sábado, dezembro 26, 2015

O Leão só ruge para baixo - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 26/12

A Receita Federal investiga o Instituto Lula, informou a Folha na terça (22). "A investigação nasceu a partir de dados da inteligência da Receita, que colabora com a Operação Lava Jato", explica a reportagem. De fato, sem uma operação do Ministério Público, o Leão jamais investigaria uma "pessoa especial". O Leão foi domesticado: na nossa república de compadres, ele só ruge para baixo.

A minuta de uma Lei Orgânica do Fisco, que concede autonomia técnica aos auditores fiscais, dorme desde 2010 numa gaveta empoeirada da Advocacia-Geral da União. O temido Leão é um bichinho de estimação do ministro da Fazenda, que nomeia o secretário da Receita e controla as indicações dos superintendentes regionais e dos chefes de unidade. A centralização de poder nos cargos de comando funciona como couraça protetora dos indivíduos de "sangue azul".

"Tudo começou com FHC". No caso da Receita, o álibi clássico do PT contém um grão de verdade. Pela Portaria SRF 782, de 1997, o governo colocou uma coleira no Leão, inventando a figura do "acesso imotivado". O nome é deliberadamente enganoso: o acesso torna-se "imotivado" apenas por não contar com autorização prévia de um chefe de unidade. O auditor que ousar seguir pistas laterais surgidas numa investigação autorizada sujeita-se a punições administrativas.

A alegação de que a figura do "acesso imotivado" protege o contribuinte de perseguições é falsa e cínica. Falsa, pois todo acesso de dados fiscais por auditor da Receita deixa um rastro eletrônico que identifica seu autor, permitindo responsabilizá-lo. Cínica, pois tem como pressuposto que os chefes, detentores de cargos de confiança, são guardiões incorruptíveis dos princípios republicanos. Na prática, a espada de Dâmocles do "acesso imotivado" assegura à cúpula da Receita a prerrogativa discricionária de determinar quem será e quem não será investigado. O rugido do Leão depende da voz de comando do domador, que é o governo.

Na Receita, tudo que FHC começou, o lulopetismo radicalizou. A Portaria RFB 2.344, de 2011, consolidou as punições associadas ao "acesso imotivado". Além disso, no ano anterior, o governo criou uma lista de "pessoas politicamente expostas", cujos dados fiscais só podem ser acessados mediante aviso ao próprio secretário da Receita. A lista de fidalgos abrange os detentores de cargos eletivos do Executivo e do Legislativo, ministros e dirigente de empresas estatais, ocupantes de altos cargos de livre nomeação, a cúpula do Judiciário, governadores, prefeitos e presidentes de partidos políticos. "Essas pessoas têm uma situação que, caso haja um acesso indevido, estarão protegidas", anunciou na ocasião o ministro Guido Mantega, oficializando a divisão dos brasileiros em cidadãos de primeira e segunda classe.

A "lista de Mantega" nasceu de um pretexto esperto. Na campanha eleitoral de 2010, como parte da guerra suja petista, os dados fiscais de José Serra e de seus familiares foram acessados indevidamente. O detalhe é que o acesso não partiu de um auditor fiscal, mas de uma servidora do Serpro, provavelmente cumprindo missão partidária. Assim, escudado na alegação de proteger um rival político, o governo adicionou uma focinheira ao Leão, impedindo-o de rugir para cima. Na época, casualmente, a Petrobras sofria o assalto das forças da coalizão PT-PMDB, em aliança com as grandes empreiteiras.

O Leão amestrado está submetido a rígido controle alimentar. Nos últimos anos, a remuneração dos auditores fiscais desceu uma ladeira íngreme, situando-se hoje atrás dos salários dos funcionários de 26 fiscos estaduais. Al Capone foi pego por sonegação fiscal, o menor de seus crimes. Nossos Capones, porém, têm pouco a temer pelo lado da Receita. São amigos do rei e da rainha, pessoas especiais, "politicamente expostas". No Natal, eles brindaram a isso.

