sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Sem saída - JOSÉ CASADO

O  GLOBO - 14/02

Na Venezuela, desajuste político apenas emoldura o desastre econômico


- Eles são os responsáveis pelo que está acontecendo - gritava o presidente da Assembleia Nacional, referindo-se aos líderes da rarefeita bancada de oposição no parlamento. - Vagabundos! Imorais! Vocês nunca vão governar este país! - acrescentou Diosdado Cabello, reconhecido como o segundo homem no poder na Venezuela.

Já se contavam três mortos e mais de 90 prisões de estudantes, na quarta-feira 12 de fevereiro, em meio à celebração dos 200 anos da "Batalla de La Victoria" - importante episódio na guerra da independência venezuelana, no qual o general José Félix Ribas convocou um punhado de estudantes, entregou-lhes fuzis e os conduziu à luta contra “o furor dos tiranos”.

Enquanto Cabello xingava adversários, culpando as “horas fascistas da direita”, estudantes protestavam em todo o país. Nicolás Maduro, presidente, denunciava mais uma suposta tentativa de golpe - já anunciou mais de três dezenas desde a posse, em abril do ano passado, intercalados por comunicados sobre supostos planos para assassiná-lo. Como sempre, sem provas.

A percepção de que Maduro e Cabello são os responsáveis pela deblace venezuelana cresce na proporção do reconhecimento público da incapacidade de ambos para conduzir o país a uma saída política da crise em que submergiu. Herdeiros da ruína legada por Hugo Chávez, cultuam o fracasso na imposição da ordem unida - agora com a adoção da censura prévia à imprensa, ordens de prisão expedidas contra estudantes e líderes oposicionistas e instituição de um sistema de cassação de direitos políticos dos adversários “por toda la vida”, como anunciou Maduro no início da semana.

O desajuste político apenas emoldura o desastre econômico. Maduro e Cabello nem podem esgrimir com o clássico "eu não sabia", porque na campanha eleitoral de março passado receberam um diagnóstico produzido por economistas aliados.

O documento ("Qué hacer"), divulgado na época, alertava "sobre uma bomba atômica que praticamente já explodiu devido às políticas econômicas inadequadas da nossa equipe econômica."Acrescentava: "É preciso uma reformulação ( das políticas) para um urgente controle dos danos, por um lado, e um relançamento da economia, por outro (...) Até agora as classes baixas, que apoiam o processo revolucionário, têm sido pacientes (...) Mas se escuta no ambiente a possibilidade de uma comoção social, como efeito da reverberação das ondas de choque da bomba econômica que já explodiu".

Dias atrás, um grupo de organizações de economistas divulgou outro documento, onde se lê: "A continuar o governo no atual rumo, os problemas econômicos dos venezolanos se agravarão de forma dramática. A alta sustentada dos preços, a queda dos salários reais, as limitações às oportunidade de empregos bem melhor remunerados e a escassez de alimentos, remédios e uma variedade de bens de uso frequente, farão da vida dos venezuelanos um processo de empobrecimento e padecimento por pesadas dificuldades econômicas, todas relacionadas entre si".

Em 11 meses no poder, Maduro e Cabello esboçaram uma única reação, assim resumida pelo presidente:

- Vou militarizar (o país) para proteger o povo.

Nomearam 368 militares para a chefia de áreas-chave do governo, inclusive a economia. É um contingente significativo em um país com 300 generais, almirantes e brigadeiros (o Brasil, por exemplo, sustenta 150 para uma tropa de 190 mil). Como nos quartéis a contabilidade oficial é de 73,7 mil profissionais em armas, significa que há um general para cada grupo de 250 soldados. Quase todos só devem passar à reserva em 2020 — em tese, deteriam o comando das forças pelos próximos sete anos.

Entre eles e a tropa existem oito mil oficiais — todos à espera de uma promoção ao generalato. Embaixo desses estão mais 27,5 mil oficiais técnicos.

Na vida real, apenas 80 generais-comandantes têm controle efetivo do poder de fogo, dominando as áreas mais estratégicas da caserna. Todos são beneficiários da política de altos salários para a caserna. Na Venezuela, as Forças Armadas têm seu próprio banco (Banfanb), sua empresa de transporte (Emiltra), sua construtora até uma empresa agrícola (Agrofanb), para garantir o suprimento da caserna. E desde o início deste ano têm, também, sua própria emissora de televisão (TVFanb)

Fernando Antich Ochoa, ex-chanceler e ministro da Defesa do governo Carlos Andrés Perez (1991 a 1994), acha que a dupla Maduro-Cabello optou pela via da militarização do país pela fragilidade com que emergiram das urnas, nas eleições presidenciais do ano passado ao vencer por uma questionável diferença (1,5%), jamais auditada nos boletins de votação. E, principalmente, como tática de imagem, acreditando que "com os venezuelanos vinculando o governo às Forças Armadas seria, em tese, mais difícil um apoio popular aos militares caso viessem a intervir no processo político para interrompê-lo".

O problema de Maduro e Cabello, agora, é o ronco das ruas. A opção governamental pela radicalização equivale ao bilhete ritual de um suicídio político.

A argentinização em marcha - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 14/02

Na esteira do desalento com a inconsequência da atuação do governo, vem-se disseminando o temor de que o país acabe transformado numa imensa Argentina. Embora o pesadelo seja compreensível, não faltam bons argumentos para convencer os mais pessimistas de que ainda falta muito para que a Brasília de Dilma se converta na Buenos Aires de Cristina. Mas há que se reconhecer que, em certas áreas, a argentinização vem avançando de forma assustadora. Um bom exemplo é o do setor elétrico.

Esse é um setor em que, há muitos anos, o governo se tem permitido ser particularmente irracional. Em meados de 2003, a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, apresentou uma proposta de reestruturação do setor elétrico que simplesmente não fazia sentido. Entre pontos inegociáveis e delírios voluntaristas, a proposta mostrava completo descaso por incentivos e fatores de risco que pautam decisões de investimento no setor. Bem mais de um ano se passou até que, com o país mais uma vez convertido em custoso navio-escola, especialistas de fora do governo conseguissem convencer a ministra a transformar a proposta em algo menos rudimentar.

Mas o vezo voluntarista e o desprezo pelo mercado não puderam ser eliminados. E, não tendo conseguido construir um ambiente regulatório que engendrasse tarifas módicas naturalmente, o governo vem, já há algum tempo, tentando assegurar modicidade tarifária na marra. No caso das hidrelétricas da Amazônia, fixou tarifas arbitrariamente baixas e, depois, despejou sobre os projetos de investimento todo o dinheiro público que se fez necessário para torná-los viáveis .

Há cerca de um ano e meio, preocupado com a inflação, o governo decidiu reduzir tarifas de energia. Poderia ter diminuído a carga tributária que incide sobre as tarifas. Mas preferiu partir para a redução de preços pagos aos produtores de energia, por meio de truculenta antecipação do vencimento dos contratos de concessão. Até hoje o setor não se recuperou da desorganização deflagrada por essa intervenção.

Tendo conseguido impor expressiva redução tarifária, o governo logo se deu conta de que tal redução estava fadada a ser revertida, em decorrência da necessidade de repassar aos consumidores os custos de operação das usinas térmicas. E, para evitar que isso ocorresse, permitiu-se, mais uma vez, adotar solução flagrantemente populista: repassar a conta das térmicas para o Tesouro.

Ter tudo isso em mente ajuda a perceber com mais clareza o entalo em que agora se meteu o Planalto. A precariedade do suprimento de energia elétrica com que hoje conta o país tornou-se evidente. E a probabilidade de que um racionamento se torne necessário já passou a ser preocupante.

Em condições normais, caberia ao governo reconhecer o problema e adotar medidas preventivas de racionalização da demanda, como elevação de tarifas e estímulos à conservação de energia. O grande problema é que, a sete meses e meio das eleições, o governo se recusa terminantemente a reconhecer a simples existência do problema. E é fácil perceber por quê. Tendo feito o que bem entendeu no setor por 11 anos, a presidente não tem a quem culpar. É a única e exclusiva responsável pelo quadro de precariedade da oferta de energia que hoje se vê. A palavra de ordem, portanto, é não admitir, sob nenhuma hipótese, que o problema sequer exista. Negar, negar e negar.

Salta aos olhos que essa negação, conjugada com a aposta desesperada nas águas de março, é estratégia altamente arriscada. E, até que saiba o desfecho da aposta, o governo estará exposto a grande desgaste. Para evitar que o custo de operação das térmicas seja repassado aos consumidores, o Tesouro terá de arcar com gastos da ordem de R$ 18 bilhões em 2014. Se, num surto de inconsequência, o governo decidir ir em frente com o repasse desse custo para o Tesouro, quando o país se defronta com um quadro de oferta de energia tão precário, o escandaloso populismo da decisão deverá marcar alarmante escalada no processo de argentinização do setor.

Esvaziado e sem rumo - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 14/02

O Movimento dos Sem Terra (MST) tem uma história de 30 anos permeada de invasões e atos de violência, mas é a primeira vez que tenta peitar instituições democráticas, como aconteceu nos tumultos praticados quarta-feira nas manifestações em Brasília. Já é, parece, o reflexo de um movimento esvaziado, sem discurso e sem rumo.

Ao contrário do que muita gente pensa, o MST é um movimento conservador. Nasceu em 1984 como fruto da Pastoral da Terra da Igreja Católica, em cuja órbita continua girando. Na prática, sua função social foi organizar e impor certa disciplina a camadas subempregadas na periferia das grandes cidades, graças a promessas de acesso à terra e práticas de liturgia de "enturmação".

Não faz sentido insistir nas denúncias do latifúndio improdutivo, como faz o MST. A presidente Dilma, cuja base de apoio político é liderada por um partido que sempre defendeu a reforma agrária, acaba de deitar louvação nos resultados da agricultura, que "em duas décadas aumentou em 221% a produção de grãos, com acréscimo da área plantada de apenas 41%". Independentemente da exatidão desses números, este não é o resultado da atuação só de grandes empresas. A agricultura familiar capitalizada e detentora de tecnologias de ponta em preparo da terra, seleção de sementes, plantio, irrigação, colheita, armazenamento e práticas financeiras avançadas, também tem muito a ver com isso.

A tal "produtividade na veia" a que se referiu a presidente Dilma acontece na agropecuária, e não nos assentamentos. Hoje, o setor coloca no mercado quase 200 milhões de toneladas de grãos que, em mais dez anos, deverão ser alguma coisa entre 300 milhões e 400 milhões de toneladas.

