quarta-feira, novembro 07, 2012

Rio Grande do Sul do sim - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 07/11


Faz tempo que deixei de ser publicitária e talvez, por isso, já não preste tanta atenção no que se faz no setor, mas “Rio Grande do Sim” reacendeu em mim o entusiasmo da ex-profissional de marketing que fui. Que ideia bacana, não só pela criatividade da expressão, mas pela pertinência do movimento.

Estou totalmente solidária à ADVB e espero que essa campanha consiga de fato mudar a nossa mentalidade. Chega de sermos tão desconfiados em relação ao novo, tão defensivos, tão protecionistas de nossas raízes, como se tudo o que viesse de fora fosse prejudicial, e não evolutivo.

Para abrir um viaduto, algumas árvores terão que ser transplantadas. Para desenvolver um parque na beira do rio, algumas mudanças no traçado original serão necessárias. Para atrair investimentos, é preciso negociar com mais jogo de cintura.

Não há desenvolvimento sem algum custo – o que se deve é ter bom senso para quantificar se esse custo é tolerável ou abusivo. A população viaja para grandes centros, como Nova York, e volta deslumbrada pela “cidade que não dorme”, mas não faz nada para permitir que Porto Alegre seja menos sonolenta.

Claro que cada construção e cada desconstrução requerem consenso, não se pode escancarar porteiras sem ouvir todos os lados atingidos, mas é preciso que cada um de nós – e esse é o grande desafio da campanha – reflita profundamente sobre si mesmo.

Até onde nosso conservadorismo impede de termos experiências novas? Por que tanto medo de mudar? Que trajetória de vida é essa que se pretende igual do nascimento à morte, sem sustos, sem surpresas, sem erros, sem acertos, sem nada que seja palpitante? Falta-nos mais ousadia.

Eu mesma já fui um exemplo de rigidez. Até anos atrás, diante de qualquer pergunta, a primeira palavra que saía da minha boca era “não”. Antes mesmo de entender o que estava sendo proposto: não. Era uma espécie de escudo, uma blindagem natural. Só depois de ouvir as argumentações é que eu relaxava e avaliava a questão sem tanta rejeição prévia, mas aí, tique-taque, o relógio já havia andado. Mudei. Não totalmente, mas bastante.

Não tenho mais tempo a perder. Deixo o sim se instalar com mais rapidez. Consigo fazer o sim prevalecer, mesmo sem garantia, pois aprendi que não existe garantia de nada, nunca. Há que se correr riscos para crescer. Quem não arrisca, atola. Não sai do lugar.

Que se faça muito barulho com essa campanha. Para acordar a todos nós.

Um convite: no próximo sábado estarei na Feira, às 16h, autografando meu novo livro, Um Lugar na Janela, que traz diversos relatos de viagens. Manter-se em movimento ajuda a ampliar nossa visão de mundo. Viajemos – nas ideias, inclusive. Hora de sair do chão.

Uma deliciosa quarta-feira para você

Batman & Chaplin - ANTONIO PRATA

FOLHA DE SP - 07/11


Lorde inglês, dançarina de cancã. Poucos objetos são mais contraditórios que o guarda-chuva


Dentre os inúmeros objetos que pertencem ao reino da comédia -como o funil, a tuba, a gravata borboleta e o saca-rolhas-, tenho um apreço especial pelo guarda-chuva, esse fiel e destrambelhado companheiro.

Eu disse fiel, e algum leitor, lembrando-se de todos os guarda-chuvas deixados no chão de táxis, na porta de restaurantes, na casa de amigos, pode discordar. Não os acuse injustamente, meu caro: a culpa por essas perdas não foi deles, mas de sua distração. Muito diferente do que acontece com Bics e isqueiros, por exemplo, esses sim seres nada confiáveis, vagabundos, beatniks que mal entram num bolso e já querem pular pro próximo, ansiosos por tocar novos dedos, escrever outros textos, provar diferentes cigarros. Uma Bic ou um isqueiro perdidos estão livres: um guarda-chuva abandonado é órfão. (Talvez por isso, a-liás, já venha ao mundo de luto.)

Se fosse apenas fiel e triste, porém, como um velho mordomo num romance do século 19, eu não teria nenhum apreço pelo guarda-chuva. O que me encanta nessa improvável traquitana é que por trás de sua aparente seriedade, por baixo de seu solene black tie, encontra-se, como eu dizia lá no começo, um humorista.

Você está andando pela Paulista num dia de chuva. Observa, deslizando pela calçada, a cordilheira de abóbadas negras, competentemente armadas. Então, aproveitando uma rajada de vento, um desses comediantes joga o fraque pra cima, pelo simples prazer de exibir suas anáguas de metal, como uma dançarina de cancã. Um chacoalhão de seu dono e o pândego volta ao normal, fingindo que nada aconteceu, com a ironia britânica que lhe é peculiar.

Lorde inglês, dançarina de cancã, percebe? Poucos objetos são mais contraditórios. Visto por cima, vestido balonê; por baixo, revolução industrial. Armado, miniparaquedas; fechado, banana passa.

Sempre que, em qualquer canto do globo, um guarda-chuva é aberto, põe-se em movimento o eterno cara ou coroa entre a Ordem e o Caos. Por centenas de vezes, o anel desliza perfeitamente pela haste, as varetas se erguem, a lona estica: Apolo venceu. Um dia, contudo, um dia em que este caprichoso filho de morcego com bicicleta acordou com a pá virada, cada ossinho de metal resolve mover-se prum lado; onde deveria desabrochar o hirto semicírculo surgem mil cotovelos, em vez da perfeição esférica temos um Bicho da Lygia Clark -e é assim, com uma gargalhada de Dionísio, que morre um guarda-chuva.

Morre, mas só individualmente. Coletivamente, apesar de seu óbvio anacronismo (é primo do 14 Bis, irmão da máquina de escrever, namorou uma suffragette), resiste. E não ache que são poucas as tentativas de superá-lo. Segundo uma matéria da revista "New Yorker", o órgão responsável pelas patentes nos EUA tem mais de três mil registros relativos aos guarda-chuvas e a cada mês chegam tantos outros que há quatro funcionários só para cuidar dessa área.

No pasarán!, digo eu. "Eu, passarinho", dirá o guarda-chuva, e, esquecido no chão, aberto, aproveita a primeira lufada para sair voando -outra de suas brincadeiras favoritas-, desengonçado como uma galinha, como um gordo dançando balé, como um gorila brincando nos trapézios, irretocável em sua harmoniosa desconjunção.

Charadas ambulantes - DIANA CORSO

ZERO HORA - 07/11


Conheço um senhor para quem o essencial na vida se resume a um rádio de pilhas. Precisa acompanhar os noticiários para controlar as transmissões extraterrestres que falam a seu respeito. Isso é tudo o que quer da vida, não cobiça carro, apartamento de cobertura, TV com HD, Apple, Nike. Apreciaria ter com quem conversar sobre suas preocupações, isso basta.

Há aqueles cujos objetos preciosos cabem num saquinho de plástico que carregam sempre consigo. Dentro tem papéis rasgados, recortes de jornal, panos sujos, tiras, cadarços, alguma comida, pedaços de objetos. Cada uma dessas posses possui significado para seu dono, mas também pode ser descartada a qualquer momento. É gente sem nenhum apego.

Outrora ditos loucos de rua, hoje são considerados “portadores de sofrimento psíquico”. São também denominados de psicóticos e outras classificações científicas para os encarregados de sua saúde mental. Indiferentes à nomenclatura, andam por aí envoltos em sua nuvem.

Gesticulam nas calçadas, discursam para seus fantasmas, o olhar nublado raramente pousa nos passantes. Sabem parecer zumbis: andando no meio dos carros sem notar o perigo. Seguido estão bêbados, o álcool lhes adormece o delírio, a fome, as dores.

Sempre queremos tantas coisas, temos desejos sempre maiores do que as posses, por isso não há nada mais incompreensível do que esses franciscanos sem fé. Até o trombadinha, o ladrão, parecem mais naturais do que o maluco indigente: com esses ao menos partilhamos os objetos de cobiça. Já o mendigo enlouquecido rouba-nos as certezas, indiferente ao que consideramos essencial. Ele é uma charada que nos assalta, uma provocação involuntária.

Às vezes, bate um desânimo, um cansaço de lutar tanto, até as vitórias ficam sem sentido. Não é raro, entre os ditos normais, que se fantasie com desistir de tudo, com uma vida minimalista. Temerosos dessa vacilação, exilamos os que nada têm, nada querem, nada guardam. Eles, fazendo parecer opcionais os caminhos que acreditávamos ser naturais, nos despertam angústia.

De que (não) necessita gente que veraneia na calçada? Que trama encenam suas vozes, as imagens do seu delírio? O que dizem esses que falam estranho na nossa língua? Pensamentos e atitudes inusuais estremecem o que consideramos óbvio.

Toda diferença traz novos paradigmas: cegos ensinam a escutar, deficientes auditivos tornam os gestos mais eloquentes. Loucos indigentes questionam nossa necessidade de acumular cacarecos. O encontro com diferentes formas de perceber e compreender é como viajar, sem avião, sem drogas. Recomendo.

O comunista - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 07/11

O novo CD de Caetano Veloso, “Abraçaço”, que será lançado dia 27, tem uma música inspirada em Carlos Marighella, o ex-deputado e guerrilheiro morto pela ditadura em 1969. Chama-se “O comunista”.
Um trecho: “O mulato baiano/já não obedecia/às ordens de interesse/que vinham de Moscou.”

Aliás...
Segundo lenda antiga, Gilberto Gil teria gritado o nome do comunista na música “Alfômega”, lançada em 1969.
Mas o próprio artista negou, como lembra Mário Magalhães no livro “Marighella — O guerrilheiro que incendiou o mundo”.

Gol de mão
A Rádio Corredor da Justiça Desportiva já dá como certa a derrota do Palmeiras na tentativa de anular o jogo contra o Internacional (perdeu de 2 a 1) por causa do gol de mão de seu atacante Barcos, anulado pelo árbitro, supostamente, só depois de saber que a TV mostrara a ilegalidade (a Fifa proíbe recursos eletrônicos).
O pleito deve ser rejeitado por todos os nove auditores do STJD, amanhã 

Au, au, au
Nélida Pinõn, a querida escritora, ganhou na Justiça o direito de passear com seu cachorrinho pinscher no playground de seu prédio, na Av. Epitácio Pessoa, na Lagoa, no Rio.
O advogado Roberto Halbouti defendeu a tese de que Gravetinho Piñon, o totó, também é morador e, como tal, tem direito de circular pelas áreas comuns do condomínio.

