É sábio e antigo o dito popular de que dinheiro não aceita desaforo. Gastar mais do que se tem é caminhar para o atoleiro das dívidas, embaralhar o presente e comprometer o futuro. Se isso vale para as famílias, mais ainda deve ser lembrado quando se trata de dinheiro público. A condição de gestor de verbas públicas não dá a ninguém o direito de administrar de modo inconsequente o que foi retirado da sociedade em forma de tributos. Engana-se, portanto, quem pensa que só prejudica o país, o estado ou o município o gestor que se vale de sua posição para desviar para o próprio bolso recursos do erário. A gestão temerosa e inepta das contas públicas, ou apenas subordinada ao interesse eleitoral, produz efeito tão ou mais danoso que a corrupção.
Não é por outra razão que respeitados especialistas em administração pública consideram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em vigor há 15 anos e sete meses, uma das mais importantes conquistas da história recente da sociedade brasileira. Ela não tem o charme do plano que livrou o país da hiperinflação, mas é passo fundamental para tirar o Brasil da condição de republiqueta de bananas, em que o governante pode tudo, inclusive gastar o que o país não tem, desde que isso lhe garanta aplausos e votos.
A LRF veio para impor limites. Proíbe, por exemplo, que se comprometam receitas improváveis ou inexistentes com despesas que se tornarão obrigatórias por longos anos, como as de pessoal permanente. Esse era um dos compromissos frequentemente assumidos em fim de mandato, para que o gestor ficasse com a glória, e o sucessor, com a conta para pagar. Essa e outras espertezas se tornaram, pela lei, crime de responsabilidade a serem apontados pelos tribunais de conta.
Foi cumprindo esse papel que o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou irregularidades envolvendo quantias expressivas (R$ 57 bilhões no total) nas contas do ano eleitoral de 2014 da presidente Dilma Rousseff. Por unanimidade, o tribunal reprovou as contas, recusando-se a aceitar truque usado para maquiar um enorme deficit primário, que consistia em adiantamentos pelos bancos oficiais e pela administração do FGTS, da quitação de benefícios de programas sociais, como o Bolsa Família. Como o Tesouro não quitou os adiantamentos, o TCU os considerou como empréstimos dos bancos a seu controlador estatal, prática vedada pela LRF.
Se isso é suficiente para justificar o processo de impeachment da presidente é outra história, até porque se trata de contas relativas ao mandato passado. O que se trata, agora, é da posição que o Senado Federal vai tomar em relação ao parecer do TCU pela reprovação das contas. Fazer de conta que nada aconteceu será desmoralizar o TCU, rasgar a Lei de Responsabilidade de Fiscal e jogar no lixo os avanços que ela introduziu na administração pública do país. Aprová-las com ressalvas é lançar mão de velho truque que políticos costumam usar para esconder a covardia ou a inconfessada conveniência de não enfrentar o problema.
É nesse contexto que deve ser analisado o inaceitável voto do relator da matéria na Comissão Mista de Orçamento (CMO), senador Acir Gurgaz (PDT-RO), que, desconhecendo o parecer do TCU, quer a aprovação das contas de 2014, com pedaladas e tudo mais. É espécie de indulto de Natal à presidente e a todos os administradores públicos que maltrataram e continuarão maltratando o dinheiro público.
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