sábado, março 12, 2016

O fetiche das ruas - IGOR GIELOW

Folha de São Paulo - 12/02

É da natureza política o dualismo entre jogos de sombra e arroubos públicos. Neste ocaso do PT no poder, vivemos a combinação dos fatores sob um véu de ironias.

Uma das maiores é a dinâmica entre Lula e Dilma. A história é rica em tensões que deságuam no momento em que o "golem" se volta contra o rabino criador, ou vice-versa. Isso foi insinuado algumas vezes, mas agora a união ganhou conotação fatalista. Se a petista (sic, né?) estava confortável em sua queda com Eduardo Cunha, hoje só tem o padrinho.

A presidente assiste impotente à montagem de alternativas a seu governo, com ela no cargo ou não. O show deste sábado na convenção do PMDB será apenas uma faceta pública do acordão que buscam forças de resto sob a espada da Lava Jato.

Restou o insano plano de trazer Lula para o governo, uma confissão de culpa para o petista, mas talvez o único choque capaz de fazer o cadáver chacoalhar por uns meses. Se o defunto levantaria, parece improvável, mas estamos no Brasil.

A questão maior para o PT é que a Lava Jato avança a passos largos, e nunca esteve tão próxima do centro do poder. Aqueles que gritam por isonomia cega fingem ignorar quem segura a caneta há 13 anos.

E há o fetiche das ruas. Não estamos em 1992, quando havia um clima de vigília pela saída de Collor com grupos menores; nosso mundo de rede sociais privilegia atos esporádicos e números que virem rankings.

Parece tolo, mas a precariedade dos arranjos é tal que todos os olhos estão voltados para o domingo. A crise não irá acabar de uma vez, salvo eventos excepcionais. Já o fetiche será instrumentalizado de lado a lado.

Quase não há ninguém na política e no PIB que não veja um ato estrondoso como senha do desenrolar do novelo; já foi assim em 2015, não custa lembrar. Mas do lado do governo, afora alguma animação militante com o esdrúxulo pedido de prisão de Lula, só restou torcida silenciosa.


Às ruas pela democracia - RONALDO CAIADO

Folha de São Paulo - 12/03

O mote da grande manifestação nacional deste domingo (13) é direto: "Ou você vai ou ela fica". É evidente a evolução de um processo de indignação popular que começou heterogêneo e que hoje, alavancado por uma crise econômica e pelo avanço da Lava Jato, atinge sua maturidade para uma única proposta: o impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff.

Uma vez iniciado o processo, falta apenas um elemento para que a presidente deixe o cargo: a pressão popular sobre o Congresso Nacional, sem nenhuma autonomia para liderar esse momento. Melhor assim. É preciso ser guiado pela voz das ruas, pela força da mobilização social, pelo grito insistente de milhões de brasileiros que devem exigir, como faremos amanhã, com que a Câmara dos Deputados respeite sua função como casa do povo.

Por outro lado, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que julga a cassação da chapa presidencial por ter sido financiada com dinheiro do petrolão, também precisa entender a urgência em avançar com uma resolução para esse imbróglio. As provas são irrefutáveis. Que respeitem as prerrogativas democráticas.

Com 191 mil empresas fechadas e a perda de 1,5 milhão de empregos, em 2015, não há um brasileiro que não conheça um pequeno comerciante que quebrou, um familiar que perdeu o trabalho, um jovem que não consegue encontrar sua primeira ocupação. O sentimento une a todos. Por mais que tentem dividir a população e atacar as instituições democráticas, como se fossem a Justiça, o Ministério Público, a Polícia Federal, a imprensa e a oposição os responsáveis pela crise sem precedentes, a urgência para a mudança da condução política do país é desejada por ampla maioria.

O Brasil enfrenta hoje uma grande ameaça à sua democracia. O líder maior da organização que está sendo desmontada na Lava Jato tem apelado para promover um clima de instabilidade civil, convocando a militância a agir pela desordem.

Mais grave do que Lula desdenhar do Poder Judiciário e das instituições, só mesmo o gesto de Dilma de se deslocar à custa do erário para manifestar apoio a um investigado da Justiça.

Jamais uma presidente da República, na liturgia do cargo de chefe de Estado, deve prestar solidariedade a um presidiário em potencial que questiona atributos de um poder autônomo e independente. O Executivo não pode interferir no andamento do Poder Judiciário nem validar qualquer comportamento nesse sentido.

O resultado foi sentido nesta semana: o "exército de Stédile" já está nas ruas.