Não foi apenas o sucesso do agronegócio que esvaziou o MST. Também os governos do PT trabalharam diretamente para isso, na medida em que promoveram farta distribuição de bolsas família e tiraram impulso das lutas pelo acesso à propriedade de um pedaço de terra e por um posto de trabalho. Ficou comprovado que o desemprego se resolve com crescimento econômico, e não com reforma agrária.

As próprias análises internas do MST reconhecem que o Programa Bolsa Família e o aumento do emprego atrapalharam os planos dos seus dirigentes. Eles agora acusam o governo de traição à causa e de conluio com a bancada ruralista. Parecem incapazes de reconhecer que os projetos de reforma agrária não mais farão parte da agenda de prioridades de nenhum governo, seja qual for sua coloração ideológica.

Os líderes do MST não têm clareza sobre seu próprio futuro. Como não conseguiram emplacar seus projetos originais de redistribuição de terras, aderiram a um ambientalismo confuso e, em nome dele, se puseram a destruir plantações de laranja, de eucalipto, de cana-de-açúcar e de canteiros de pesquisas agronômicas, sob a argumentação de que toda cultura extensiva, especialmente a obtida a partir de sementes geneticamente modificadas, envenena as pessoas e o meio ambiente e destrói a agricultura tradicional.

Em todo o caso, mesmo em decadência e sem perspectivas, o MST ainda tenta invadir o Palácio do Planalto e consegue suspender uma sessão do Supremo, como aconteceu quarta-feira.

Da "Primavera" ao "terrorismo" - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 14/02

Retórica da discussão pública lembra a de um país convulsionado, mas não é o caso


NA "PRIMAVERA brasileira", o "gigante acordou". Gigantes, ou pelo menos grandiosas e grandiloquentes, eram as palavras de então. Mais à esquerda do arco-íris desbotado da política hodierna, havia júbilo com "movimentos horizontais", "devir das personalidades", coletivos, democracia direta, política sem hierarquias. O governo, mas não apenas, aparecia com a ideia de Constituinte.

Sete meses depois, num verão que parece ter torrado nossos miolos, a conversa desandou para leis contra o terrorismo, fantasia agora de direita. Viajamos no arco-íris ideológico.

Há decerto um mal-estar na falta de civilização do Brasil. Ou, melhor, evidenciaram-se desconfortos ou a revolta contra alguns horrores rotineiros. O país, porém, não está caindo aos pedaços, nem se despedaça em divisões políticas concretas e extremadas. Há uma desproporção entre surtos de exagero político discursivo e problemas reais; entre os arrebatamentos discursivos e as divisões políticas reais.

Do inverno da "Primavera" até este verão, nem mesmo se organizaram forças políticas novas de relevo, capazes de balançar o coreto da política partidária ou de dar intensidade, direção e sentido a um movimento social de peso, que levasse os atores políticos a dar tratos à bola.

Não se trata de dizer que não houve novidades, mas de notar que os abalos de 2013 não abalaram a política mais ou menos convencional. O ambiente ficou mais tenso. Ficou mais embolado o meio de campo da política partidária. O cálculo eleitoral pragmático eleitoral tornou-se mais impreciso devido ao "risco rua".

Isto posto, até agora, o governo não se viu decisivamente obrigado a tomar alguma atitude relevante para responder ou se amoldar à voz rouca ou estridente das ruas. A oposição, por inépcia, inapetência, caduquice ou desinteresse oportunista, não soube incorporar a força do protesto que apareceu em junho de 2013.

Afora exageros e maluquices retóricos, por enquanto não aconteceu mais nada de politicamente decisivo. Aliás, desde junho, apesar do tumulto das ruas e do tumulto na finança mundial, aliás coetâneos mas disjuntos, quase nada aconteceu.

Desde que o clima voltou a azedar na finança mundial, em maio, o governo de certo modo jogou a toalha e deu um tempo nas suas tentativas de anabolizar a economia, mesmo porque acabou o estoque de remédios artificiais de crescimento.

Ainda assim, mesmo após a divulgação dos horríveis resultados da política econômica, no trimestre final do ano, o governo no máximo ofereceu panos quentes e promessas vagas de mudança, de "mudar a interlocução com o mercado", no fim das contas uma bobagem.

Da "Primavera" até agora, ficou claro, ainda que aos poucos, que não só o crescimento brasileiro minguara, já sabido, mas que a "economia do povo", que ia bem, perdia seu gás. Salários e consumo crescem, mas cada vez mais devagar. No entanto, não houve desastre, nem de longe; nem a percepção popular da economia parece ter piorado de modo notável.

Basicamente, não aconteceu grande coisa. Há mau humor, tensão, certo. A retórica da conversa pública, porém, parece a de uma situação convulsionada.

Compromisso com meta terá que ser provado mês a mês - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 14/02

O anúncio da meta fiscal para este ano, que será feito pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, até quinta feira, dia 20, é visto pelo governo como uma decisão de alto valor estratégico em um momento de grandes incertezas para as economias emergentes e, particularmente, para o Brasil.

O tamanho do contingenciamento do Orçamento para viabilizar a meta que for definida ainda está sob intensa discussão no âmbito da junta orçamentária, com suas conhecidas divergências e as inesperadas despesas que chegam da área de energia.

Espera-se da decisão, no entanto, pelo menos dois sinais claros: 1) que o superávit primário seja suficiente para estabilizar a dívida pública bruta como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) e, assim, afastar o risco de rebaixamento do grau de investimento pelas agências de rating; 2) que a política fiscal seja, no mínimo, neutra para o controle da inflação, conforme preconizou o Banco Central pela primeira vez na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de setembro de 2013.

Um fator relevante para montar esses cálculos é o comportamento do PIB esperado para o ano. Nesse aspecto, as notícias não são boas. Está havendo uma rápida deterioração das expectativas de crescimento econômico. As principais casas financeiras estão convergindo para uma modestíssima expansão do PIB, de algo próximo a 1,5%.

Se esse for o cenário, uma meta de superávit primário consolidado do setor público em torno de 1,5% do PIB já entraria no campo da neutralidade, se não ajudando pelo menos não atrapalhando a batalha do combate à inflação travada pela política monetária. Mas não seria suficiente para estabilizar a dívida bruta/PIB, cuja trajetória está no centro das preocupações das agências de rating, sobretudo da Standard & Poor"s.

Recentemente, o Banco Central apresentou dois exercícios para as variáveis fiscais ao fim de 2014, levando em conta o cenário de mercado naqueles dias: IPCA de 6,02%, taxa de câmbio de R$ 2,45, juros de 10,8% e crescimento de 1,91%.

Com um saldo primário de 1,4% do PIB, conforme projetava o Focus, a dívida líquida subiria de 33,8% do PIB em 2013 para 34,5% do PIB este ano. A dívida bruta aumentaria de 57,2% do PIB para 58,1% do PIB e o déficit nominal cresceria de 3,28% do PIB para 3,7% do PIB, em igual período.

Tomando o superávit primário de 2,2%, citado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a dívida líquida ficaria estável em 33,8% do PIB, a bruta aumentaria de forma marginal, para 57,4% do PIB e o déficit nominal seria de 3,1% do PIB. Conforme a hipótese de PIB para o ano esses números mudam substancialmente. É provável que para um crescimento inferior a 2% este ano, o superávit próximo a 2% do PIB seja suficiente para estabilizar a dívida bruta.

Tão importante quanto a definição da meta fiscal será a sua comunicação. Se as premissas usadas pela área econômica estiverem distantes das que o mercado considera razoáveis, por exemplo para a taxa de crescimento, a confiança nos propósitos do governo terá vida curta.

Gato escaldado, aliás, a tendência dos agentes econômicos é de ver para crer. Economistas e analistas do setor privado argumentam que a despeito da divulgação oficial da meta, dia 20, vão querer primeiro ver os resultados mês a mês e se eles são consistentes com o objetivo anunciado para o ano. "Agora é São Tomé. A prova provada", disse um economista influente. Perde-se, aí, o ganho antecipado de uma melhora das expectativas, tão importante para a condução da política monetária pelo Banco Central.

Se o governo considera a decisão sobre a política fiscal como de importante valor estratégico, os analistas do setor privado a veem com uma dose considerável de ceticismo. Até gostariam de acreditar, pois uma virada na gestão das contas públicas em ano eleitoral poderia ser um divisor de águas e marcar uma substancial mudança nas convicções da presidente Dilma Rousseff.

Uma pergunta frequente em rodas de empresários, hoje, é se Dilma Rousseff, caso reeleita, vai dobrar a aposta no estilo e conteúdo que marcou sua primeira gestão; ou se a experiência desses quatro anos, com todos os seus percalços e o baixo crescimento do país, abalou as crenças da presidente. A resposta a essa indagação pode começar a ser escrita na semana que vem.

O; relatório do Federal Reserve, entregue ao Congresso americano no mesmo dia da sabatina de Janet Yellen, esta semana, nas duas páginas em que trata dos países emergentes, causou grande contrariedade na área econômica do governo. O texto citou nominalmente o Brasil como um dos países mais vulneráveis às intempéries externas, a partir de um índice de vulnerabilidade construído pelos economistas do Fed, cuja metodologia não foi explicitada.

O assunto foi tema de discussão no Ministério da Fazenda nos últimos dias e um economista graduado do governo alinhou alguns dos motivos pelos quais seriam falhos os argumentos do Fed. Um deles, por exemplo, é de desprezar o fato de que o real era a moeda mais sobrevalorizada do planeta.

O índice foi calculado para uma amostra de 15 economias emergentes com base em seis indicadores e encontrou correlação desse índice e as desvalorizações cambiais dos emergentes. Brasil e Turquia aparecem como os mais vulneráveis.

Dois experientes economistas, com intensa vivência internacional, também reagiram com espanto ao relatório. "Totalmente absurda a comparação do Brasil com a Turquia", comentou Murilo Portugal, que por 13 anos foi do alto escalão do Fundo Monetário Internacional. "Nós temos menor déficit em conta corrente, reservas mais elevadas, instituições sólidas e coesão interna", ponderou ele.

O ex-ministro Delfim Netto também reagiu: "Esse relatório é um absurdo!". Delfim atribui a citação do Brasil a uma contaminação do Fed pelo ambiente geral de "má vontade" dos investidores internacionais com o país.


A esquerda e os liberais - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 14/02

O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas


A discussão sobre as abordagens de política econômica frequentemente se escora em estereótipos: a direita seria autoritária na política e liberal na economia; a esquerda, democrática e desenvolvimentista. Este artigo propõe um contraponto.

