ESTADÃO - 27/01
Só pode ser piada de mau gosto a suposta disposição de convocação do plenário do STF para revisão da possibilidade de execução de pena após condenação em segunda instância
Certamente só pode ser uma piada de mau gosto a história, ventilada nos últimos dias, a respeito da suposta disposição da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, de convocar o mais rápido possível o plenário da Suprema Corte para uma revisão da possibilidade de execução de pena após condenação em segunda instância. Se isso ocorresse, o STF estaria abandonando sua função de corte constitucional – responsável por aplicar a Constituição e assegurar o equilíbrio de todo o sistema de Justiça – para se transformar em casa de benemerência para o sr. Lula da Silva.
Em 2016, o STF firmou jurisprudência no sentido de que, após a condenação penal em segunda instância, é possível dar início ao cumprimento da pena. Restabelecia-se, assim, o entendimento de que não é necessário esgotar todos os recursos para que o réu possa ser preso. Na ocasião, a maioria dos ministros entendeu que a prisão após a condenação em segunda instância não fere o princípio da presunção da inocência, já que, nesses casos, a presunção foi esgotada, juntamente com o exame dos fatos que configuram a culpa. Recursos posteriores referem-se exclusivamente a questões de direito.
A decisão do STF de permitir a prisão após condenação em segunda instância foi um passo importante para combater a lentidão da Justiça, que tanto alimenta a sensação de impunidade no País. Com frequência, os vários recursos previstos no Código de Processo Penal eram utilizados simplesmente para protelar o início do cumprimento da pena. O réu que podia contar com bons advogados conseguia alguns anos a mais em liberdade, mesmo que um órgão colegiado já o tivesse condenado.
Naturalmente, a nova posição do STF sobre o início do cumprimento da pena enfrentou resistências. Muita gente que estava conseguindo retardar sua ida à cadeia por meio de habilidosos recursos teve de acertar, mais cedo do que esperava, as suas contas com a Justiça. No entanto, mesmo com todos esses protestos, a Suprema Corte manteve-se firme em sua jurisprudência.
De lá para cá, o assunto de uma eventual revisão da prisão após a condenação em segunda instância veio à baila algumas vezes, quase sempre estimulado por gente interessada numa Justiça mais lenta e menos efetiva. De toda forma, a Suprema Corte não voltou ao tema.
Só faltaria que agora, sem qualquer motivo razoável para rever o tema, o STF achasse que lhe cabe proteger o sr. Lula da Silva das consequências da lei e se dispusesse a criar uma jurisprudência específica para o cacique petista. É preciso ter claro que qualquer facilidade para o sr. Lula da Silva seria um tremendo desrespeito ao princípio, essencial na República, de que todos são iguais perante a lei.
Seria um absurdo achar que a condenação em segunda instância do sr. Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro possa ser motivo para a Suprema Corte reavaliar o seu posicionamento sobre o início da pena. A lei deve valer para todos e, por consequência, não devem ser feitas leis ad hoc, para casos específicos. Esse tipo de manobra é incompatível com o Estado Democrático de Direito.
A história nacional coleciona alguns desses casos esdrúxulos, nos quais o Direito foi mudado especificamente para atender ao interesse de algum poderoso da ocasião. Ficou famosa, por exemplo, a Lei Teresoca (Decreto-Lei 4.737, de 1942), criada sob medida por Getúlio Vargas para que Assis Chateaubriand obtivesse a guarda da filha Teresa.
O Brasil dispensa uma lei ou uma jurisprudência Lulinha. Que as Leis Teresocas fiquem no passado e na história, para que a lição do que não fazer esteja sempre presente.
É, portanto, ultrajante ao bom nome do Supremo dar a entender que ele poderia se prestar a esse tipo de serviço, como se a presidente da Suprema Corte estivesse agora a se preocupar com os dias futuros de um cidadão condenado em segunda instância por usar seu cargo público para obter favores pessoais. A função do STF é exatamente assegurar que essas manobras não ocorram e que a Constituição valha para todos, sem exceções.