Reconstrução argentina - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 26/12

Os argentinos começarão 2016 com uma série de aumentos de preços de vários serviços. O reajuste escolar está previsto para 25%. Os saltos da inflação e do dólar podem corroer mais rapidamente a lua de mel do novo presidente Mauricio Macri. Ele não tem responsabilidade por estes aumentos, porém a conjuntura tende a piorar muito antes de melhorar.

É difícil para qualquer governante fazer o ajuste de uma economia tão desorganizada como está a da Argentina. No caso, foi obra de anos de erros da administração de Cristina Kirchner. O governo peronista somou intervencionismo voluntarista, tarifas reprimidas, câmbio artificial, inflação alta, recessão, esgotamento de reservas, manipulação de indicadores, isolamento internacional, queda de competitividade da indústria.

Há vários paralelos com o Brasil, mas nós não temos todos os problemas que os vizinhos têm. Um dado importante da diferença é o fato de o Brasil possuir um volume considerável de reservas cambiais. O presidente Mauricio Macri tem que fazer ao mesmo tempo a correção do câmbio, a suspensão de medidas de restrição de compra de dólar, a administração das reservas escassas e a negociação com os credores da dívida externa. Tudo ficaria mais fácil se a Argentina tivesse reservas. Mas, sem elas, como sustentar a eliminação dos entraves à compra dos dólares? Pode não haver moeda americana para comprar, mas se o governo não mantiver a liberalização do câmbio estará descumprindo uma promessa da campanha. As medidas de liberalização do câmbio já provocaram uma alta forte do dólar.

A decisão de suspender o imposto sobre exportações de produtos agrícolas ajuda a médio prazo a recompor as reservas, ainda que num primeiro momento reduza a arrecadação. Esse imposto, as “retenciones”, provocou uma sucessão de efeitos colaterais. Um governo quando começa a corrigir um problema criando outro, entra em um círculo vicioso que leva a mais distorção. A ex-presidente Cristina Kirchner tentou reter a produção no país para, com isso, diminuir a pressão interna nos preços. A inflação não caiu e, em compensação, com menos dólar entrando ficou maior o desequilíbrio cambial. Isso levou o governo a adotar as medidas de restrição à compra de moeda estrangeira pelos importadores. Houve, então, ruídos com os parceiros comerciais e prejuízo à produção local que dependia de produtos importados. Tudo acabou elevando a inflação que se queria controlar num primeiro momento. Essa foi a dinâmica dos ajustes que desajustam, método que a Argentina de Cristina Kirchner adotou.

Agora, toda a correção levará a mais inflação. Hoje, ela está acima de 25%. Tende a subir muito pela alta do dólar, reajuste das tarifas, e suspensão das medidas que limitavam a liberdade de pesquisa do instituto estatístico do país. O governo, que prometeu corrigir os problemas, começará por agravar tudo em um primeiro momento.

Macri terá que deixar claro o quanto o desconforto dos argentinos é produzido pelo governo peronista que deixou a Casa Rosada. Isso sempre fica claro para o eleitor no começo, mas depois começam as cobranças. O problema é que pôr a casa em ordem depois de tanta desordem é muito difícil. As notícias ruins vão se suceder.

Um problema crônico da Argentina — e também do Brasil — é a perda da competitividade da indústria, principalmente do setor têxtil e de brinquedos. É justamente a indústria que está resistindo às medidas anunciadas por Macri de suspensão de barreiras comerciais. A desvalorização pode ser uma barreira natural, mas será muito mais difícil aumentar estruturalmente a competitividade da indústria.

As contas públicas estão desorganizadas e o governo terá que, no meio de um ambiente recessivo, e de retirada dos impostos sobre exportação de commodities agrícolas, aumentar a arrecadação. Macri terá um ano difícil pela frente no trabalho de começar a corrigir as distorções acumuladas pelo governo que derrotou. Ao longo do esforço pode se dar conta que foi mais fácil vencer uma presidente desgastada, do que superar as armadilhas que ela deixou. Quanto ao peronismo, já se organiza para ser oposição e passar a acusar o governo pela crise na qual o próprio partido jogou o país.


O ocaso de um projeto hegemônico? - JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE E ELIZABETH BALBACHEVSKY

ESTADÃO - 26/12

Desde a transição para o segundo mandato de Dilma Rousseff, quando os impasses insanáveis na constituição do novo ministério se tornaram públicos, o único consenso é de que a Presidência está travada, como de resto todo o sistema político e a própria sociedade. Apenas a economia corre solta, seguindo sua própria dinâmica morro abaixo.

A cada diagnóstico corresponde uma solução, criando um círculo vicioso, já que as soluções realimentam o problema. Mas a paralisia a que todos se referem não pode ser enfrentada sem ter clareza sobre a natureza da crise que atinge toda a sociedade.

A paralisia política tem uma explicação bem simples. É que os políticos bem-sucedidos não são aqueles despossuídos de ambição, mas aqueles que percebem, nas aspirações de seus representados, uma oportunidade para realizar suas próprias ambições. Quando essa oportunidade não está clara, a ambição pessoal conduz ao imobilismo.

Todos os atores políticos relevantes (a elite política, lideranças empresariais e sindicais, etc.) perceberam de longe as oportunidades que a crise abriu para avançar ou preservar seus interesses, pois a segunda presidência Dilma começou a cair na noite da reeleição. A angústia expressa nas atitudes da presidente reeleita deixou claro que o preço pago para reelegê-la não permitiria mais fechar a conta: na manhã seguinte, Dilma acordaria inadimplente.

Não teria autonomia para nomear o ministério que quisesse nem para compor o ministério que não queria (isto é, o que Lula conseguiu lhe impor parcialmente). Não haveria mais milagre dos pães para turbinar os programas faraônicos, nem para satisfazer a voracidade dos “aliados”, nem para compensar a ambição dos empreiteiros, a frustração do PT e a ansiedade de Lula, que se tornara incapaz de controlar, ao mesmo tempo, o governo, o PT e o eleitorado.

Todos os protagonistas, longe de tentar harmonizar suas ambições com as aspirações populares – muito claras em todas as pesquisas de opinião –, optaram pelo oportunismo. O resultado foi um jogo de vetos mútuos em que todos os interesses tiveram de se limitar ao mínimo denominador comum: ganhar todo o tempo possível até 2018.

Isso explica, entre outras coisas, o fracasso do ajuste fiscal, inviabilizado pela ação conjunta de Lula, do PT, de partidos “aliados”, da oposição e de parte considerável do empresariado. Além do medo da classe política de dar um cheque em branco a um governo que perdera toda a credibilidade, prevaleceu o temor de reinjetar sangue bom em governo ruim.

Essa paralisia, entretanto, não se confunde com a crise, que a precede. A crise da presidência petista não tem origem na “maldição” de nosso sistema eleitoral, que obriga o presidente, se quiser governar, a formar uma coalizão, mas, sim, na pretensão hegemônica do PT, que o leva a renegar a legitimidade das demais forças políticas.

Lula e o PT nunca se apoiaram em alianças com um mínimo de convergência política, mas, sim, num consórcio de partidos que, para fazerem parte, precisam se comportar como legendas de aluguel. Esse tipo de consórcio tem custos, que tendem a aumentar o preço a pagar pelo apoio e diminuir a lealdade ao governo, tornando o consorciamento da base aliada tanto mais frágil quanto mais se amplia.

O cerne do problema consiste numa crise que, embora inevitável, ninguém tem pressa de enfrentar. O que implica que ela se prolongará indefinidamente enquanto não encontrar seu limite, que ninguém pode prever qual seja. Enquanto não atingir esse limite e enquanto nenhum ator com poder de decisão perceber que a superação da crise tem prioridade sobre seus interesses de curto prazo, o povo brasileiro continuará entregue à própria sorte. Essa é a única justificativa política aceitável para o risco institucional de afastar o principal núcleo de resistência a qualquer correção de rumo do método petista de governar e de conduzir a economia. O povo brasileiro não deve pagar pelos desmandos de Dilma Rousseff.