A clivagem usual pode ter origem na ditadura militar, uma escolha trágica que, na retórica, tem sido utilizada para esconder a semelhança entre os principais projetos políticos à esquerda e à direita no período. Ambos compartilhavam o autoritarismo e o diagnóstico econômico que enfatizava a relevância da intervenção pública, o estímulo à produção doméstica, a proteção de setores estratégicos pouco competitivos e a normatização minuciosa das regras para as decisões privadas.

A divergência não ocorreu tanto sobre a estratégia econômica, mas mais sobre quem deveria liderá-la. A esquerda apoiava uma aliança política alternativa, porém compartilhava o projeto nacional-desenvolvimentista e a pouca ênfase em políticas sociais como educação. Por isso mesmo era apenas aparente o paradoxo do elogio ao 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do governo Geisel.

A abordagem liberal se diferencia de ambos os projetos pela ênfase nas regras e procedimentos para a análise e a deliberação das políticas públicas. Na economia, implica tratamento similar a grupos semelhantes e exposição à concorrência, tendo como resultado a desigualdade que decorre do mérito, e não do acesso privilegiado ao governo. Benefícios podem ser concedidos desde que transparentes, com metas de desempenho e avaliação independente.

O debate sobre política social no Brasil nos anos 2000 reflete a divergência entre liberais e a esquerda. Não se tratava de controvérsia sobre a sua relevância, mas de como melhor utilizar os recursos. De um lado, defendia-se a sua transferência para os grupos de menor renda, com incentivos à educação dos jovens. De outro, políticas sociais universais, paradoxalmente combinadas com o nacional-desenvolvimentismo, que escolhe os setores econômicos beneficiados. De um lado, o Bolsa Família; de outro, o Fome Zero.

Para a esquerda, os desafios econômicos devem ser enfrentados pela barganha e intervenções discricionárias. Para os liberais, a desigualdade de renda e os custos mais altos de produção são decorrentes de políticas sociais ineficazes, do excesso de distorções econômicas e da proteção a empresas ineficientes.

A diferença de diagnóstico decorre dos objetivos e regras de debate. À esquerda, a discussão é pautada pela visão de mundo, selecionando os resultados e conclusões por afinidade ideológica. Os liberais são céticos sobre verdades intrínsecas e restringem a discussão aos procedimentos da análise dos dados. De um lado, a leniência com práticas e compromissos, desde que garantido o rumo ideológico. De outro, a tolerância com crenças e políticas, desde que respeitados os processos e procedimentos. A dominância dos fins em contraposição à disciplina dos meios. Por isso, a abordagem liberal é compatível com políticas diferentes e mesmo confrontantes com o seu estereótipo, como políticas sociais focadas em grupos de menor renda e incentivos ao desenvolvimento tecnológico.

O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. Com discurso indignado pelas condições de mercado, adotou-se uma medida intervencionista com a promessa de queda dos preços. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas, e não apenas da vontade ou da barganha política, e o resultado foi frustrante. Para manter a promessa, foram concedidos subsídios. A regulação equivocada afetou a expansão da oferta e o conjunto da obra é o preço recorde da energia, além da já aventada estimativa de gastos públicos de R$ 18 bilhões em 2014.

Para os liberais, o debate democrático deve ser resolvido por meio da transparência, para que a sociedade delibere sobre as políticas públicas e, à luz do sol, enfrente dilemas mais difíceis do que o proposto pela retórica da indignação.

Em desaceleração - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 14/02

O comércio varejista de dezembro teve uma queda pequena, mas confirma que o cenário ficou mais negativo para o PIB. Hoje, sai o IBC-Br de dezembro. No dia 27, o IBGE divulga o PIB do quarto trimestre. As previsões são de um resultado negativo no índice usado pelo Banco Central para calcular a atividade; e de um número muito baixo para o PIB trimestral. A economia está desacelerando.

Em dezembro, o comércio varejista restrito caiu 0,2%, mas quando ele é ampliado com as vendas de automóveis e construção a queda é de 1,5%. A indústria em dezembro encolheu 3,5%. Os dois números juntos deixam o cenário mais difícil para o PIB deste ano; não apenas o de 2013.

Os dados devem confirmar que a economia cresceu um pouco mais de 2% em 2013. Qual o número exato, só se saberá dia 27, mas será melhor do que 2012. Essa redução do ritmo que se vê na indústria e no varejo, no entanto, mostra que a economia entra em 2014 com menos embalo. O comércio no início de 2013 estava com alta de 8,3%, em 12 meses, e terminou o ano com 4,3%. Está perdendo vigor. Já a indústria melhorou, mas de forma lenta: foi de -1,83% para 1,15%.

As quedas na indústria e no comércio no último mês do ano provocam o que os economistas chamam de carregamento estatístico negativo. Ou seja, é preciso recuperar primeiro o que se perdeu, para depois voltar a crescer. Por isso, o momento nos bancos, consultorias e grandes empresas é de voltar às planilhas e refazer as contas com viés de baixa. O Itaú Unibanco vai divulgar hoje suas novas projeções. Até ontem, o número do PIB de 2014 era de 1,9% e, agora, deve ficar menor.

— A queda forte da indústria vai influenciar na conta e os seus efeitos serão mais sentidos em 2014 do que no PIB do quarto trimestre de 2013 — explicou o economista Luka Machado Barbosa, do Itaú Unibanco.

Segundo Luka, o crescimento este ano será baixo por vários motivos. O comércio está desacelerando, na taxa em 12 meses, desde novembro de 2012, quando crescia a um ritmo de 8,6%. Chegou em dezembro em 4,3%, e o Itaú estima que termine este ano com apenas 3% de alta.

O economista Armando Castelar, do Ibre/ FGV, diz que a estimativa é de um PIB entre 1,5% e 2% em 2014. Com o resultado do comércio e da indústria de dezembro, ele acredita que o número ficará mais próximo de 1,5%. Enquanto o comércio perde vigor, a indústria não consegue se recuperar, mesmo com a desvalorização do real, que dificulta as importações e facilita as exportações.

— A confiança dos empresários e dos consumidores está baixa e isso afeta o investimento. A indústria vai sentir a crise da Argentina, que compra nossos manufaturados. A China está crescendo menos, o que não ajuda a exportação de commodities. Temos inflação alta, um governo intervencionista, e até risco de racionamento de energia — disse Castelar.

Ontem, o governo admitiu que há riscos — mas “baixíssimos” — de dificuldade de suprimento de energia. Felizmente, as chuvas estão voltando nesta segunda metade de fevereiro. Parte do período chuvoso se perdeu.

O risco de rebaixamento da nota de crédito do país limita a capacidade do governo de gastar para impulsionar o PIB mesmo sendo ano de eleição. Há pouca margem para gastos no Orçamento. O aumento do custo da conta de energia torna menor ainda a margem de manobra.

A agricultura, que teve crescimento muito forte em 2013, deve repetir um bom resultado este ano, embora a seca possa afetar o plantio de algumas colheitas. O setor tem pouco peso no cálculo do PIB feito pelo IBGE, mas é fundamental nas contas externas.

Após a queda do PIB no terceiro trimestre, de 0,5%, o país voltará a crescer no quarto, segundo a maioria das projeções. A consultoria inglesa Capital Economics estima alta de 0,5%. O Itaú prevê 0,6%, mas o dado pode ficar menor com a revisão que está sendo feita. Castelar prevê 0,3%. Mesmo os números sendo baixos, se for confirmado um dado acima de zero, o país escapa da recessão técnica que ocorre quando há dois trimestres negativos. Alguns economistas, como Luis Otávio Leal, acham que o resultado do varejo eleva o risco de o último trimestre fechar negativo, o que tecnicamente colocaria o país em recessão. Seja como for, o que os números mostram é que o país está reduzindo o crescimento, quando deveria acelerar.

2014, o ano que não podemos perder - PEDRO LUIZ PASSOS

FOLHA DE SP - 14/02

É inaceitável adiar para 2015 as reformas para dinamizar a atividade interna e inserir o país na economia mundial


O clima de desalento que se espalha pela economia não pode alimentar a paralisia diante de alguns temas de inegável prioridade para o desenvolvimento nacional e mesmo para dar maior segurança aos avanços sociais.

A expectativa de mais um ano de crescimento anêmico, associada à realização da Copa do Mundo a partir de junho e eleições presidenciais no segundo semestre, criou uma espécie de consenso, segundo o qual respostas assertivas às demandas mais imediatas do cenário econômico ficam automaticamente adiadas para 2015.

Restaria a 2014 o papel de mera ponte entre um presente sem muito brilho e um futuro de contornos difusos, sem a clareza de onde queremos chegar. É como se, do ponto de vista prático, 2014 estivesse fadado a ser um ano de passagem.

Trata-se de um duplo equívoco, em nossa avaliação. No curto prazo, o conformismo diante dos resultados decepcionantes da economia como um todo, e da indústria em particular, reúne os elementos de uma profecia autorrealizável.

Estabelecido o consenso de que não há condições plenas para a retomada do crescimento, as empresas engavetam planos de investimentos e os consumidores adiam seus desejos, inibindo ain- da mais uma atividade econômica já deprimida.

No fim, reforça-se a própria estagnação que gerou esse esta- do de espírito. É um processo que se autoalimenta e mantém vivo um ambiente hostil aos investimentos produtivos, justamente o elo frágil do desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro nos últimos anos.

Gerada pela lente do curto prazo, essa visão, embora embasada em dados reais, também embute um inaceitável atraso do debate sobre as mudanças estruturais neces- sárias para recolocar o país no caminho do desenvolvimento sustentado --e aí reside o segundo equívoco em aceitar 2014 como um ano perdido.

A campanha eleitoral, em vez de retardar a reflexão sobre tais questões, deveria, na verdade, contribuir para romper o imobilismo, transformando-se num amplo e legítimo fórum de discussão sobre o rumo que, afinal, o país quer dar à sua indústria e o espaço que pretende ocupar na economia global.

Em uma democracia madura --e é isso que se almeja para o país--, eleições são o momento propício para discutir soluções que nos permitam superar os entraves econômicos, e não um obstáculo às transformações necessárias.

O pré-requisito desse debate é um firme compromisso com a preservação de importantes conquistas dos últimos 20 anos, como o controle da inflação e a ascensão social que possibilitaram o ingresso de mais de 35 milhões de brasileiros no mercado de consumo.

Como valores incorporados ao exercício da cidadania, elas são pontos inegociáveis. Um recuo nesse campo anularia os efeitos dos demais esforços para elevar os níveis de competitividade da economia brasileira.