A luta de David
Frei David, o guerreiro das cotas para negros, não entrega os pontos.
A Educafro promove hoje, às 16h, protesto contra a ausência de modelos negros no Fashion Rio e em outros desfiles de moda no país.

Romário
Corre no Twitter um movimento para Isabela, mulher de Romário, aceitar o marido de volta.
Ontem, o ex-jogador e atual deputado agradecia aos amigos em seu microblog: “Vocês são demais. Obrigado pelo apoio e pela campanha #IsabelaVoltaproRomario.”

Ronaldinho Gaúcho
O juiz Rafael Estrela, da 35ª Vara Criminal do Rio, mandou arquivar procedimento que corria no MP estadual sobre Ronaldinho Gaúcho.
Referia-se à divulgação na internet, em novembro de 2011, de imagens em que Ronaldinho exibia, digamos, a... pujança do seu Ronaldão. O juiz entendeu que o craque não cometeu crime.

Adriano
O promotor Márcio Almeida, do Jecrim da Barra, no Rio, começa hoje a preparar a denúncia contra Adriano e Júlio César de Oliveira, segurança do jogador, naquele caso do tiro que atingiu a mão de Adriene Cyrillo, dentro do carro do atacante.
Para Almeida, Adriano é culpado pela omissão. “Ele sabia que havia uma arma dentro do carro, manuseou a pistola e nada fez para evitar a lesão.”

Marquesa Lomellini
Todo o acervo da Casa de Pedra, aquela da Avenida Atlântica, em Copacabana, que pertencia ao espólio de Zilda Azambuja
Canavarro e foi vendida recentemente, será leiloado entre os dias 26 e 30 deste mês pelo escritório de arte brasileiro Salles Von Brusky, em São Paulo.
Na lista, esta pintura a óleo de Van Dick, de 1624, que representa a marquesa italiana Lomellini, cujo paradeiro era desconhecido no mercado de arte há uns 50 anos.

PARECE, MAS NÃO É
Você aí da poltrona sabe quem é este senhor bigodudo? Acredite, é Irene Ravache, nossa grande atriz. É que Charlô, sua personagem na novela “Guerra dos sexos”, da TV Globo, vai se disfarçar de operário para tentar descobrir o sabotador das peças produzidas pela fábrica Positano exclusivamente para as lojas Charlo’s. Viva Irene! 

Segue...
Estima-se que a obra, que pertenceu a Jules Porgès, considerado o maior minerador da europa no século XIX, valha R$ 2 milhões.

Deu no DO I
A cota de patrocínio da prefeitura carioca no show que Stevie Wonder vai fazer na Praia de Copacabana, no Natal, será de R$ 7 milhões.

Deu no DO II
A prefeitura do Rio vai desembolsar R$ 750 mil na contratação de Dudu Nobre para o projeto “Os mais belos sambas-enredos de todos os tempos”.

Retratos da vida
O juiz Luiz Alves Pereira, da 3ª Vara de Família de Jacarepaguá, no Rio, determinou o registro de um bebê de 3 meses, fruto de reprodução “in vitro”, gerado no útero da tia materna.
É que, diante da impossibilidade de a mãe receber o embrião, por ter retirado o útero, sua irmã, “por altruísmo e solidariedade”, com consentimento do marido, tornou realidade o sonho do casal.

Flu sabe o caminho - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 07/11


O Fluminense é o melhor e mais organizado time do Brasileirão. Muitos méritos para Abel Braga


Discordo de que o Fluminense poderia ser campeão com um futebol mais encantador. O time é bom e organizado, o melhor do campeonato, mas não é excepcional nem tão superior a alguns outros. O Flu sabe o caminho. Não se perde nem quer ser melhor do que é. Méritos para Abel Braga.

Diferentemente do Atlético-MG, que não joga bem fora de casa, por depender demais da pressão da torcida e de acuar o adversário, o Fluminense, pelo estilo e serenidade, atua bem e do mesmo jeito em qualquer estádio.

O Fluminense aprendeu com o Corinthians da Libertadores, que aprendeu com os melhores times europeus, como se arma um sistema defensivo com oito ou nove jogadores atrás da linha da bola e como se diminui os espaços entre os setores. No domingo, Lucas e Osvaldo tentavam driblar em velocidade e perdiam a bola. Havia sempre um jogador na cobertura.

Essa maneira de marcar não é nenhuma novidade. Os ingleses faziam isso em 1966, o Brasil, na Copa de 1994, o Boca Juniors ganhou vários títulos no Brasil jogando assim, e o Chelsea eliminou o Bayern e o Barcelona com essa estratégia.

Essa forma de marcar sempre foi vista no Brasil como uma retranca. Hoje, é uma evolução tática, desde que o time, quando recupera a bola, longe do outro gol, saiba discernir o momento de trocar passes, de ficar com a bola e de contra-atacar com velocidade. Há, no Brasil, um excesso de passes longos para o companheiro marcado. A bola vai e volta. É irritante.

Os times brasileiros, especialmente o Corinthians, e quase todos os grandes da Europa, utilizam também, em certos momentos da partida, a marcação por pressão.

O desenho tático atual, 4-2-3-1, muito usado em todo o mundo, é uma variação do tradicional 4-4-2, ou melhor, do 4-4-1-1. Em todas essas formações há um meia de cada lado, que marca e ataca, e um meia pelo centro, que volta para receber a bola e se aproxima do centroavante. As coisas vão e voltam com nomes diferentes e com o marketing de moderno.

Muitos confundem mudanças normais de posição, por causa da mobilidade dos jogadores, com alterações táticas determinadas pelos treinadores.

A seleção brasileira também utiliza o 4-2-3-1, porém, agora, sem centroavante fixo. Além de ficar com mais mobilidade e menos previsível, evita que Neymar volte para marcar o lateral pela esquerda, como teria de fazer se o time tivesse um outro e típico centroavante. Mano Menezes, com razão, quer Neymar mais próximo do gol. Quem volta para marcar o lateral, pela esquerda, é Kaká ou, às vezes, Oscar.

Kaká, pelas características, é mais reserva do atacante Cristiano Ronaldo, no Real Madrid, do que do armador Özil. Isso é péssimo para Kaká. Será sempre reserva.

Conversando com Deus - PAULO SANT’ANA

ZERO HORA - 07/11


Eu sinto que tenho relacionamento com Deus.

Relação com Deus, eu já sabia que tinha.

Mas agora eu sinto que estou me relacionando intimamente com Deus.

Como é que eu sinto? Vou dar um exemplo: quando cai um objeto de minhas mãos no chão, apesar da minha terrível tontura incapacitante, eu me esforço, eu me esforço e ainda consigo com muito sacrifício juntar esse objeto.

Doem-me as pernas e os braços, as juntas, mas eu apanho no chão o objeto.

O que é que isto tem a ver com meu relacionamento com Deus? Tudo.

É que Deus tem sabido dosar o meu sofrimento. Ele sabe exatamente até onde eu posso suportar.

No dia em que eu não puder mais juntar o objeto do chão, terei morrido. E por enquanto ainda não é o que Deus quer. Deus, sinto, ainda tem planos para mim.

Sendo assim, a ração de sofrimento que Deus está designando para mim está no meu limite.

Se Deus apertar um pouco mais o torniquete, eu morro.

Assim como Deus nos dá ração de sofrimento, dá-nos também ração de felicidade.

Durante quantas vezes em minha vida (inúmeras), Deus me presenteou com tais êxtases de felicidade, que estive à beira de explodir, de morrer de felicidade?

Mas Deus teve controle e meu deu muitas vezes a dose-limite de felicidade que eu podia suportar.

Deus tem limites e conhece os meus limites.

O máximo que eu posso suportar é essa tontura incapacitante que tira a minha locomoção, que subtraiu toda a motricidade de meus nervos e músculos e que me faz seguir em frente somente na banguela.

Se passar daí, faleço.

Sob certo aspecto, é muito bom conviver com o sofrimento. Quer-me dizer que sou uma criatura viva, não sou um objeto, uma pedra, um martelo. Faz-me sentir humano, isto é, uma criatura de Deus.

Esse meu sofrimento é suportado pela esperança. Esperança de dias melhores. Pode ser que um dia um médico caído do céu diagnostique essa minha tontura. E acabe com ela em três dias.

É essa esperança que me mantém erguido. Se eu não tivesse essa esperança, já teria soçobrado, como soçobrou esses dias o Tatata Pimentel.

Quando pararem todos os relógios da minha vida e a voz dos necrológios gritar nos noticiários que morri, em torno de meu caixão quero que meus amigos comentem que ali diante deles está um homem que sofreu muito mas que também foi muito feliz.

Que curtiu profundamente os momentos felizes e que suportou com estoicidade e galhardia os cruentos sofrimentos.

Que teve instantes orgásticos de ventura e dias, meses, anos seguidos de cruciante padecer.

Isto, afinal, é ser homem. Isto, afinal, me diferencia dos batráquios.

Mas enquanto não para o meu coração, estou aqui a cada dia que o sol desponta à espera do que venha pela frente, seja um dilacerante martírio, seja uma felicidade incomparável.

Para isto, vim ao mundo, para sofrer ou para ser venturoso.

Ex - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 07/11


RIO DE JANEIRO - Prometi-me não escrever mais sobre Adriano, o ex-Imperador, ex-atleta, ex-jogador. Aos 30 anos, sua carreira no futebol está encerrada. Todas as tentativas para recuperar seus tendões, fazê-lo perder 20 kg e botá-lo em forma, por mais bem planejadas, fracassarão. A tendência é a de que as notícias a seu respeito logo deixem as páginas de esporte e se mudem para outros cadernos dos jornais.

Mas, se o jogador não é mais personagem, resta o homem -e é este que, mais do que nunca, está em perigo. O Flamengo, clube que o revelou e do qual ele se afastou de vez nesta segunda-feira, mantinha-o "treinando" por medo de que, sem o futebol, Adriano emburacasse de vez. A intenção era louvável, mas inútil. Ele já emburacou. Não tem mais controle sobre seu comportamento. Quem o comanda é o álcool.

Adriano sobe aos palcos ou à mesa dos botequins e se diz "orgulhoso de ser da favela", que "tem dinheiro, mas não precisa dele" e é vítima "da inveja". É a prepotência em pessoa. Não admite seu único problema: o de que sua vontade tornou-se uma combinação de água, malte de cevada e lúpulo.

Ainda não chegou ao estágio em que o sentimento de culpa faz com que o alcoólatra cogite sinceramente interromper o consumo (mas não consegue, porque o organismo já fala mais alto do que o cérebro). E, pelo tom eufórico de suas aparições, sempre registradas pelas câmeras, ainda não foi tomado pela depressão e pela inércia. Mas tudo isto -culpa, depressão, inércia- sobrevirá, e não terá a ver com o fato de ele estar "treinando" ou não. Será apenas uma fase inevitável do processo.