É preciso ter claro que o risco que corremos vai muito além da momentânea paralisia do Estado e da sociedade, e decorre da vigência de projetos de hegemonia de vários atores políticos e sociais em curso há mais de uma década. Todos objetivam criar inimigos e aguçar o antagonismo entre duas classes de brasileiros: os cidadãos, que têm o monopólio da legitimidade, estabelecem as regras e sancionam os resultados em benefício próprio, e os súditos, destituídos de legitimidade e poder de decisão, mas que pagam todos os custos.

Movidos por interesses diversos, movimentos sociais, sindicatos, algumas profissões, alguns setores da economia, alguns partidos políticos, algumas religiões e organizações ativistas são protagonistas desses projetos e deles se beneficiam, sob o manto protetor do PT e de seus dois governantes. Os demais, se não se calam, são traidores ou golpistas.

Essa diversidade de interesses não sobrevive isoladamente, mas se entrelaça num projeto claro de demolição do sistema democrático. Lula atacou uma a uma as instituições de governo. Tratou os parlamentares de “300 picaretas”, ofendeu o Judiciário e ora paralisou, ora desmoralizou os órgãos de controle de contas e toda a administração federal. Esses projetos foram bem-sucedidos em minar as instituições, abrindo caminho para que a crise da Presidência contaminasse todo o sistema político. Seus efeitos se entranharam profundamente na sociedade, que hoje tende a aceitar essa aberração protofascista como ordem natural das coisas.

Isso torna ainda mais incontornável o dever político de afastar do Poder Executivo o consórcio de interesses espúrios engendrado em torno do PT, de Lula e Dilma Rousseff. Mas esse dever político envolve o dever moral correspondente de participar da coalizão que irá restaurar a dignidade do Estado brasileiro. Se líderes tucanos pretendem tirar proveito do impeachment, e depois fugir à responsabilidade, é bom pensarem duas vezes, pois pagarão muito caro por mais este oportunismo.


SÃO: PROFESSOR TITULAR DA USP, CIENTISTA POLÍTICO E AUTOR DO KINDLEBOOK ‘MEMORIAL DO MEDO. OS PRIMEIROS PASSOS DA DITADURA’; E PROFESSORA DO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP, VICE-DIRETORA DO NÚCLEO DE PESQUISA DE POLÍTICAS PÚBLICAS/USP

Desdobramentos da recessão - RUBEM DE FREITAS NOVAES

O GLOBO - 26/12

Já não bastam remendos e medidas paliativas. A seriedade do momento requer um governo competente, capaz de nos mostrar um horizonte confiável com responsabilidade fiscal


Três anos seguidos de forte crise econômica são um evento raro que traz desdobramentos quase que inexoráveis, para os quais precisamos estar atentos. É comum comentarmos a evolução da conjuntura apenas com o uso de indicadores macroeconômicos. Inflação, crescimento do PIB, balança comercial, taxa de desemprego, reservas externas, taxas de juros, cotação do dólar etc. são as variáveis usualmente objeto da atenção de nossos economistas. Mas, não seria importante, para o pleno entendimento do fenômeno, atentar diretamente para o que se passa com empresas, famílias e instituições financeiras, na medida em que persiste uma forte recessão, quase depressão econômica e psicológica?

A primeira reação de empresas industriais e comerciais, diante de uma queda na atividade econômica, é reavaliar investimentos, paralisar contratação de mão de obra e tentar renegociar contratos de aquisição de insumos para baixar custos de produção. De início, não é grande a dispensa de trabalhadores, pois são elevados os custos de demissão e há incertezas sobre a recuperação do mercado comprador.

Persistindo, no entanto, o quadro recessivo, começa a se acelerar a dispensa de mão de obra e o atraso de pagamentos julgados adiáveis por não trazerem consequências imediatas sobre as operações empresariais. Do ponto de vista de empregados e suas famílias, o drama maior ainda não aparece por força do seguro desemprego e das reservas para vicissitudes que alguns possuem.

O passo seguinte, quando nada de bom aparece no horizonte previsível, já é mais dramático. A inadimplência se estende a todas as áreas e muitas empresas fecham as portas. O desemprego se espalha, atingindo de forma mais contundente a classe média baixa e os pobres, que não dispõem de reservas, e ainda por cima se encontram endividados. Os grandes bancos privados têm sido cautelosos na concessão de crédito, mas o mesmo não pode ser dito dos bancos públicos. Estes poderão sofrer fortes consequências de uma conjuntura generalizada de inadimplências e de falências pessoais e empresariais.

