Eu já fiz filmes de amor. Agora estou terminando mais um: "A Suprema Felicidade". Não é um filme sobre um caso de amor apenas, mas sobre a busca pela felicidade que passa pelo sonho do amor eterno. Como escrevo às vezes sobre amor, pessoas na rua me agarram e perguntam: "Mas, afinal, o que é o amor?". E esperam, de olho muito aberto, uma resposta "profunda". Eu penso, penso e digo: "Sei lá...".
Não sei, ninguém sabe, mas há no ar um lamento profundo pelo fim do sonho de harmonia, de "happy end".
Sinto dizer, mas acho que as apoteoses não existem mais nem no amor nem na política, em nada. Estamos no tempo das coisas que não terminam, dos problemas sem solução.
O século XXI é o fim da crença na plenitude, na inteireza, seja no sexo, no amor e na política.
(Este artigo parece uma daquelas bobagens apócrifas que postam na internet com meu nome... Surgiu agora um horroroso chamado "Amar é..." de que muitas mulheres gostam. Quando eu digo que não é meu, me olham com rancor).
Mas, vamos em frente.
Quando eu era jovem, nos anos 60/70, o amor era um desejo mais romântico. Depois, nos anos 80/90, foi virando um amor de mercado. O ritmo do tempo acelerou o amor, contabilizou o amor, matando seu mistério.
Não vemos mais amantes definhando de solidão, nem romeus nem julietas, nem pactos de morte de guaraná com formicida, nem mais o amor brilhando como uma galáxia remota.
O amor não tem onde se ancorar, não tem mais a família nuclear para se abrigar. O amor ficou pelas ruas, em busca de objeto, esfarrapado, sem rumo. As pessoas "ficam" muito, transam mais, como quem toma um sorvete, sem o lento perder-se dentro de "olhos de ressaca".
Mas, mesmo assim, cafajestes e devassas, todos anseiam por uma paixão impossível, uma "suprema felicidade". O que chamamos de "amor" é uma fome "celular", entranhada no DNA, no fundo da matéria. É uma pulsão inevitável, uma reprodução ampliada da cópula primitiva entre o espermatozoide e o óvulo. Somos grandes células que querem se re-unir, separadas pelo sexo que as dividiu. O resto é literatura.
Se bem que grandes poetas como John Donne ou João Cabral sabiam que o amor é uma demanda da Terra, para atingirmos a calma felicidade dos animais.
Temos de parar de sofrer romanticamente porque "acabou o amor" (ou mesmo o paraíso social...).
O pensamento amoroso ou filosófico lamenta uma unidade perdida. Continuamos - amantes ou filósofos - com a nostalgia por alguma coisa que pode voltar atrás. Não volta. Nada volta atrás.
Não adianta lamentar a impossibilidade do amor. Temos de celebrar cada vez mais o parcial; só o fortuito é gozoso. Temos de parar de sofrer por uma plenitude que não chega nunca.
Aceitar a "incompletude" talvez seja a nova forma de felicidade. E achar isso bom, também.
Em todas as revistas, fotos, filmes, a "imagerie" do erotismo contemporâneo "esquarteja" o corpo humano. Vejam as artes gráficas, vejam as fotos de revistas de arte, onde tudo é (reparem) decepado, dividido, pés, escarpins negros, unhas pintadas, bocas vermelhas, paus, seios, corpos imitando coisas, tudo solto como num abstrato painel. Tudo evoca a impossibilidade saudosa de um "objeto total", da pessoa inteira.
Parece uma louvação da perversão, do fetichismo, do erotismo das "partes", do "amor em pedaços". No entanto, hoje creio que estamos além do fetichismo, além da perversão.
Não há mais "todo"; só partes. O verdadeiro amor total fica cada vez mais distante, como nas narrativas romanescas.
O que é ser feliz? Onde está a felicidade no amor e sexo? No casamento?
No entanto, vejamos o outro lado; sem a promessa de amor eterno, tudo vira uma aventura. Em vez da felicidade, existem as fortes emoções, a deliciosa dor, as lágrimas, os hotéis, os motéis delirantes, as perdas, os retornos, os desertos, as luzes brilhantes ou mortiças, a chuva, o sol, o nada. Os filmes maravilhosos e românticos do chinês (de Hong Kong) Wong Kar-Wai são assim: "Amor à Flor da Pele", "2046".
Ele só fala da impossibilidade do amor... E nos emocionamos com o vazio... As personagens têm uma espécie de "saudade" de um amor que nunca terão. Ficam na chuva, impotentes, entre luzes de néon. A paixão fica ali, pulsando, no espaço entre elas, intransponível.
Acho que isso pode ser uma libertação. Talvez precisemos de um amor que busque atingir a "intensidade" em vez da "eternidade". Talvez seja bom o fim de um "happy end" futuro e o início do "happy" presente.
Transformar a dor de viver numa forma de arte que nos faça feliz. A felicidade é uma virtude bailarina, parodiando Oswald e Nietzsche (com todo o respeito).
E é bom mesmo que acabe essa ilusão do idealismo romântico, para legitimar a família e a produção, pois (vamos combinar) a verdade é que tudo acaba mal na vida. Não se chega a lugar nenhum porque não há onde chegar... Há que perder esperanças antigas e talvez celebrar um sonho mais "trágico", com a selvagem beleza do efêmero.
Se aceitarmos isso, talvez a saudade venha como excitação, a dor venha como prazer, a parte como o todo, o instante como eterno. E não se trata de pessimismo. É bom sofrer uma epopeia passional, é bom a saudade, a perda, tudo, menos a insuportável felicidade obrigatória.
Tudo bem, querermos paz e sossego, tudo bem nos contentarmos com o calmo amor, com um "agapê", uma doce amizade dolorida.
Mas a chama emocionante só vem com a droga pesada do século XXI: a paixão impossível. E isso é bom. Enquanto sonharmos com a plenitude, seremos infelizes. A felicidade não é sair do mundo como privilegiados seres, mas entrar em contato com a trágica substância do não-sentido.
Temos de ser felizes sem esperanças. É difícil; mas não há outro jeito.