, restabelecendo sua autonomia em relação aos Ministérios da área em que atuam e fixando regras claras para o preenchimento de suas diretorias, começam ser efetivadas alterações no modo de operação desses órgãos para lhes conferir maior capacidade operacional.
São iniciativas destinadas a assegurar as condições institucionais indispensáveis à execução do programa de concessões na área de infraestrutura, cuja primeira parte foi anunciada há pouco mais de um mês, com a meta de arrecadação de R$ 24 bilhões até o próximo ano. É apenas o começo de um plano muito mais amplo, que envolve a aplicação de várias dezenas de bilhões de dólares de empresas nacionais e estrangeiras. O volume de investimentos será proporcional à segurança de que disporão os investidores e que será assegurada pelas novas regras das concessões fixadas pelo governo e pela competência técnica e autonomia operacional das agências.
Ao mesmo tempo que conferem um mínimo de capacidade de atuação às agências, medidas comezinhas que serão formalizadas por meio de decreto a ser assinado em breve pelo presidente da República – como a permissão para viagens de funcionários das agências sem necessidade de consulta ao ministro da área – mostram o grau de intervenção do governo petista nas agências. Técnicos lotados nos órgãos reguladores ouvidos pelo Estadolembram que, desde que assumiu o Ministério de Minas e Energia em 2003, a ex-presidente Dilma Rousseff criticou duramente o papel dos órgãos reguladores e tentou controlá-los com rigor. A necessidade de autorização ministerial para viagens dos funcionários é um dos efeitos do controle que o governo petista exercia sobre eles.
“Queremos converter as agências em órgãos do Estado, e não de governo, como elas se tornaram”, disse ao Estado um integrante do governo. O controle político das agências, advertiu, pode significar ingerência indevida na regulação de contratos.
O projeto da nova Lei Geral das Agências Reguladoras, proposto em 2013 ao Senado e modificado por sua relatora, Simone Tebet (PMDB-MS), assegura autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira às agências. Elas passarão a ser tratadas como órgãos orçamentários da administração federal e não precisarão mais negociar a liberação de recursos com o Ministério de sua área.
A escolha dos dirigentes igualmente obedecerá a novos critérios. Os indicados deverão ter pelo menos dez anos de experiência profissional na área de atuação do órgão, seja no setor público ou na iniciativa privada. Não poderão ter tido, nos 12 meses anteriores, vínculo – como empregado, acionista ou conselheiro – com empresas que atuam no campo regulatório do órgão para o qual estejam sendo indicados. O texto proíbe também a indicação de ministros, secretários estaduais ou municipais, dirigentes de partido político, políticos com mandato parlamentar e pessoas que sejam inelegíveis. Os mandatos em todas as agências reguladoras serão de cinco anos, sem direito à recondução.
Além de assegurar maior segurança jurídica e regulatória aos investidores que participarem do programa de concessões, o governo pretende remover dos novos contratos os obstáculos que, por motivos ideológicos e políticos, o governo petista criou para a entrada de capital privado. Entre esses obstáculos estavam exigências excessivamente onerosas nos programas de obras de recuperação e ampliação dos serviços e a cobrança de tarifas muitas vezes abaixo do nível suficiente para remunerar o investimento. Não haverá mais populismo tarifário nem punição do capital privado.
Na máquina do tempo - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 31/10
Comparem-se frases, slogans, chavões, construções de raciocínio petistas contra as imprescindíveis mudanças na regulação da exploração do pré-sal, enfim executadas pelo Congresso, com frases, slogans, chavões e construções de raciocínio da época da campanha do “petróleo é nosso”, nas décadas de 40 e 50 do século passado, cujo desfecho foi a criação da Petrobras, em 1953, e a conclusão é que nada mudou na ideologia nacionalista brasileira, de esquerda ou direita, em todo este tempo.
Cabe dizer, então, que o nacionalista nativo nada aprendeu e também nada esqueceu. Se já era delirante a ideia da proteção de “nossas riquezas”, hoje ela soa descabida, além de retrô. Não bastasse a constatação de que os contratos de risco estabelecidos a contragosto pelo nacionalista presidente-general Ernesto Geisel, em 1975, e o fim do monopólio da estatal em 1997, por meio de FH, foram essenciais para a própria descoberta do petróleo do pré-sal, sempre se soube que a empresa não tinha a mínima condição financeira para explorar de forma monopolista esta nova fronteira geológica de produção.