ESTADÃO - 27/01
O fato é que a política de preços adotada pela Petrobrás vem cumprindo o seu papel
No final de 2016 a Petrobrás acabou com a ficção econômica e inaugurou a política de preços dos combustíveis baseada nas tendências do mercado internacional. Era o fim de um longo ciclo em que essa política foi dedicada a atender aos interesses populistas do governo do PT. Do seu início até os dias atuais a nova política de preços passou por duas fases. Na primeira, iniciada em outubro de 2016, os ajustes acumularam reduções por causa do movimento de queda do preço do barril de petróleo. Esse cenário incentivou a Petrobrás a estabelecer prêmios elevados e reajustes mensais tendo como um dos objetivos recompor seu caixa, que foi dilapidado no governo do PT com a política de subsídios à gasolina e ao diesel. Esse prêmio elevado criou, promoveu e incentivou um crescimento significativo das importações de gasolina e diesel por outros agentes do mercado. Finalmente o mercado de combustíveis no Brasil passou a conviver com a liberdade de preços de fato, rompendo de forma clara com a gestão do governo do PT que deixou um buraco no caixa da empresa de US$ 40 bilhões de dólares, culminando na maior crise financeira da história da Petrobrás.
Em junho de 2017, a Petrobrás aprimorou a sua política de preços, aumentando a frequência dos ajustes dos preços da gasolina e do diesel, transformando-os em quase que diários. A explicação é que os reajustes mensais não haviam sido suficientes para acompanhar a volatilidade crescente da taxa de câmbio e das cotações de petróleo e derivados no mercado internacional. Com reajustes quase que diários, os preços nas refinarias da Petrobrás passaram a ficar mais próximos dos praticados no mercado internacional. A redução do intervalo de reajustes mostrou maior alinhamento da empresa com as políticas adotadas em países em que o mercado funciona, como é o caso dos Estados Unidos e Europa. Além disso, vai exigir por parte dos importadores um grau de profissionalismo e competência maior que na primeira fase da política de preços. Isso porque com os reajustes diários o risco de importação aumenta em função dos prêmios terem sido reduzidos. As importações vão continuar até porque não vemos no horizonte investimentos grandes em refino no País. Haverá uma certa seleção natural em que só os bons conhecedores de trading de combustíveis permanecerão no mercado.
Toda essa mudança baseada em regras de mercado só trouxe benefícios para a Petrobrás, importadores, distribuidoras, postos de revenda e consumidores. Entretanto, essa nova precificação dos combustíveis nas refinarias da Petrobrás vem causando certo desconforto e insatisfação daqueles que estão com saudades e, portanto, querem de volta a velha Petrobrás, que era obrigada a pagar a conta dos aumentos do petróleo. O fato é que vícios antigos custam a passar. As estratégias do segmento downstream precisam se adaptar aos novos tempos, sendo necessário que todos os membros da cadeia tenham ciência e responsabilidade no gerenciamento dos seus negócios, seus preços e competitividade, sem culpar os demais por eventualidades. A revenda, por exemplo, que lida com o consumidor final, pode e deve adaptar seus negócios para garantir ganhos, pela adição de serviços nos postos e investimento em tecnologia destinada a ganho de produtividade. Afinal de contas, a busca de competitividade no mercado livre exige soluções próprias.
O fato é que a política de preços adotada pela Petrobrás vem cumprindo o seu papel. As práticas e regras de mercado contribuirão para reduzir os riscos de variações extemporâneas nos preços futuros de combustíveis e trazer estabilidade ao setor. Não podemos permitir que o Brasil volte a viver um conto baseado numa ficção econômica. Precisamos sim avançar, por exemplo, discutindo uma nova política tributária para o setor de combustíveis, talvez instituindo um imposto único, ao invés dos atuais PIS/Cofins e os ICMS estaduais, que nos parece não estarem em sintonia com os novos tempos.