Mantido o quadro de desânimo expresso nos índices de confiança levantados por diferentes instituições privadas, o que nos espera para 2016 é a situação derradeira acima exposta. Estima-se hoje desemprego acima de 12%, queda do PIB próxima de 3% e inflação cadente, mas ainda acima de 6,5%. Com tais números, não há como estimular o “espírito animal” de empresários nacionais e estrangeiros, que faria a roda girar novamente na direção de uma espiral ascendente de progresso.

É chegado o momento de reverter este quadro antes que possamos entrar em clima de convulsão social. Já não bastam remendos e medidas paliativas. A seriedade do momento requer um governo competente, capaz de nos mostrar um horizonte confiável em termos de responsabilidade fiscal e estimulador do empreendedorismo. Novas decepções serão catastróficas.

Rubem de Freitas Novaes é economista

A inflação de Barbosa e Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 26/12


O grande vilão da inflação continua sendo o governo, com suas contas desarrumadas e sem perspectiva clara de recuperação, segundo o diagnóstico repetido com ênfase crescente pelos técnicos do Banco Central (BC). A incerteza quanto à velocidade e à forma do ajuste é uma das causas principais do crescente desarranjo no sistema de preços, de acordo com o novo Relatório Trimestral de Inflação. Esse documento é uma ampla análise do quadro econômico nacional e do cenário externo.

As dúvidas sobre as contas oficiais são também um importante fator de risco para os próximos meses, juntamente com a insegurança gerada pela crise política. Esta crise, rotulada eufemisticamente como “eventos não econômicos”, aparece 3 vezes nas 7 páginas de apresentação e reaparece ao longo do texto de 109 páginas. Lendo esse documento, o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, poderá ter uma visão realista de seus desafios mais urgentes.

Como seus colegas do mercado, os economistas do BC foram piorando ao longo do ano suas projeções para a economia brasileira. Ainda no Planejamento, o recém-nomeado ministro da Fazenda contribuiu para a deterioração das expectativas e também da imagem do Brasil no mercado internacional. Contra seu colega Joaquim Levy, ele se juntou à presidente Dilma Rousseff em duas manobras desastradas para baixar a meta fiscal de 2016.

Sem apontar culpados, o relatório do BC menciona o rebaixamento do crédito do Brasil ao nível especulativo, em dezembro, “por uma segunda agência de avaliação de risco”, a Fitch. A primeira, a Standard & Poor’s, havia retirado o grau de investimento em setembro, depois da apresentação de uma proposta orçamentária com previsão de déficit primário (resultado sem os juros).

As novas projeções do BC, preparadas com informações conhecidas até o dia 18, ficaram muito parecidas com as do mercado. A contração prevista para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 foi revista de 2,7% para 3,6%. A recessão deve continuar em 2016 e a produção será 1,9% menor que a deste ano. As estimativas do mercado, coletadas na pesquisa Focus, indicavam até aquela data um recuo do PIB de 3,7% no ano e de 2,8% em 2016.

Também nas estimativas de inflação o pessoal do BC ficou próximo dos colegas do setor financeiro e das consultorias. A inflação indicada no cálculo oficial chegou a 10,8% para 2015, 6,2% para 2016 e 4,8% para 2017. Os números da pesquisa Focus, na mesma data, foram 10,8%, 6,3% e 4,9%.

As projeções do BC e do mercado apontam inflação ainda acima da meta, 4,5%, no fim de 2017. A autoridade monetária já abandonou há alguns meses a perspectiva de levar a inflação à meta em 2016. A promessa, agora, é alcançar esse resultado um ano mais tarde.

Se as projeções estiverem corretas, um pouco mais de esforço permitirá atingir o ponto desejado, mas o panorama de curto prazo continua muito feio. Mantém-se a perspectiva de um novo aumento dos juros básicos em janeiro, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), formado por diretores do BC. No mercado já se estimam juros de 14,75% no fim do ano, 0,5 ponto acima da taxa atual.

Com juros mais altos, o governo terá maior dificuldade para conter a expansão da dívida pública. A dívida bruta do governo geral, isto é, da União, dos Estados e dos municípios, chegou em outubro a 66,1% do PIB, muito acima dos níveis observados na maior parte dos países emergentes, e avança rapidamente para 70%. Mas o Copom reafirma a promessa de agir para levar a inflação à meta, nos próximos dois anos, “independentemente do contorno das demais políticas”.

A presidente pode ser tentada a intervir na política de juros, como em 2011, com risco de provocar um desastre, como naquela ocasião. Mas, se iniciar um ajuste fiscal confiável, ajudará a conter a inflação e dará ao BC a chance de moderar sua política. Para isso, a presidente deverá, pelo menos uma vez, ter aprendido a lição.

Pragmatismo jurídico - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 26/12

Envolvida numa sucessão de denúncias de desacertos administrativos e corrupção, a Petrobrás voltou a ser objeto de uma nova polêmica. Desta vez, o problema envolve os ex-integrantes do Conselho de Administração que foram submetidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a um processo administrativo instaurado com o objetivo de verificar se prejudicaram o plano de negócios da empresa e avaliar os prejuízos causados aos acionistas. Como órgão de orientação e direção superior da empresa, o Conselho é responsável pela definição e aprovação de planos estratégicos de negócios e pela eleição da diretoria e fiscalização da gestão e contas.

Ele é integrado por 10 membros, dos quais 7 são indicados pelo governo (os demais representam os acionistas minoritários e os funcionários).

A iniciativa da CVM foi tomada sete meses após as primeiras denúncias do petrolão e depois da publicação – pelo Financial Times – de que a Petrobrás estava sendo investigada nos Estados Unidos, o que levou o órgão responsável pela regulação e fiscalização do mercado brasileiro de capitais a ser acusado de ter sido no mínimo passivo diante da gravidade do caso. O órgão alegou que precisou fazer investigações preliminares para fundamentar a abertura formal do processo administrativo contra os membros do Conselho de Administração, pelo descumprimento da Lei 6.404/76. Em seu artigo 155, a lei determina que os administradores “devem servir com lealdade à companhia”.

Desde então, as investigações da CVM são acompanhadas de perto pelo sistema financeiro nacional e pela Securities and Exchange Commission, já que a Petrobrás tem ações negociadas na Bolsa de Nova York. A empresa também está sendo processada por fundos americanos de investimento e por consórcios de investidores individuais, que a acusam de manipular balanços, sonegar informações e tomar decisões que acarretam prejuízos aos acionistas.

Entre os conselheiros investigados pela CVM destacam-se o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega; a presidente da Caixa Econômica Federal, Miriam Belchior; o presidente do BNDES, Luciano Coutinho; o ex-secretário executivo do Ministério de Minas e Energia Márcio Zimmermann; o ex-executivo de uma empreiteira Sérgio Quintella; e Jorge Gerdau, controlador de uma das maiores metalúrgicas do País. Segundo a CVM, ao aprovarem o Plano de Negócios para o período de 2014 a 2018, eles teriam endossado – com o objetivo de favorecer a reeleição de Dilma Rousseff – uma política de controle de preços de combustíveis que inviabilizava o cumprimento das metas da companhia, induzindo assim os investidores a erro.

Para defendê-los da acusação de falha no dever de lealdade, por terem retardado decisões sobre a política de preços da companhia, os principais acusados – Mantega, Zimmermann, Coutinho, Miriam Belchior, Quintella e Gerdau – escolheram um mesmo escritório de advocacia. Os advogados alegam que, pelo estatuto da Petrobrás, a competência para reajustar preços é da diretoria executiva e não do Conselho de Administração. Assim, se os conselheiros autorizassem o reajuste, estariam “usurpando” as prerrogativas da diretoria, dizem eles. Também argumentam que não cabe à CVM avaliar se as opiniões dos conselheiros estavam tecnicamente certas ou erradas, relevando para segundo plano o fato de que as acusações do órgão dizem respeito a uma eventual negligência e a concessões políticas dos conselheiros.