A única chance para o homem Adriano seria uma internação de pelo menos seis meses em clínica especializada e de regime fechado. Mas os alcoólatras têm uma lógica própria. Não se envergonham da doença -só do tratamento.

O dia seguinte (Volta ao Mundo) - HELENA CELESTINO

O GLOBO - 07/11


Colocar os EUA de volta na rota do crescimento, negociar novas regras de comércio com a China e decidir o que fazer no Oriente Médio. Por maior que seja o tamanho da encrenca, são estes os principais desafios que esperam o próximo presidente.
Falar é fácil mas mexer com isso é uma complicação com repercussão no mundo todo. E pior, ele terá pouco tempo para dar essa virada na maior economia do planeta - no máximo até o meio de 2014 - quando começa uma nova campanha eleitoral e ninguém mais vai querer tratar de assuntos difíceis. Mais uma má notícia? O presidente terá de encarar um Congresso com má vontade, pois provavelmente a Câmara de Deputados será de maioria republicana e o Senado, democrata. Exatamente no mesmo estilo dos últimos dois anos, uma espécie de inferno em vida enfrentado por Barack Obama, que acabou enredado na paralisante mesquinharia política do Tea Party.
Nada disso andou frequentando os palanques, mas estava por trás da troca de farpas envenenadas nessa longuíssima campanha eleitoral. Não por acaso, ficaram mais raras as cenas de emoção nas multidões acompanhando o energético Obama de 2008, inspiradas por suas promessas de mudar o mundo. "Ele tem o poder das palavras, criou esperanças impossíveis de cumprir", comenta Gay Talese, um outro mestre da língua inglesa.
Apesar de suas elogiadas costeletas presidenciais, Mitt Romney se escorou na perspectiva de derrotar Obama para entusiasmar seus eleitores, acenando-lhes com uma espécie de revanche pelos anos difíceis da economia, mas sem propostas concretas. Num país dividido ao meio entre democratas e republicanos, ficou mais fácil encenar um Fla-Flu do que tratar das dificuldades do mundo real.
No palanque, nenhum candidato resiste a retomar a narrativa do sonho americano, a terra de oportunidades em que todos estão convidados a participar das benesses do capitalismo. O ritual se manteve nesta campanha, mesmo se esta utopia faz mais parte do imaginário coletivo do que da vida cotidiana, mostram as estatísticas e as cenas de Nova York pós-furacão: desemprego de 8%, desigualdade crescente, 40 milhões sem acesso à saúde, déficit explosivo, perda de competitividade no comércio internacional, gastos trilionários com guerras ainda não completamente encerradas.
Na cidade que gosta de se ver como a capital do mundo, votar ontem era passar por escombros, subir e descer 20 andares em mais de 400 prédios sem luz e água quente, zonas eleitorais fechadas por servirem de abrigo para cerca de 40 mil sem-casa, Cruz Vermelha e prefeitura distribuindo comida e agasalhos às vítimas de Sandy. Trata-se de um desastre natural, mas ficaram entre as promessas esquecidas de Obama o corte nas emissões de gases e, no receituário de Romney carvão é estrela e o aquecimento global nem aparece.
No front externo, a vida não foi mais fácil para o presidente: as finanças mundiais contaminadas por Wall Street, a retirada do Iraque e do Afeganistão, as guerras da Primavera Árabe, sangue na Líbia e na Síria, a crise moral e financeira na Europa, a chegada turbulenta da China ao cenário mundial. Foram quatro annus horribilis , atestam os cabelos mais grisalhos de Obama e seus eleitores muito menos alegres e entusiasmados. E agora, o que vem por aí? Romney parece pretender gerir os EUA como uma empresa e o mundo como um mercado, ameaçado por Rússia, China e Irã. Já Obama vai em busca do tempo perdido.
A prioridade zero será evitar o abismo fiscal. Os republicanos querem manter os cortes de impostos para os mais ricos - determinados na era Bush, expirando neste fim de ano -e aumentar os gastos militares. Os democratas pretendem taxar os mais ricos e cortar despesas na Defesa.
Mais do que uma discussão sobre impostos, são duas visões de mundo opostas. Na narrativa tradicional, corte de impostos dos empresários ativa a economia, cria empregos e riqueza. Já os democratas desafiam o mito de que todos vencem no modelo capitalista americano. Pela primeira vez um presidente diz às elites que o bom para o 1% mais rico não é necessariamente bom para a classe média, alterando uma história longamente acalentada. Para transformar teoria em prática, vai tentar implementar a reforma da saúde e, se tudo der certo, a lei de imigração. E tentar uma política externa sem novas intervenções militares.

Violência paulistana - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE S.PAULO - 07/11


SÃO PAULO - O que está acontecendo com a violência em São Paulo? É difícil dizer. Até pela política de transparência zero que o governo do Estado dá ao problema das organizações criminosas, podemos apenas especular com base nos dados objetivos que foram divulgados.
A julgar pelos números, estamos diante de um recrudescimento dos homicídios dolosos, cujas vítimas, na capital, saltaram de 71 em setembro do ano passado para 144 em setembro deste ano. É claro que boa parte desse aumento de 102,8% se deve a efeitos estatísticos. Estamos comparando um mês particularmente ruim com um especialmente bom. Os dados ficam menos assustadores se considerarmos o acumulado do ano, hipótese em que a alta é de 24,6% contra igual período de 2011.
De toda maneira, é inegável que houve uma mudança para pior e que ela faz soar o alarme. A constatação de que as mortes de policiais também subiram bastante torna difícil negar a versão de que a elevação da violência se deve a uma guerra travada entre agentes da lei e membros do crime organizado.
A questão central é se essa situação vai perdurar, comprometendo os avanços históricos do Estado de São Paulo, que fez os homicídios caírem de 35,27 por cem mil habitantes, em 1999, para 10,05 em 2011, ou se estamos diante de um fenômeno mais passageiro.
Pessoalmente, aposto na segunda hipótese. Para começar, muitos dos macrofatores que ajudaram a baixar os números paulistas, como os investimentos na polícia, o envelhecimento da população e a solidificação de relacionamentos sociais, continuam a pleno vapor. O mais importante, porém, é um outro aspecto. Governantes não gostam nem de ouvir falar, mas a tendência é que policiais e criminosos encontrem um "modus vivendi". O estado de confronto permanente, afinal de contas, é ruim tanto para a saúde como para os negócios dos envolvidos.

Fantasmas e eleitos - ROBERTO DaMATTA


O Estado de S.Paulo - 07/11


"Durante o curso ginasial, pelos idos de 1936, ouvi dois aforismos que marcaram minha vida. O primeiro dizia: 'Não se pode comer todas as mulheres do mundo, mas deve-se tentar' e expressava um impossível ideal varonil que muitos falavam entre sorrisos, mas poucos seguiam. O segundo sugeria o inverso, mas, no fundo, dava no mesmo porque rezava: 'Não se pode ler todos os livros do mundo, mas deve-se tentar'. Todos os chamados 'maus alunos' sabiam o primeiro e todos os 'bons alunos', aspirantes à castidade, fechavam por muitos motivos com o segundo ideal, o principal deles sendo a ausência absoluta de conhecimento concreto com o objeto do primeiro adágio. Como quase todo mundo, eu fui simultaneamente um bom e um mau aluno, de modo que persegui sem fé os dois ideais, como, acredito, é o destino de todos que vão atrás de causas perdidas."

Ouvi essas palavras de um dos meus parentes. Acho que foi de tio Silvio, quando logo que me casei e comecei a tomar parte na sua roda de botequim, que incluíam a cerveja (carinhosamente chamada de "lourinha - a edificante") e as histórias de conquistas amorosas, que corriam naquela roda de homens maduros e que iam ficando cada vez mais apimentadas (e impossíveis), na medida em que as garrafas vazias de sonhos se acumulavam num canto esquecido da mesa.

Seriam o gozo e o saber ideais paralelos cujo encontro ocorreria apenas no infinito? Penso que não, porque quanto mais se lê, mais se deseja; e quanto mais se deseja, mais aumenta o consumo dos livros. Conheci muitas pessoas que viveram nesse campo minado entre dois ideais aparentemente contraditórios. Se você é mulher ou de outro gênero, não se ofenda: inverta como quiser os termos do primeiro aforismo.

* * * *

Não se pode ler todos os livros e, em paralelo, "ler" todas as mulheres, sem pensar num outro trilho decisivo. O da memória e do esquecimento. Não ser esquecido soa como terrível no nosso mundo de personalismos egoístas (rotineiros na política) e altruístas (raros em todos os campos, sobretudo no intelectual). E ser esquecido, como na frase "vê se me esquece..." é um ato de brutal rompimento. Everardo Rocha, meu querido colega e amigo, lembra a carta testamento de Vargas demandando sua entrada na história e esculpindo em bronze uma eterna lembrança; e o pedido sarcástico - "eu quero que me esqueçam" - do último ditador militar, o general Figueiredo.

A luta entre o lembrar e o querer esquecer é imensa e ela é - sem exageros - a fonte do sofrimento. Não há fundo do poço para as lesões do esquecimento, exceto o aceitar ser esquecido. Não são os mortos que nos esquecem; somos nós que não queremos esquecer que eles nos esqueceram. Num mundo sem memória, todos seriam capazes de realizar tudo aquilo que a lembrança proíbe. Seria um lugar desumano, porque lembrar e deixar de lembrar é o que torna possível a compreensão.

Eu não fiz porque me lembrei de você, diz o menino para a mãe ou a amada para o amado. Ou: eu fui capaz de fazer porque não me esqueci de você. Foi sua presença dentro de mim que me forçou a realizar aquele ato heroico. Ou: trouxe uma "lembrancinha" para você - ou seja: eu te amo, meu irmão e meu amigo. Minha culpa é a minha lembrança. A memória tem um lado persecutório e o seu nome é passado. Quanto mais lembrança, mais peso. Ou mais saudade: essa lembrança que enternece o esquecimento.

Um dos maiores sofrimentos é ter a ilusão de que não se foi esquecido. O esquecimento absoluto, aprendi com os gregos antigos, via Jean-Pierre Vernant, é a morte. A paz é não ser mais torturado pelas obrigações ou deveres que chegam como dardos pela lembrança e pela perseguição do que não pode ser esquecido. Todos os bandidos aguardam o esquecimento e sabem que o crime pode virar piada de salão porque eles sequer pensam na lembrança que se possa ter dos seus atos. A punição e a vingança têm muito a ver com uma lembrança obrigatória e o perdão e a expiação fazem parte da regalia de poder esquecer - de suspender ou apagar as sequelas da lembrança que nos infligiu consternação.