ESTADÃO - 27/01
Há um cansaço cívico (ético-político) por se manter o caso Lula no centro da vida nacional
Com a confirmação da condenação de Lula pelo TRF-4, abriu-se uma clareira na política nacional. Em que pesem o componente dramático do fato e toda a controvérsia jurídica que cerca o julgamento, o fato é que ele atinge uma das figuras mais populares da história brasileira recente. Alguns alegam que Lula nada fez de errado e foi julgado pelo conjunto da obra; outros, que não há provas que confirmem as acusações. E há quem diga que tudo não passou de estratégia para afastá-lo da disputa eleitoral, numa demonstração de que a Justiça perdeu as estribeiras.
Continuaremos a discutir o tema e a nos dividirmos diante dele. Talvez por muito tempo.
Por vias transversas, porém, estamos sendo obrigados a fazer um balanço dos últimos tempos e rever estratégias que, por uma via ou outra, tentaram fortalecer a democracia. Hoje vivemos num país sem projetos e programas claros de ação.
Precisamos escapar da reiteração passional do discurso de amor e de ódio ao Lula, razão de tantas divisões e de tanto atraso na formulação política do progressismo brasileiro. Aos poucos poderemos enveredar por um caminho mais laico de luta, que não se renda à narrativa simplista de que tudo o que acontece no Brasil deriva de um “golpe midiático-judicial”, implacável na perseguição à esquerda e a Lula em particular. O País é bem mais complexo do que deseja essa vã filosofia do golpismo das elites.
A partir de agora haverá mais espaços para que se atualize a compreensão das vias a serem trilhadas para que o País avance. Desfazem-se as ilusões de que tudo depende de alguém revestido de um magnetismo ímpar, que traz nas mãos o futuro da Nação. Um novo programa terá de frutificar para que se ataquem as mazelas socioeconômicas e se invista numa pedagogia cívica que tenha a marca do progresso social e da democracia. Uma nova cultura de governo e de prática política precisará avançar com rapidez. Os candidatos serão instados a tomar posição sem subterfúgios perante a exigência nacional de que a corrupção seja arquivada como conduta política, nas suas variadas manifestações, do ilícito administrativo à obtenção de vantagens pessoais, da formação ilegal de reservas eleitorais à cobrança de comissões obscenas nos contratos públicos.
Ao menos por um tempo a vida política continuará intoxicada pela polarização criada por Lula. O “nós” daí decorrente, porém, tenderá a encontrar um caminho menos grandiloquente. O mito vai sobreviver, mas seu brilho tenderá a esmaecer.
Um país sem mitos políticos, a rigor, não existe. Seria um arranjo imperfeito, vazio de simbolismo, carente de animação. Mas mitos não precisam ser levados como estandartes que cegam e vetam o pensamento crítico. Podem e devem ser humanizados, extraídos da esfera do sublime, fixados no chão da terra: uma pessoa igualzinha a todas as outras, que comete erros, tem suas paixões, suas taras e seus defeitos, seus méritos e deméritos, falha e envelhece como o mais comum dos mortais. Sua diferença específica não é mágica, mas funcional, de talento e de disposição ao sacrifício.
A condenação de Lula funciona como um soco no imaginário nacional. Mas está longe de representar uma tragédia ou o fim de uma época. Incentiva a reflexão e estende um convite a que se redefinam os personagens que ocuparão o palco principal. Não é razoável que o País continue a girar em torno de uma polarização que se reproduz por inércia. É preciso que a realidade seja reprocessada como um todo, para que suas contradições, que são muitas, saiam à luz do dia.