Evidentemente, a contratação de um mesmo escritório pela maioria dos conselheiros investigados é uma atitude pragmática, na medida em que facilita a defesa, permitindo a uniformização de argumentos e afastando o risco de contradições. Nada impede os conselheiros investigados de adotar essa estratégia, do ponto de vista legal. Para muitos observadores, ela corresponde à gravidade das acusações que pesam contra eles, por não terem exercido suas atribuições com a devida atenção e eficiência.

Golpe contra a sensatez - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 26/12

É sábio e antigo o dito popular de que dinheiro não aceita desaforo. Gastar mais do que se tem é caminhar para o atoleiro das dívidas, embaralhar o presente e comprometer o futuro. Se isso vale para as famílias, mais ainda deve ser lembrado quando se trata de dinheiro público. A condição de gestor de verbas públicas não dá a ninguém o direito de administrar de modo inconsequente o que foi retirado da sociedade em forma de tributos. Engana-se, portanto, quem pensa que só prejudica o país, o estado ou o município o gestor que se vale de sua posição para desviar para o próprio bolso recursos do erário. A gestão temerosa e inepta das contas públicas, ou apenas subordinada ao interesse eleitoral, produz efeito tão ou mais danoso que a corrupção.

Não é por outra razão que respeitados especialistas em administração pública consideram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em vigor há 15 anos e sete meses, uma das mais importantes conquistas da história recente da sociedade brasileira. Ela não tem o charme do plano que livrou o país da hiperinflação, mas é passo fundamental para tirar o Brasil da condição de republiqueta de bananas, em que o governante pode tudo, inclusive gastar o que o país não tem, desde que isso lhe garanta aplausos e votos.

A LRF veio para impor limites. Proíbe, por exemplo, que se comprometam receitas improváveis ou inexistentes com despesas que se tornarão obrigatórias por longos anos, como as de pessoal permanente. Esse era um dos compromissos frequentemente assumidos em fim de mandato, para que o gestor ficasse com a glória, e o sucessor, com a conta para pagar. Essa e outras espertezas se tornaram, pela lei, crime de responsabilidade a serem apontados pelos tribunais de conta.

Foi cumprindo esse papel que o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou irregularidades envolvendo quantias expressivas (R$ 57 bilhões no total) nas contas do ano eleitoral de 2014 da presidente Dilma Rousseff. Por unanimidade, o tribunal reprovou as contas, recusando-se a aceitar truque usado para maquiar um enorme deficit primário, que consistia em adiantamentos pelos bancos oficiais e pela administração do FGTS, da quitação de benefícios de programas sociais, como o Bolsa Família. Como o Tesouro não quitou os adiantamentos, o TCU os considerou como empréstimos dos bancos a seu controlador estatal, prática vedada pela LRF.

Se isso é suficiente para justificar o processo de impeachment da presidente é outra história, até porque se trata de contas relativas ao mandato passado. O que se trata, agora, é da posição que o Senado Federal vai tomar em relação ao parecer do TCU pela reprovação das contas. Fazer de conta que nada aconteceu será desmoralizar o TCU, rasgar a Lei de Responsabilidade de Fiscal e jogar no lixo os avanços que ela introduziu na administração pública do país. Aprová-las com ressalvas é lançar mão de velho truque que políticos costumam usar para esconder a covardia ou a inconfessada conveniência de não enfrentar o problema.

É nesse contexto que deve ser analisado o inaceitável voto do relator da matéria na Comissão Mista de Orçamento (CMO), senador Acir Gurgaz (PDT-RO), que, desconhecendo o parecer do TCU, quer a aprovação das contas de 2014, com pedaladas e tudo mais. É espécie de indulto de Natal à presidente e a todos os administradores públicos que maltrataram e continuarão maltratando o dinheiro público.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

CONAB NOMEIA ADVOGADO DE EMPRESAS SUSPEITAS

O deputado Irajá de Abreu (PSD-TO), filho da ministra Kátia Abreu (Agricultura), indicou Igo Nascimento para a diretoria da Cia Nacional de Abastecimento (Conab), que, por sua vez, nomeou Carlos Lara Maia à diretoria de Operações e Abastecimento. Carlos advogou para as empresas Raiz Transporte e Transporte Rodoviário 1500, denunciadas pelo Ministério Público por crimes contra a administração pública.