Definida essa base, duas agendas se impõem. A primeira, uma política econômica clara, com a explicitação de metas a serem perseguidas --e, nesse caso, estamos falando, entre outras, de inflação e superavit fiscal.

A segunda agenda remete às medidas necessárias para que desponte um novo horizonte de crescimento econômico.

Além de promover mudanças internas, como a melhoria da educação, a aceleração do programa de concessões e ações muito fortes para reformular e simplificar a tributação e os marcos regulatórios, é preciso ousadia para dinamizar o comércio exterior.

A economia carece de uma abertura cautelosa, sustentada por acordos comerciais que permitam o acesso de nossas empresas a novos mercados de consumo e tragam referências internacionais para nossos custos, a produtividade e a eficiência gerencial.

As duas agendas conversam entre si --a falta de compromisso com uma delas prejudica a outra. Só a disposição em colocá-las em pauta já deve garantir que 2014 se torne ponto de partida para reverter as expectativas ruins, e não um ano de muita torcida e pouco resultado, noves fora a esperança de que a Copa do Mundo é nossa.

Eu acuso. Ou Dilma 'Red Block' - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 14/02

Dois dias depois da morte de Santiago, o MST feriu 30 policiais. A presidente decidiu receber a turba


O cinegrafista Santiago Andrade está morto. Não vai comparecer à próxima manifestação nem ao almoço de domingo. Quem o subtraiu da vida roubou também o pai, o marido, o amigo e a liberdade de imprensa.

Eu acuso Franklin Martins de ser o chefe de uma milícia oportunista contra a imprensa livre.

Eu acuso o governo federal e as estatais, que financiam páginas e veículos que pregam o ódio ao jornalismo independente, de ser corresponsáveis por essa morte.

Eu acuso o ministro José Eduardo Cardozo de ser, querendo ou não, na prática, um dos incitadores da desordem.

Eu acuso o ministro Gilberto Carvalho de especular com o confronto de todos contra todos.

Eu acuso jornalistas de praticar a sujeição voluntária porque se calam sobre o fato de que são caçados nas ruas pelos ditos "ativistas" e obrigados a trabalhar clandestinamente.

Eu acuso empresas e jornalistas de se render a milicianos das redes sociais e de se preocupar mais com "o que elas vão dizer de nós" do que com o que "nós temos de dizer a elas".

Eu acuso uns e outros de se deixar pautar por dinossauros com um iPad nas patas.

No começo deste mês, Franklin Martins participou de "um debate" com gente que concorda com ele num aparelho sindical a serviço do PT. Malhou a imprensa à vontade, num ambiente em que só o ressentimento superava a burrice. Num dado momento, afirmou: "Há por parte da maioria dos órgãos de comunicação uma oposição reiterada, sistemática, muitas vezes raivosa, contra o governo; [isso] implica que o governo tenha de fazer a disputa política de modo permanente; ou seja, não é de vez em quando; tem de fazer sempre."

Aí está a origem do mal. A afirmação de Martins é mentirosa. Não existe essa imprensa de oposição. É delírio autoritário de quem precisa inventar um fantasma para endurecer o jogo com os "inimigos". Ele será o homem forte da campanha de Dilma à reeleição e voltou a ser a mão que balança o berço na Secom, que distribui a verba de publicidade aos linchadores.

Constrangido por essa patrulha financiada por dinheiro público, que literalmente arma a mão de delinquentes, o jornalismo se intimida, se esconde e se esquece de que não é apenas uma caixa de ressonância de valores em disputa. Se nos cabe reportar a ação dos que não toleram a democracia, é preciso evidenciar que o regime de liberdades é inegociável e que os critérios com que se avalia a violência de quem luta contra uma tirania não servem para medir a ação dos que protestam num regime democrático.

Dois dias depois da morte de Santiago, o moribundo MST organizou uma arruaça em Brasília e feriu 30 policiais, oito deles com gravidade. A presidente decidiu receber a turba pra conversar.

Eu acuso a "red bloc" Dilma Rousseff de ser omissa, de abrigar a violência e de promover a baderna.

PS - Janio de Freitas especulou sobre a honorabilidade de Jonas Tadeu Nunes, advogado dos assassinos de Santiago, porque já foi defensor de Natalino Guimarães, chefe de milícia. Alguns figurões do direito defenderam os ladrões do mensalão, e ninguém, com razão, duvidou da sua honra. O compromisso do advogado é com o direito de defesa, não com o crime praticado. O colunista referiu-se a mim --"um comentarista que já aparecia na rádio..."-- porque perguntei a Jonas, na Jovem Pan, se grupos de extrema esquerda financiavam arruaceiros. Janio indaga se não poderiam ser de extrema direita. Se ela existisse, se fosse organizada, se tivesse partido, se recebesse verbas do fundo partidário, se tivesse suas "Sininhos" e seus piratas de olhos cerúleos, talvez... Acontece que as antípodas direita e extrema-direita no Brasil são substantivos abstratos, que só existem na mente meio paranoica das esquerdas. Ah, sim: apareceu uma lista de financiadores dos "black blocs". Todos de esquerda. Quod erat demonstrandum.

Cães de aluguel - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 14/02

O advogado Jonas Tadeu Nunes não teria nada a ganhar para seus clientes Caio Silva de Souza e Fábio Raposo, ao dizer que agiam a soldo de partidos e políticos quando assassinaram o cinegrafista Santiago Andrade a golpe de rojão no centro da cidade do Rio de Janeiro.

O fato de, segundo a denúncia, terem recebido R$ 150 para fomentar a violência em manifestações alegadamente de protesto contra ações e inações do poder público não altera em nada a situação dos dois. Continuam como autores materiais de um crime que agora obriga a polícia a investigar se realmente existem mandantes por trás dos executores.

A questão levantada pelo advogado é verossímil. Combina, por exemplo, com o que já haviam dito algumas autoridades no ano passado quando os protestos em prol da melhoria dos serviços públicos degeneraram em grossa pancadaria.

Na ocasião os alertas não foram levados muito a sério, pois pareceu que governadores e prefeitos apenas procuravam atribuir as manifestações a interesses eleitorais de adversários a fim de afastar deles o foco das reclamações.

A partir da prisão e da reação dos dois criminosos, contudo, a suspeita ganhou substância. Note-se que em momento algum nenhum dos dois esclareceu a razão pela qual estavam presentes ao ato convocado para protestar contra o aumento das passagens de ônibus no Rio.

Justificaram que não sabiam o efeito que teria o artefato que manejavam, fizeram alusão à condição de pobres coitados financiados para badernar, mas passam ao largo de qualquer referência a queixas contra a inépcia do Estado em tese provedor.

Tal omissão diz muito a respeito da motivação que os levou ao centro do Rio na tarde daquela nefasta segunda-feira e confere verossimilhança à hipótese de financiamento.

Possibilidade já exposta no momento em que os atos de vandalismo refluíram na proporção direta em que as pesquisas de opinião indicavam que eram condenados pela maioria da população. O recuo orquestrado apontava para o avanço anterior igualmente adestrado.

A polícia, portanto, tem um foco de investigação preciso. A se confirmar o envolvimento de partidos e/ou de políticos no cultivo da selvageria caberá à Justiça identificar e excluir os responsáveis do processo eleitoral.

Por ação marginal às balizas da civilidade e da legalidade.

Penitentes. Com boa vontade podemos aplicar à Câmara dos Deputados o lema segundo o qual errar é humano, mas a persistência no erro configura burrice.

No modelo clássico, um novo julgamento busca dar uma segunda chance ao réu, embora pela legislação brasileira ninguém possa ser julgado duas vezes pelo mesmo crime.

Esta, aliás, será a alegação da defesa do ex-deputado Natan Donadon, que anunciou a intenção de recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a cassação do mandato.

Dificilmente terá sucesso. Primeiro porque o critério no Parlamento é político. Segundo, o julgamento do ano passado foi feito com base no entendimento de que a Câmara teria a última palavra sobre perda de mandatos em casos de condenações criminais, contra o qual se posicionou o STF.

A sessão de terça-feira aprovou a cassação por infração diferente: quebra de decoro em decorrência de Donadon ter votado a favor da manutenção do próprio mandato há seis meses, o que é proibido pelo regimento interno.

Desta vez, a segunda chance não foi dada ao réu, mas aos juízes necessitados de se redimir do vexame anterior.

Voto sem máscara - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 14/02

É triste a constatação de que com o voto aberto a maioria dos nossos deputados se comporta dentro do figurino da ética pública, e no escuro da cabine do voto secreto libera seus mais baixos instintos, votando corporativamente e com interesses que nada têm de republicanos. Tancredo Neves já dizia que o voto secreto dá uma vontade enorme de trair.

Isso demonstra que ainda temos muito o que exercitar na democracia para chegarmos a um Congresso que realmente represente interesses legítimos da população e de setores da sociedade, sem manobras nem subterfúgios.

Mas, como a luz do sol é o melhor detergente, como disse certa vez o juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Louis Brandeis, com o voto aberto estamos no caminho certo. Só discordo do voto aberto em situações em que o parlamentar fica sujeito a pressões, como na nomeação de embaixadores e ministros dos tribunais superiores, ou vetos presidenciais.

No mais, o voto aberto deve ser a norma. A regra no Congresso é voto aberto para decisões legislativas, e a exceção era o veto presidencial, que tinha uma razão. Historicamente, só na emenda de 1969 é que se instituiu o voto aberto para o veto, que sempre foi uma garantia da independência da deliberação do parlamentar face à pressão do Executivo.

Pois nessa reforma os parlamentares aceitaram manter o voto aberto para os vetos presidenciais, submetendo-se às pressões do Palácio do Planalto. O voto secreto permanece em outros casos em que não há deliberação legislativa, como a votação que confirma a indicação de autoridades: agências reguladoras, nomeações para os tribunais superiores, embaixadores, procurador-geral da República, que é o titular da ação penal contra os parlamentares.

Nesses casos se faz o voto secreto, entre outras razões, para livrar o parlamentar das peias da própria disciplina partidária. Um partido faz um acordo com governo e enquadra seus filiados, distorcendo a ação parlamentar. Ou então de pressões externas, sobretudo do Executivo. São mecanismos cuja finalidade é o equilíbrio entre as instituições, Executivo, Legislativo e Judiciário.

O fim do voto secreto no caso de cassação de parlamentar é uma medida correta, embora muitos apostem que, paradoxalmente, o ex-deputado Marcio Moreira Alves teria sido cassado se houvesse o voto aberto naquela ocasião, dezembro de 1968.