O desfecho do julgamento de Lula não causa mais indecisão do que já se tinha. Ao contrário, pode levar à recuperação de uma racionalidade reformadora que estava perdida. Não retira credibilidade do processo eleitoral de 2018: pode valorizar as escolhas eleitorais, chamar os cidadãos para a esfera pública e instituir uma relação de novo tipo com o Estado e a comunidade política.
Lula seguirá fazendo campanha País afora. Permanecerá com um recall importante, mas terá de elaborar o impacto da condenação e o risco de prisão. O PT vai mostrar se é ou não maior que sua liderança principal, se continuará fazendo dela o seu biombo e lhe transferindo todo o vigor partidário.
Será tentado a levar a candidatura de Lula às últimas consequências, pois não dispõe de um nome alternativo e precisa ganhar tempo para se reposicionar no território político das esquerdas que aceitaram seu protagonismo nos últimos tempos. Não poderá mais enquadrá-las por uma posição de força. Terá de se abrir ou para a formação de uma “frente de esquerda” desde logo, ou para uma multiplicidade de candidatos que convirjam num eventual segundo turno. Serão decisões difíceis, a serem tomadas por um partido que perdeu alguns de seus ativos nos últimos anos e costuma ter uma vida interna tensa e intensa.
Nas tratativas que haverá, o PT terá de redefinir o slogan “eleição sem Lula é fraude”, que provoca atrito com todos os que decidirem permanecer a sério na disputa. A estratégia mais afastou do que agregou. O slogan talvez alimente o radicalismo e a passionalidade de alguns militantes, mas é um bumerangue que precisará ser desativado. Sob pena de fazer o PT desidratar. A “radicalização” anunciada por Gleisi Hoffmann terá de se haver com a perspectiva de sobrevivência política do partido.
O problema é que a sociedade está saturada de polarização política. Há um cansaço cívico (ético-político) diante da manutenção do caso Lula no centro da vida nacional. O que coloca um ponto de interrogação na eventual manutenção da estratégia de judicialização radicalizada da candidatura do ex-presidente.
Apostar no desgaste das instituições, em particular da Justiça e das eleições, não é a opção mais razoável. Como, de resto, ficou evidente ao longo do próprio processo que culminou na condenação de Lula em segunda instância.
*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp
FOLHA DE SP - 27/01
A nota do PT, divulgada logo após a condenação unânime de Lula pelo TRF-4, caracteriza o resultado como "uma farsa judicial", fruto do "engajamento político-partidário de setores do sistema judicial, orquestrado pela Rede Globo", os "mesmos setores que promoveram o golpe do impeachment".
O partido compromete-se a "lutar em defesa da democracia", "principalmente nas ruas". Desde que nasceu, o PT equilibra-se sobre uma disjuntiva: partido da ruptura, para consumo interno; partido da ordem, para consumo externo. A tensão chega agora a um grau extremo, insustentável. Finalmente, diante da esfinge mítica, o PT terá que decifrar seu enigma existencial.
As democracias, com seus rituais eleitorais periódicos, tendem a expurgar os partidos da ruptura para as franjas do cenário político. Desde cedo, o PT circundou o túnel do isolamento, definindo-se como partido institucional. O discurso de ruptura, jamais descartado, retrocedeu à trincheira dos eventos de militância. A dualidade discursiva atingiu o ápice depois que Lula subiu a rampa do Planalto.
De um lado, o presidente congraçava-se com o alto empresariado e com os personagens icônicos da tradição patrimonialista nacional. De outro, os congressos do PT imprimiam resoluções cada vez mais radicais, pontuadas por termos como "elite" (e, logo, "elite branca"), "imperialismo" e "socialismo".
A loucura obedecia a um método: conservar o monopólio petista sobre a esquerda do espectro político. A estratégia funcionou eficientemente, salgando o solo no qual o PSOL tentou lançar suas sementes. Na hora do impeachment, a duplicidade adquiriu as tonalidades da hipocrisia escancarada, mas sobreviveu ao teste de fogo. A deposição legal de Dilma Rousseff foi declarada um "golpe" e o PT prometeu resistir nas ruas, eletrizando a base social de esquerda.