MINHA MAMÃE
Os servidores de carreira da Conab estão revoltados com os privilégios do deputado que é filho da ministra, e vem dando as cartas na Conab.

MUITO SUSPEITO
Carlos Lara Maia era corretor de Bolsa de Mercadorias e advogado de defesa das duas empresas investigadas pelo Ministério Público.

CASTIGO DE MÃE
Kátia Abreu pode não controlar órgãos subordinados, como a Conab, mas monitora o comportamento parlamentar do filho.

GAROTO OBEDIENTE
A ministra Kátia Abreu até telefonou ao filho na derrubada do veto ao reajuste do Judiciário, ordenando que apoiasse o governo.

PETISTAS APOSTAM EM JOSÉ SERRA CONTRA A CRISE
Nem mesmo os petistas acreditam no partido como a solução para a crise política. Sigmaringa Seixas, advogado que só não foi ministro do Supremo Tribunal Federal porque não quis, revelou ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ) sua preocupação com os rumos do Brasil. Na conversa, segredou a receita para o sucesso: “José Serra (PSDB-SP) é o único caminho para sair da crise”. “Sig” é velho amigo de Serra.

RETIFICANDO
Dias atrás, durante uma discussão com Serra, Lindberhg contou a história de Sigmaringa, e ainda bajulou o paulista: “Concordo com ele!”.

INCOMODADOS
Serra e Lindbergh andam insatisfeitos. Serra quer ser presidente, mas Aécio Neves não deixa, e o petista não se dá com Dilma.

MESMA LÍNGUA
Senadores do PSDB e PT, Serra e Lindbergh concordam: a economia está ladeira abaixo e o governo não sabe tirar o País do buraco.

DISCURSO AFINADO
O governista e relator do Orçamento 2016, deputado Ricardo Barros (PP-PR), usou a incomum expressão ‘exercício de futurologia’ na terça-feira (22). Curiosamente, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, usou o mesmo termo algumas horas depois.

MINISTRO PAVÃO
Subiu à cabeça do ministro Nelson Barbosa (Fazenda) o fracasso da política econômica que levou o País ao buraco. Funcionários do Planalto só se referem a ele por um significativo apelido: “Pavão”.

LISTA DE CHAMADA
De uma bancada com 46 parlamentares na Câmara, apenas dois deputados cariocas registraram 100% de presença em sessão plenária em 2015: Sóstenes Cavalcante (PSD) e Glauber Braga (Rede).

DELÍRIO
O senador Humberto Costa (PT-PE) adotou o discurso de Dilma sobre a meta fiscal: “Trabalhar com meta mais modesta pode surpreender, porque podemos aumentar a meta”. O governo não tem meta alguma.

SOLUÇÃO PARA A CRISE
“O Parlamento tem capacidade de resolver os problemas numa velocidade maior e aperfeiçoaria o regime político”, diz Danilo Fortes (PSB-CE), sobre a ideia de implantar o Parlamentarismo no Brasil.

CONTRA-ATAQUE
Aliados de Eduardo Cunha estão convencidos que o recurso contra a votação do parecer no Conselho de Ética será aceito na CCJ. “É direito conceder vistas ao novo parecer”, diz Carlos Marun (PMDB-MS).

BEIRA DO ABISMO
“Um governo que sorri para o abismo e joga com a falta de inteligência não tem chance de prosperar”, afirma o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), sobre o discurso do governo em relação ao impeachment.

BANCADA AUSENTE
A bancada do Distrito Federal, com oito deputados federais, não teve sequer um parlamentar com 100% de presença em sessões plenárias. O detalhe é que a Câmara fica em Brasília, onde os oito moram.

PENSANDO BEM…
…“exercício de futurologia” deve ser a expressão do ano, em 2016.