A decisão da Câmara pela inviolabilidade do mandato parlamentar resultou na edição do AI-5 no dia seguinte à votação. Foi o voto secreto que deu coragem à maioria da Câmara para enfrentar a ditadura. Em tempos de democracia, o voto secreto favorece os conchavos, os interesses subalternos e corporativos.

Tirar o voto secreto dos deputados e senadores corresponde a tirar a máscara dos black blocs. Os parlamentares, à luz do dia, sem poder se esconder no anonimato, todos condenaram o companheiro Natan Donadon, num resultado diametralmente oposto ao que aconteceu na primeira vez em que ele foi a julgamento do plenário, com voto secreto. Naquela ocasião, foi absolvido pelo corporativismo. Os deputados, protegidos pelo voto secreto, agiram como os black blocs mascarados, depredaram as instituições.

Na terça-feira, na votação que pode ter marcado uma nova era para o Congresso, alguns ainda se abstiveram, mas fazem parte de uma minoria resistente aos novos ares, exceto naturalmente aqueles com reais motivos para a ausência.

Assim como os nossos deputados têm agora que mostrar a cara e assumir posições diante da opinião pública, também seria bom que os black blocs, arrancadas suas máscaras, fossem para as ruas protestar contra o que quisessem. De peito aberto, cara limpa, assumindo seus atos. Certamente a violência, e o corporativismo, serão reduzidos.

Quem tolera a intolerância? - NELSON MOTTA

O GLOBO - 14/02

Desde quando o respeito à lei e ao Estado de Direito viraram coisa ‘de direita’?



Até que ponto a tolerância, a aceitação da diferença e o respeito à liberdade alheia podem estimular — mais do que a repressão e a intolerância — o crescimento da violência e da impunidade? Quanto se pode tolerar até que a intolerância e a violência triunfem? É tolerável que as liberdades da democracia sejam usadas para destruí-la? Desde quando o respeito à lei e ao Estado de Direito viraram coisa “de direita”?

Os antigos militantes da luta armada eram chamados de terroristas pela ditadura, mas se consideravam, mesmo quando faziam ações terroristas, combatentes da liberdade que lutavam por um Brasil socialista/comunista e estavam dispostos a matar e morrer por sua causa. Agora, sob pressão da sociedade democrática ameaçada pela violência nas ruas, eles terão que votar uma lei que define e criminaliza o terrorismo, como já fizeram todas as grandes democracias do mundo. Mas hoje são os black blocs e os anarquistas de aluguel que se dizem os guerreiros da liberdade contra o capitalismo.

Enquanto a nova lei não vem, o que vale é a velha Lei de Segurança Nacional da ditadura, que, lembrou Elio Gaspari, é menos rigorosa do que a que vai ser votada agora com o apoio do governo, embora o PT queira excluir do texto os seus aliados dos “movimentos sociais”. Se um militante do MST ou dos quilombolas jogar uma bomba e matar um inocente ou um policial não pode ser penalizado como terrorista, como foi Cesare Battisti na Itália, tem um salvo conduto para ser processado por crime comum.

É um vicio nacional: diante de qualquer comoção publica, para dar uma satisfação à sociedade, os governos e políticos sempre preferem fazer novas leis mais duras em vez de aplicar com dureza e justiça as já existentes. Temos cada vez mais leis — e mais crimes impunes.

Para a ditadura nacionalista e triunfalista, qualquer crítica era um ataque ao Brasil de traidores da pátria, esquerdistas, derrotistas e sabotadores que torciam pelo quanto pior melhor. Hoje, apesar da plena liberdade de expressão e das garantias legais, no governo democrático o discurso é o mesmo: só trocaram os “nós” e os “eles”.

'O Ovo da Serpente' - FERNANDO GABEIRA

O Estado de S.Paulo - 14/02

O Ovo da Serpente é o nome de um filme de Ingmar Bergman que mostra os conflitos e a desordem que antecederam a ascensão do nazismo. Vivemos um momento complicado de violência, deboche, em que quase todos os conflitos degeneram em agressões, incêndios: a democracia não anda bem em nosso país. Ainda assim, acho inadequada a expressão ovo da serpente. Não vejo na conjuntura internacional uma brecha para regimes autoritários com o nível de inserção econômica e política do Brasil. Mesmo porque a visão de Bergman do ovo da serpente pode não ser a única para descrever a situação brasileira. Há serpentes e serpentes.

Se fosse atribuir o ovo a algum réptil, diria que o processo de conflitos está gestando uma iguana - uma situação esdrúxula em que todos podem sair perdendo, mesmo quem sonha em se aproveitar dela.

As mediações políticas acabaram. A democracia brasileira é um veículo sem o jogo de molas, que avança aos solavancos ameaçado pelo perigo de empacar. Carece de um lubrificante essencial: o diálogo. Os idos de junho aprofundaram o abismo entre os partidos políticos e a sociedade. Apesar da retórica populista, os políticos mergulharam no seu mundo, perdidos nas transações fisiológicas.

Renan Calheiros chegou aos limites do seu corpo implantando cabelos em Pernambuco. Mas foi o mais perto da realidade exterior que conseguiu aproximar-se. Os petistas decidiram questionar o Supremo de braços erguidos e o clima de desafio só tende a enfraquecer o edifício institucional.

Um cinegrafista da Band foi atingido por um desses foguetes de fogo de artifício. Atingido covardemente. O artefato tem uma vara e funciona mais ou menos como um míssil terra-ar. Ao dispará-lo rente ao chão, transforma-se num míssil terra-terra. Santiago morreu.

Com instrumentos disponíveis no mercado é possível fazer uma guerra urbana. Mas quem fere um cameraman se arrisca a ser ferido pelas próprias câmeras, que revelam vários ângulos do atentado. Como diria Garrincha, não combinaram com os russos. A televisão russa apresentou imagens que mostram claramente como aconteceu o incidente. Inúmeras outras câmeras cobriram o episódio, oferecendo detalhes. As próprias câmeras do Exército, pois o episódio aconteceu perto do Comando, devem ter registrado dados importantes.

Nunca na história das manifestações, violentas ou não, houve tanta câmera em ação, se contarmos também com os celulares. É possível desvendar tudo. Nesse sentido, é um passo democrático. Mas quase nunca se pune depois do fato desvendado. Isso é um atraso.

Não foi acidental a presença de uma equipe russa no centro do Rio. Nosso objetivo não era atrair a imprensa estrangeira para a gloriosa Copa do Mundo? Uma vez aqui, não podem ignorar as manifestações nem, por exemplo, o apagão e as dificuldades energéticas que vivemos. Claro, podem acreditar no discurso de Lobão, para quem vivemos no melhor dos mundos. Mesmo eles, com o tempo, acabarão percebendo que Lobão é apenas o Lobão.

As circunstâncias levam-nos a uma exposição em função da Copa, num momento confuso que dificilmente será equacionado pelas eleições. Estas podem agravá-lo. Muitos de seus temas desembocam na luta ideológica do século passado. Com o caso da médica cubana que rompeu com o Mais Médicos.

O pensamento mais clássico de esquerda considera natural que alguém financiado retribua o investimento social feito nele. É possível aceitar o programa Mais Médicos, mesmo admitindo sua limitação. É possível aceitar a vinda de médicos estrangeiros, cubanos entre eles. É possível até admitir que Cuba não lucre só com a diplomacia médica, pois montou um esquema sanitário em lugares remotos do Haiti. Mas é difícil aceitar que a relação de trabalho não se faça na base do consentimento recíproco. O contrato com os cubanos, mesmo com a intenção de atender o interior do País, importa mais um grande problema.

É proibido proibir que se denunciem contratos de trabalho e que as pessoas viajem para onde queiram. Quando o governo, ao tentar solucionar um problema, cria um novo e complicado enredo, é sinal de que não funciona como timoneiro, apenas indica que perdemos o rumo.

No setor de energia, o discurso não é só o de Lobão descrevendo o melhor dos mundos. É também o discurso da natureza incontrolável, constatação que Lula atribuiu a Freud. Como caem os raios neste verão. Quando caem na cabeça das pessoas simples, elas são fulminadas. Quando se esgotam no estrondo e no clarão, servem de pretexto para explicar as lacunas da nossa política energética.

O consumo cresce, a produção de energia, detida por uma série de obstáculos, não evolui como o planejado. E o verão ainda não acabou. Em vez de reconhecer a realidade, o governo se perde na defensiva.

Não vejo num ano eleitoral grandes mudanças na economia. Nem creio que Dilma, diante do princípio de caos, fará mais do que convocar reuniões que resultam, por sua vez, em comissões e grupos de trabalho.

O veículo democrático está condenado aos solavancos. Mas o filme de Bergman mostra algo importante. Acostumar-se com a violência cotidiana é perigoso, pois esses fatos tendem a desembocar em algo pior. Um adolescente no Flamengo, no Rio, preso por um cadeado foi mais um episódio revelador do nível de intolerância que vivemos. Justiça pelas próprias mãos, combates armados na rua, incêndios - tudo isso vai sucedendo sem nenhum nexo com uma visão de mudança do País. Os que sonham em apenas manter-se no poder se arriscam a perder, mesmo na vitória eleitoral. Que País vai emergir desses confrontos cotidianos em 2014? Será governável apenas distribuindo cargos aos aliados?

A resposta é sempre esta: está tudo bem, vocês é que são pessimistas, Com sorriso profissional nos lábios, um marketing glorioso, cotoveladas e rasteiras na rede, la nave và. Lobão dirá que há risco zero de apagão, punhos erguidos para interpretar o mensalão, para a violência uma nova comissão. Quanta rima, meu Deus, e nenhuma solução, como diria o poeta.

Tô fora! - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 14/02

BRASÍLIA - Tanto a questão de Henrique Pizzolato quanto a fuga de médicos cubanos são assuntos que têm uma dimensão internacional. Mas, como não participou de nenhum dos dois na origem, o Itamaraty agora lava as mãos no desenrolar (ou no enrolar) das coisas.

Quando o governo Lula começou a discutir o caso do italiano Battisti, condenado à prisão perpétua por assassinato no país dele, o Itamaraty votou no Conare (o comitê para refugiados) contra o asilo --ou a favor da extradição. Mas, como a história registra, o governo Lula deu mil e uma voltas, mil e um jeitinhos, até manter o cara aqui, livre, leve e solto.

Agora, quando a situação se inverte e o fujão Pizzolato está na Itália, é o Itamaraty que não quer mais saber dessa história. Quem deu asilo a Battisti que se vire com Pizzolato, ou "quem pariu Mateus que o embale".