É impossível controlar a memória porque todos somos feitos de uma infindável dialética de esquecimentos lembrados e esquecidos e de lembranças esquecidas e lembradas. Se isso deixa de acontecer, a pessoa vira um morto sem, como dizia Mark Twain, os privilégios da morte.

* * * *

Depois de eleitos e empossados, todos esquecem as promessas de campanha. E as falas de corpo presente, os discursos inflamados, indignados e sanguíneos, vindos do fundo do coração, transformam-se em projetos: em fantasmas e almas do outro mundo. São muitas promessas, logo pencas de espíritos que jamais se manifestam por falta de verbas ou de apoio.

Vivemos o período pós-eleitoral. Nele, os corpos dos candidatos que sofriam os nossos problemas dissolvem-se no cinismo do poder à brasileira. Transformados em cargos, os eleitos estão nos palácios e nós, eleitores (feitos de carne e osso), continuamos nos bairros sem calçamento e na rua. Eles comem todas e nada leem; nós tudo lembramos e logo esquecemos as promessas e os juramentos: o que deveria ser lembrado.

Isso me leva ao caso de outro paralelismo igualmente popular no Brasil: a crença em fantasmas.

A questão não é você a esquecer ou esquecer o lugar e as pessoas; é se saber esquecido. É ter a certeza de que você também passa.

Quando essa certeza é agasalhada no seu coração, a tempestade passa porque a esperança é a salvação pelo entregar-se à vida que contém a morte.

Espiões em toda parte - MARCELO COELHO

FOLHA DE SP - 07/11


Os nazistas pintam e bordam em pleno território de Tio Sam; ninguém desconfia de nada


O primeiro filme de James Bond apareceu há 50 anos, em plena Guerra Fria. Mesmo assim, o mais célebre espião do cinema não poderia pertencer aos quadros da inteligência americana; tinha de ser inglês.

Uma das muitas razões para isso pode ser intuída quando se assiste aos filmes da coleção "Hollywood Contra Hitler". A caixa reúne seis títulos feitos entre 1939 e 1944, no combate propagandístico do cinema americano em oposição ao regime nazista.

São filmes bastante simplórios e baratos, apesar de contarem com alguns nomes famosos na direção (Fred Zinnemann, Edward Dmytryk, Jules Dassin) e no elenco (Bette Davis, Joan Crawford, Spencer Tracy).

O mais antigo deles, "Confissões de um Espião Nazista", tem o propósito de apontar a inexistência de um bom serviço de inteligência a serviço dos Estados Unidos.

Os nazistas pintam e bordam em pleno território de Tio Sam; ninguém desconfia de nada, e passar segredos para a Alemanha parece a coisa mais fácil do mundo. Tanto assim que um palerma americano acaba se tornando um valioso informante a serviço de Hitler.

Consegue passaportes americanos em branco, por exemplo, com uma simples ligação de um telefone público. Diz ser o coronel Fulano de Tal, e o órgão emissor de passaportes logo se encarrega de entregá-los no local combinado.

Aliás, se alguns advogados do mensalão tivessem assistido a esse tipo de filmes, talvez pudessem melhorar a linha de defesa que adotaram.

Quando o espião é pego com o envelope, argumenta simplesmente que não sabia qual era o conteúdo. Que estava apenas fazendo um favor para seus amigos, agindo como um portador inocente.

Foi mais ou menos o que declarou Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil, para justificar os mais de R$ 300 mil em dinheiro vivo que chegaram, num envelope, às suas mãos.

No filme, quem desvenda a trama nazista é Edward G. Robinson, no papel de um policial do FBI. "Ora, ora", diz ele ao espião, "o senhor é inteligente demais para criar uma história tão boba como essa de que estava apenas sendo portador de um envelope..."

Mas o espião não era nada inteligente, e o ardil do investigador está em elogiá-lo o tempo todo. Consegue as informações jogando com a vaidade da vítima, e não pela ameaça.

Tudo parece meio difícil de acreditar, mas "Confissões de um Espião Nazista" se baseia numa série de artigos escritos por um ex-agente do FBI, que acabou demitido do posto por ter denunciado a fragilidade dos Estados Unidos diante dos esquemas do Reich.

Quanto aos ingleses, a prática da espionagem estava longe de ser novidade. As peças de Shakespeare fervilham de agentes duplos, e um país que esteve em guerra contra Napoleão certamente encarou Stálin e Hitler como capítulos, sem dúvida mais perigosos, de uma mesma e longa história.

A velha Europa contrasta com a célebre "inocência americana" em outro filme, com roteiro de Dashiell Hammett, baseado em peça de Lillian Hellman. "Horas de Tormenta", de Herman Shumlin, transporta os conflitos europeus para a mansão de uma aristocrata americana -o tipo da velhota desbocada que ninguém gostaria de ter como sogra, mas que é uma delícia de ver na tela.

Um conde romeno amigo de nazistas está hospedado ali e descobre um ótimo alvo de chantagem quando um dos líderes da resistência alemã a Hitler se refugia na mesma casa.

Os americanos, assinala o filme, até ali nunca tiveram nada a temer. Mas a realidade agora é outra -mesmo o assassinato pode ter justificações morais.

Com toda a discursividade que é inevitável nesse tipo de filme, e apesar dos toques de melodrama familiar em "Horas de Tormenta", faz bem voltar de vez em quando a esse universo em que o bem e o mal estavam claramente demarcados.

Vocês, americanos, são o povo mais supersticioso do mundo, diz um bandido mexicano no romance "Todos os Belos Cavalos", de Cormac McCarthy.

Acreditam que o bem e o mal estão dentro das coisas e das pessoas, do mesmo modo que alguém tem cabelo loiro, do mesmo modo que um carro é vermelho.

Para nós, mexicanos, continua o bandido, o mal e o bem simplesmente acontecem; estão em toda parte, à espera de oportunidades.

Se cabe a comparação, agem como espiões, não como fanáticos. Não deixa de ser uma visão útil para quem quiser perder a inocência sem se tornar cínico em função disso.

Adeus à meta fiscal de 2012 - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 07/11


O governo desistiu, como se previa, de alcançar o superávit primário de R$ 139,8 bilhões estimados para o setor público em 2012, segundo disse ao Estado o ministro da Fazenda, Guido Mantega. A arrecadação decepcionante havia evidenciado, nos últimos meses, as dificuldades para cumprir a meta fiscal. O superávit primário é a economia destinada ao pagamento dos juros e, quando possível, da amortização da dívida pública. É um componente essencial do tripé adotado a partir do fim dos anos 90 como base da política econômica. Os outros dois são a meta de inflação e o câmbio flutuante. O compromisso com o tripé está mantido, segundo o ministro. O governo, argumentou, apenas se valerá, neste ano, de uma possibilidade prevista na lei orçamentária para situações especiais. Renunciará à meta cheia de superávit primário e cobrirá a diferença com investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esse discurso é plenamente compatível com as normas orçamentárias. Além disso, problemas de financiamento são previsíveis em tempos de crise econômica. Vista em detalhes, no entanto, a política oficial é muito menos defensável.

O ministro da Fazenda atribuiu a perda de arrecadação ao baixo nível de atividade, aos estímulos tributários concedidos a alguns setores e à piora das contas públicas estaduais e municipais. Os estímulos são um custo importante para o Tesouro, mas em geral se justificam por seus bons efeitos. Facilitam a reativação da economia a curto prazo e resultam em mais arrecadação a médio prazo. Aqui surge o primeiro detalhe discutível: os incentivos foram dirigidos muito mais ao consumo do que à produção e seus benefícios ficaram confinados em alguns segmentos da indústria, como o automobilístico. Isso explica a prolongada estagnação do setor industrial, com forte impacto negativo na arrecadação. Por um erro de diagnóstico, os estímulos foram mal dirigidos e seus efeitos foram menores do que os pretendidos.

Um segundo ponto importante é a concepção de política anticrise adotada pelo governo brasileiro. É bem diferente daquela encontrada em países governados com critérios de longo prazo. Nestes, a administração pública segue o padrão fiscal contracíclico. A ideia é mais simples do que o nome. O Estado economiza nos tempos bons, por meio de austeridade na gestão de receitas e despesas, e acumula reservas para afrouxar a política em tempos ruins. Quando a economia fraqueja, o setor público tem condições de aumentar seus gastos e de aliviar a tributação sem comprometer a saúde fiscal de longo prazo. O melhor exemplo na América do Sul é o regime fiscal chileno, adotado há muitos anos.

No Brasil, os costumes são bem diferentes. O governo arrecada muito durante a maior parte do tempo e também gasta bem mais que o razoável, desperdiçando recursos numa gestão ineficiente. Além disso, aumenta constantemente as despesas incomprimíveis, tornando o orçamento cada vez mais rígido. Adota metas de superávit primário, mas apenas em valor suficiente para cobrir uma parte do serviço da dívida. A norma é fechar cada exercício com algum déficit nominal (o resultado geral de todas as receitas e despesas primárias e financeiras).

As consequências são facilmente previsíveis. Além de gastar com ineficiência nas fases de prosperidade, investindo muito menos que o necessário, o governo diminui a sua própria liberdade de ação, pelo engessamento progressivo de suas contas. Não faz reservas para os tempos ruins. Quando a economia entra em crise e a produção perde vigor, as escolhas são muito limitadas. À perda normal de arrecadação, consequência natural da crise, somam-se os incentivos temporários, nem sempre bem concebidos. Não havendo reservas para queimar, resta apenas a deterioração das contas públicas.

O governo, disse o ministro, reduzirá a meta de superávit primário e tentará preservar os investimentos. Seria mais fácil levar a sério essa parte do discurso, se pelo menos o investimento fosse realizado com eficiência. Não é o caso. Neste ano, como ocorre há muito tempo, o Tesouro investirá muito menos do que poderia, muito mais por falta de competência do que de dinheiro.

Violência desvaraida - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 07/11


O problema da violência urbana que o Rio, se não resolveu, pelo menos equacionou está se
apresentando na pauliceia como uma onda desvairada de crimes. Enquanto a PM fluminense registrou nos primeiros nove meses de 2012 a maior queda no número de vítimas de homicídios no estado em 21 anos, a polícia de SP contabilizou em setembro, na capital, um aumento de 96% em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 135 casos ou quatro por dia. Para isso, contribuíram as ocorrências de PMs executados e mortes suspeitas de civis. Até o último fim de semana, mais de 90 policiais tinham sido assassinados desde janeiro. Apenas na madrugada de ontem, sete pessoas foram mortas, e três ônibus, incendiados.