Convocado por Lula e legitimado por Dilma, realizou invasões aos órgãos de imprensa, estatais, empresas privadas, agrediu populares, depredou espaços públicos. A CUT e outras massas de manobra do PT ameaçam entrar em confronto com a população que pede o impeachment. Apostam na tese da convulsão social validados pelo olhar seletivo do governo. Mas o Ministério da Justiça está devidamente notificado por um ofício de minha autoria para garantir a segurança dos manifestantes. Será inadmissível que um evento marcado há 90 dias seja desestabilizado porque a Lava Jato chegou a Lula.

Por isso, afirmo à nação: vá às ruas, exerça o seu dever, lute pelo seu país. Como bem disse o então bispo-auxiliar da Arquidiocese de Aparecida, dom Darci José Nicioli, depois promovido pelo papa Francisco: "Peça, meu irmão e minha irmã, a graça de pisar a cabeça da serpente. De todas as víboras que existem e persistem em nossas vidas. Daqueles que se autodenominam jararacas. Pisar a cabeça da serpente. Vencer o mal pelo bem".

Seiva viva - RUY CASTRO

Folha de São Paulo - 12/03

Os recortes de jornal à minha frente já têm mais de 50 anos. Alguns, 54, porque são de 1962. Estão perfeitos, sem manchas, com a cor e a maciez originais do papel em que foram impressos – como se a seiva contida na pasta com que foi fabricado ainda estivesse viva. São recortes, mais de 200, do "Correio da Manhã", com a coluna "Da Arte de Falar Mal", de Carlos Heitor Cony. As colunas também estão vivas.

Cony escreveu "Da Arte de Falar Mal" no "Correio" de 1962 a 1965, às quartas, sextas e domingos, revezando com o grave e insípido Otavio de Faria, que saía às terças, quintas e sábados –os matutinos não circulavam às segundas. A diferença entre Cony e os outros cronistas, mesmo Rubem Braga, refulgia: era o único que escrevia para valer na primeira pessoa.

Pela coluna, sabíamos que, além de jornalista, era escritor, romancista, na linha de Alberto Moravia, Cesare Pavese e outros italianos da época. Que fora seminarista, era desquitado, tinha duas filhas, morava em Copacabana, torcia pelo Fluminense e não pecava contra a castidade –pecava a favor. Que não acreditava em nada, ou quase nada, e não se levava, nem a ninguém, muito a sério. Não havia assunto a que não aplicasse sua visão cética, sardônica, independente –sem prejuízo de escapadas líricas em que se revelava o homem só, triste e autossuficiente que ele talvez fosse.

Para certo garoto de 14 anos em 1962, a leitura dessas crônicas foi uma epifania.

Era possível ser daquele jeito –cético, sardônico, independente– e seguir em frente. O garoto era eu. Em 1964, o próprio Cony nos ensinaria que, às vezes, era preciso acreditar em alguma coisa, tomar partido e pagar por isso, para conservar a independência.

Cony está fazendo 90 anos. Sua seiva continua viva e ele ainda me faz a cabeça.

Defenda-se! É amanhã ou nunca - FERNÃO LARA MESQUITA

O Estado de S. Paulo 12/03

Poucas coisas podem ser mais traumáticas e perigosas que o impeachment de um presidente da República no meio de uma grande crise econômica. Este governo que se propõe o papel de valhacouto de foragidos é uma. Fez as coisas de tal maneira que continuar com ele é morte certa. Diante dessa perspectiva, a incerteza, ainda que tão ampla que dá vertigem, é o melhor dos mundos.

A cada minuto que passa aumenta a pena retroativa a trabalhos forçados a que o lulismo condenou cada brasileiro. Já regredimos ao menos dez anos e o relógio continua correndo para trás, cada vez mais aceleradamente. A catástrofe que atingiu nosso fragilíssimo ecossistema institucional é de proporções ambientais. Nada nele escapou a estes 13 anos de derrame de lama e só ao longo das próximas décadas se poderão medir todos os efeitos do desastre. Desde já é certo, como comprova a decisão de anteontem do STF de, em plena tempestade, não apenas libertar réus, mas “perdoar” todo o mensalão, que o decano de seus ministros descreveu como “um ataque doloso e sistemático de uma quadrilha organizada com o propósito de destruir os fundamentos da democracia, da República e do Estado de Direito”, que será tão difícil reconstituir a democracia no Brasil depois do PT quanto as condições do Rio Doce de voltar a sustentar a vida depois da Samarco.

