FOLHA DE SP - 14/02
É inaceitável adiar para 2015 as reformas para dinamizar a atividade interna e inserir o país na economia mundial
O clima de desalento que se espalha pela economia não pode alimentar a paralisia diante de alguns temas de inegável prioridade para o desenvolvimento nacional e mesmo para dar maior segurança aos avanços sociais.
A expectativa de mais um ano de crescimento anêmico, associada à realização da Copa do Mundo a partir de junho e eleições presidenciais no segundo semestre, criou uma espécie de consenso, segundo o qual respostas assertivas às demandas mais imediatas do cenário econômico ficam automaticamente adiadas para 2015.
Restaria a 2014 o papel de mera ponte entre um presente sem muito brilho e um futuro de contornos difusos, sem a clareza de onde queremos chegar. É como se, do ponto de vista prático, 2014 estivesse fadado a ser um ano de passagem.
Trata-se de um duplo equívoco, em nossa avaliação. No curto prazo, o conformismo diante dos resultados decepcionantes da economia como um todo, e da indústria em particular, reúne os elementos de uma profecia autorrealizável.
Estabelecido o consenso de que não há condições plenas para a retomada do crescimento, as empresas engavetam planos de investimentos e os consumidores adiam seus desejos, inibindo ain- da mais uma atividade econômica já deprimida.
No fim, reforça-se a própria estagnação que gerou esse esta- do de espírito. É um processo que se autoalimenta e mantém vivo um ambiente hostil aos investimentos produtivos, justamente o elo frágil do desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro nos últimos anos.
Gerada pela lente do curto prazo, essa visão, embora embasada em dados reais, também embute um inaceitável atraso do debate sobre as mudanças estruturais neces- sárias para recolocar o país no caminho do desenvolvimento sustentado --e aí reside o segundo equívoco em aceitar 2014 como um ano perdido.
A campanha eleitoral, em vez de retardar a reflexão sobre tais questões, deveria, na verdade, contribuir para romper o imobilismo, transformando-se num amplo e legítimo fórum de discussão sobre o rumo que, afinal, o país quer dar à sua indústria e o espaço que pretende ocupar na economia global.
Em uma democracia madura --e é isso que se almeja para o país--, eleições são o momento propício para discutir soluções que nos permitam superar os entraves econômicos, e não um obstáculo às transformações necessárias.
O pré-requisito desse debate é um firme compromisso com a preservação de importantes conquistas dos últimos 20 anos, como o controle da inflação e a ascensão social que possibilitaram o ingresso de mais de 35 milhões de brasileiros no mercado de consumo.
Como valores incorporados ao exercício da cidadania, elas são pontos inegociáveis. Um recuo nesse campo anularia os efeitos dos demais esforços para elevar os níveis de competitividade da economia brasileira.
Definida essa base, duas agendas se impõem. A primeira, uma política econômica clara, com a explicitação de metas a serem perseguidas --e, nesse caso, estamos falando, entre outras, de inflação e superavit fiscal.
A segunda agenda remete às medidas necessárias para que desponte um novo horizonte de crescimento econômico.
Além de promover mudanças internas, como a melhoria da educação, a aceleração do programa de concessões e ações muito fortes para reformular e simplificar a tributação e os marcos regulatórios, é preciso ousadia para dinamizar o comércio exterior.
A economia carece de uma abertura cautelosa, sustentada por acordos comerciais que permitam o acesso de nossas empresas a novos mercados de consumo e tragam referências internacionais para nossos custos, a produtividade e a eficiência gerencial.
As duas agendas conversam entre si --a falta de compromisso com uma delas prejudica a outra. Só a disposição em colocá-las em pauta já deve garantir que 2014 se torne ponto de partida para reverter as expectativas ruins, e não um ano de muita torcida e pouco resultado, noves fora a esperança de que a Copa do Mundo é nossa.
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