Estranho que só agora as autoridades resolveram aceitar a ajuda oferecida pelo governo federal. Antes,
a Secretaria de Segurança atribuía ao "exagero" da imprensa e à "coincidência" essa sucessão de mortes com características semelhantes: homens armados em carros ou motos disparando e fugindo em seguida. Negava a escalada até quando, em três noites seguidas em fins de outubro, na Grande SP, houve uma série de ataques, boatos de toque de recolher, viaturas da polícia alvejadas e 38 mortes.

Ao mesmo tempo em que a população indefesa assistia a essa guerra entre policiais e bandidos, com os
primeiros sendo perseguidos, em vez de perseguir, uma outra de palavras, um bate-boca, acontecia entre o governo estadual e Brasília. O desentendimento se deu quando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, propôs um plano de ação integrada que consistia na criação de uma força-tarefa e na desmobilização do PCC, transferindo seus chefes para distantes presídios federais. O primeiro a ser transferido seria Piauí, membro da facção na favela de Paraisópolis, já ocupada. O secretário de Segurança, Antonio Ferreira Pinto, recusou a ajuda, alegando, irritado, que o Estado não precisava dos presídios nem de tropas federais. "A proposta é risível. É oportunismo barato."

Ainda bem que o governador Geraldo Alckmin, depois de conversar por telefone com a presidente
Dilma, contrariou seu arrogante secretário afirmando: "Aceitamos de bom grado a ajuda." E ontem, ao lado do ministro e do secretário, anunciou medidas conjuntas de combate ao crime organizado. Só não pôde fazer nada contra vozes insensatas como a do ex-governador Alberto Goldman, que reagiu assim: 
"As UPPs que eles querem trazer para SP são as Unidades de Política Petista." Uma opinião, esta sim, "risível".

O STF e a sociedade - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 07/11


Os relatos são de que o relator do mensalão no STF, Joaquim Barbosa, continua recebendo manifestações de carinho por onde anda, e ele mesmo tem uma explicação para o fenômeno de popularidade em que se transformou: "Este julgamento trouxe o tribunal para dentro das famílias, e o resto do que vem acontecendo no plano pessoal é consequência disso. Há muito carinho por parte das pessoas", comentou ontem, após alguns dias na Alemanha para tratamento de saúde que parece ter dado certo.

Sobre sua popularidade pessoal - é o maior "vendedor" de máscaras de carnaval, o que demonstra que caiu no gosto do povo -, disse: "Sou simplesmente um cidadão que cumpre seus deveres e obrigações, nada além disso". Barbosa estava de bom humor em Aracaju, onde participou do 6º Encontro Nacional do Poder Judiciário. Ele atribui a súbita popularidade que os ministros do STF ganharam a uma participação maior da sociedade nas questões jurídico-institucionais.

O acompanhamento do julgamento pela TV tem, ao contrário, trazido problemas ao revisor Ricardo Lewandowski, perseguido por populares quando foi votar em 28 de outubro. O constrangimento causado ao ministro fez com que o presidente do Supremo, Ayres Britto, saísse em sua defesa, dizendo que os ministros precisam de paz para trabalhar.

Junto com Dias Toffoli, Lewandowski é identificado pela opinião pública como ministro que estaria atuando como "defensor" dos acusados, o que já provocou discussão entre ele e Barbosa, cada um acusando o outro de estar atuando respectivamente como advogado de defesa e membro do Ministério Público. Foi preciso que, de novo, Ayres Britto interviesse para deixar claro que no STF "ninguém advoga para ninguém. Somos todos juízes".

As sessões do julgamento do mensalão serão retomadas hoje, com ingredientes novos em pauta. Tratamento mais benevolente quanto ao réu Marcos Valério estará em discussão, assim como a necessidade ou não de dar a ele proteção especial.

Era previsível que, anunciadas as penas, o publicitário que teve o comando operacional da tramoia se sentisse abandonado pelos petistas que passaram anos garantindo a ele que nada aconteceria. Com a perspectiva de passar muitos anos na cadeia, Valério tenta safar-se com o que de mais importante tem: informações. Vai precisar convencer os ministros de que as informações que diz ainda ter são mais do que simples tentativa de safar-se da prisão. Quem esteve com ele, e recebeu as primeiras informações em setembro, foi o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que parece convencido de que o réu tem dados novos que podem pô-lo em perigo, embora até agora não precise de maiores proteções, pois não as revelou ainda.

O timing de Valério parece dessincronizado com o andamento do processo. Até o último momento ele parecia convencido de que conseguiria escapar sem maiores consequências, até que a pena de 40 anos de prisão, equivalente a pelo menos cerca de sete anos de regime fechado, parece ter lhe deixado de olhos bem abertos, e ele agora corre atrás de seu próprio prejuízo. A tentativa de transformar em crime continuado os crimes de concurso material a que já foi condenado é a busca de uma redução de danos ainda dentro do julgamento do mensalão.

Para estimular uma boa vontade da Corte, seu advogado tem batido na tecla de que Valério foi quem entregou à Justiça a lista com a relação dos recebedores de dinheiro indicados por Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT. Somente em suas alegações finais o advogado destacou essa atuação de Valério na fase da investigação, como a lembrar a importância de seu cliente para o processo. Vai ser interessante acompanhar a discussão dos ministros, em frente às câmeras de TV, sobre os critérios para beneficiar este ou aquele réu.

Quem acompanha o julgamento pela TV Câmara ou pela Globo News está participando de discussões que normalmente acontecem entre quatro paredes, da mesma maneira que os crimes do mensalão eram tramados. Mesmo com a exposição de eventuais erros, agora, é a transparência da democracia que comanda o espetáculo e populariza o Supremo Tribunal Federal.

Ameaças ao setor elétrico - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 07/11


Se é elogiável o objetivo anunciado em setembro pela presidente Dilma Rousseff de reduzir de 16,2% a 28% a conta de luz dos consumidores residenciais e industriais a partir do próximo ano, os meios usados pelo governo para atingi-lo podem torná-lo inviável.

O valor da indenização que o governo pagará por 15 usinas hidrelétricas e 9 companhias de transmissão de energia para permitir a renovação antecipada das concessões que vencerão entre 2015 e 2017 foi considerado insuficiente pelas empresas. E a tarifa máxima que as geradoras poderão cobrar pela energia depois da renovação da concessão ameaça a sobrevivência financeira das usinas, pois lhes imporá perda de receita de até 70%.

A questão da renovação das concessões que vencem nos próximos anos vinha se arrastando há muito tempo. Em setembro, finalmente, o governo anunciou que renovaria essas concessões pelo prazo de 30 anos, e deu prazo até 15 de agosto para as empresas manifestarem a intenção de renová-las, mesmo sem conhecer as condições financeiras da nova concessão, que só foram anunciadas na quinta-feira passada.

Dos 123 contratos de concessão de usinas que vencerão nos próximos anos, 81 foram habilitados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e pelo Ministério de Minas e Energia para a renovação. Das usinas habilitadas, apenas 15 receberão indenização por ativos ainda não amortizados, no valor de R$ 7,07 bilhões. De acordo com critérios da Aneel, que estão sendo fortemente criticados pelos empresários, as demais 61 já tiveram todos os seus investimentos amortizados. As empresas de transmissão terão direito à indenização de R$ 12,96 bilhões.

Para chegar a esses valores, o governo fez uma conta de chegar. Havia anunciado anteriormente que as indenizações seriam cobertas com a utilização do saldo da Reserva Global de Reversão, um encargo que incide desde 1957 nas contas de luz pagas por todos os consumidores. O saldo é de aproximadamente R$ 21 bilhões. As indenizações somam R$ 20,3 bilhões, o que significa que não haverá necessidade de utilizar recursos adicionais do Tesouro.

Mais drástica foi a redução das tarifas para as empresas que aceitarem a renovação das concessões nas condições impostas pelo governo. Como mostrou o Estado (3/11), os produtores de energia elétrica terão de aceitar a tarifa média de R$ 9 por Megawatt/hora (MWh). Esse valor inclui o custo de operação e manutenção da usina e a remuneração do produtor. Com a tributação e outras taxas, chega a R$ 27 o MWh. Há oito anos, no primeiro leilão de energia velha (produzida por usina já amortizada), os valores variaram de R$ 57 a R$ 86 o MWh.

As empresas - estatais ou privadas - têm custos operacionais que precisam cobrir e necessitam do lucro para remunerar seus acionistas e de resultados suficientes para realizar investimentos. Forçar baixa tão brutal de tarifas, por decisão administrativa inspirada apenas em cálculos políticos e não financeiros, resulta em prejuízos contínuos e crescentes, que batem no Tesouro Nacional, no caso das estatais, e empurram a empresa privada para a insolvência.

Isso afasta o capital privado de um setor no qual o Estado brasileiro não tem condições de investir no volume e na velocidade exigidos para evitar crises ou a ocorrência cada vez mais frequente de apagões. Sob a bandeira politicamente vantajosa da redução da tarifa para o consumidor, o governo impõe às empresas condições financeiras que podem se tornar insuportáveis, como temem os investidores - temor que fez despencar a cotação das ações das empresas do setor na Bolsa.

A redução da tarifa sem comprometer as operações do setor será alcançada com a redução substancial da pesada tributação da energia, sobretudo da incidência do ICMS. Mas isso exige difíceis negociações com os governos estaduais, que o governo Dilma não teve até agora a coragem de iniciar.

A soluções realistas, o governo petista certamente preferirá impor pesadas perdas à sua controlada Eletrobrás, para utilizá-la como exemplo e, assim, tentar forçar as demais concessionárias a se render à sua política.

Barganha penal, perigo iminente - PAULO SÉRGIO DE A. COELHO FILHO


O ESTADÃO - 07/11


No artigo A quem interessa o Projeto Sarney? (6/10), Miguel Reale Júnior expôs uma série de irracionalidades do projeto de novo Código Penal. Até o momento, no entanto, as críticas ignoram uma das mais irracionais - e injustas - inovações que a comissão do Senado pretende impor ao sistema de Justiça Criminal brasileiro: a barganha penal, contemplada no artigo 105 do projeto.

De inspiração norte-americana, a barganha permite um acordo entre as partes logo após o recebimento da denúncia - antes da audiência de instrução e do julgamento. O Estado, na figura do promotor de Justiça, decide sentar-se à mesa para negociar com o advogado ou defensor público, obter uma confissão do réu e chegar a um consenso sobre a pena.