O mundo viu isso cem vezes no último século do milênio passado. A especialidade desse “esquerdismo” corrosivo, morto em toda parte menos aqui, de que o bandalho-sindicalismo brasileiro se apropriou, sempre foi transformar em verdadeiros os seus diagnósticos mais falsos. Fomenta o ódio de classes até torná-las irreconciliáveis, como dizia que eram “seus interesses” quando reinava a paz; insufla o racismo e a intolerância à diferença até transformá-los em sangue para provar que “estavam apenas ocultos”; incendeia o campo para destruir a agricultura e comprovar que há “ociosidade da terra”; semeia insidiosamente os privilégios que falseiam a livre competição para imputar ao mercado e às“contradições do capitalismo” a vitória do desmerecimento. Corrompe sistematicamente as instituições democráticas para denunciar a “democracia burguesa” como “intrinsecamente corrupta”; instila na imprensa ondas especulativas insidiosas contra tudo e contra todos para, chegada a sua vez, poder posar de vítima; atiça tribunais uns contra os outros para exacerbar ânimos e forçar erros de modo a “provar” que não há Justiça isenta.

As gerações se sucedem rápido neste país sem memória, mas não é verdade que tenha sido sempre assim. O Brasil está irreconhecível! Tudo o que tocam esses Midas pelo avesso entra em decomposição. Mas seu objetivo sempre foi claro e confesso. Tem sido uma longa jornada, mas não houve um único desvio. São de 1990 tanto o Foro de São Paulo, criado para reorganizar a esquerda latino-americana, batida pela execrada prosperidade promovida pelos governos“neoliberais” do continente, quanto a eleição do aparelhamento dos fundos de pensão das estatais, o maior volume de dinheiro entesourado existente no País, como Luiz Gushiken, da esquerda ilustrada trotskista, fez ver à esquerda tosca do bandalho-sindicalismo, como um instrumento para a tomada do poder.

Não há registro das minúcias do parto da decisão por essa troca de armamento, mas a ideia de que com dinheiro se toma mais facilmente o poder do que com balas é, claramente, o acrescentamento que o bandalho-sindicalismo, que sempre usou esse recurso para se instalar e se manter em suas sinecuras, embalado pela ascensão fulminante do capitalismo de Estado chinês, aportou ao receituário de Gramsci para se atirar a voos mais altos e trazer as coisas até onde vieram.

Corre em paralelo, na mesma época, o investimento no controle dos sindicatos do setor financeiro, com os quais se institui a “PT-Pol” (de “polícia”, hoje substituída pela Receita Federal com seus supercomputadores liberados para agir à revelia do Judiciário), entidade bem conhecida das redações que desde aquela época começam, por meio dela, a “ter acesso” aos pormenores da vida dos inimigos do partido nos momentos em que tais expedientes se faziam mais úteis. Estavam postos os ingredientes essenciais do presente desastre.

Em meados dos anos 90, já com farta colheita de prefeituras, estoura o primeiro escândalo do PT no poder, denunciado pelo “quadro” histórico Paulo de Tarso Venceslau, em tudo, menos pelas proporções, idêntico aos de hoje: um esquema de cooptação de empresários venais que pagavam impostos municipais “a mais”, contratavam a consultoria CPEM, de Roberto Teixeira, compadre de Lula e dono do apartamento onde ele mora até hoje, que “descobria o erro” e abria os cofres das prefeituras para “devolver a diferença” ao empresário amigo com posterior“rachuncho”, excluídas do qual ficavam as vítimas de sempre: o povo, especialmente a parcela mais dependente da assistência do Estado, esta que, quanto mais empobrecida pela corrupção, mais exposta ao “pai dos pobres” fica.

Dois anos tentando em vão denunciar a falcatrua a Lula, e o ingênuo Paulo de Tarso se convence da verdade, vai ao Jornal da Tarde e denuncia a roubalheira.“Estarrecidos”, os petistas montam uma comissão de investigação chefiada por José Eduardo Cardozo, que, verde ainda, a leva longe o bastante para que todos os narizes se voltem para Lula, de onde emanava o mau cheiro. E então... golpe! Paulo de Tarso é que é expulso do partido, enquanto José Eduardo cai no ostracismo até que Dilma o arranque de lá.

Desde então tem sido só mais do mesmo. Só que muuuito mais do mesmo. O Congresso Nacional foi dissolvido em dinheiro. Não há mais uma Justiça brasileira; há uma “Justiça de Curitiba” e a outra. A economia está em estado de coma e jamais será reanimada à força, nem de muque nem de novas tapeações. É preciso reabrir a possibilidade da democracia, da vitória do direito, da reconciliação nacional.