Na sequência, a alma institucional restaurou seu primado e o partido reinstituiu sua política de amplas alianças eleitorais, que inclui os "golpistas" do MDB e do "centrão". A militância engoliu em seco, assim como os intelectuais "companheiros de viagem". O partido da ordem conhece perfeitamente suas prioridades. A valsa, porém, não mais se repetirá.
A dupla alma petista organiza-se ao redor de Lula, o venerado caudilho que abraça tanto um Maduro quanto um Odebrecht.
A eliminação judicial da figura nuclear implode o instável equilíbrio do edifício partidário. Como substituir Lula na cédula presidencial sem destruir a mística que preserva o monopólio sobre a esquerda? Cabeça humana, corpo leonino, a esfinge encara o PT, exigindo uma resposta nítida: ordem ou ruptura?
Uma coisa é José Dirceu; outra, é Lula. O partido abandonou alegremente o primeiro, em nome do imperativo da ordem, que se identifica com a insaciável ambição de poder do segundo -e com as valiosas carreiras políticas dos quadros petistas. O segundo, contudo, confunde-se com o próprio partido -ou, na linguagem lulista, com nada menos que o "povo brasileiro".
O manual do marketing eleitoral reza que o nome de Lula deve permanecer numa cédula fictícia, aureolado pela denúncia da "farsa judicial", até o momento derradeiro da substituição inevitável. Mas como fazer a transição do discurso da ruptura ao da ordem, entregando o cetro a um Jaques Wagner (ou, pior, a um Ciro Gomes), sem
fragmentar o campo da esquerda?
O espectro da prisão de Lula complica ainda mais o artifício. No rastro do impeachment, Guilherme Boulos cumpriu, como culpado útil, a missão teatral de incendiar a militância de esquerda, arando o terreno para a reinstalação do discurso lulista da ordem eleitoral.
Agora, junto com o PSOL tem a oportunidade de deflagrar sua campanha presidencial combatendo "nas ruas" a "farsa judicial" dos "golpistas de sempre".
Depois de Lula, o PT não pode mais enganar a si mesmo. É a hora da esfinge.
O Globo 27/01
Já entrou para o anedotário da política brasileira a confissão do ex-presidente Lula: “Quando a gente é de oposição, pode fazer bravata porque não vai ter de executar nada mesmo. Agora, quando você é governo, tem de fazer, tem que ser responsável, e aí não cabe a bravata”. Em outra ocasião, ele confessou, entre risos de seus entrevistadores amigos, que quando era oposição viajava o mundo falando mal do Brasil e ganhava muita atenção no estrangeiro citando dados estatísticos que não exprimiam a verdade.
Pois foram as bravatas de Lula e seus seguidores que justificaram a decisão do juiz federal de primeira instância Ricardo Leite, de Brasília, de apreender o passaporte do ex-presidente, medida cautelar prevista no Código de Processo Civil para substituir a prisão preventiva, impedindo-o de viajar à Etiópia, para um evento sobre o combate à fome no mundo, onde certamente voltaria a falar mal do Brasil e a contar bravatas sobre si mesmo e seus governos.
Mas o juiz não estava preocupado com o que Lula faria no exterior, mas sim com os indícios de que poderia não retornar, pedindo asilo a “países simpatizantes”. Essa foi uma das bravatas que os aliados de Lula espalharam nos últimos dias. Ao impedir Lula de deixar o país, o juiz Ricardo Leite explicou: “É do conhecimento público a divulgação de declarações em que aliados políticos do ex-presidente, visando a politização de processos judiciais, cogitam a solicitação (se necessário) de asilo político em seu favor para países simpatizantes”.
Também a reiteração, por Lula e seus aliados, de que não acatariam a decisão do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4), com incitação aos militantes para que resistam a uma eventual prisão de Lula, serviram de base para a decisão do juiz de Brasília.