Quando --e se-- o Ministério da Justiça, a Procuradoria e, de raspão, o Supremo tomarem providências para pedir a extradição, um diplomata bem vestido, bem penteado, poliglota e cheio de cursos vai colocar a correspondência num envelope bacana para entregar na Embaixada da Itália em Brasília. E lavar as mãos.

O mesmo vale para a evasão de médicos cubanos. Quando o governo decidiu trazer milhares deles (já são cerca de 7.400 inscritos), todas as tratativas foram feitas pelo Planalto, pelo Ministério da Saúde, pela assessoria internacional da Presidência, mesmo criando doutores de primeira e de segunda classe no Mais Médicos, menina dos olhos de Dilma e das campanhas petistas.

Agora, quando cubanos começam a desertar e não dá para mandá-los de volta pelas asas da Venezuela, como ocorreu com os boxeadores no governo Lula, o que o Itamaraty pode fazer? Nem pode exigir que os irmãos Castro deem um jeito nos insubordinados nem pode impedir os EUA de concederem vistos.

Logo, essas duas questões internacionais não são para o Itamaraty, são para a diplomacia partidária.

Viva Barbosa! - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 14/02

É certo que Dirceu não sequestrou criancinhas nem matou para roubar. Mas seu comportamento como homem público é triste exemplo de abuso no mais alto escalão



Um observador leigo — e, por isso mesmo, inevitavelmente ingênuo — pode acreditar que existem dois Supremos Tribunais Federais em Brasília: um, com a presença do ministro Joaquim Barbosa na presidência da Casa, e outro quando ele está ausente.

Seria exemplo disso um episódio recente: nas férias de Barbosa, o vice-presidente do STF, Ricardo Lewandowski, decidiu que a Vara de Execuções Penais deveria examinar com urgência um pedido do condenado José Dirceu para trabalhar fora do presídio. Em princípio, não há nada de irregular nisso. É um benefício ao alcance de todos os presidiários de bom comportamento. Mas, obviamente, concedê-lo não deve depender unicamente disso.

Um observador totalmente leigo — como é o caso aqui — pode imaginar que essa colher de chá também depende de outros fatores. Por exemplo, a gravidade do delito que levou Dirceu para a cadeia. É certo que ele não sequestrou criancinhas nem matou para roubar. Pode-se ter como certo que sua presença nas ruas não assustaria crianças e velhinhos. Por outro lado, seu comportamento como homem público é um triste exemplo de abuso no mais alto escalão do Poder Executivo.

Em tese, a decisão de Lewandowski nada tem de irregular. Mas o processo que levou à condenação dos envolvidos no escândalo do mensalão teve certamente um efeito salutar no clima político de Brasília. Sua condenação, e do resto da quadrilha, foi, com certeza, uma prova saudável e sempre indispensável de que a democracia brasileira não fecha os olhos ao eventual comportamento criminoso de homens públicos. Como muita gente sempre pensou, para tristeza dos honestos e alegria dos que mamam, ou gostariam de mamar, nas ricas tetas do Estado.

O ministro Barbosa, que foi o relator do processo do mensalão, voltou das férias a tempo de revogar a decisão infeliz — para usarmos um adjetivo generoso, sem qualquer malícia — de Lewandowski. Principalmente, porque o presidiário Dirceu é acusado de mau comportamento como presidiário, por usar um celular na sua cela, o que é proibido.

O caso ainda não terminou: os advogados do presidiário Dirceu pretendem que o plenário do STF revogue a decisão do seu presidente. Não é impossível que isso aconteça. Mas seria um triste exemplo de que há dois tipos de internos nas celas do presídio de Brasília: cidadãos comuns e outros, que ainda se agarram aos privilégios que, pelo menos supostamente, perderam por mau comportamento nos corredores do poder.

A turma da arquibancada, com certeza, torce por Barbosa. Palmas para ele!

Governo não pode mais esconder custo da energia - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 14/02

A Aneel propôs um aumento de 4,6% nas contas de luz para cobrir este ano o custo adicional na geração de eletricidade, decorrendo da utilização das usinas térmicas



A difícil experiência do racionamento de eletricidade em 2001/2002 levou o país a acelerar investimentos em usinas termelétricas. A decisão foi correta, pois, desde que o o país deixou de construir hidrelétricas conjugadas a reservatórios de acumulação de água, a oferta de eletricidade se tornou bem mais dependente, ano a ano, do regime de chuvas. Como não há energia acumulada, quando há menos chuvas, as termoelétricas precisam ser acionadas para suprir o abastecimento.

As térmicas existentes têm uma potência instalada que corresponde a cerca de 20% da capacidade de geração de eletricidade no Brasil. São essas usinas que, no ano passado, contribuíram para poupar água nos reservatórios remanescentes, possibilitando o fornecimento de eletricidade neste verão de poucas chuvas e temperaturas elevadas (seguidos recordes de consumo foram batidos na região Sudeste, onde está parte expressiva da população e das atividades econômicas do país).

As térmicas têm custo alto de operação: muitas delas queimam combustíveis caros e importados (gás natural, carvão, óleo diesel).

Inicialmente, foram concebidas para serem emergenciais, de modo que sua utilização não teria forte impacto sobre o preço final da energia. Mas, no ano passado, ficou evidente que o país tende a utilizá-las mais do que o previsto. Assim, o encarecimento da energia, mesmo que momentâneo, terá de ser cobrado de quem a consome. Em 2013, como governo anunciou, em alto e bom som, que as tarifas da eletricidade cairiam em até 20% para os consumidores (em decorrência das regras impostas a companhias geradoras estatais na renovação das concessões de hidrelétricas), politicamente o governo se viu sem condições de fazer a cobrança no mesmo ano, pois o aumento anularia um pedaço da redução das tarifas, que nem chegara aos 20% propagados.

O Tesouro bancou essa diferença, recorrendo a fundos que tinham sido arrecadados no setor elétrico. Mas essa fonte secou. Este ano, para bancar esse custo, o Tesouro terá de recorrer à receita tributária. A Aneel, agência reguladora do setor elétrico, calcula que seria necessário um aumento d e 4,6% nas contas de luz para cobrir esse custo adicional (cerca de R$ 5,6 bilhões). O governo terá agora que decidir: ou tenta disfarçar mais uma vez, pagando a diferença às empresas distribuidoras de eletricidade, ou permite a cobrança dos consumidores. De uma forma ou de outra, o dinheiro sairá do bolso dos cidadãos.

Porém, no primeiro caso, persistirá uma situação irreal e ilusória, pois o consumidor não terá noção do custo real da energia. Não é por esse caminho, com artificialismos, que a inflação será vencida no Brasil. Trata-se de uma política bumerangue: mais à frente o ajuste será inevitável, e virá com muito mais força.

Desastre no emprego industrial - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 14/02

O fracasso da política industrial da presidente Dilma Rousseff, uma das marcas de sua administração, pode ser medido pela queda da produção, pela piora das contas externas, pela inflação persistente e também pela redução do emprego setorial. Em 2013 a indústria cortou 1,1% de seus assalariados e o número de horas pagas diminuiu 1,3%, segundo informou nesta terça-feira o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar disso, a folha de pagamento real aumentou 1,2%, com a elevação do salário médio, um dos poucos aspectos positivos do balanço dos últimos três anos. A maior parte das informações indica o fiasco da política de incentivos e o erro do diagnóstico formulado e teimosamente mantido pela equipe econômica. Tudo se passa como se os gabinetes federais fossem blindados contra más notícias originadas na economia brasileira. Males autênticos e reconhecidos, só os provenientes do mundo cruel fora das fronteiras nacionais.

Como se ignorasse os números do IBGE e de outras fontes do governo, a presidente chamou de pessimistas e caras de pau os autores de críticas baseadas nesses mesmos dados. Serão pessimistas e caras de pau também os responsáveis pelas estatísticas oficiais?

Segundo o IBGE, os empregados ocupados na indústria aumentaram 1% em 2011, diminuíram 1,4% em 2012 e encolheram mais 1,1% em 2013. No ano passado, o emprego na indústria foi, portanto, cerca de 1,5% inferior ao de 2010. A queda poderia ter sido maior, se a oferta de mão de obra qualificada ou meramente qualificável fosse mais abundante. Nesse caso, as empresas teriam provavelmente dispensado maior número de funcionários, porque a reposição, quando os negócios melhorassem, seria mais fácil.

A moderação nas demissões, apontada pelo governo como um dado positivo da economia brasileira, é de fato um indício de outro desastre, o da política educacional da era petista. Durante os oito anos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a prioridade foi facilitar o acesso ao chamado ensino superior. Foi uma decisão obviamente demagógica e eleitoreira. Não se deu a necessária importância aos problemas dos níveis fundamental e médio.

O desempenho dos estudantes brasileiros nos testes internacionais melhorou um pouco, mas continuou muito ruim. O governo preferiu festejar a pequena melhora e negligenciar o problema, apesar dos alertas lançados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em suas pesquisas sobre a qualidade da mão de obra.

Só há pouco tempo o governo federal começou a se ocupar do ensino profissionalizante - uma novidade explorada pela presidente Dilma Rousseff como se fosse uma revolução promovida pelo PT. Por que, afinal, ela deveria reconhecer as ações há muito tempo desenvolvidas por alguns Estados, principalmente o de São Paulo, e por entidades empresariais mantenedoras de instituições como o Senai e o Senac? Esse reconhecimento envolveria algum compromisso com os fatos e destoaria do estilo partidário.

A redução do emprego industrial combina, obviamente, com o enfraquecimento da indústria nos últimos três anos. O setor perdeu eficiência e poder de competição, prejudicado pelo mau ambiente de negócios, pela insegurança resultante da improvisação política e pelo continuado aumento de custos - salariais, por exemplo.

A redução do emprego industrial foi de certa forma disfarçada pela geração de vagas em outros setores. O governo chama a atenção, com frequência, para o nível de emprego no Brasil, comparando-o com números bem menos favoráveis principalmente nos países desenvolvidos. A vantagem brasileira diminui muito quando a comparação é feita com outros países emergentes ou em desenvolvimento. Mas o dado negativo mais importante, e pouco visível nos grandes números, é a queda da qualidade do emprego. A indústria ainda é a principal fonte de empregos decentes e razoavelmente remunerados. Vagas foram abertas, nos últimos anos, principalmente em atividades pouco produtivas e com padrões de contratação menos favoráveis. Mais uma grande realização petista.

Criança de 30 anos - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 14/02

Cada vez menos relevante, o MST encontra nos tumultos um meio de chamar a atenção de uma sociedade voltada para outras causas


O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) chega ao seu 30º aniversário como se ainda fosse uma criança.