À parte a roubalheira lulopetista no petrolão, responsável por bilhões em prejuízos na estatal— já foram contabilizados em balanço R$ 6,2 bilhões nessa conta —, os delírios estatistas que levaram a reservar a área do pré-sal para a Petrobras passaram a degradar a situação financeira da própria empresa.
Inspirada no fracassado programa de substituição de importações do governo Geisel, na ditadura militar, a política de usar o poder de compra da empresa para elevar na marra os índices de nacionalização de equipamentos usados no setor de petróleo levou a grandes aumentos de custo e a constantes estouros de prazos. O que pode acontecer de pior para programas de investimento. No caso, a exploração do pré-sal.
Incrível como a miopia ideológica leva à repetição de erros. Geisel pode ter sido apanhado de surpresa. Lula e Dilma, não. Poderiam, inclusive, pedir informações sobre o resultado daquele projeto geiseliano.
Não faltam informações, também, sobre o antes e o depois da abertura da exploração de petróleo a capitais privados estrangeiros e nacionais. O slogan do “petróleo é nosso” empolgou muita gente, porém o óleo e o gás se mantiveram durante décadas debaixo da terra, sem ajudar o país.
A Petrobras se transformou em importante empresa, com qualificado quadro técnico, muito experiente em especial na exploração em águas profundas. Mas sem a flexibilização nas regras do pré-sal, ia-se voltar à época em que o petróleo era “nosso”, mas não se produzia uma gota dele. E sem abrir o pré-sal ao mundo, e como a Petrobras continua bastante endividada, não haveria um novo leilão tão cedo, pela impossibilidade de a estatal deter compulsoriamente 30% de todos os consórcios e ser a operadora única deles. A própria Petrobras pedia as alterações que estão sendo feitas.
Comparem-se frases, slogans, chavões, construções de raciocínio petistas contra as imprescindíveis mudanças na regulação da exploração do pré-sal, enfim executadas pelo Congresso, com frases, slogans, chavões e construções de raciocínio da época da campanha do “petróleo é nosso”, nas décadas de 40 e 50 do século passado, cujo desfecho foi a criação da Petrobras, em 1953, e a conclusão é que nada mudou na ideologia nacionalista brasileira, de esquerda ou direita, em todo este tempo.
Cabe dizer, então, que o nacionalista nativo nada aprendeu e também nada esqueceu. Se já era delirante a ideia da proteção de “nossas riquezas”, hoje ela soa descabida, além de retrô. Não bastasse a constatação de que os contratos de risco estabelecidos a contragosto pelo nacionalista presidente-general Ernesto Geisel, em 1975, e o fim do monopólio da estatal em 1997, por meio de FH, foram essenciais para a própria descoberta do petróleo do pré-sal, sempre se soube que a empresa não tinha a mínima condição financeira para explorar de forma monopolista esta nova fronteira geológica de produção.
À parte a roubalheira lulopetista no petrolão, responsável por bilhões em prejuízos na estatal— já foram contabilizados em balanço R$ 6,2 bilhões nessa conta —, os delírios estatistas que levaram a reservar a área do pré-sal para a Petrobras passaram a degradar a situação financeira da própria empresa.
Inspirada no fracassado programa de substituição de importações do governo Geisel, na ditadura militar, a política de usar o poder de compra da empresa para elevar na marra os índices de nacionalização de equipamentos usados no setor de petróleo levou a grandes aumentos de custo e a constantes estouros de prazos. O que pode acontecer de pior para programas de investimento. No caso, a exploração do pré-sal.
Incrível como a miopia ideológica leva à repetição de erros. Geisel pode ter sido apanhado de surpresa. Lula e Dilma, não. Poderiam, inclusive, pedir informações sobre o resultado daquele projeto geiseliano.
Não faltam informações, também, sobre o antes e o depois da abertura da exploração de petróleo a capitais privados estrangeiros e nacionais. O slogan do “petróleo é nosso” empolgou muita gente, porém o óleo e o gás se mantiveram durante décadas debaixo da terra, sem ajudar o país.
A Petrobras se transformou em importante empresa, com qualificado quadro técnico, muito experiente em especial na exploração em águas profundas. Mas sem a flexibilização nas regras do pré-sal, ia-se voltar à época em que o petróleo era “nosso”, mas não se produzia uma gota dele. E sem abrir o pré-sal ao mundo, e como a Petrobras continua bastante endividada, não haveria um novo leilão tão cedo, pela impossibilidade de a estatal deter compulsoriamente 30% de todos os consórcios e ser a operadora única deles. A própria Petrobras pedia as alterações que estão sendo feitas.
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