Um dia depois de ter sido condenado a 12 anos e um mês de prisão, o ex-presidente Lula, em reunião da Executiva Nacional do PT, disse que não respeitaria a decisão da Justiça, e conclamou os militantes a uma ofensiva nas ruas para defendê-lo, pregando o enfrentamento político.
“Esse ser humano simpático que está falando com vocês não tem nenhuma razão para respeitar a decisão de ontem” (...) “Quando as pessoas se comportam como juízes, sempre respeitei, mas quando se comportam como dirigentes de partido político, contando inverdades, realmente não posso respeitar”.
Na mesma reunião, o líder do Movimento dos Sem Terra, João Pedro Stédile, afirmou que os movimentos populares não aceitarão e impedirão a prisão do ex-presidente Lula. Também o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias, que, por sua agressividade, subiu no conceito das lideranças petistas, defendeu a “desobediência civil”, com ocupação das ruas, contra a condenação de Lula em segunda instância:
“Não nos peçam passividade nesse momento. Há uma ditadura de toga nesse país. Não podemos mais dizer que vivemos numa democracia, e agora só temos um caminho: a rebelião cidadã e a desobediência civil”, afirmou, para desafiar: “Vão fazer o quê? Prender o Lula? Vão ter de prender milhões de brasileiros antes.”
O líder do PT foi mais cuidadoso nessa frase do que fora sua presidente partidária, senadora Gleisi Hoffmann, que chegou a dizer que para prender Lula teriam que matar “muita gente” antes. As manifestações a favor de Lula não indicam essa disposição de “muita gente” para morrer pelo ex-presidente, e as últimas informações mostram que, principalmente, não estão dispostos a morrer politicamente.
Já começam nos bastidores as negociações para apressar a indicação de um candidato substituto, sob pena de o partido sofrer uma derrota fragorosa nas eleições gerais de 2018. Para os membros do partido, uma candidatura de Lula representava a senha mágica para a recuperação do partido nas eleições de governadores, 2/3 do Senado e a totalidade da Câmara, compensando a derrota que o partido sofreu nas eleições municipais de 2016. Agora, insistir nela pode ser a derrocada final.
Com uma perda de 60% das prefeituras que governava, o PT ficou em 10º lugar entre os partidos que mais elegeram prefeitos, deixando que seus adversários mais fortes, como o PMDB e o PSDB, crescessem e tenham hoje uma máquina partidária espalhada pelo país, que certamente os ajudará na campanha deste ano.
As bravatas de Lula certamente não ajudarão o partido, pois dificilmente ele conseguirá superar a Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível os que, como ele, são condenados em segunda instância. Como só acontece com os bravateiros, na hora do enfrentamento da realidade eles se curvam a ela. Lula, que incitava à desobediência civil, levando Lindbergh a acreditar na bravata, entregou seu passaporte e vai lutar por ele dentro das legislação vigente.
O Globo - 27/01
Petistas pregam sedição, porque o TRF-4, de Porto Alegre, confirmou condenação de Lula, o que ressalta o viés autoritário e antidemocrático do partido
Algumas reações no PT à condenação do ex-presidente Lula pelo TRF-4, que praticamente o torna inelegível por oito anos, ensinam muito sobre o caráter antidemocrático do partido, ou de facções dele.
Há diversos registros que indicam a que ponto chega o descontrole de militantes, inclusive dirigentes, com a decisão unânime dos três desembargadores do tribunal — embasados em votos técnicos e detalhados —, de confirmar a condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no processo do tríplex do Guarujá, ainda estendendo a pena de nove anos e meio de prisão para 12 anos e um mês. Prática comum no tribunal de Porto Alegre.
Enquanto a presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann (PR), anunciava que o PT radicalizaria, seu colega no Senado, Lindbergh Faria (RJ), vociferava em comício que o veredicto era um “golpe” e que haveria feroz resistência petista, “nas ruas”. Pregou uma resistência à margem das instituições.