Defenda-se! Defenda seus filhos! Defenda o Brasil!

Não haverá outra chance. É amanhã ou nunca.

Dilma está pendurada no Supremo - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

Não é fácil desmontar um presépio de pobres coitados que têm um cheque especial do tamanho da Petrobras


O Brasil sentiu falta do pronunciamento de Dilma Rousseff no Dia Internacional da Mulher. Essa era uma das poucas garantias de um governo que chama sua chefe de presidenta, ou sua presidente de chefa. Agora a brincadeira acabou. O homem que inventou essa mulher entrou na mira da polícia. O homem que escrevia o que ela falava foi preso. O mito da mãe coragem foi construído com dinheiro roubado do contribuinte, apontou a Lava Jato. Sobrou um fantoche que não fala, uma mulher que tem medo de panela.

Por incrível que pareça, Dilma só não foi mandada embora para casa ainda por ser uma mulher ungida por um pobre. A Lava Jato está investigando o enriquecimento desse pobre, mas isso não parece suficiente para desmontar o presépio. Não é política, é religião. Mesmo que esse pobre milionário possa ter roubado o povo, boa parte dos fiéis permanece saudando-o com seus cânticos melancólicos – e eventualmente alugados. Toda igreja monta sua base financeira, mas essa tesouraria não tem paralelo: seus cofres contêm o dinheiro de uma nação. Não é fácil desmontar um presépio de pobres coitados que têm um cheque especial do tamanho da Petrobras.

Por um capricho do destino, a tesouraria da igreja petista foi parar na cadeia. Primeiro, João Vaccari, o rei mago dos pixulecos, e, quando parecia que seria só botar novos picaretas no lugar dos presos – como na queda de Delúbio, Valério e grande elenco mensaleiro –, os financiadores do credo começaram a cair também. Com a condenação de Marcelo Odebrecht a 19 anos de prisão, dá para sentenciar: a mulher sapiens está só.

Pendurada na fachada do presépio apodrecido, virtualmente abandonada até pelo PMDB, a presidente da República se agarra a uma única e última mão: a do Supremo Tribunal Federal.

Cruel ironia: no momento em que Sergio Moro e a força-tarefa da Lava Jato – a Operação Mãos Limpas brasileira – elevam a Justiça ao papel de resistência quase solitária ao massacre populista, a mais alta Corte dessa Justiça permanece como o bastião de resistência do populismo. Até a Câmara dos Deputados, que não é flor que se cheire e está sob a presidência de um réu, permanece permeável ao ir e vir da democracia. Essa instituição legislativa desacreditada e carcomida deu andamento a um sólido pedido de impeachment apresentado por respeitáveis juristas – e impecavelmente fundamentado para apontar os crimes de responsabilidade de Dilma Rousseff nas pedaladas fiscais e no escândalo do petrolão.

Onde esse pedido republicano e democrático atola? No Supremo Tribunal Federal.

É de lá que vêm as manobras para barrar a investigação formal e direta da presidente que foge das panelas, e foi de lá que vieram as manobras para atropelar o funcionamento democrático da depauperada Câmara dos Deputados na partida do processo de impeachment. A técnica, quem diria, virou travesti da política.

Os crimes de responsabilidade cometidos pela presidente são flagrantes, basta ler a Constituição. Mas, assim como o PT inventou a contabilidade criativa, o STF inventou a leitura criativa da Constituição. Nos três meses desde que o pedido de impeachment foi aceito pela Câmara, as evidências da Lava Jato praticamente dobraram – especialmente quanto à negligência da presidente da República na responsabilização de seus subalternos claramente envolvidos no esquema de corrupção. Isso é crime. Mas as revelações de Delcídio do Amaral não deixam dúvidas: Dilma e seu estado-maior (do qual Delcídio fazia parte) trabalhavam para usar os Tribunais Superiores na obstrução das investigações do petrolão.

Quando o filho de Nestor Cerveró gravou o líder do governo afirmando que conversaria com os ministros do Supremo sobre a liberação do criminoso, suas excelências mandaram prender o senador com brados em defesa da justiça contra o crime, “não passarão” etc. Em seguida, livres da berlinda, meteram o bisturi no Poder Legislativo travando o rito do impeachment.