Não vai na afirmação um elogio pelo frescor de suas ideias, pois estas são arcaicas, ou pelo espírito alegre de suas manifestações, já que nelas se destaca o caráter arbitrário e o pendor para o confronto.

É uma criança porque não amadurece. Repete palavras de ordem criadas na década de 1980, quando os quase 40 milhões de brasileiros que viviam na zona rural representavam 32,3% da população.

De lá para cá, no entanto, dobrou o número de habitantes nas cidades, passando de 82 milhões para 161 milhões, enquanto diminuiu o total de pessoas nos campos. Agora são 30 milhões, ou 15,6% da população nacional.

Houve, ademais, notável avanço do agronegócio. O setor é um dos que mais se moderniza no Brasil, ostentando seguidos saltos de produtividade. Se cabem críticas, elas não chegam perto de sugerir a necessidade de alterar um modelo que se provou bem-sucedido.

O MST, a despeito disso, insiste numa reforma agrária utópica. Líderes da organização até são capazes de enunciar um diagnóstico óbvio: a luta pela terra está fora da pauta da sociedade e do governo.

Dificilmente seria de outra forma num país que, além das mudanças demográficas, registra ínfimos índices de desemprego e atende 50 milhões de pessoas com programas de transferência de renda.

Em vez de dar o passo seguinte no raciocínio --a batalha que o MST trava hoje em dia é imaginária--, a direção do movimento empenha-se em elaborar interpretações mirabolantes. Às já clássicas expressões, como "cooptação" e "despolitização", acrescenta-se o entendimento de que a luta existe, "mas está escondida, abafada".

É um despautério. O país conhece inédita rotina de protestos nos principais centros urbanos. Muitos gritos se escutaram, muitas placas, cartazes e faixas se escreveram. A bandeira da reforma agrária, entretanto, não foi erguida.

Talvez por causa desse sinal de irrelevância o MST considerou importante chamar a atenção por outros meios. Anteontem, em Brasília, alguns de seus integrantes ameaçaram invadir o Supremo Tribunal Federal e provocaram tumulto na praça dos Três Poderes.

O grupo ganhou o noticiário, como decerto desejava, mas não por suas ideias ou sua pujança. A organização já não mobiliza como na década de 1990, e sua direção é cada vez mais refém do próprio movimento, vendo neste um fim em si mesmo, e não apenas um meio.

Está na hora de o MST crescer, mas de nada ajuda que, um dia depois da confusão, a presidente Dilma Rousseff tenha se reunido com líderes da entidade. Passa a falsa impressão de que eles estão no caminho certo.

A boa proposta de Beltrame - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 14/02

Depois de uma tentativa infeliz de incluí-los em projeto de lei sobre o terrorismo, os atos de violência praticados durante manifestações recebem o tratamento correto em proposta entregue ao Senado pelo secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. Se o Congresso estiver mesmo disposto a tratar a questão com a seriedade que ela merece, poderá fazer isso tendo como ponto de partida essa proposta, que contém os elementos essenciais capazes de disciplinar as manifestações e punir com rigor os que delas se aproveitam - não importa com que motivação - para a prática de crimes contra a vida e o patrimônio público ou privado.

Entre as sugestões apresentadas está a proibição de porte, pelos manifestantes, de armas e objetos que podem provocar lesões, assim como o uso de máscara ou qualquer forma de dificultar a identificação dos que a portam durante ou logo após os eventos. Quem se enquadrar nesses dois casos poderá ser detido enquanto durar a manifestação, além de responder por isso civil e criminalmente.

A proibição das máscaras nesse caso está perfeitamente de acordo com as normas constitucionais e por isso não se entende por que razão ainda foi feita. A liberdade de se manifestar está mesmo em contradição com essa forma de se esconder. Se alguém esconde o rosto para expor e defender uma opinião ou apresentar uma reivindicação é porque não quer exatamente isso, mas outras coisas inconfessáveis, que ferem a lei.

A proposta altera o Código Penal para tipificar o crime de desordem e nele enquadrar todos os que forem flagrados "agredindo ou cometendo qualquer ato de violência física ou grave ameaça à pessoa; destruindo, danificando, deteriorando ou inutilizando bem público ou particular; invadindo ou tentando invadir prédio ou locais não abertos ao público; obstruindo vias públicas de forma a causar perigo aos usuários e transeuntes". Isso a qualquer título ou pretexto ou com o intuito de "protestar ou manifestar desaprovação com relação a fatos, atos ou situações com os quais não concorde".

Além de tratar dos principais aspectos do problema, a proposta estabelece também penas rigorosas para o crime de desordem, que vão de 6 a 12 anos. Se já existisse lei desse tipo, o desvirtuamento das manifestações - que se intensificaram a partir de junho passado - e o seu controle de fato por grupos violentos como o Black Bloc poderiam ter sido evitados. Em benefício da sociedade e dos verdadeiros manifestantes, porque, como diz Beltrame com razão, "entendemos que com isso nós estamos garantindo as manifestações, tornando-as efetivamente transparentes".

O problema está agora nas mãos do Congresso e do governo, que nele tem folgada maioria. Infelizmente, as perspectivas não parecem tão animadoras como deveriam ser tendo em vista a gravidade da situação, com a ameaça de que as manifestações degenerem em conflitos ainda mais violentos durante a Copa do Mundo. Algumas das medidas propostas por Beltrame já constam isoladamente de projetos em tramitação na Câmara e no Senado, mas não se viu nenhum empenho dos parlamentares em aprová-las, o que não é um bom sinal.

Quanto ao governo, embora tema que a Copa mergulhe na agitação e na violência, é desanimadora a sua reação à manifestação promovida quarta-feira, em Brasília, pelo Movimento dos Sem-Terra (MST), que acusa a atual administração de ter paralisado a reforma agrária. Foram impressionantes as cenas mostradas pela televisão dos manifestantes na frente do Supremo Tribunal Federal - que por segurança interrompeu a sessão que realizava - e do Palácio do Planalto, onde derrubaram as grades destinadas a mantê-los afastados.

Não fosse a ação firme da polícia, as sedes do Judiciário e do Executivo poderiam ter sido invadidas. Os líderes do MST ainda tiveram o desplante de se queixar da "repressão" policial. E o que fez a presidente Dilma Rousseff? Recebeu ontem uma comissão do MST no palácio que escapou da invasão.

A pergunta que se impõe então é: será que o governo do PT, que sempre cortejou o MST e os "movimentos sociais" vai apoiar uma proposta como a de Beltrame que pune seus crimes e desvios tal como os dos black blocs?

Quando os black blocs e o MST se encontram - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 14/02

Vândalos homicidas de aluguel e leniência constante com atos criminosos de organizações ditas sociais são fatos de mesma origem, o desprezo pela democracia



A declaração de Jonas Tadeu Nunes, advogado dos black blocs Caio Silva de Souza e Fábio Raposo, de que há entre políticos e partidos um esquema de recrutamento pago de manifestantes pode muito bem ser tática de defesa dos clientes. Pois assim, eles poderão ser enquadrados em penas mais leves, a partir de mudanças técnicas na denúncia.

Mas, seja como for, tudo leva a justificar uma séria investigação policial, inclusive de organismos federais, sobre o que pode esconder a onda de vandalismo, principalmente em Rio e São Paulo. Sempre ressalvados seus interesses profissionais, o advogado sugeriu atenção a “diretórios regionais de partidos políticos, vereadores, determinados deputados estaduais.”

Fortalece a necessidade deste trabalho das polícias a confissão de Caio à TV Globo, logo depois de ser preso, na Bahia, de que teme ser morto por esta possível indústria de manifestações violentas.

O primeiro depoimento de Caio à polícia civil fluminense, na noite de quarta, revelado pelo site do jornal “Extra”, reforçou a já imperiosa necessidade de que polícias, Ministério Público e Justiça deem prioridade ao levantamento do que de fato acontece nos bastidores desta onda de manifestações violentas. Ainda no depoimento, Caio confirmou o aliciamento de jovens para manifestações — em troca de R$ 150, segundo o advogado. Ele próprio foi um deles. O black bloc preso disse ter visto a compra de quentinhas para esses manifestantes terceirizados.

Disse, ainda, acreditar que os partidos cujas bandeiras aparecem nas passeatas são os que financiam o vandalismo. Citou PSOL, PSTU e FIP (Frente Independente Popular). PSOL e PSTU negaram com veemência.

Pelo menos no caso do PSOL, há a comprovada proximidade do gabinete do deputado estadual Marcelo Freixo em relação a black blocs, por meio de assessoria jurídica para o caso de prisões.

Muito precisará ser esclarecido pelas investigações. Elas são cruciais, porque é perigosa para a democracia a promiscuidade entre políticos, autoridades e grupos radicais em semi-clandestinidade.

Esclerecedor que, enquanto transcorria a repercussão da prisão de Caio, em Brasília, o MST, um dos "movimentos sociais" de livre trânsito no governo, inclusive no Tesouro Nacional, ameaçava invadir o Supremo, algo de extrema gravidade pelo simbolismo. Pois o Supremo, na condenação de mensaleiros, estabeleceu um limite, em nome da Constituição, a forças políticas desestabilizadoras da democracia representativa. O ato do MST foi um ataque ao estado de direito, ao estratégico papel da Justiça na proteção das liberdades.

E mesmo assim, a presidente Dilma aceitou recebê-lo no Planalto. Passo em falso. Tropas de vândalos homicidas de aluguel e leniência constante com atos criminosos de organizações ditas sociais são fatos que têm a mesma origem, o desprezo pela democracia.

Donadon cassado - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 14/02

Tudo indica que a reversão do vergonhoso resultado de agosto não tenha relação com uma suposta melhora do padrão ético de parte da Câmara, mas com o caráter aberto da votação de quarta-feira



Em agosto do ano passado, o deputado-presidiário Natan Donadon havia tido seu mandato parlamentar preservado em votação secreta da Câmara Federal: apenas 233 de seus colegas votaram pela cassação (24 a menos que a maioria necessária); 131 optaram pela absolvição e 41 se abstiveram. Donadon ajoelhou-se no plenário, agradeceu aos céus, recolocou as algemas e voltou de camburão para o conforto de sua cela na Papuda para cumprir a pena de 13 anos por corrupção. Embora tenha perdido algumas regalias, surpreendentemente continuou deputado.