Terá sido o segundo “golpe” identificado pelo PT em não muito tempo, porque o partido também tachou de ruptura institucional o impeachment de Dilma Rousseff, aprovado em sessão do Senado presidida pelo próprio presidente do STF, Ricardo Lewandowski. Uma incongruência
João Pedro Stédile, o principal líder do MST, organização beneficiada nos governos lulopetistas, alertou a Polícia Federal e a Justiça que não aceitará a prisão de Lula, que é uma possibilidade legal. E o próprio Lula deu o tom da insubordinação ao dizer que também rejeitava a sentença. Como já havia ficado evidente antes da sessão de quarta do TRF-4, ele e o partido só admitiriam a sentença se fosse de absolvição. Um desvario antidemocrático.
O viés autoritário do partido vem de longe. Recorde-se que o partido votou contra a Constituição em 1988, e só a muito custo a assinou. Não reclamou da Carta quando ela o permitiu chegar ao Planalto, em 2003. Mas nunca deixou de ter cacoetes contra a ordem democrática. Por exemplo, quando, nos governos Lula e Dilma, insistia nas constituintes chavistas, ou ao tentar controlar a imprensa por meio de um “Conselho Federal de Jornalismo” e a produção audiovisual, a partir da agência Ancinav.
Por sinal, o desconforto com a liberdade de expressão, repetindo os bolivarianos do continente, persiste: Lula passou a anunciar que, eleito, iria “regular a mídia”, termo cifrado que significa censura. Mas a Justiça acaba de barrá-lo.
Fica comprovado que as leis e as instituições são respeitadas quando delas o partido puder se valer. Se não, militantes e líderes incentivam ilegalidades, sedições, e empurram o PT para se converter em uma organização criminosa. Tão fora da lei quanto o PCC, o CV e outras.
Mas deve haver políticos petistas preocupados, porque querem se reeleger em outubro, e o caminho para isso não é erguer barricadas pelo país afora.
FOLHA DE SP - 27/01
Alguns comentaristas claramente identificados com o campo da esquerda já começam a dizer que uma reforma da Previdência é necessária, mas não esta que está aí. Entendo o mau humor com o governo Temer, mas não consigo ver bem como se possa fazer uma reforma da Previdência que atenda às nossas necessidades e seja substancialmente diferente da que o governo propõe.
O diagnóstico do nosso problema não é complicado. A Previdência (servidores públicos e INSS) consome hoje cerca de 13% do PIB brasileiro, o que é uma enormidade para um país que não completou sua transição demográfica. Por aqui, os idosos (65 anos ou mais) são pouco mais de 10% da população economicamente ativa (PEA), mas já estamos gastando a mesma fatia do PIB que países como Japão, Suécia e Suíça, onde os velhos são 30% da PEA.
O vetor da reforma, portanto, é inequívoco: precisamos gastar menos, muito menos. Isso implica fazer as pessoas receberem menos ou trabalharem por mais tempo, ou uma combinação menos agressiva dos dois. Não há mágica que permita manter intactos todos os direitos previdenciários e gastar menos.
Agora com a PEC do teto de gastos, se os desembolsos previdenciários, que são obrigatórios, continuarem crescendo, estarão automaticamente comendo o espaço de despesas não obrigatórias e investimentos.
Isso não significa que não haja espaço para fazer justiça social. O regime do INSS já é meio socialista, uma vez que a diferença entre a menor e a maior remuneração é da ordem de seis vezes. As maiores distorções estão no regime dos servidores públicos, que permitirá, ainda por vários anos, aposentadorias integrais de até R$ 30 mil.
Lamentavelmente, como os sindicatos de servidores integram a base de muitas legendas de esquerda, é improvável que elas venham a defender uma reforma da Previdência que elimine os privilégios.