Nos filmes e seriados norte-americanos a barganha segue um roteiro tradicional: o promotor entra na sala de interrogatório e, incisivamente, diz ao acusado: "Facilite o meu trabalho. Confesse o crime, senão nos enfrentaremos no tribunal". A defesa tenta apaziguar a situação, mas revela sua debilidade diante do poderio estatal do promotor, o novo e enérgico xerife que se esforça para "prender bandidos". O instituto pode divertir quem assiste a cenas de diálogo rápido e fotografia impactante, mas fora da ficção transforma a Justiça Criminal num mercado de propostas indecentes, distorcendo os fins máximos de um sistema que visa à condenação de culpados e à absolvição de inocentes.

A barganha põe fim à presunção de inocência e ao contraditório - duas conquistas históricas do Direito Penal - e incentiva o sistema a conspirar contra o réu: promotores, interessados em aumentar suas taxas de condenação, querem evitar uma possível derrota no julgamento; defensores públicos, sobrecarregados de casos, buscam uma solução rápida; e juízes, diante da inflação de processos à espera de resposta do Judiciário, querem reduzir a pilha de casos sobre a mesa. Resultado: apenas os réus mais ricos, com recursos para bancar advogados, resolvem apostar suas chances no tribunal.

O instituto vai contra a lógica da justiça. Se o réu é culpado, tem a chance de negociar sua pena com o promotor. O Estado rebaixa-se ao nível do criminoso numa matéria que lida com os bens fundamentais da sociedade. Se é inocente, é estimulado a aceitar o acordo em mãos. Afinal, por que se arriscar a um julgamento e a uma pena maior? Não importa se o réu cometeu ou não o crime, o foco é o ajuste entre as partes.

Num sistema dominado pela barganha, criminalistas não precisam estudar com afinco as regras do processo, mas devem dedicar muitas horas de estudo à teoria dos jogos, uma disciplina da matemática aplicada em que o jogador, para maximizar o seu retorno, tenta prever as ações do outro jogador. A Justiça Criminal vira uma arena promíscua entre promotores, advogados e juízes, cujo objetivo final não é mais apurar os fatos, chegar à verdade e punir justamente, mas simples e rapidamente livrar-se do conflito em questão. Negociações, ameaças, chantagens - o jogo do vale-tudo, distante do olho público e da moralidade jurídica, impera. O tribunal torna-se o cassino reservado às grandes apostas e só as mais festejadas bancas de advocacia têm a chance de livrar seus clientes milionários. O cálculo é simples: para os pobres, a barganha; para os ricos, a Justiça.

Nos EUA, de 90% a 95% dos casos criminais são resolvidos pela barganha. Não é à toa que o promotor de Justiça se tornou o membro mais poderoso do sistema. No Direito Penal norte-americano a barganha substitui o devido processo legal, julgamentos são peças do passado - só existem, de fato, no cinema e na TV. Hoje o país tem a maior população carcerária do mundo, mais de 2,2 milhões de pessoas. As prisões concentram, sobretudo, uma massa de jovens negros, com nível baixo de renda e de educação. O discurso de combate à criminalidade e de "tolerância zero", que toma conta do foro público norte-americano desde a década de 1970, favorece o aumento das taxas de encarceramento. Nesse contexto, a política da barganha penal permite que o caminho até a prisão seja encurtado, principalmente para as minorias pobres da sociedade.

Mais que uma tentativa injusta de combater a criminalidade, a barganha põe em xeque toda uma construção doutrinária sobre a função da Justiça Criminal. Na hora de aplicar o Direito há a pergunta clássica: você está disposto a absolver quantos culpados para garantir que um inocente não seja condenado? A resposta não é fácil. Estudos empíricos mostram que o número tende a convergir para dez. Ou seja, somos capazes de deixar dez assassinos confessos andar livremente a fim de evitar que um inocente seja preso.

Alguns juristas argumentam que nem mesmo a injustiça de absolver mil culpados equivale à de condenar um inocente. Um inocente recebe pena por um crime que não cometeu, enquanto o verdadeiro culpado permanece solto e possivelmente segue com a prática de delitos contra a sociedade. De acordo com essa linha de argumentação, condenar um inocente é absolutamente inadmissível. Mas sejamos razoáveis. Se estivéssemos diante de uma prisão com 1.001 detentos e eu dissesse que um deles é inocente, provavelmente ninguém seria capaz de dizer: "Solte todos porque um inocente foi preso". A Justiça Criminal sempre contará com um mínimo de injustiça: condenaremos inocentes e absolveremos culpados. Não podemos, porém, deixar que nossos padrões de justiça sejam deturpados pela ideia de "poupar tempo" ou "gastar menos".

Quando o discurso da celeridade e da eficiência toma voz na elaboração de um novo Código Penal, o perigo é iminente. Antes de buscar inspiração no sistema jurídico dos EUA, a comissão deveria ter se lembrado da frase emblemática do presidente abolicionista Abraham Lincoln: "Posso andar devagar, mas nunca ando para trás".

EBP: uma inovação brasileira - CRISTIANO ROMERO


Valor Econômico - 07/11


O Brasil perdeu, depois de 20 anos de estagnação nas décadas de 80 e 90 do século passado, a capacidade de planejar e formular projetos de infraestrutura. Por causa da crise fiscal, o Estado passou a demandar obras em escala muito menor que a verificada nas décadas anteriores. No momento seguinte, iniciou o desmonte dos órgãos públicos criados no passado para planejar e elaborar projetos.

Com o início da estabilização da economia na segunda metade dos anos 90 e a retomada do crescimento econômico, em ritmo mais acelerado, na primeira década deste século, a demanda por infraestrutura aumentou de forma exponencial. O governo reagiu à novidade com planos grandiosos, tanto na gestão de Fernando Henrique Cardoso (Brasil em Ação) quanto na de Luiz Inácio Lula da Silva (PAC).

Nos dois casos, constatou-se que o setor público, salvo raras exceções, não sabe mais elaborar projetos. Nesse quadro, surgiu uma perigosa distorção: os projetos de infraestrutura, de interesse público, passaram a ser elaborados pelo setor privado, na verdade, pelas empresas interessadas em tocar os projetos. Houve situações em que uma companhia fez o projeto básico de uma usina hidrelétrica, entrou depois na licitação e ganhou a concessão. O conflito de interesses é gritante. O espaço para corrupção é gigantesco, afinal, cabe ao setor privado convencer o setor público da importância de uma determinada obra. Uma vez "convencido", o Estado abre licitação e o autor do projeto pode participar da disputa.

Projetos concluídos têm impacto estimado de R$ 53 bilhões

As coisas estão começando a mudar. Há três anos, um grupo de bancos estatais e privados decidiu criar a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), uma empresa com a missão de desenvolver projetos de infraestrutura, sempre sob demanda do Estado. Trata-se de uma inovação que já chamou a atenção, por exemplo, da Organização das Nações Unidas.

A EBP é uma empresa privada. Ela tem nove sócios, todos com partes iguais no capital: dois estatais (BNDES e Banco do Brasil) e sete privados (Bradesco, Citibank, HSBC, Santander, Itaú BBA, Banco Votorantim e Banco Espírito Santo). Por que esses bancos se juntaram para criar a EBP? A resposta é simples: para criar demanda por seus financiamentos, com a segurança de projetos tecnicamente bem elaborados.

A EBP desenvolve projetos de infraestrutura tradicional (rodovias, aeroportos, ferrovias, hidrovias, portos, plataformas logísticas, transporte urbano, saneamento) e social (hospitais, escolas, creches, centros de ressocialização). Se um prefeito quer construir uma ponte, ele chama a EBP para, sob suas diretrizes, realizar os estudos técnicos de engenharia, meio ambiente e modelagem econômico-financeira, bem como para definir os instrumentos jurídicos (minuta do edital e do contrato de concessão ou da Parceria Público-Privada).

O interessante é que a prefeitura, o governo estadual ou a União não são obrigados a seguir o projeto da EBP. "A autorização do governo é concedida sem caráter de exclusividade, não gera direito de preferência para a outorga da concessão, não obriga o poder público a realizar a licitação, não cria, por si só, qualquer direito de ressarcimento dos valores envolvidos na sua elaboração e é pessoal e intransferível", explica o diretor-geral da empresa, Hélcio Tokeshi.

A EBP só é remunerada, portanto, se o projeto for aprovado pelo ente público. E o pagamento é feito pela empresa vencedora da licitação. No estatuto da EBP, foram fixados parâmetros para evitar riscos de conflito de interesses. Ela está impedida, por exemplo, de elaborar estudos ou assessoria técnica a potenciais concorrentes em licitações de projetos de infraestrutura.

A EBP não pode investir em projetos nem oferecer garantias para financiamentos de obras. Além disso, está impedida de participar do capital de outras companhias. Para completar, não podem integrar sua equipe pessoas que tenham tido vinculação direta ou indireta há menos de seis meses com algum de seus acionistas. Os compromissos são para valer. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) só aprovou a criação da empresa sob a condição de que esses princípios sejam perenes.

A EBP é uma firma enxuta. Possui 14 funcionários, sendo quatro diretores, quatro analistas e seis empregados da área administrativa. Seu diretor-geral, Hélcio Tokeshi, foi encontrado no mercado por uma empresa caçadora de talentos. Tokeshi é especialista em concorrência, foi secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, diretor da McKinsey & Co. e economista do Banco Mundial. Hoje, é um dos maiores especialistas do país em infraestrutura.

Para realizar os estudos, a EBP contrata, por meio de concorrência mas com a agilidade do setor privado, firmas de consultoria. O trabalho está produzindo resultados. Em três anos de atuação, concluiu oito projetos, tem outros oito em andamento e apenas três foram suspensos.

O impacto econômico dos projetos já aprovados até a conclusão dos contratos é significativo - entre Capex (compra de ativos e gastos com construção e máquinas e equipamentos) e Opex (salários, manutenção, reparos, depreciação de máquinas), estima-se algo como R$ 53 bilhões. No caso dos projetos ainda não concluídos, o impacto esperado é de R$ 5 bilhões.

Foi a EBP que fez os estudos de reforma e ampliação do estádio do Mineirão; de construção da nova rodoviária e do hospital metropolitano de Belo Horizonte; de ampliação dos três aeroportos já entregues à gestão privada (Guarulhos, Viracopos e Brasília); de reforma do trecho da BR-101 que corta o Estado do Espírito Santo; e de obras de esgotamento sanitário no Rio de Janeiro. É a empresa que está preparando o projeto de concessão, ao setor privado, de 5.700 Km de rodovias federais.

Esse é o caminho para o país destravar os investimentos públicos e privados em infraestrutura, necessários à redução dos gargalos que tornam a economia brasileira menos competitiva. Some-se a esse esforço a criação, pelo governo, da EPL (Empresa de Planejamento e Logística) e da EPE (Empresa de Planejamento Energético), esta ainda no primeiro mandato do presidente Lula, ambas com a missão de planejar a infraestrutura do país.