Até prova em contrário, o Congresso Nacional é mais confiável que o Supremo Tribunal Federal – justamente por ser muito menos qualificado. Ou seja: uma tragédia. Mas quem pode tirar o país da tragédia maior são os parlamentares – se as ruas mandarem. Treze de março, Dia Internacional da Mulher Sapiens.


O cenário falso de Dilma - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Dilma e Lula prometeram o impossível. Blefaram. O papel de parede e os eletrodomésticos se foram


O sonho de Dilma é deixar explodir na mão de qualquer outro a massa falida em que seu governo transformou o Brasil e sair por aí de bicicleta. Só se fala de Lula. A presidente deve agradecer de joelhos à Justiça atabalhoada brasileira, que tem desviado o foco das denúncias contra seu governo. Dilma tentou ser populista e popular. Não conseguiu ser uma coisa nem outra. O “dilmismo” nunca passou de um cenário provisório e improvisado.

Um cenário falso como o do apartamento do Minha Casa Minha Vida, adquirido pelo casal Eliel e Adriane Silveira, em Caxias do Sul. No início, eles se sentiram num sonho. O casal foi informado de que Dilma, em pessoa, entregaria as chaves de seu apartamento. Os dois vibraram ao ver que seu apartamento estava mobiliado e decorado. Dilma foi filmada com o casal. Depois da visita presidencial, a decoração foi removida. Geladeira, fogão, televisão e máquina de lavar.

“Só não levaram o resto dos móveis porque a gente bateu o pé e não deixou”, disse Adriane. “O tapete, disseram que poderíamos ficar com ele, porque tinha sido muito pisado.” A Arcari Empreendimentos retrucou que ninguém havia prometido doar nada, mas, diante da repercussão negativa, os eletrodomésticos voltaram. “Nos avisaram que a presidente viria e que precisaríamos ambientar um apartamento para a visita”, explicou Francielle Arcari, do departamento jurídico da construtora. “Colocamos até papel de parede, e vamos deixar, mesmo não sabendo quem prometeu.”

A história de Eliel e sua mulher Adriane parece surreal, mas é a melhor metáfora para o governo Dilma. Não o final feliz – no qual ninguém acredita, especialmente a “presidenta” e os pobres. A história ilustra a fantasia populista brasileira. Dilma, Lula e o marqueteiro João Santana “ambientaram” um cenário grandioso na última eleição para inventar um país que só existia na propaganda político-partidária, sem compromisso com o futuro da economia e da população. Blefaram. Prometeram o impossível. Rasgaram depois até o papel de parede, os eletrodomésticos se foram, os empregos também, o país ficou no escuro.

Dilma e Lula juntos no Meu Tríplex Minha Vida, com fim de semana no Meu Sítio Minha Vida, tudo com a cumplicidade e as doações de empreiteiras. As construtoras pagavam palestras, viagens e imóveis do padrinho e, em troca, eram escolhidas para comandar os empreendimentos furados da afilhada. Eram um pouquinho maiores do que a Arcari Empreendimentos, aquela que botou, tirou e recolocou os eletrodomésticos na casa de Eliel e Adriane.

O populismo é a ideologia da ignorância. Confunde esquerda e direita, mistura promessas na mesma sopa. O populismo se sustenta em líderes carismáticos e se alimenta da manipulação da massa. A História tem exemplos com resultados dramáticos. O programa Sem fronteiras, da GloboNews, analisou ciclos de populismo no mundo e abordou alguns fenômenos atuais de ascensão e queda. Qual a diferença entre ser populista e popular? A quem serve o populismo, cuja retórica costuma ser o “nós contra eles”?

Donald Trump, o pré-candidato republicano nos Estados Unidos, é o mais exorbitante populista no momento. Quanto mais esbraveja, mais conquista a audiência e eleitores. Mesmo que seja com palavrões. Já viram algo parecido? Trump é uma celebridade, com seus livros, hotéis e cassinos, que fica “confortável diante das câmeras, fala como demagogo contra imigrantes ilegais, especialmente mexicanos”, e faz parecer simples combater o Estado Islâmico e os terroristas. A definição é de Michael Kazin, professor de História da Universidade de Georgetown, para o Sem fronteiras. Como muitos populistas, diz Kazin, “Trump gosta de reduzir a política a um conjunto simples de polarizações” porque o “populismo é um dispositivo para mobilizar o povo contra as elites”.

Na França, a populista mais popular é Marine Le Pen, com discurso social e nacionalista de direita, contra a imigração. Na América Latina de populistas de esquerda como Juan Perón e Getúlio Vargas, o movimento tem caído em desgraça – na Venezuela, no Equador, na Argentina, na Bolívia e no Brasil.