Na última quarta-feira, já sob a égide da nova legislação que acabou com o voto secreto, Donadon foi novamente levado a julgamento na Câmara – não porque tenha crescido o amor à moralidade na Casa, mas porque, aliada à repercussão negativa da primeira decisão, havia uma brecha legal para reabrir o processo de cassação: descobriu-se que, na sessão absolutória de agosto, havia uma irregularidade formal, pois Donadon, embora réu, também votara. Logo, o melhor a fazer seria promover uma nova sessão de julgamento.

Desta vez, com os votos nominais dos presentes visíveis no painel eletrônico, observou-se uma súbita mudança de opinião. Os parlamentares votantes eram os mesmos de seis meses atrás, mas o resultado foi muito diferente: desta vez, 467 deputados votaram pela cassação; nenhum absolveu Donadon; e apenas um preferiu se abster “por uma questão de ética”, segundo explicou o autor da cômoda posição de não manifestar posição alguma.

Palmas para a Câmara? Palmas para a “limpeza” moral que a Casa promoveu ao se livrar de um membro condenado pela Justiça por corrupção? Alto lá! O que mudou foi apenas a cor do grande camaleão que, agora visível aos olhos da sociedade, preferiu não afrontá-la para não sofrer as consequências do aprofundamento do desprestígio público que pode se refletir nas urnas de outubro próximo.

O que houve com os cerca de 170 parlamentares que se abstiveram ou votaram pela absolvição em agosto, e agora resolveram cassar Donadon? Teriam percorrido a Estrada de Damasco e recebido as luzes da conversão? Infelizmente, não é de se acreditar que o novo resultado – desta feita com a presença do réu paramentado com o uniforme dos presidiários da Papuda, e não mais engravatado como da vez anterior – seja consequência da melhora do padrão ético-moral de tantos parlamentares ao longo dos últimos seis meses. O camaleão continua o mesmo, mas as luzes não são de conversão, e sim da fiscalização que a opinião pública se tornou capaz de fazer em razão da transparência do voto parlamentar.

O caso de Natan Donadon reflete o lado bom da pressão popular que levou o Congresso a adotar o voto aberto (embora o Legislativo tenha errado ao autorizar também o voto aberto para apreciação de vetos presidenciais e indicação de autoridades, situações em que seria melhor manter o voto secreto). Se a norma já existisse antes, não teríamos sofrido o constrangimento de ver absolvidos parlamentares que cometeram “erros” semelhantes aos que levaram Donadon ao cadafalso – caso, por exemplo, de Jaqueline Roriz e do mensaleiro João Paulo Cunha, que no passado se livraram da guilhotina pelo benevolente, camaleônico e corporativo método da votação às escondidas.

Acusação de aliciamento tem de ser apurada - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 14/02
Foi necessária a morte de uma pessoa para que viessem à tona pormenores importantes sobre a violência que se apossou das manifestações de rua há oito meses. O advogado dos acusados de matar o cinegrafista Santiago Andrade fez denúncias graves que precisam ser investigadas. Segundo Jonas Tadeu Nunes, jovens são aliciados para promover ações de vandalismo.
Receberiam vantagens com a participação. Além de passagem, lanches e quentinhas, embolsariam R$ 150 a cada saída e seriam abastecidos com máscaras, rojões e coquetéis molotov. Mais: os aliciadores estariam a serviço de partidos e movimentos políticos interessados em promover tumultos para desestabilizar autoridades, desmoralizar instituições e gerar ambiente de insegurança pública.

Não é difícil seduzir rapazes e moças idealistas ou ansiosos por ganhar dinheiro para aumentar a renda ou, mesmo, ter acesso a algum recurso. Confirmadas as denúncias, haveria uma espécie de taxa de produtividade. Quanto mais serviço o aliciado mostrasse, mais gorda a recompensa. Formar-se-ia, como frisou Jonas Tadeu, uma pirâmide que se ampliaria por meio de células.

As acusações são graves. Graves demais para serem ignoradas pelas autoridades aptas a separar o joio do trigo. Impõe-se rigorosa apuração dos serviços de inteligência para jogar luz sobre a verdade. Alegar a priori que as declarações do advogado não passam de tática para sustentar a defesa dos jovens presos é inaceitável desserviço ao país. A sociedade exige resposta fundamentada em investigações técnicas.

Aproveitar as liberdades democráticas para promover arruaças, destruir patrimônio, espalhar o medo e roubar vidas não pode ser aceito nem tolerado. É crime que deve ser punido. O país dispõe de profissionais qualificados para esclarecer as motivações e identificar os financiadores. Impõe-se convocá-los e dar-lhes os meios para desvendar as mãos e as mentes que tecem o enredo de fúria que se apossou de ruas das principais urbes brasileiras.

A apuração séria traz duplo benefício. De um lado, assegura o direito de manifestação pacífica garantida pela Constituição. De outro, inibe a ação de aventureiros ou inocentes úteis. Black blocs ou white blocs têm canais legítimos para exprimir insatisfações ou apresentar propostas. Seja quem for, o responsável (ou responsáveis) precisa prestar contas à Justiça.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Eu acho isso um equívoco”
Senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) e o boicote do governo à PEC da maioridade penal


GOVERNO TEME QUE RADICAIS GEREM MAIS MORTES

Órgãos de inteligência do governo, que monitoram grupos de “black bloc”, avisaram às forças policiais que há planos de radicalizar ações violentas para que conflitos produzam ao menos uma morte entre os manifestantes. “O objetivo seria criar um mártir, para ‘compensar’ a morte que provocaram”, adverte comunicado reservado, a que tivemos acesso, recomendando cautela a comandantes de unidades policiais.

BAIXA NO INIMIGO

“Black blocs” não lamentam a morte do cinegrafista Santiago Andrade. Chamam de “baixa no inimigo”, segundo os órgãos de inteligência.

RELAÇÃO CONFLITUOSA

Em suas ações violentas, “black bloc” reagem à cobertura da imprensa insultando jornalistas, para eles “representantes da mídia burguesa”.

SIGA O PROTOCOLO

No comunicado às polícias, os órgãos de inteligência recomendam rigor nos protocolos de enfrentamento de protestos, para evitar excessos.

FATOS E VERSÕES

Em março, Isabela Quadros, a “Cininho”, prestou “contas” no Facebook dos “salários” dos black bloc: ganhou R$ 300; de vereadores, R$ 400.

E-MAIL ‘JABUTICABA’ DO SERPRO É OBSOLETO. E ALEMÃO.

O Expresso V3, sistema de correio eletrônico criado pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) para blindar o governo brasileiro da espionagem dos Estados Unidos, foi desenvolvido com base no “Tine 2.0”, uma linguagem aberta, de livre utilização, criada na Alemanha e já considerado obsoleto. Além de vulnerabilidades que são exploradas por hackers e invasores, o Tine 2.0 foi criado em 2010.

PROTEÇÃO

Vulnerabilidade no Tine 2.0 permite a um invasor instalar programas de terceiros (vírus), como faz a NSA, agência de segurança dos EUA.

HERR JABUTICABA

A empresa Metaways, fundada em 2001, criou o Tine 2.0, “motor” do e-mail do governo, e é sediada em Hamburgo, na Alemanha.

COMO 2+2

O Serpro sustenta que o Tine 2.0 foi só o código base. E desdenha das suas vulnerabilidades: “a rede Serpro nunca foi invadida”. Mas será.

SACO DE PANCADAS

Dilma adora atormentar o general José Elito, chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Continua aplicando-lhe broncas memoráveis. Camaradas de farda estão intrigados com sua paciência elástica.

HORA DO ADEUS

O DEM vai pedir à embaixada americana que agilize o pedido de asilo político da médica cubana Ramona Matos. Apesar do emprego com salário de R$ 3 mil no Brasil, ela quer viver com familiares em Miami.

RÉGUA E COMPASSO

Algo está “fora da ordem mundial” como cantava Caetano Veloso, o amigo dos black bloc: milhares protestam sem máscaras, há dias, na Venezuela e o clone tiranete chavista Nicolás Maduro está por um fio.

REVOLUÇÃO GOIANA

O senador Ataídes Oliveira (TO) confirma o apoio do PROS a Junior Friboi, para o governo de Goiás, e exortou o PT e o PMDB a fazerem o mesmo. Acha que Junior promoverá uma revolução no estado.

BOM $ENSO

Após posar de bom moço no “Bom Senso F.C.” e cortejar a política, o zagueiro Paulo André não resistiu ao vil metal: vai jogar na China, mas sem direito a reclamar do calendário. Eles não são tolerantes a críticas.

EFETIVAÇÃO

Com receio de perder o Ministério da Integração, que chegou a ser oferecido pela presidente Dilma ao senador Eunicio Oliveira (PMDB-CE), o PROS decidiu encampar a permanência do ministro Francisco José Coelho Teixeira, ligado ao governador do Ceará, Cid Gomes.

ROUBOU, PAGOU

O deputado tucano João Campos (GO) quer pôr fim às vaquinhas do PT. Seu
projeto obriga o condenado a pagar a multa com seu próprio bolso. Resta saber se a maioria governista da Câmara vai deixar.

NO LIMITE

O ministro da Pesca e Aquicultura, Marcelo Crivella (PRB), acertou com o Planalto de permanecer no comando do cargo até o fim de março, quando deverá sair para se lançar candidato ao governo do Rio.

AGORA VAI

Cuba pode ganhar a primeira dissidência: com a falta de desodorante, como informam exilados, vem aí o Partido Comunista do Cecê, o PCC.


PODER SEM PUDOR

VIROU FUMAÇA

O petista Nilson Mourão estava sem dinheiro para a campanha de reeleição a deputado estadual no Acre, em meados dos anos 90, e encomendou "santinhos" em papel jornal, mais baratos. Mandou um punhado deles para o Sindicato dos Seringueiros de Manoel Urbano, na divisa com o Amazonas. Dias depois foi à cidade e perguntou ao sindicalista:

- E aí, companheiro, distribuiu os meus santinhos para a peãozada?

- Não, deputado - respondeu o homem -

Como ninguém tinha papel pro pito, nóis fumemo...

SEXTA NOS JORNAIS

Globo: Governo admite risco de apagão, mas baixíssimo
Folha: Preso diz que recebeu oferta para ir a atos e cita partidos
- Estadão: Petrobrás é acusada de ceder a pressão e usar plataformas precárias
Correio: Chega de racismo
Estado de Minas: Eu sou cruzeiro. Eu sou galo. Eu sou coelho. Eu nem gosto de futebol: Todos somos Tinga
Zero Hora: Após protesto e confusão – Dilma promete assentar 30 mil famílias de sem-terra em 2014
Brasil Econômico: Comércio tem, em 10 anos, a pior venda e a maior inflação