USA! Latinos elegem Latino! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 07/11


Ohio é decisivo. Então Ohio que os parta! E no Texas, quem votar no Obama vai pra cadeira elétrica!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Ereções do Tio Sam! Essa do site SacaRolha: "Entenda as eleições americanas: para ganhar, Obama precisa vencer em Ohio e Colorado e torcer pelo empate entre Figueirense e Sport Recife!". Agora entendi! Rarará!

E se o mundo inteiro pudesse votar, o Obama já estaria eleito! Com 100% de vantagem! E diz que Ohio é decisivo. Então Ohio que os parta! E no Texas, quem votar no Obama vai pra cadeira elétrica!

E os candidatos têm toda razão em brigar pelos hispânicos! Um amigo foi a um congresso na Flórida e estava discursando em inglês quando um cara gritou: "Speak spanish, please! We are in the United States of America". Fale espanhol, estamos nos Estados Unidos da América!

E o Romney usou bronzeador pra falar com os latinos. Rarará! Quem vai ganhar é o Latino. Latinos elegem Latino! Vai ter bundalelê nos States! Rarará! E diz que a Dilma votaria no Obama: "Maaantega! Vai lá votar no Obama! Agora!".

E, se tivesse urna eletrônica, as teclas seriam: "popcorn", "coke" e "no cholesterol"! E o Obama tinha que gritar: "Votem em mim! Eu matei o Bin". Rarará! E um amigo acha o Romney parecido com o Roberto Justus. Eu não acho tanto!

E os americanos vão acabar votando no William Bonner. De sobretudo e soltando fumacinha pela boca! E a apuração vai demorar dias. Eu já disse que os Estados Unidos mandam homem mais rápido pra Marte do que pra Casa Branca!

E a Bagurança Pública em São Paulo? São Paulo tá igual ao Rio nos anos 1990: já tem até bala perdida! E a menina que trabalha aqui em casa disse que em Piraporinha teve toque de recolher, padaria fechada às 18h e tiroteio. O que REALMENTE está acontecendo em Sampa?

E um amigo disse que acordou PCC: pendurado, cansado e corintiano! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!

E o Adriano? O caminhão de usina: grandão, mal cuidado e cheirando a cana. O Sensacionalista diz que o Adriano vai abrir um bar. Finalmente na profissão certa. Vai falir, vai beber o estoque todo!

Ele vai abrir um bar pra beber a preço de custo! Rarará!

E o Twiteiro revela a coletiva do Adriano: "Adriano, por que você bebe?". "Pra esquecer!" "Mas esquecer o quê?" "Esquecer que tem treino". Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

O cinturão de Lula - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 07/11

Terminadas as eleições com a vitória do petista Fernando Haddad em São Paulo, o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou em todas as rodas. Até mesmo nos depoimentos do publicitário Marcos Valério que vieram à tona agora. O PPS correu para pedir que Lula fosse investigado. PSDB e DEM não chegaram a tanto. Dentro do PT, há quem diga que Lula deva ser candidato em 2014 para rebater toda e qualquer acusação contra ele. Os demais partidos da base defendem o ex-presidente. Afinal, o mensalão está por aí há quase oito anos e até então Lula não tinha sido investigado. O próprio Roberto Jefferson há alguns anos pedia que José Dirceu deixasse o cargo para não atingir um homem inocente.

Quer a oposição ao governo Dilma goste ou não, é fato que Lula foi o presidente mais popular dos últimos tempos. Deixou o governo com uma aprovação recorde e tem diálogo direto com o povo, o que faz dele um eleitor de peso para qualquer candidato que se apresente ao seu lado. Se o apadrinhado vai vingar ou não, é outra história. No caso de São Paulo, vingou. E talvez pelo erro do PSDB de ter insistido em lançar José Serra, candidato que perdeu um tempo danado tentando explicar que, se eleito, não deixaria o cargo.

A chance, entretanto, de Lula ser candidato em 2014 é tendente a zero, como bem comentam os amigos dele. O governador da Bahia, Jaques Wagner, um interlocutor privilegiado junto ao ex-presidente e sua sucessora, é claro em todas as conversas que tem com Lula sobre o tema. Há alguns meses, quando começaram os balões de ensaio de alguns petistas sobre uma possível candidatura de Lula, Wagner disse ao ex-presidente a seguinte frase: “Você saiu (da Presidência) com o cinturão de ouro. Vai colocar em disputa por que?”.

A essa frase é preciso acrescentar alguns outros ingredientes. Lula é de seguir a “naturalidade” na política. Não quis saber de terceiro mandato — embora tivesse no alto dos mais de 80% de aprovação popular e uma base aliada expressiva. Ficou no natural: buscar um nome novo que pudesse dar ao seu partido o ar de renovação. Assim, escolheu Dilma. Deu certo.

Enquanto isso, no Planalto…

A presidente, da sua parte, avaliam seus aliados, vem “encorpando”, ou seja, ganhando traquejo. Seus dois primeiros anos de governo vão terminando sem grandes sobressaltos que comprometam o futuro do país. A queda de ministros no primeiro ano fez com que ela se fortalecesse ainda mais. A economia não naufragou. Seu primeiro teste político, as eleições municipais, terminou com o PT vencedor em São Paulo e com mais prefeituras, apesar de tudo. Agora, o próximo desafio é manter os aliados próximos. Não por acaso, ela reuniu ontem à noite a cúpula do PT e do PMDB. Quer evitar rusgas e desconfianças que possam comprometer acordos a curto e médio prazos, leia-se a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado e a eleição de 2014 — o horizonte que a vista começa a enxergar.

Diante dessa fotografia do momento, com o primeiro tempo do governo Dilma a menos de dois meses do fim, as mentes mais sensatas dentro do PT — entre elas a de Lula, que mantém o raciocínio político longe do fígado — têm claro que o natural é uma candidatura dela em 2014. Ao ex-presidente Lula, hoje o detentor do cinturão de ouro, restará nesse caso o árduo papel de reconstrução do PT e outro que ele tira de letra, o diálogo direto com o povo. Nesse sentido, há quem diga que, se a oposição insistir em processar o ex-presidente, deve estar preparada para as reações. Há o risco de que esse foco sobre Lula, neste momento tão doloroso para os petistas, acabe por dar ao ex-presidente uma força extra diante daquela população que aprovou seu governo e o idolatra onde quer que ele chegue.

Por falar em Lula…

Que ninguém se surpreenda se daqui a alguns dias, ele chamar o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para aquela “conversa americana”. Só não se sabe se será antes ou depois da conversa que Dilma pretende ter com o presidente do PSB. Mas essa é outra história.

ELKE TIRA A PERUCA - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 07/11

A atriz e jurada de show de calouros diz que foi uma das primeiras vezes que circulou com os fios à mostra. "Uso peruca mesmo em casa." Mas não é para esconder a idade. "Adorei envelhecer. Tenho a alma velhinha desde sempre." Maravilha diz ter cobrado "quase nada" da grife Absurda para a campanha.

E comenta a vitalidade. "Eu faço tudo errado: eu bebo, fumo. Ginástica, já tentei. Mas tenho preguiça. Ainda bem que o corpo ainda dá pro gasto, né, criança?"

PRÓXIMO CAPÍTULO
O STF (Supremo Tribunal Federal) decide, depois do mensalão, se anula ou confirma as investigações do assassinato de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André morto em 2001. Os ministros devem dizer se o Ministério Público poderia investigar o caso ou apenas acompanhar a polícia -que, ao contrário dos promotores, concluiu que se trata de crime comum.

FUX DECIDE
O processo está parado no gabinete de Luiz Fux, que pediu vista quando ele estava sendo votado. O ministro, que foi indicado com apoio de Antonio Palocci e também de réus do mensalão, depois de assumir se tornou um dos magistrados mais rigorosos no julgamento do mensalão.

SOMBRA
O pedido de anulação das investigações foi feito por Roberto Podval, advogado de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, apontado como mandante do assassinato.

TABELA
E o STF deve usar, a partir de hoje, uma tabela para decidir as penas dos réus do mensalão. Num lado estarão aquelas determinadas pelo relator Joaquim Barbosa. No outro, as defendidas pelo revisor, Ricardo Lewandowski. Os magistrados podem optar por uma delas ou propor pena intermediária.

É UMA IDEIA
Paulo Safady Simão está "bem localizado na lista" para ser ministro na cota do PSD, segundo interlocutor de Dilma Rousseff. Além de ligado ao partido de Gilberto Kassab, o empresário, que preside a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, é mineiro. E a presidente quer reforçar a presença de Minas no governo.

CORINGA
Simão poderia entrar no lugar de Fernando Pimentel (Desenvolvimento), que então iria para o Palácio do Planalto, caso Dilma decida mexer em sua equipe mais próxima. Ou seria contemplado com os Transportes.

BOM DESTINO
Wanessa Camargo e Marcus Buaiz vão doar os R$ 150 mil que Rafinha Bastos terá que pagar a eles de indenização para uma instituição de caridade.

DONA BARATINHA
A peça "Disney Killer", de Darson Ribeiro, há um ano em turnê no Brasil, ficará sem as baratas de verdade que compõem o cenário em sua temporada paulistana. É que o Ibama decidiu classificar os insetos como "animais silvestres". O produtor não conseguiu autorização para utilizá-las na montagem no Centro Cultural SP, que estreou no fim de semana.

PÓDIO DO CHANTILI
O Brasil receberá na semana que vem 14 doceiros de todo o mundo, para o Campeonato Mundial do Jovem Confeiteiro. A competição, que existe há 30 anos, acontece na Olimpíada do Conhecimento do Senai.

RAINHA NA DANÇA
O bailarino brasileiro Thiago Soares foi cumprimentado pela rainha Elizabeth 2ª depois de dançar para a família real no espetáculo "Our Extraordinary World", na Royal Opera House de Londres. Ao fim da apresentação, a rainha subiu ao palco para cantar "God Save the Queen" com a trupe.

EIKE QUE SE CUIDE
O bilionário americano Donald Trump se aproxima do Brasil. Contratou a Supermarcas para licenciar no país seu nome, que assina de linha de roupa a projetos imobiliários, passando por campos de golfe e perfumes.

TANGO DE UMA SÓ
Karina Buhr lança na segunda o clipe de "Amor Brando", que filmou em Buenos Aires. No vídeo, ela dança entre casais com vestido comprado num brechó.

