Os argentinos começarão 2016 com uma série de aumentos de preços de vários serviços. O reajuste escolar está previsto para 25%. Os saltos da inflação e do dólar podem corroer mais rapidamente a lua de mel do novo presidente Mauricio Macri. Ele não tem responsabilidade por estes aumentos, porém a conjuntura tende a piorar muito antes de melhorar.
É difícil para qualquer governante fazer o ajuste de uma economia tão desorganizada como está a da Argentina. No caso, foi obra de anos de erros da administração de Cristina Kirchner. O governo peronista somou intervencionismo voluntarista, tarifas reprimidas, câmbio artificial, inflação alta, recessão, esgotamento de reservas, manipulação de indicadores, isolamento internacional, queda de competitividade da indústria.
Há vários paralelos com o Brasil, mas nós não temos todos os problemas que os vizinhos têm. Um dado importante da diferença é o fato de o Brasil possuir um volume considerável de reservas cambiais. O presidente Mauricio Macri tem que fazer ao mesmo tempo a correção do câmbio, a suspensão de medidas de restrição de compra de dólar, a administração das reservas escassas e a negociação com os credores da dívida externa. Tudo ficaria mais fácil se a Argentina tivesse reservas. Mas, sem elas, como sustentar a eliminação dos entraves à compra dos dólares? Pode não haver moeda americana para comprar, mas se o governo não mantiver a liberalização do câmbio estará descumprindo uma promessa da campanha. As medidas de liberalização do câmbio já provocaram uma alta forte do dólar.
A decisão de suspender o imposto sobre exportações de produtos agrícolas ajuda a médio prazo a recompor as reservas, ainda que num primeiro momento reduza a arrecadação. Esse imposto, as “retenciones”, provocou uma sucessão de efeitos colaterais. Um governo quando começa a corrigir um problema criando outro, entra em um círculo vicioso que leva a mais distorção. A ex-presidente Cristina Kirchner tentou reter a produção no país para, com isso, diminuir a pressão interna nos preços. A inflação não caiu e, em compensação, com menos dólar entrando ficou maior o desequilíbrio cambial. Isso levou o governo a adotar as medidas de restrição à compra de moeda estrangeira pelos importadores. Houve, então, ruídos com os parceiros comerciais e prejuízo à produção local que dependia de produtos importados. Tudo acabou elevando a inflação que se queria controlar num primeiro momento. Essa foi a dinâmica dos ajustes que desajustam, método que a Argentina de Cristina Kirchner adotou.
Agora, toda a correção levará a mais inflação. Hoje, ela está acima de 25%. Tende a subir muito pela alta do dólar, reajuste das tarifas, e suspensão das medidas que limitavam a liberdade de pesquisa do instituto estatístico do país. O governo, que prometeu corrigir os problemas, começará por agravar tudo em um primeiro momento.
Macri terá que deixar claro o quanto o desconforto dos argentinos é produzido pelo governo peronista que deixou a Casa Rosada. Isso sempre fica claro para o eleitor no começo, mas depois começam as cobranças. O problema é que pôr a casa em ordem depois de tanta desordem é muito difícil. As notícias ruins vão se suceder.
Um problema crônico da Argentina — e também do Brasil — é a perda da competitividade da indústria, principalmente do setor têxtil e de brinquedos. É justamente a indústria que está resistindo às medidas anunciadas por Macri de suspensão de barreiras comerciais. A desvalorização pode ser uma barreira natural, mas será muito mais difícil aumentar estruturalmente a competitividade da indústria.
As contas públicas estão desorganizadas e o governo terá que, no meio de um ambiente recessivo, e de retirada dos impostos sobre exportação de commodities agrícolas, aumentar a arrecadação. Macri terá um ano difícil pela frente no trabalho de começar a corrigir as distorções acumuladas pelo governo que derrotou. Ao longo do esforço pode se dar conta que foi mais fácil vencer uma presidente desgastada, do que superar as armadilhas que ela deixou. Quanto ao peronismo, já se organiza para ser oposição e passar a acusar o governo pela crise na qual o próprio partido jogou o país.
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