“O populismo, quando surge, permite acentuar o que a democracia tem de positivo e de negativo. Se o populismo se consolida, é um sintoma de que havia gente que não se sentia representada. Pode criar, assim, fenômenos de inclusão social importantes”, disse ao jornalista Silio Boccanera, da GloboNews, o uruguaio Francisco Panizza, professor de política da London School of Economics e autor do livro Populismo e o espelho da democracia.

“Mas também há populismos extremamente destrutivos que levam a uma completa polarização social e a um conflito social muito difícil de resolver.” É, no mínimo, um alerta para este domingo 13.


Aparelhamento ameaçado - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo 12/03

Começaram a aparecer, em 2014, os primeiros sinais de reação – por parte de seus próprios empregados – ao aparelhamento pelo PT das empresas estatais e seus fundos de pensão. São ainda tímidos, consideradas as dimensões da vasta operação, ao mesmo tempo ideológica e fisiológica, montada para sustentar o projeto de poder do lulopetismo. Mas nem por isso menos importantes, até porque os atos de resistência tendem a se multiplicar, estimulados pela grave crise política, econômica e moral que vive o País e mostrou a verdadeira face daquele projeto.

O episódio mais recente foi a vitória, na eleição para representante dos funcionários no Conselho de Administração da Petrobrás, de uma chapa formada por engenheiros – Betânia Coutinho e Daniel Dellamora Bonolo – sem ligações com partidos políticos ou organizações sindicais. Essa é a primeira vez que isso acontece, desde que foi criada em 2012 aquela vaga para os funcionários poderem participar de discussões e decisões sobre os negócios e os rumos da empresa.

Antes, a disputa da vaga ficava restrita a candidatos da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP). Para a primeira, que não esconde a frustração com a derrota, “a categoria petroleira optou por entregar a vaga dos trabalhadores a quem pensa como o mercado”. A verdade, como diz um funcionário que prefere se manter anônimo, é que essa eleição “foi um sinal de que os empregados não aguentam mais a influência dos sindicatos e do PT na Petrobrás”.

Ou, como diz a candidata vencedora, Betânia Coutinho, desde que concorreu pela primeira vez ao cargo, no ano passado, “percebi que os empregados da Petrobrás buscavam uma alternativa de representação que não necessariamente seja vinculada a qualquer grupo político”. Daí porque promete que sua atuação será técnica. Uma mudança radical em relação à forma – viciada pela política e o sindicalismo – de tratar os problemas da empresa, que é um dos componentes da situação desastrosa em que ela se encontra.

Dois outros episódios mostram que a revolta contra o aparelhamento de estatais e fundos de pensão não é de hoje, embora ainda caminhe lentamente por causa da forte resistência dos que neles se encastelaram para ali exercer uma militância regada a bons salários e outros benefícios. Em maio de 2014, surgiu um grupo de oposição à chapa do PT e da CUT na eleição para dois cargos de diretores e seis de conselheiros da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ).

Um dos pontos principais de seu programa era introduzir mudanças na escolha dos dirigentes para que, como dizia Cecília Garcez, integrante daquele grupo, o sistema permitisse que a experiência como dirigente sindical contasse tanto quanto a de ter sido executivo em uma empresa. Esse objetivo modesto – afinal, trata-se de algo elementar – mostra como tem sido difícil desmontar o esquema armado pelo PT.

Mas o avanço nesse sentido no âmbito da Previ foi importante, porque ela é o maior de todos os fundos das estatais e também exerce influência sobre dezenas de empresas das quais é acionista e que vão do petróleo à indústria aeronáutica. É um universo de pelo menos 50 cargos em conselhos de administração e fiscalização.

Ainda em 2014, uma chapa de oposição ao conjunto PT/CUT conquistou cargos importantes na direção do Fundo de Pensão da Caixa Econômica Federal (Funcef), que é o terceiro maior do País.

A faxina até agora lenta dos fundos de pensão e da máquina administrativa das empresas estatais poderá ser acelerada não apenas pela crise, mas também pelos efeitos nefastos do seu aparelhamento político. Má gestão e investimentos feitos sem rigor técnico, quando não por critérios políticos, acarretaram sérios prejuízos e ameaçam as pensões pagas a seus integrantes, que não deixarão de reagir.

Tudo isso junto começa finalmente a colocar em xeque mais essa desastrosa aventura petista.