MOLDE
A mineira Barbara Fialho, 24, desfila hoje para a Victoria's Secret, em NY; ela foi modelo de prova dos looks e das asas que as outras tops apresentarão

DISPARO AO ALVO
Os atores Caco Ciocler e Gustavo Machado estão no elenco de "Disparos". O filme, dirigido por Juliana Reis, teve estreia no Cinesesc, nos Jardins, anteontem. O longa entra em cartaz nesta sexta, depois de ter recebido prêmios no último Festival do Rio.

PÁGINAS DE AMOR
Henrique Prata, do Hospital de Câncer de Barretos, lançou anteontem o livro "Acima de Tudo o Amor". Os apresentadores Gugu Liberato e Amanda Françozo foram à livraria Fnac de Pinheiros.

CURTO-CIRCUITO
A cantora Marina Lima e a consultora de etiqueta Claudia Matarazzo autografam seus respectivos novos livros, "Maneira de Ser" e "Gafes no Palácio ", hoje, a partir das 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

Paula Lima faz show no May Help Dinner, hoje, em prol da Casa do Amparo e do Lar das Crianças da CIP, no Buffet França.

O médico Otávio Macedo inaugura hoje seu novo consultório, nos Jardins.

A Associação Cruz Verde faz festa beneficente, com leilão de camisa assinada por Neymar. Às 20h, no Bourbon Street.

Paulah Gauss faz show hoje, às 22h30, no Passatempo. 18 anos.

Por que calar Marcos Valério? - JOSÉ NÊUMANNE


O ESTADÃO - 07/11


O que Marcos Valério Fernandes de Souza tem a dizer sobre a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-ministro Antônio Palocci no escândalo de corrupção do mensalão não pode ser ouvido como o verbo divino ou a voz do povo. Condenado a mais de 40 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por um rosário de crimes, o cidadão em questão não é propriamente o que minha avó (e talvez a dele próprio) chamaria de "flor que se cheire". Mas também não se pode por isso - e só por isso - considerar in limine que tudo o que ele tem a dizer seja mentiroso e desprezível. Desqualificar seu depoimento por esse motivo será o mesmo que negar a veracidade de tudo o têm dito, falam ou declararão outros réus do mesmo processo - José Dirceu e José Genoino entre eles.

"Se eu fosse condenado a 40 anos de prisão, também estaria me mexendo", disse o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, apontado pelo operador do mensalão como o interlocutor dos petistas com ele. "Não temos nada a temer. Tudo o que ele poderia ter falado falou no processo", completou o loquaz e truculento presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Rui Falcão. "Tem que respeitar o desespero dessa pessoa", avisou o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, que informou que não o processará. Embora óbvio, o primeiro argumento não autoriza a negar o direito do réu de falar, narrar e opinar. A condenação lhe tolhe a liberdade e evita seu convívio com a sociedade, não o impede de falar. Quanto ao segundo, quem não deve não teme. E ficam no ar perguntas que não querem calar: como Falcão ficou sabendo tudo o que Valério teria a dizer sobre o momentoso caso? Por que Carvalho anuncia desde já que não o processará?

Só que o "homem-bomba enjaulado", na definição exata da coleguinha Eliane Cantanhêde, da Folha de S.Paulo, tem todas as razões para se defender. E, mais ainda, o dever, como cidadão, de contar o que sabe. Ninguém precisa acreditar nele, mas a cidadania brasileira tem direito de saber o que ele tem a dizer.

A versão de que ele teria sido convocado pelo PT para pagar pelo silêncio do empresário Ronan Maria Pinto pode ser estapafúrdia e fantasiosa. Mas o que, afinal, não é fantasioso no episódio grotesco e macabro do assassinato de Celso Daniel, o então coordenador do programa do candidato Lula à Presidência? A família do morto, por exemplo, não dá um tostão furado de fumo podre pela versão da Polícia Civil paulista (sob governos tucanos e do DEM), à qual o PT se agarra com fervor religioso, de que o prefeito de Santo André foi baleado na cabeça, numa madrugada escura e brumosa, por um menor a oito metros de distância. Aristóteles e seu discípulo Tomás de Aquino duvidariam disso.

Pode ser que a versão de Marcos Valério seja apenas uma tentativa de jogar farinha no ventilador para merecer o prêmio pela delação, com uma redução de sua pena. Mas, no mínimo, ela serve para chamar a atenção devida para um episódio nunca esclarecido. Que motivos escusos teria o apolítico João Francisco Daniel, irmão do morto, para garantir que ouviu Gilberto Carvalho contar que recebia do prefeito malas de dinheiro vivo e as entregava ao então presidente nacional do PT, José Dirceu, condenado, como Valério, por corrupção ativa e formação de quadrilha pelo STF? Tudo o que o respeitável oftalmologista teve de recompensa pelo depoimento foi um exílio forçado em local incerto e não sabido em território nacional, interrompido por curtas temporadas para exercer a profissão no ABC de origem. E que razões pode ter tido o governo francês para dar asilo político à família de Marilene Nakano e Bruno José Daniel, que acharam mais prudente passar uma temporada no exterior para escapar da vingança dos assassinos do ilustre parente? Afinal, não teria sido um crime banal, um sequestro malsucedido, planejado e executado por bandidos comuns trapalhões? Nem a Velhinha de Taubaté acredita nessa versão!

Conceder ou não ao acusado de ter aplicado o desbaratado esquema de desvio de dinheiro público para comprar adesões a tucanos numa campanha em Minas e apoio parlamentar a petistas no governo federal é uma decisão que cabe ao procurador-geral e aos ministros do Supremo. É assunto no qual não procede a interferência do PT, da oposição e dos governos federal e estaduais. Da mesma forma, o atendimento ao pedido de inclusão no programa de proteção à testemunha é da alçada exclusiva do Ministério Público e do Judiciário, não cabendo a ninguém fora de seus quadros querer influir ou mesmo opinar. Mas até um palpiteiro de jornal como o degas aqui pode recorrer à lógica aristotélica ou tomística para chamar a atenção para o que está por trás desses movimentos, sejam do condenado ou dos dirigentes do partido de seus colegas de pena.

Valério tem medo de morrer e o legítimo direito de querer preservar a própria vida e proteger a família. Para tanto recorre ou ao que de fato sabe e pode incomodar poderosos (Gilberto Carvalho, homem de confiança de Lula, é ministro próximo à presidente Dilma) ou ao que seus ex-amigos sabem que fizeram e não sabem se, afinal, ele sabe. Aqui se repete a anedota do marido que não sabia por que espancava a mulher, mas desconfiava que ela sabia.

Okamotto pretende desqualificar, em princípio, o que Valério tem a dizer recorrendo ao óbvio que nada justifica. Falcão se contradiz, pois, se de fato os petistas não devem e estão certos de que a testemunha nada de novo tem a revelar, não há o que temer. E ao não recorrer à Justiça para desmentir sua versão, Carvalho mostra que prefere manter o caso Santo André na sombra. Então, seria o caso de deixá-la falar, dando-lhe a oportunidade de se enforcar com a própria corda. Quem tenta calá-la, seja por que motivo for, deixa no ar um cheiro de brilhantina (para não dizer coisa menos cheirosa) de que ela pode ter algo incômodo a contar. E rasgar a cortina que oculta a verdade sobre por que, de fato, Celso Daniel foi torturado até a morte.

Eremildo e Gilberto Carvalho - ELIO GASPARI

O GLOBO - 07/11


O idiota acredita em tudo que o governo diz, mas não entendeu o que disse o secretário-geral do Planalto



Eremildo não entende por que a oposição insiste em contestar a versão oficial do assassinato de Celso Daniel, o prefeito de Santo André que em 2002 chefiava a coordenação da campanha de Lula. Ele acha que ocorreu um sequestro de bandidos e ponto final. É verdade que o irmão do morto contou ao Ministério Público que o ex-secretário de governo do município, Gilberto Carvalho, confidenciou-lhe que levava ao comissariado petista propinas arrecadadas na cidade.

Há dez anos, o médico João Francisco Daniel dizia que “o PT tem caixa dois, como qualquer outra legenda”. Mesmo sendo um idiota confesso, Eremildo reconhece que, em relação à caixinha, o irmão de prefeito estava certo. Afinal, esse trambique tornouse a espinha dorsal da defesa dos companheiros no Supremo Tribunal Federal.

À época, o irmão do morto foi desqualificado pela viúva e por Gilberto Carvalho. Atribuiram suas acusações a “um desequilíbrio emocional visível”. Eremildo entendeu.

São Paulo é uma cidade violenta e, talvez por isso, cinco pessoas relacionadas com a morte de Celso Daniel foram assassinadas. Uma num presídio. Outras duas, a tiros.

O garçom que serviu o jantar do prefeito antes do sequestro acabou-se numa moto, fugindo de uma perseguição. A testemunha desse acidente morreu a bala.

Considerando-se que os conspiromaníacos já contaram 103 mortes estranhas de pessoas ligadas ao presidente John Kennedy e ao seu assassinato entre 1963 e 1976, o número de Santo André é miserável.

O que incomodou Eremildo foi a resposta que Gilberto Carvalho, atual secretário-geral da Presidência, deu à acusação de Valério, de que o comissariado teria pedido ajuda financeira para calar chantagistas de Santo André. Carvalho repetiu que nunca viu o companheiro financista e acrescentou: “Tenho até que respeitar o desespero dessa pessoa.”

Essa foi forte para o idiota. Seria razoável poupar o irmão de Celso Daniel em nome de um hipotético “desequilíbrio emocional visível”. “Respeitar o desespero” de um réu confesso a quem nunca viu é um exagerado exercício de caridade.

Uma coisa seria dizer que Valério está desesperado porque delinquiu e viu-se condenado pelo Supremo Tribunal Federal. Respeitá-lo por isso é cortesia que escapa à percepção do idiota. Talvez Carvalho pudesse falar, no máximo, em piedade. Afinal, a acusação feita por Valério é mais grave do que quaisquer malfeitorias citadas nas 50 mil páginas do processo do mensalão, pois envolve um homicídio. Eremildo é um idiota, mas conhece diversas pessoas que não o são. Algumas dão a Valério o benefício da dúvida, nenhuma respeita-o.

O procurador-geral da República informa que, até agora, Marcos Valério não é um réu colaborador. Pelo conhecimento do idiota, Roberto Gurgel leu tudo o que Valério contou ao Ministério Público. A acusação deveria levar o PT e Gilberto Carvalho a pedir a abertura de um novo processo. Se o caixa do mensalão tiver provas de que botou dinheiro na conta de companheiros ligados ao esquema de Santo André, os comissários deverão se explicar à Justiça. Por enquanto, a bola de ferro continua presa ao tornozelo de Valério. Eremildo não entende por que o secretário-geral da Presidência respeita um condenado desesperado.