GAZETA DO POVO - PR - 14/02
Tudo indica que a reversão do vergonhoso resultado de agosto não tenha relação com uma suposta melhora do padrão ético de parte da Câmara, mas com o caráter aberto da votação de quarta-feira
Em agosto do ano passado, o deputado-presidiário Natan Donadon havia tido seu mandato parlamentar preservado em votação secreta da Câmara Federal: apenas 233 de seus colegas votaram pela cassação (24 a menos que a maioria necessária); 131 optaram pela absolvição e 41 se abstiveram. Donadon ajoelhou-se no plenário, agradeceu aos céus, recolocou as algemas e voltou de camburão para o conforto de sua cela na Papuda para cumprir a pena de 13 anos por corrupção. Embora tenha perdido algumas regalias, surpreendentemente continuou deputado.
Na última quarta-feira, já sob a égide da nova legislação que acabou com o voto secreto, Donadon foi novamente levado a julgamento na Câmara – não porque tenha crescido o amor à moralidade na Casa, mas porque, aliada à repercussão negativa da primeira decisão, havia uma brecha legal para reabrir o processo de cassação: descobriu-se que, na sessão absolutória de agosto, havia uma irregularidade formal, pois Donadon, embora réu, também votara. Logo, o melhor a fazer seria promover uma nova sessão de julgamento.
Desta vez, com os votos nominais dos presentes visíveis no painel eletrônico, observou-se uma súbita mudança de opinião. Os parlamentares votantes eram os mesmos de seis meses atrás, mas o resultado foi muito diferente: desta vez, 467 deputados votaram pela cassação; nenhum absolveu Donadon; e apenas um preferiu se abster “por uma questão de ética”, segundo explicou o autor da cômoda posição de não manifestar posição alguma.
Palmas para a Câmara? Palmas para a “limpeza” moral que a Casa promoveu ao se livrar de um membro condenado pela Justiça por corrupção? Alto lá! O que mudou foi apenas a cor do grande camaleão que, agora visível aos olhos da sociedade, preferiu não afrontá-la para não sofrer as consequências do aprofundamento do desprestígio público que pode se refletir nas urnas de outubro próximo.
O que houve com os cerca de 170 parlamentares que se abstiveram ou votaram pela absolvição em agosto, e agora resolveram cassar Donadon? Teriam percorrido a Estrada de Damasco e recebido as luzes da conversão? Infelizmente, não é de se acreditar que o novo resultado – desta feita com a presença do réu paramentado com o uniforme dos presidiários da Papuda, e não mais engravatado como da vez anterior – seja consequência da melhora do padrão ético-moral de tantos parlamentares ao longo dos últimos seis meses. O camaleão continua o mesmo, mas as luzes não são de conversão, e sim da fiscalização que a opinião pública se tornou capaz de fazer em razão da transparência do voto parlamentar.
O caso de Natan Donadon reflete o lado bom da pressão popular que levou o Congresso a adotar o voto aberto (embora o Legislativo tenha errado ao autorizar também o voto aberto para apreciação de vetos presidenciais e indicação de autoridades, situações em que seria melhor manter o voto secreto). Se a norma já existisse antes, não teríamos sofrido o constrangimento de ver absolvidos parlamentares que cometeram “erros” semelhantes aos que levaram Donadon ao cadafalso – caso, por exemplo, de Jaqueline Roriz e do mensaleiro João Paulo Cunha, que no passado se livraram da guilhotina pelo benevolente, camaleônico e corporativo método da votação às escondidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário