Folha de S. Paulo - 08/05
Um governo com fixações fálicas e anais
Há uma regra não escrita segundo a qual não se imaginam pessoas de certa representatividade —monges budistas, papas, missionários, almirantes, juízes, diplomatas— rebaixando-se a funções tão íntimas, como usar fio dental, aplicar desodorante, coçar-se, soltar pum ou mesmo fazer xixi. Eu não disse que não fazem isto —disse apenas que não nos compete imaginá-las fazendo. Aliás, o grau de santidade ou de autoridade de que têm de se despir para executar essas funções é de tal ordem que nem elas devem acreditar que, às vezes, precisam desempenhá-las. Para não falar na quantidade de roupas que têm de tirar —vide os repolhudos ministros do STF.
Em tese, os presidentes da República também deveriam fazer parte dessa linhagem de entes quase incorpóreos. E alguns devem ter feito. Quero crer, por exemplo, que Rodrigues Alves (1902-1906) e Affonso Penna (1906-1909) nunca tiraram ouro do nariz e o grudaram debaixo da cadeira. Quanto aos demais, não juro por ninguém —os caricaturistas, inclusive, não perdoavam suas idiossincrasias.
Mas nenhum se expôs tão brutal, repetida e espontaneamente quanto Jair Bolsonaro. Seu mandato mal começou e já sabemos, por ele próprio, que fez xixi na cama até os cinco anos, que se preocupa com a lavagem do pênis com água e sabão e que, como declarou a Silvio Santos, continua “na ativa e sem aditivos”. Sem falar na sua descoberta do “golden shower”, a partir do vídeo escatológico que disseminou pelas redes sociais no Carnaval. É uma permanente preocupação fálica e urinária, a merecer, talvez, a atenção dos especialistas.
Já a fixação de seu líder e inspirador, o astrólogo Olavo “Bocage” de Carvalho, é mais embaixo. Suas postagens e entrevistas são um festival de referências ao cu, com conotações tanto eróticas quanto fecais. Quando ele superará a fase anal?
É fatal. Com tantos mijando fora do penico, só pode dar merda.
Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
quarta-feira, maio 08, 2019
A realidade pede passagem - MONICA DE BOLLE
O Estado de S.Paulo - 08/05
A baixa produtividade da mão de obra resulta de vários problemas, dentre eles a má qualidade da educação no País
O governo de apenas quatro meses de Jair Bolsonaro é um poço de intrigas. Há as brigas entre os olavetes e os não olavetes. Há as brigas entre os filhos que controlam e descontrolam os meios de comunicação do pai e os militares. Há as brigas entre o filósofo presidencial e os generais. Há as brigas entre o presidente da República e o prefeito de Nova York, essa quiçá a mais surreal. Tão surreal que dia desses acabei cantarolando o refrão de música antiga de Lulu Santos, “não vá para Nova York amor, não vá”. Em meio à balbúrdia do governo Bolsonaro – afinal, cada governo tem a sua palavra, seu mot juste – a realidade vem se impondo de forma dramática.
Desde dezembro do ano passado, a inflação subiu quase um ponto porcentual – passando de 3,8% para 4,6% agora. O número em si não chega a assustar, sobretudo porque está dentro da meta do Banco Central. Contudo, a alta súbita da inflação em uma economia que ainda não dá sinais de ter saído do lugar e que pode até ter encolhido um pouco no primeiro trimestre do ano, é preocupante . No entanto, sabemos que a produção industrial encolheu nos primeiros três meses do ano e que outros indicadores econômicos deram claros os sinais de fragilidade. A taxa de desemprego continuou a subir nesse início de 2019, alcançando 12,7 %, o que significa 13,5 milhões de desempregados.
Para complicar a situação para lá de vulnerável do Brasil, a economia mundial não está ajudando muito, como alertara o FMI. Os mais recentes indícios de que a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos não deve acabar tão cedo está tirando fôlego dos cenários de crescimento global ainda que a economia norte-americana continue a apresentar bons números para o crescimento e para o mercado de trabalho. Curiosidade que poucos sabem é que os economistas têm muitas dificuldades para traduzir a guerra comercial em números concretos que mostrem o impacto sobre o crescimento global. Isso porque os modelos matemáticos e estatísticos de projeção para medir o impacto de tarifas e retaliações sobre o comércio internacional, sobre os empregos, e o impacto em setores específicos de diferentes países não são compatíveis com os modelos matemáticos e estatísticos usados por macroeconomistas para produzir projeções para o crescimento global. O que isso significa é que sabemos que a guerra comercial não é boa para ninguém. Porém, não sabemos quantificar a magnitude do quão perversa ela pode ser para o mundo e para países específicos.
No caso brasileiro, alguns setores se beneficiaram da conflagração – a China andou comprando mais grãos, mais soja de nós nos últimos meses, e isso nos ajuda. Não nos ajuda de forma permanente, mas qualquer mãozinha é bem-vinda nesse momento tão complicado. O problema é que o Brasil, embora seja um exportador de peso de soja e outros grãos, não é parrudo o suficiente no mercado internacional para determinar o preço dessas exportações. Ultimamente, como resultado de uma série de fatores, os preços dos grãos e da soja têm caído nos mercados internacionais. Isso significa que podemos até exportar mais em volume, mas o valor do que exportamos não tem aumentado tanto assim. Portanto, nem temporariamente se pode afirmar que a guerra comercial tenha sido um maná de Trump e Xi.
Tenho escrito nesse espaço que a reforma da Previdência tampouco será a bala de prata para destravar o investimento no Brasil. Embora haja investidores estrangeiros que estejam à espera da reforma para voltar a destinar recursos para o País, a verdade é que a guerra comercial e a possibilidade de que continue já que, antes de tudo, trata-se de um tema importante para a campanha de Trump nas eleições de 2020, aumenta as incertezas e deixa todos ressabiados. Além, é claro, da reforma em si não ser suficiente para resolver de uma tacada só todos os problemas que hoje impedem o Brasil de crescer, muitos dos quais são estruturais e levam anos para serem adequadamente solucionados. A baixa produtividade da mão de obra, por exemplo, resulta de vários problemas, dentre eles a má qualidade da educação no País. Claramente, não estamos encaminhando as questões relativas à educação de forma adequada.
Dizia no início desse artigo que cada governo tem a sua palavra. A palavra do governo Dilma foi “estarrecida” ou “estarrecido”. Pelo visto o governo Bolsonaro acabará nos trazendo combinação de palavras. Ficaremos todos estarrecidos com a balbúrdia enquanto a economia padece no vácuo.
A baixa produtividade da mão de obra resulta de vários problemas, dentre eles a má qualidade da educação no País
O governo de apenas quatro meses de Jair Bolsonaro é um poço de intrigas. Há as brigas entre os olavetes e os não olavetes. Há as brigas entre os filhos que controlam e descontrolam os meios de comunicação do pai e os militares. Há as brigas entre o filósofo presidencial e os generais. Há as brigas entre o presidente da República e o prefeito de Nova York, essa quiçá a mais surreal. Tão surreal que dia desses acabei cantarolando o refrão de música antiga de Lulu Santos, “não vá para Nova York amor, não vá”. Em meio à balbúrdia do governo Bolsonaro – afinal, cada governo tem a sua palavra, seu mot juste – a realidade vem se impondo de forma dramática.
Desde dezembro do ano passado, a inflação subiu quase um ponto porcentual – passando de 3,8% para 4,6% agora. O número em si não chega a assustar, sobretudo porque está dentro da meta do Banco Central. Contudo, a alta súbita da inflação em uma economia que ainda não dá sinais de ter saído do lugar e que pode até ter encolhido um pouco no primeiro trimestre do ano, é preocupante . No entanto, sabemos que a produção industrial encolheu nos primeiros três meses do ano e que outros indicadores econômicos deram claros os sinais de fragilidade. A taxa de desemprego continuou a subir nesse início de 2019, alcançando 12,7 %, o que significa 13,5 milhões de desempregados.
Para complicar a situação para lá de vulnerável do Brasil, a economia mundial não está ajudando muito, como alertara o FMI. Os mais recentes indícios de que a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos não deve acabar tão cedo está tirando fôlego dos cenários de crescimento global ainda que a economia norte-americana continue a apresentar bons números para o crescimento e para o mercado de trabalho. Curiosidade que poucos sabem é que os economistas têm muitas dificuldades para traduzir a guerra comercial em números concretos que mostrem o impacto sobre o crescimento global. Isso porque os modelos matemáticos e estatísticos de projeção para medir o impacto de tarifas e retaliações sobre o comércio internacional, sobre os empregos, e o impacto em setores específicos de diferentes países não são compatíveis com os modelos matemáticos e estatísticos usados por macroeconomistas para produzir projeções para o crescimento global. O que isso significa é que sabemos que a guerra comercial não é boa para ninguém. Porém, não sabemos quantificar a magnitude do quão perversa ela pode ser para o mundo e para países específicos.
No caso brasileiro, alguns setores se beneficiaram da conflagração – a China andou comprando mais grãos, mais soja de nós nos últimos meses, e isso nos ajuda. Não nos ajuda de forma permanente, mas qualquer mãozinha é bem-vinda nesse momento tão complicado. O problema é que o Brasil, embora seja um exportador de peso de soja e outros grãos, não é parrudo o suficiente no mercado internacional para determinar o preço dessas exportações. Ultimamente, como resultado de uma série de fatores, os preços dos grãos e da soja têm caído nos mercados internacionais. Isso significa que podemos até exportar mais em volume, mas o valor do que exportamos não tem aumentado tanto assim. Portanto, nem temporariamente se pode afirmar que a guerra comercial tenha sido um maná de Trump e Xi.
Tenho escrito nesse espaço que a reforma da Previdência tampouco será a bala de prata para destravar o investimento no Brasil. Embora haja investidores estrangeiros que estejam à espera da reforma para voltar a destinar recursos para o País, a verdade é que a guerra comercial e a possibilidade de que continue já que, antes de tudo, trata-se de um tema importante para a campanha de Trump nas eleições de 2020, aumenta as incertezas e deixa todos ressabiados. Além, é claro, da reforma em si não ser suficiente para resolver de uma tacada só todos os problemas que hoje impedem o Brasil de crescer, muitos dos quais são estruturais e levam anos para serem adequadamente solucionados. A baixa produtividade da mão de obra, por exemplo, resulta de vários problemas, dentre eles a má qualidade da educação no País. Claramente, não estamos encaminhando as questões relativas à educação de forma adequada.
Dizia no início desse artigo que cada governo tem a sua palavra. A palavra do governo Dilma foi “estarrecida” ou “estarrecido”. Pelo visto o governo Bolsonaro acabará nos trazendo combinação de palavras. Ficaremos todos estarrecidos com a balbúrdia enquanto a economia padece no vácuo.
Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
A boa notícia do Inmetro - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 08/05
Em uma iniciativa sensata, a presidente do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Angela Furtado, anunciou um projeto de revisão do emaranhado de regras relacionadas à qualidade, à segurança e ao desempenho dos produtos comercializados no País. A autarquia é vinculada ao Ministério da Economia e o projeto faz parte de um amplo programa de modernização da legislação sobre a ciência da medição, que afeta o cotidiano das empresas e dos cidadãos.
A ciência da medição envolve o cálculo da velocidade de um automóvel, do tempo de cozimento de alimentos, da temperatura de uma geladeira e do consumo de energia elétrica, por exemplo. Também permite saber se a quantidade de arroz na embalagem é a mesma mencionada no rótulo e se os valores informados na bomba de combustível ou na balança de um supermercado e de uma padaria são corretos.
Atualmente, há em vigor cerca de 300 regulamentos baixados pelo Inmetro. Eles cobrem 647 tipos distintos de produtos, o que dá mais de uma regra para cada duas categorias. Na área de produtos para crianças, por exemplo, existem quase 300 mil marcas certificadas pelo órgão. Segundo as estimativas do Inmetro, o volume de vendas de produtos que estavam dentro de sua jurisdição regulatória, em 2015, totalizou R$ 460 bilhões.
A implementação do projeto está prevista para o segundo semestre e a primeira medida será a desburocratização dos processos de registro e autorização de produtos. A estratégia foi inspirada no modelo de regulação adotado na União Europeia. Em vez de ter um regulamento específico para cada produto, como ocorre entre nós, a ideia é ter regras e dispositivos mais amplos, abrangendo categorias de produtos.
Hoje, brinquedos, berços e artigos de festas têm um regulamento específico para cada item. Já na União Europeia, com apenas 22 regulamentos gerais, eles integram a categoria de produtos infantis. Dependendo do setor, como o químico, o elétrico e o metalúrgico, os regulamentos gerais podem, quando for o caso, ser eventualmente complementados por normas específicas.
Com a desburocratização e a substituição de regulamentos específicos por normas gerais, o Inmetro pretende mudar sua forma de atuação. Em vez de concentrar a atenção no controle prévio de cada produto, que resulta num imenso cipoal regulatório, o objetivo é adotar uma vigilância posterior mais rigorosa, por meio de acordos de fiscalização com entidades de classe e entidades privadas. “Regulação mais flexível não se confunde com bagunça e anarquia”, afirmou a presidente do Inmetro em entrevista ao jornal Valor.
Quando a implementação do projeto estiver concluída, diz ela, os fabricantes ou importadores poderão fazer uma autodeclaração de que seus produtos estão de acordo com a regulamentação. Pela legislação em vigor, esses certificados dependem de testes e ensaios em laboratórios, o que leva tempo e tem um alto custo. Em média, um registro no Inmetro demora pelo menos seis meses. E, dependendo do setor, o prazo pode chegar a dois anos, o que é incompatível com os produtos que têm um ciclo de vida útil de três anos.
Pelo projeto, quando houver necessidade, fabricantes e importadores poderão fazer testes numa rede de 2 mil laboratórios autorizados pelo órgão. Só os produtos com riscos específicos, como os dos setores químico e elétrico, passarão obrigatoriamente pelo processo de certificação com base em ensaios. Já o trabalho de vigilância será feito com base na análise de bancos de dados com informações sobre acidentes de consumo e no monitoramento de plataformas digitais que divulgam reclamações e avaliações de consumidores.
A iniciativa do Inmetro se insere no rol de reformas microeconômicas de que o Brasil tanto necessita para reduzir os custos de produção e diminuir a insegurança jurídica causada por uma malha normativa anacrônica e asfixiante. Ela favorece consumidores e produtores, ao mesmo tempo que propicia melhorias no ambiente de negócios.
Em uma iniciativa sensata, a presidente do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Angela Furtado, anunciou um projeto de revisão do emaranhado de regras relacionadas à qualidade, à segurança e ao desempenho dos produtos comercializados no País. A autarquia é vinculada ao Ministério da Economia e o projeto faz parte de um amplo programa de modernização da legislação sobre a ciência da medição, que afeta o cotidiano das empresas e dos cidadãos.
A ciência da medição envolve o cálculo da velocidade de um automóvel, do tempo de cozimento de alimentos, da temperatura de uma geladeira e do consumo de energia elétrica, por exemplo. Também permite saber se a quantidade de arroz na embalagem é a mesma mencionada no rótulo e se os valores informados na bomba de combustível ou na balança de um supermercado e de uma padaria são corretos.
Atualmente, há em vigor cerca de 300 regulamentos baixados pelo Inmetro. Eles cobrem 647 tipos distintos de produtos, o que dá mais de uma regra para cada duas categorias. Na área de produtos para crianças, por exemplo, existem quase 300 mil marcas certificadas pelo órgão. Segundo as estimativas do Inmetro, o volume de vendas de produtos que estavam dentro de sua jurisdição regulatória, em 2015, totalizou R$ 460 bilhões.
A implementação do projeto está prevista para o segundo semestre e a primeira medida será a desburocratização dos processos de registro e autorização de produtos. A estratégia foi inspirada no modelo de regulação adotado na União Europeia. Em vez de ter um regulamento específico para cada produto, como ocorre entre nós, a ideia é ter regras e dispositivos mais amplos, abrangendo categorias de produtos.
Hoje, brinquedos, berços e artigos de festas têm um regulamento específico para cada item. Já na União Europeia, com apenas 22 regulamentos gerais, eles integram a categoria de produtos infantis. Dependendo do setor, como o químico, o elétrico e o metalúrgico, os regulamentos gerais podem, quando for o caso, ser eventualmente complementados por normas específicas.
Com a desburocratização e a substituição de regulamentos específicos por normas gerais, o Inmetro pretende mudar sua forma de atuação. Em vez de concentrar a atenção no controle prévio de cada produto, que resulta num imenso cipoal regulatório, o objetivo é adotar uma vigilância posterior mais rigorosa, por meio de acordos de fiscalização com entidades de classe e entidades privadas. “Regulação mais flexível não se confunde com bagunça e anarquia”, afirmou a presidente do Inmetro em entrevista ao jornal Valor.
Quando a implementação do projeto estiver concluída, diz ela, os fabricantes ou importadores poderão fazer uma autodeclaração de que seus produtos estão de acordo com a regulamentação. Pela legislação em vigor, esses certificados dependem de testes e ensaios em laboratórios, o que leva tempo e tem um alto custo. Em média, um registro no Inmetro demora pelo menos seis meses. E, dependendo do setor, o prazo pode chegar a dois anos, o que é incompatível com os produtos que têm um ciclo de vida útil de três anos.
Pelo projeto, quando houver necessidade, fabricantes e importadores poderão fazer testes numa rede de 2 mil laboratórios autorizados pelo órgão. Só os produtos com riscos específicos, como os dos setores químico e elétrico, passarão obrigatoriamente pelo processo de certificação com base em ensaios. Já o trabalho de vigilância será feito com base na análise de bancos de dados com informações sobre acidentes de consumo e no monitoramento de plataformas digitais que divulgam reclamações e avaliações de consumidores.
A iniciativa do Inmetro se insere no rol de reformas microeconômicas de que o Brasil tanto necessita para reduzir os custos de produção e diminuir a insegurança jurídica causada por uma malha normativa anacrônica e asfixiante. Ela favorece consumidores e produtores, ao mesmo tempo que propicia melhorias no ambiente de negócios.
Bolsonaro deve eleição a Moro, Lava Jato e Adélio, não a Olavo. E a fosseta - REINALDO AZEVEDO
PORTAL UOL - 08/05
A serpente e a fosseta loreal: Bolsonaro deve ser um daqueles mutantes de uma antiga novela da Record. Ninguém sabia que ele era dotado de tal órgão e que engole sapos por ali…
O autointitulado professor e filósofo Olavo de Carvalho fez na manhã desta terça o mais covarde de todos os ataques aos militares, dirigido, no caso, contra Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e atual assessor do Gabinete da Segurança Institucional. Disparou: "Há coisas que nunca esperei ver, mas estou vendo. A pior delas foi altos oficiais militares, acossados por afirmações minhas que não conseguem contestar, irem buscar proteção escondendo-se por trás de um doente." Villas Bôas é portador de uma grave doença degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica, conhecida pela sigla "ELA", que implica graves restrições físicas, mas não afeta o intelecto. Ninguém se surpreendeu. Ele é capaz de muito mais. A agressão revoltou o Alto Comando das Forças Armadas e os generais da reserva que compõem o governo. Todos, no entanto, decidiram silenciar.
Não pensem que se ouviu de Bolsonaro alguma palavra de solidariedade ao general. Ao contrário. Depois de uma impressionante saraivada de agressões e baixarias disparada por Carvalho, o presidente publicou o seguinte texto no Facebook e no Twittrer:
"- Cheguei na Câmara em 1991 e encontrei-a tomada pela esquerda num clima hostil às Forças Armadas e contrário às nossas tradições judaico-cristã (SIC).
– Aos poucos outros nomes foram se somando na causa que defendia, entre eles Olavo de Carvalho.
– Olavo, sozinho, rapidamente tornou-se um ícone, verdadeiro fã para muitos.
– Seu trabalho contra a ideologia insana que matou milhões no mundo e retirou a liberdade de outras centenas de milhões é reconhecida por mim.
– Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse no Governo, sem a qual o PT teria retornado ao Poder.
– Sempre o terei nesse conceito, continuo admirando o Olavo.
– Quanto aos desentendimentos ora públicos contra militares, aos quais devo minha formação e admiração, espero que seja uma página virada por ambas as partes.
– Jair Bolsonaro/Presidente da República."
A gramática como sempre é encantadora. Como se nota, o presidente não sabe a diferença entre "fã" e "ídolo". Afirmar que a Câmara, em 1991 ou em 2019, é hostil "às nossas tradições judaico-cristãs" não incide apenas na tolice. Trata-se também de uma mentira. Nota à margem: não é de hoje que implico com as tais "tradições judaico-cristãs". Por óbvio: ou são judaicas ou são cristãs, como sabem judeus e cristãos. Ainda que Cristo fosse efetivamente judeu, assim como Saul, o perseguidor de cristãos, que virou Paulo depois da conversão.
A CÂMARA EM 1991
Também é mentira que a Câmara estivesse tomada pela esquerda. À época com 503 deputados, o PMDB elegeu 108; o PFL, 83; o PDS, 42; o PRN de Collor, 40, o PSDB, 38; o PTB, 38; o PDC, 22, o PL, 17; o PSC, 06; o PRS, 04; o PTR, 02; o PST, 2; o PSD, 01; o PMN, 01. De esquerda, apenas os 35 do PT, os 45 do PDT; os 5 do PCdoB, os 3 do PCB e, vá lá, os 11 do PSB, que sempre foi de centro. Ou por outra: dos 503 deputados, apenas 19,7% eram de esquerda. A isso o grande pensador chama "câmara tomada" por esquerdistas.
Só para comparar: hoje, as esquerdas somam 26,3%. Caso se considerem no grupo PPS, PV e Rede (não acho que sejam esquerdistas), chega-se a 28,8%. E olhem que estamos falando de uma maré conservadora, com forte viés reacionário, que certamente não se repetirá no país.
MORO, LAVA JATO E ADÉLIO
Afirmar que, sem Olavo de Carvalho, o PT teria chegado ao Poder é uma estupidez delirante. E também uma ingratidão episódica, embora ele tenha pagado a conta. Bolsonaro deve a sua eleição à Lava Jato, em particular a Sérgio Moro, que condenou Lula sem provas, e a Adélio Bispo de Oliveira, o homem que lhe desferiu a facada. Segundo o próprio Flávio Bolsonaro, ela foi bastante eficaz eleitoralmente.
A esmagadora maioria dos que votaram no atual presidente nunca ouviram falar do suposto pensador.
A FOSSETA DA COBRA
Depois de encontro com a cúpula das Forças Armadas, em que se tratou de um contingenciamento no Orçamento de R$ 5,8 bilhões, Bolsonaro falou sobre o ataque de Carvalho aos militares nestes termos:
"O Olavo é dono do seu nariz. Como eu sou do meu, e você é do seu. Então, liberdade de expressão. Eu recebo críticas muito graves todo dia e não reclamo. Inclusive, olha só. O pessoal fala muito em engolir sapo. Eu engulo sapo pela fosseta lacrimal e estou quieto aqui, OK?".
Sabe-se lá onde diabos foi buscar a expressão "fosseta lacrimal". Humanos têm fossas nasais e lacrimais. A tal "fosseta" — que é "loreal", e não lacrimal, porque fica no "loro" — uma região entre o olho e a boca ou bico de repteis, peixes e aves — é própria de algumas cobras peçonhentas.
Acho que os militares descobriram um tanto tarde que estavam lidando com alguém dotado de "fosseta loreal", não é mesmo?
Convém ter à mão o soro antiofídico do respeito à Constituição e às leis.
A cobra peçonhenta está por aí.
A serpente e a fosseta loreal: Bolsonaro deve ser um daqueles mutantes de uma antiga novela da Record. Ninguém sabia que ele era dotado de tal órgão e que engole sapos por ali…
O autointitulado professor e filósofo Olavo de Carvalho fez na manhã desta terça o mais covarde de todos os ataques aos militares, dirigido, no caso, contra Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e atual assessor do Gabinete da Segurança Institucional. Disparou: "Há coisas que nunca esperei ver, mas estou vendo. A pior delas foi altos oficiais militares, acossados por afirmações minhas que não conseguem contestar, irem buscar proteção escondendo-se por trás de um doente." Villas Bôas é portador de uma grave doença degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica, conhecida pela sigla "ELA", que implica graves restrições físicas, mas não afeta o intelecto. Ninguém se surpreendeu. Ele é capaz de muito mais. A agressão revoltou o Alto Comando das Forças Armadas e os generais da reserva que compõem o governo. Todos, no entanto, decidiram silenciar.
Não pensem que se ouviu de Bolsonaro alguma palavra de solidariedade ao general. Ao contrário. Depois de uma impressionante saraivada de agressões e baixarias disparada por Carvalho, o presidente publicou o seguinte texto no Facebook e no Twittrer:
"- Cheguei na Câmara em 1991 e encontrei-a tomada pela esquerda num clima hostil às Forças Armadas e contrário às nossas tradições judaico-cristã (SIC).
– Aos poucos outros nomes foram se somando na causa que defendia, entre eles Olavo de Carvalho.
– Olavo, sozinho, rapidamente tornou-se um ícone, verdadeiro fã para muitos.
– Seu trabalho contra a ideologia insana que matou milhões no mundo e retirou a liberdade de outras centenas de milhões é reconhecida por mim.
– Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse no Governo, sem a qual o PT teria retornado ao Poder.
– Sempre o terei nesse conceito, continuo admirando o Olavo.
– Quanto aos desentendimentos ora públicos contra militares, aos quais devo minha formação e admiração, espero que seja uma página virada por ambas as partes.
– Jair Bolsonaro/Presidente da República."
A gramática como sempre é encantadora. Como se nota, o presidente não sabe a diferença entre "fã" e "ídolo". Afirmar que a Câmara, em 1991 ou em 2019, é hostil "às nossas tradições judaico-cristãs" não incide apenas na tolice. Trata-se também de uma mentira. Nota à margem: não é de hoje que implico com as tais "tradições judaico-cristãs". Por óbvio: ou são judaicas ou são cristãs, como sabem judeus e cristãos. Ainda que Cristo fosse efetivamente judeu, assim como Saul, o perseguidor de cristãos, que virou Paulo depois da conversão.
A CÂMARA EM 1991
Também é mentira que a Câmara estivesse tomada pela esquerda. À época com 503 deputados, o PMDB elegeu 108; o PFL, 83; o PDS, 42; o PRN de Collor, 40, o PSDB, 38; o PTB, 38; o PDC, 22, o PL, 17; o PSC, 06; o PRS, 04; o PTR, 02; o PST, 2; o PSD, 01; o PMN, 01. De esquerda, apenas os 35 do PT, os 45 do PDT; os 5 do PCdoB, os 3 do PCB e, vá lá, os 11 do PSB, que sempre foi de centro. Ou por outra: dos 503 deputados, apenas 19,7% eram de esquerda. A isso o grande pensador chama "câmara tomada" por esquerdistas.
Só para comparar: hoje, as esquerdas somam 26,3%. Caso se considerem no grupo PPS, PV e Rede (não acho que sejam esquerdistas), chega-se a 28,8%. E olhem que estamos falando de uma maré conservadora, com forte viés reacionário, que certamente não se repetirá no país.
MORO, LAVA JATO E ADÉLIO
Afirmar que, sem Olavo de Carvalho, o PT teria chegado ao Poder é uma estupidez delirante. E também uma ingratidão episódica, embora ele tenha pagado a conta. Bolsonaro deve a sua eleição à Lava Jato, em particular a Sérgio Moro, que condenou Lula sem provas, e a Adélio Bispo de Oliveira, o homem que lhe desferiu a facada. Segundo o próprio Flávio Bolsonaro, ela foi bastante eficaz eleitoralmente.
A esmagadora maioria dos que votaram no atual presidente nunca ouviram falar do suposto pensador.
A FOSSETA DA COBRA
Depois de encontro com a cúpula das Forças Armadas, em que se tratou de um contingenciamento no Orçamento de R$ 5,8 bilhões, Bolsonaro falou sobre o ataque de Carvalho aos militares nestes termos:
"O Olavo é dono do seu nariz. Como eu sou do meu, e você é do seu. Então, liberdade de expressão. Eu recebo críticas muito graves todo dia e não reclamo. Inclusive, olha só. O pessoal fala muito em engolir sapo. Eu engulo sapo pela fosseta lacrimal e estou quieto aqui, OK?".
Sabe-se lá onde diabos foi buscar a expressão "fosseta lacrimal". Humanos têm fossas nasais e lacrimais. A tal "fosseta" — que é "loreal", e não lacrimal, porque fica no "loro" — uma região entre o olho e a boca ou bico de repteis, peixes e aves — é própria de algumas cobras peçonhentas.
Acho que os militares descobriram um tanto tarde que estavam lidando com alguém dotado de "fosseta loreal", não é mesmo?
Convém ter à mão o soro antiofídico do respeito à Constituição e às leis.
A cobra peçonhenta está por aí.
A Apex na guerra dos bolsonaristas - VINICIUS TORRES FREIRE
Folha de S. Paulo - 08/05
Agência de comércio, que nem é bem governo, vira objeto de disputa odienta
Pouca gente sabia o que era a Apex até que a instituição se tornasse campo de sangue das batalhas intestinas do governo de Jair Bolsonaro.
Nos últimos dias, a disputa pelo poder na agência foi o motivo da nova onda de fúria dos bolsonaristas puros contra os militares, em especial contra o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo.
O que é que a Apex tem?
1) Dinheiro;
2) poder para fazer amigos no mundo empresarial.
3) está em território dominado pela ala antiestablishment do governo: no Itamaraty, sob influência de seguidores do youtuber Olavo de Carvalho.
Dois diretores ligados a Eduardo Bolsonaro foram demitidos pelo contra-almirante Sergio Segovia, terceiro presidente da Apex deste governo. A queda da diretora Leticia Catelani, bolsonarista de primeira hora, causou especial revolta, com campanha no Twitter e tudo.
Os bolsonaristas “raiz” dizem que Catelani despetizava a agência; dava cabo de gastos suspeitos e do esquerdismo. Ela mesma contou que resistia a pressões para manter “contratos espúrios” (de quem? Convém chamar a polícia). Teria caído por intervenção militar; Segovia seria apadrinhado de Santos Cruz, há semanas na caldeirinha das milícias virtuais.
A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex, não é propriamente órgão de governo. Foi um filho temporão e bastardo do sistema “S” (Sesi, Sesc etc.), criado pelo governo de Lula da Silva em 2003.
É entidade de direito privado, bancada por contribuições obrigatórias de empresas, como no restante do sistema “S”. Mas, na Apex, a maioria dos votos no conselho deliberativo é do governo.
O ministério responsável, ora o Itamaraty, aprova seu orçamento. No ano passado, recebeu quase R$ 500 milhões em contribuições sobre a folha salarial. Não é pouco dinheiro, que de resto não está sujeito a corte pelo Ministério da Economia.
A agência promove exportações. Gasta a maior parte de sua verba em convênios com associações empresariais, além de financiar feiras, eventos, missões de divulgação e a publicidade na mídia lá fora. Na prática, a Apex é uma estatal a fundo perdido, por assim dizer.
É difícil de entender o motivo de o governo se meter nisso, em promoção comercial privada. Existem órgãos públicos responsáveis pela promoção dos interesses comerciais do país. Caso as empresas assim o desejem, podem se associar a esses esforços oficiais, pesando custos e benefícios da iniciativa —privada.
No entanto, a agência se tornou objeto de disputa política extremista. Para bolsonaristas antiestablishment, a nomeação do almirante Segovia faz parte de uma ofensiva militar que tem como objetivo derrubar os adeptos autênticos de Bolsonaro. O próximo alvo seria o ministro das Relações Exteriores.
Os militares seriam “traidores” do programa conservador nos costumes, nacionalista, antiesquerdista e liberal na economia.
Na melhor das hipóteses, os oficiais com postos no governo são “isentistas”, não se engajam na verdadeira causa presidencial.
No pior dos casos, são “positivistas”, “progressistas” em costumes, “cientificistas”, em última análise propensos a aceitar causas “globalistas” (do aborto ao ambientalismo), quando não instrumentos ou cúmplices da esquerda, que os manipula para dividir a direita.
A batalha da Apex seria mero pretexto. Os militares quereriam é acabar com a alma do bolsonarismo autêntico.
Agência de comércio, que nem é bem governo, vira objeto de disputa odienta
Pouca gente sabia o que era a Apex até que a instituição se tornasse campo de sangue das batalhas intestinas do governo de Jair Bolsonaro.
Nos últimos dias, a disputa pelo poder na agência foi o motivo da nova onda de fúria dos bolsonaristas puros contra os militares, em especial contra o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo.
O que é que a Apex tem?
1) Dinheiro;
2) poder para fazer amigos no mundo empresarial.
3) está em território dominado pela ala antiestablishment do governo: no Itamaraty, sob influência de seguidores do youtuber Olavo de Carvalho.
Dois diretores ligados a Eduardo Bolsonaro foram demitidos pelo contra-almirante Sergio Segovia, terceiro presidente da Apex deste governo. A queda da diretora Leticia Catelani, bolsonarista de primeira hora, causou especial revolta, com campanha no Twitter e tudo.
Os bolsonaristas “raiz” dizem que Catelani despetizava a agência; dava cabo de gastos suspeitos e do esquerdismo. Ela mesma contou que resistia a pressões para manter “contratos espúrios” (de quem? Convém chamar a polícia). Teria caído por intervenção militar; Segovia seria apadrinhado de Santos Cruz, há semanas na caldeirinha das milícias virtuais.
A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex, não é propriamente órgão de governo. Foi um filho temporão e bastardo do sistema “S” (Sesi, Sesc etc.), criado pelo governo de Lula da Silva em 2003.
É entidade de direito privado, bancada por contribuições obrigatórias de empresas, como no restante do sistema “S”. Mas, na Apex, a maioria dos votos no conselho deliberativo é do governo.
O ministério responsável, ora o Itamaraty, aprova seu orçamento. No ano passado, recebeu quase R$ 500 milhões em contribuições sobre a folha salarial. Não é pouco dinheiro, que de resto não está sujeito a corte pelo Ministério da Economia.
A agência promove exportações. Gasta a maior parte de sua verba em convênios com associações empresariais, além de financiar feiras, eventos, missões de divulgação e a publicidade na mídia lá fora. Na prática, a Apex é uma estatal a fundo perdido, por assim dizer.
É difícil de entender o motivo de o governo se meter nisso, em promoção comercial privada. Existem órgãos públicos responsáveis pela promoção dos interesses comerciais do país. Caso as empresas assim o desejem, podem se associar a esses esforços oficiais, pesando custos e benefícios da iniciativa —privada.
No entanto, a agência se tornou objeto de disputa política extremista. Para bolsonaristas antiestablishment, a nomeação do almirante Segovia faz parte de uma ofensiva militar que tem como objetivo derrubar os adeptos autênticos de Bolsonaro. O próximo alvo seria o ministro das Relações Exteriores.
Os militares seriam “traidores” do programa conservador nos costumes, nacionalista, antiesquerdista e liberal na economia.
Na melhor das hipóteses, os oficiais com postos no governo são “isentistas”, não se engajam na verdadeira causa presidencial.
No pior dos casos, são “positivistas”, “progressistas” em costumes, “cientificistas”, em última análise propensos a aceitar causas “globalistas” (do aborto ao ambientalismo), quando não instrumentos ou cúmplices da esquerda, que os manipula para dividir a direita.
A batalha da Apex seria mero pretexto. Os militares quereriam é acabar com a alma do bolsonarismo autêntico.
"Escola não é curral" - GUILHERME FIUZA
GAZETA DO POVO - PR
06/05
"Alunos estão filmando professores em sala de aula para denunciá-los. E a prática está se espalhando. Nesse clima, pode acontecer tudo no ambiente do aprendizado, menos aprendizado. E por que essa reação extrema e indesejável está ocorrendo? Porque o tal do aprendizado, ele mesmo, já andava passeando na zona de prostituição da educação nacional.
Seria ótimo se isso fosse apenas um surto paranoico, uma lenda urbana ou uma dessas teorias conspiratórias que circulam amplamente por aí com ares de verdade. Miseravelmente não é o caso. Qualquer leitor desse texto terá mais de um caso para contar – envolvendo estudantes jovens, adolescentes e até crianças, no ensino público ou privado, na capital ou no interior. A transformação da sala de aula em palanque é uma praga no Brasil – um crime hediondo contra a liberdade intelectual, que é a mãe de todas as liberdades.
Já seria terrível se essa prostituição do aprendizado viesse de delinquentes de várias tribos, cada uma disputando as mentes em formação com seu falso credo. Mas é pior: trata-se de uma tribo só, fazendo o mesmíssimo tipo de proselitismo em todo o território nacional – portanto sem contraditório nem na contravenção. PT, PSOL e genéricos montaram um cartel de contrabando intelectual.
São anos e anos de pedagogia pirata cabeça adentro da garotada: os picaretas do MST são heróis da moderna revolução campesina, o Plano Real corresponde ao neoliberalismo que oprimiu os pobres, Lula matou a fome do povo porque já passou por isso na vida, os sindicatos parasitários são a salvação do trabalhador, o capitalismo é mau que nem pica-pau, a Europa é perversa e a África é boazinha, os índios são humanos e os brancos são desumanos, privatizar é roubar a população e quem realmente roubou a população aparece lindo na fotografia da resistência democrática contra a ditadura militar… Por aí vai.
Os alunos brasileiros passaram a se dividir basicamente em dois grupos: os que têm consciência do estupro e os que nem isso tem. Não que a consciência revogue os danos, mas com ela você pode ao menos tentar correr atrás do prejuízo e do tempo perdido. Os que não sabem que foram moral e intelectualmente estuprados terão de contar com a sorte para escapar de ser idiotas.
Duvida? Então siga com atenção as instruções para a comprovação imediata do sucesso desse massacre: olhe em volta. Você dará de cara com uma sociedade refém de dogmas “progressistas” tão vagabundos e reacionários quanto a demagogia politicamente correta – que nada mais é do que a mais perfeita encarnação da idiotia. Para quem estiver nauseado, um consolo mórbido: não é só no Brasil.
E o que acontece com o aluno que, em pleno comício do seu professor, comete a heresia do contraditório? (Atenção: não estamos falando na hipótese de o aluno dizer que o comício é comício; estamos falando apenas do ato de discordar das premissas do professor). O que acontece em virtualmente 100% desses casos é que o professor militante adota uma ou mais das opções a seguir contra o aluno (escolha a sua):
1. Desqualifica;
2. Menospreza;
3. Vocifera;
4. Ridiculariza;
5. Humilha.
Não adianta reclamar com o coordenador, nem com o diretor, nem com o Papa. Está tudo dominado pelo sindicato, que por uma enorme coincidência apoia os candidatos e políticos do PSOL, do PT e genéricos (PCdoB, PSB, PDT, Rede e demais democratas cenográficos) – candidatos e políticos esses que, por outra sublime coincidência, aparecem lindos de morrer em perfis dos professores nas redes sociais, com panfletagem descarada entre os alunos que são docemente constrangidos a aderir ao perfil do professor engajado (quando não é, ele mesmo, o candidato).
Esta é a autópsia da educação brasileira neste século, e ninguém deve ter dúvidas de que alunos acuados cairão cada vez mais na guerrilha da filmagem. A não ser que o Brasil decida (não o governo, o país) fazer o que não fez nas últimas décadas: retomar as salas de aula das mãos dos pastores partidários. Até porque escola não é curral."
06/05
"Alunos estão filmando professores em sala de aula para denunciá-los. E a prática está se espalhando. Nesse clima, pode acontecer tudo no ambiente do aprendizado, menos aprendizado. E por que essa reação extrema e indesejável está ocorrendo? Porque o tal do aprendizado, ele mesmo, já andava passeando na zona de prostituição da educação nacional.
Seria ótimo se isso fosse apenas um surto paranoico, uma lenda urbana ou uma dessas teorias conspiratórias que circulam amplamente por aí com ares de verdade. Miseravelmente não é o caso. Qualquer leitor desse texto terá mais de um caso para contar – envolvendo estudantes jovens, adolescentes e até crianças, no ensino público ou privado, na capital ou no interior. A transformação da sala de aula em palanque é uma praga no Brasil – um crime hediondo contra a liberdade intelectual, que é a mãe de todas as liberdades.
Já seria terrível se essa prostituição do aprendizado viesse de delinquentes de várias tribos, cada uma disputando as mentes em formação com seu falso credo. Mas é pior: trata-se de uma tribo só, fazendo o mesmíssimo tipo de proselitismo em todo o território nacional – portanto sem contraditório nem na contravenção. PT, PSOL e genéricos montaram um cartel de contrabando intelectual.
São anos e anos de pedagogia pirata cabeça adentro da garotada: os picaretas do MST são heróis da moderna revolução campesina, o Plano Real corresponde ao neoliberalismo que oprimiu os pobres, Lula matou a fome do povo porque já passou por isso na vida, os sindicatos parasitários são a salvação do trabalhador, o capitalismo é mau que nem pica-pau, a Europa é perversa e a África é boazinha, os índios são humanos e os brancos são desumanos, privatizar é roubar a população e quem realmente roubou a população aparece lindo na fotografia da resistência democrática contra a ditadura militar… Por aí vai.
Os alunos brasileiros passaram a se dividir basicamente em dois grupos: os que têm consciência do estupro e os que nem isso tem. Não que a consciência revogue os danos, mas com ela você pode ao menos tentar correr atrás do prejuízo e do tempo perdido. Os que não sabem que foram moral e intelectualmente estuprados terão de contar com a sorte para escapar de ser idiotas.
Duvida? Então siga com atenção as instruções para a comprovação imediata do sucesso desse massacre: olhe em volta. Você dará de cara com uma sociedade refém de dogmas “progressistas” tão vagabundos e reacionários quanto a demagogia politicamente correta – que nada mais é do que a mais perfeita encarnação da idiotia. Para quem estiver nauseado, um consolo mórbido: não é só no Brasil.
E o que acontece com o aluno que, em pleno comício do seu professor, comete a heresia do contraditório? (Atenção: não estamos falando na hipótese de o aluno dizer que o comício é comício; estamos falando apenas do ato de discordar das premissas do professor). O que acontece em virtualmente 100% desses casos é que o professor militante adota uma ou mais das opções a seguir contra o aluno (escolha a sua):
1. Desqualifica;
2. Menospreza;
3. Vocifera;
4. Ridiculariza;
5. Humilha.
Não adianta reclamar com o coordenador, nem com o diretor, nem com o Papa. Está tudo dominado pelo sindicato, que por uma enorme coincidência apoia os candidatos e políticos do PSOL, do PT e genéricos (PCdoB, PSB, PDT, Rede e demais democratas cenográficos) – candidatos e políticos esses que, por outra sublime coincidência, aparecem lindos de morrer em perfis dos professores nas redes sociais, com panfletagem descarada entre os alunos que são docemente constrangidos a aderir ao perfil do professor engajado (quando não é, ele mesmo, o candidato).
Esta é a autópsia da educação brasileira neste século, e ninguém deve ter dúvidas de que alunos acuados cairão cada vez mais na guerrilha da filmagem. A não ser que o Brasil decida (não o governo, o país) fazer o que não fez nas últimas décadas: retomar as salas de aula das mãos dos pastores partidários. Até porque escola não é curral."
Esquecendo o necessário - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 08/05
No início deste mês de maio, o banco Goldman Sachs, com sede nos Estados Unidos, autor de análises de alto nível sobre a economia mundial, publicou um relatório sob o título O Brasil caminha para a segunda década perdida em 40 anos. O título é um pouco estranho, pois o banco diz textualmente que, em suas estimativas, o crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) por habitante entre 1981 e 2020 deve ficar, na média, em torno de 0,8% ao ano. A considerar que o período abrangido são os últimos 40 anos, o crescimento medíocre mostra que o Brasil terá perdido quatro décadas, não duas. A afirmação do Goldman Sachs de que o país poderá ter a segunda década perdida decorre de que houve períodos de crescimento, mas duas décadas foram tão negativas – os anos 1981-1990 e os anos a 2011-2020 – que os períodos de crescimento foram anulados pelo tamanho da recessão dessas duas décadas em particular.
O relatório coloca alguns verbos no condicional mais por precaução redacional do que por haver possibilidade de o Brasil se recuperar e não incorrer em desempenho tão fraco. Essa cautela é apenas uma gentileza desnecessária, pois o país está diante de apenas um ano e oito meses para encerrar a atual década e não há milagre capaz de, até o fim de 2020, reverter o baixo crescimento médio dos últimos quarenta anos. Essa taxa média de 0,8% de aumento do PIB é tão mais pífia quando se considera que a população brasileira em 1980 era de 120 milhões e terminará 2020 com 209,7 milhões. É um resultado decepcionante para um país que dispunha das condições suficientes para crescer e superar a pobreza, mas terminará a segunda década deste século bastante atrasado e pobre.
Em editoriais anteriores neste espaço, este jornal já vinha alertando para a ocorrência do mau desempenho que o relatório do Goldman Sachs agora traz à tona, bem como sobre a necessidade de sociedade e governo trabalharem para que o Brasil pare de desperdiçar oportunidades de sair do estado de pobreza, o que depende de políticas, práticas e reformas cuja necessidade são um consenso nacional, mas que o país nunca concretiza. O economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, afirma que "a realidade marcante e desconfortável é que o crescimento da renda real per capita do Brasil desapontou durante as últimas quatro décadas", acrescentando que a expansão do PIB foi uma decepção em 2017 e 2018, a recessão de 2015 e 2016 foi a mais grave nos últimos 100 anos e a recuperação depois da recessão foi muito fraca.
O Ministro da Economia, Paulo Guedes, vem explicando a vários públicos que todos os governos das últimas cinco décadas cometeram o mesmo erro, cujo preço político foram derrotas eleitorais na sequência. Os efeitos desse erro estão no baixo crescimento do PIB, na pobreza e no atraso do país. Trata-se do fato de que todos os governos, ainda que tendo políticas econômicas diferentes, tiveram política fiscal frouxa, com déficits públicos crônicos, inchaço do setor público e explosão de dívida governamental, coisas que, Guedes lembra, geram inevitavelmente elevação de juros e elevação de impostos, o que transforma o país no paraíso de bancos e rentistas, enquanto prejudica empreendedores e desestimula a criação de negócios.
O ministro lembra que, mesmo na gestão de Fernando Henrique Cardoso, quando o país teve vitória espetacular no combate à inflação e uma política monetária eficiente, o governo não fez a reforma do Estado, não diminuiu o tamanho do setor público em seu conjunto, não eliminou os déficits fiscais, a dívida explodiu e o PSDB, partido do governo, perdeu as cinco eleições presidenciais seguintes. Lula e Dilma também incorreram no mesmo erro, além de outros peculiares a cada um deles, o governo cresceu, a máquina estatal inchou, os déficits fiscais continuaram e a dívida pública explodiu, e o PT terminou seus quatro mandatos de forma melancólica no campo econômico, no campo político e no campo jurídico-moral.
Pois, com outras palavras, é exatamente isso que diz o relatório do banco Goldman Sachs. Os governantes, e até mesma a sociedade, não tiveram a real percepção de que o Estado brasileiro cresceu e se atrofiou, tornando-se um monstro perdulário, endividado e caro para a sociedade. E o banco alerta que, enquanto o país não fizer a reforma fiscal e a reforma do Estado, as chances de crescer e superar o atraso são quase nulas. O não reconhecimento da falência estatal em todas esferas – municípios, estados e União – pode manter o país nessa situação de uma nação que, apesar de recursos naturais abundantes, patinará no subdesenvolvimento econômico e social. Tanto para o Ministro Paulo Guedes quanto para o banco Goldman Sachs, todos os governos dos últimos 50 anos esqueceram o necessário: o equilíbrio fiscal, o controle da dívida e o controle do crescimento do setor estatal.
Fardados caem na armadilha que montaram - IGOR GIELOW
Folha de S. Paulo - 08/05
Restou a oficiais da ativa demonstrarem desconforto com a presença no governo que abraçaram
O imbróglio envolvendo os militares e a ala ideológica do governo Jair Bolsonaro retrata à perfeição a armadilha na qual as Forças Armadas caíram ao associarem-se ao capitão reformado.
Mesmo sem fazer campanha aberta ou sustentar a campanha, como a esquerda diz ter ocorrido, as Forças Armadas se viram irrefutavelmente ligadas ao então polêmico presidenciável.
Menos pela origem militar de Bolsonaro, que deixou o Exército com fama de indisciplinado, e mais pela crescente aproximação entre ele e os fardados de 2017 em frente.
Naquele ano, generais e outros oficiais da reserva, comandos por Augusto Heleno, abraçaram a candidatura. Previram com razão que ocupariam espaços importantes na administração, estruturaram ações de governo.
Até aí, é o que acontece em sociedades mais avançadas, como os Estados Unidos, onde quadros qualificados trocam fardas por roupas civis sem grandes constrangimentos.
As forças da ativa mantiveram uma distância desconfiada do movimento, temendo perder o capital de confiabilidade que amealharam após anos do que consideram humilhação pública durante a redemocratização pós-1985.
Quando ficou claro que Bolsonaro era a alternativa viável contra o PT, partido que se afastou dos militares após decisões desastrosas durante o governo Dilma Rousseff, a ativa obviamente não fez campanha, mas consolidou a bênção a Bolsonaro.
O capitão rebelde dos anos 1980 estava reabilitado, ainda que mesmo após a eleição comentários sobre sua falta de preparo como risco à imagem da instituição tomaram corpo. Foram enfim vocalizados em uma entrevista à Folha em novembro de 2018 pelo general Eduardo Villas Bôas, o então comandante do Exército.
Ali Villas Bôas tentou colocar uma linha separando as Forças do governo Bolsonaro. Tentou, pois mesmo lá já admitia a associação inevitável. Como ele disse ao jornal O Estado de S. Paulo nesta terça (7): a fatura de uma má gestão cairá no colo dos militares, ainda que em parte.
Começa o governo e o espraiamento dos fardados se dá como previsto. O antes contestado Hamilton Mourão acabou tornando-se um norte na cadeira de vice, por ser indemissível, embora ainda seja visto com reservas por oficiais das três Forças.
E formou-se a famosa ala militar, que na verdade são várias, inclusive aí a poderosa ativa encarnada em sua instância mais forte, o Alto Comando do Exército. Heleno sempre reclama do termo porque ele mesmo é uma ala em si, trabalhando de forma a mediar conflitos.
O insondável para os militares era o poder da ala ideológica —ou antiestablishment, como a nomeou o assessor de Bolsonaro Filipe Martins.
Ela tem no governo o Itamaraty e o Ministério da Educação, mas sua força real reside em 2 dos 3 filhos políticos do presidente, o deputado Eduardo e o vereador Carlos.
E eles fizeram emergir o escritor Olavo de Carvalho, que da relativa obscuridade de seu retiro norte-americano foi alçado com as conhecidas táticas de guerrilha digital capitaneadas por Carlos ao posto de antagonista-mor dos militares em torno de Bolsonaro.
O vereador carioca fez sua parte no conflito, mirando especificamente Mourão, a quem acusa de ser um traidor à espera da hora de agir. Enquanto isso, Olavo fazia suas diatribes em rede social, irritando fardados e os fazendo cobrar o presidente por algum tipo de enquadramento do escritor e de seu filho.
Não conseguiram nada além de uma nota lida pelo general porta-voz de Bolsonaro, que ainda assim só reclamava levemente de Olavo. Nada sobre o filho. A crise só se agravou, culminando com a volta de Villas Bôas, dando um recado duro contra o escritor —que era direcionado, ao fim, ao grupo da família presidencial.
Bolsonaro deu de ombros e, no Twitter, defendeu Olavo na manhã desta terça. Fez o mesmo à tarde. O escritor, nesse sentido, virou um espantalho útil: incomoda os militares sem obrigá-los a criticar os filhos do presidente, se não ele próprio.
O ponto mais nevrálgico é a política externa, na qual os militares já intervieram para evitar que o alinhamento ao governo de Donald Trump faça maiores estragos.
Ainda assim, com limites: na véspera do último capítulo da crise venezuelana, o chanceler indicado por Olavo esteve em consultas com seus amigos em Washington.
Pela natureza destrutiva desse núcleo duro do bolsonarismo, retroalimentada por estratégias em redes sociais, restou a oficiais da ativa demonstrarem desconforto com a presença no governo que abraçaram.
Alguns falam que os nomes da reserva deviam deixar o governo, proposição antes impensável e que abriria a "fatura" citada por Villas Bôas.
Os caminhos para os fardados hoje são essa ruptura, um acordo patrocinado por Bolsonaro com os ideológicos ou aceitar que são vistos como adversários pelo círculo íntimo do presidente.
Restou a oficiais da ativa demonstrarem desconforto com a presença no governo que abraçaram
O imbróglio envolvendo os militares e a ala ideológica do governo Jair Bolsonaro retrata à perfeição a armadilha na qual as Forças Armadas caíram ao associarem-se ao capitão reformado.
Mesmo sem fazer campanha aberta ou sustentar a campanha, como a esquerda diz ter ocorrido, as Forças Armadas se viram irrefutavelmente ligadas ao então polêmico presidenciável.
Menos pela origem militar de Bolsonaro, que deixou o Exército com fama de indisciplinado, e mais pela crescente aproximação entre ele e os fardados de 2017 em frente.
Naquele ano, generais e outros oficiais da reserva, comandos por Augusto Heleno, abraçaram a candidatura. Previram com razão que ocupariam espaços importantes na administração, estruturaram ações de governo.
Até aí, é o que acontece em sociedades mais avançadas, como os Estados Unidos, onde quadros qualificados trocam fardas por roupas civis sem grandes constrangimentos.
As forças da ativa mantiveram uma distância desconfiada do movimento, temendo perder o capital de confiabilidade que amealharam após anos do que consideram humilhação pública durante a redemocratização pós-1985.
Quando ficou claro que Bolsonaro era a alternativa viável contra o PT, partido que se afastou dos militares após decisões desastrosas durante o governo Dilma Rousseff, a ativa obviamente não fez campanha, mas consolidou a bênção a Bolsonaro.
O capitão rebelde dos anos 1980 estava reabilitado, ainda que mesmo após a eleição comentários sobre sua falta de preparo como risco à imagem da instituição tomaram corpo. Foram enfim vocalizados em uma entrevista à Folha em novembro de 2018 pelo general Eduardo Villas Bôas, o então comandante do Exército.
Ali Villas Bôas tentou colocar uma linha separando as Forças do governo Bolsonaro. Tentou, pois mesmo lá já admitia a associação inevitável. Como ele disse ao jornal O Estado de S. Paulo nesta terça (7): a fatura de uma má gestão cairá no colo dos militares, ainda que em parte.
Começa o governo e o espraiamento dos fardados se dá como previsto. O antes contestado Hamilton Mourão acabou tornando-se um norte na cadeira de vice, por ser indemissível, embora ainda seja visto com reservas por oficiais das três Forças.
E formou-se a famosa ala militar, que na verdade são várias, inclusive aí a poderosa ativa encarnada em sua instância mais forte, o Alto Comando do Exército. Heleno sempre reclama do termo porque ele mesmo é uma ala em si, trabalhando de forma a mediar conflitos.
O insondável para os militares era o poder da ala ideológica —ou antiestablishment, como a nomeou o assessor de Bolsonaro Filipe Martins.
Ela tem no governo o Itamaraty e o Ministério da Educação, mas sua força real reside em 2 dos 3 filhos políticos do presidente, o deputado Eduardo e o vereador Carlos.
E eles fizeram emergir o escritor Olavo de Carvalho, que da relativa obscuridade de seu retiro norte-americano foi alçado com as conhecidas táticas de guerrilha digital capitaneadas por Carlos ao posto de antagonista-mor dos militares em torno de Bolsonaro.
O vereador carioca fez sua parte no conflito, mirando especificamente Mourão, a quem acusa de ser um traidor à espera da hora de agir. Enquanto isso, Olavo fazia suas diatribes em rede social, irritando fardados e os fazendo cobrar o presidente por algum tipo de enquadramento do escritor e de seu filho.
Não conseguiram nada além de uma nota lida pelo general porta-voz de Bolsonaro, que ainda assim só reclamava levemente de Olavo. Nada sobre o filho. A crise só se agravou, culminando com a volta de Villas Bôas, dando um recado duro contra o escritor —que era direcionado, ao fim, ao grupo da família presidencial.
Bolsonaro deu de ombros e, no Twitter, defendeu Olavo na manhã desta terça. Fez o mesmo à tarde. O escritor, nesse sentido, virou um espantalho útil: incomoda os militares sem obrigá-los a criticar os filhos do presidente, se não ele próprio.
O ponto mais nevrálgico é a política externa, na qual os militares já intervieram para evitar que o alinhamento ao governo de Donald Trump faça maiores estragos.
Ainda assim, com limites: na véspera do último capítulo da crise venezuelana, o chanceler indicado por Olavo esteve em consultas com seus amigos em Washington.
Pela natureza destrutiva desse núcleo duro do bolsonarismo, retroalimentada por estratégias em redes sociais, restou a oficiais da ativa demonstrarem desconforto com a presença no governo que abraçaram.
Alguns falam que os nomes da reserva deviam deixar o governo, proposição antes impensável e que abriria a "fatura" citada por Villas Bôas.
Os caminhos para os fardados hoje são essa ruptura, um acordo patrocinado por Bolsonaro com os ideológicos ou aceitar que são vistos como adversários pelo círculo íntimo do presidente.
Fábrica de crises - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 08/05
Bolsonaro atiça futricas e adula facção em cruzada delirante contra militares
Com o Brasil ameaçado pelo retorno da recessão, já deveria estar clara para as lideranças a relação entre fiasco econômico e instabilidade política. Deveria, mas não está, como o demonstra o comportamento do presidente da República.
Jair Bolsonaro (PSL) é fonte de incertezas. Sob seu comando, o Planalto desponta como a mais prolífica fábrica de crises nacionais.
O supremo mandatário estimula bate-bocas sobre o nada, promove futricas acerca de coisa nenhuma, desperdiça tempo a adular uma facção amalucada, na qual estão incluídos seus filhos, que deliram numa cruzada de botequim contra a elite das Forças Armadas.
Neste fim de semana, a comunicação do presidente da República foi o veículo de nova estocada dessa banda de lunáticos contra o ministroCarlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo).
Instado pela exumação de trecho de uma entrevista velha do general e pela leitura enviesada também inventada por aquela franja de boçais, de que ele ali defendera o controle de mídias sociais, o chefe do Executivo publicou uma admoestação oblíqua ao seu ministro.
Seu governo, escreveu Bolsonaro, não promoveria regulação das redes sociais. Àquela altura, Santos Cruz já era alvo de mais uma campanha de insultos, promovida entre outros pelo ideólogo Olavo de Carvalho, que nada costuma fazer apartado dos filhos do presidente, em especial do vereador Carlos.
A incapacidade, ou a falta de vontade, de Jair Bolsonaro de colocar um freio na sua turma reforçou-se nesta terça (7), quando voltou a divulgar palavras de admiração a Olavo, que fora criticado pela maior liderança moral do Exército, o ex-comandante e general da reserva Eduardo Villas Bôas.
O tal guru presidencial não se fez de envergonhado e pôs-se novamente a enxovalhar o comando do Exército, criticando-o por escudar-se num “doente preso a uma cadeira de rodas” —Villas Bôas sofre de uma doença degenerativa.
De um copo d’água, Jair Bolsonaro conseguiu fazer outra tempestade. Inimigos do Congresso, do Supremo e dos corpos regulares do Estado, os celerados do Twitter esfregam as mãos. Com a ajuda do presidente, expuseram oficiais das Forças Armadas, dentro e fora do governo, à humilhação.
A saída do governo de quadros como Santos Cruz significaria um triunfo para esse nicho autoritário. A sua permanência, no entanto, torna-se cada vez mais custosa, dada a doçura que o chefe de Estado dispensa aos arruaceiros que orquestram a difamação dos oficiais.
Tudo isso reforça a percepção geral de bagunça e falta de rumo no governo federal. O Brasil não retomará o crescimento nesse ambiente. Arrisca-se, pelo contrário, a enveredar por uma nova espiral de destruição de renda e empregos.
Bolsonaro atiça futricas e adula facção em cruzada delirante contra militares
Com o Brasil ameaçado pelo retorno da recessão, já deveria estar clara para as lideranças a relação entre fiasco econômico e instabilidade política. Deveria, mas não está, como o demonstra o comportamento do presidente da República.
Jair Bolsonaro (PSL) é fonte de incertezas. Sob seu comando, o Planalto desponta como a mais prolífica fábrica de crises nacionais.
O supremo mandatário estimula bate-bocas sobre o nada, promove futricas acerca de coisa nenhuma, desperdiça tempo a adular uma facção amalucada, na qual estão incluídos seus filhos, que deliram numa cruzada de botequim contra a elite das Forças Armadas.
Neste fim de semana, a comunicação do presidente da República foi o veículo de nova estocada dessa banda de lunáticos contra o ministroCarlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo).
Instado pela exumação de trecho de uma entrevista velha do general e pela leitura enviesada também inventada por aquela franja de boçais, de que ele ali defendera o controle de mídias sociais, o chefe do Executivo publicou uma admoestação oblíqua ao seu ministro.
Seu governo, escreveu Bolsonaro, não promoveria regulação das redes sociais. Àquela altura, Santos Cruz já era alvo de mais uma campanha de insultos, promovida entre outros pelo ideólogo Olavo de Carvalho, que nada costuma fazer apartado dos filhos do presidente, em especial do vereador Carlos.
A incapacidade, ou a falta de vontade, de Jair Bolsonaro de colocar um freio na sua turma reforçou-se nesta terça (7), quando voltou a divulgar palavras de admiração a Olavo, que fora criticado pela maior liderança moral do Exército, o ex-comandante e general da reserva Eduardo Villas Bôas.
O tal guru presidencial não se fez de envergonhado e pôs-se novamente a enxovalhar o comando do Exército, criticando-o por escudar-se num “doente preso a uma cadeira de rodas” —Villas Bôas sofre de uma doença degenerativa.
De um copo d’água, Jair Bolsonaro conseguiu fazer outra tempestade. Inimigos do Congresso, do Supremo e dos corpos regulares do Estado, os celerados do Twitter esfregam as mãos. Com a ajuda do presidente, expuseram oficiais das Forças Armadas, dentro e fora do governo, à humilhação.
A saída do governo de quadros como Santos Cruz significaria um triunfo para esse nicho autoritário. A sua permanência, no entanto, torna-se cada vez mais custosa, dada a doçura que o chefe de Estado dispensa aos arruaceiros que orquestram a difamação dos oficiais.
Tudo isso reforça a percepção geral de bagunça e falta de rumo no governo federal. O Brasil não retomará o crescimento nesse ambiente. Arrisca-se, pelo contrário, a enveredar por uma nova espiral de destruição de renda e empregos.
Um estranho estado de ânimo - PAULO DELGADO
O Estado de S. Paulo - 08/05
A sociedade embarcou na onda da conspiração abstrata: o real é caro, barato é o virtual
O mundo está adquirindo outra feição. A forte preferência política pela distração impôs a regra: todos viram, ninguém viu. A impressão que dá é que se alguém despertar tudo pode evaporar. Há algum tempo andorinhas não governam. Não é falha da razão, nem resultado da pobreza da curta experiência democrática. É um subproduto do fato de as atitudes predominantes na vida das pessoas se terem tornado cópias de comportamentos digitais. A moral moderna ainda não está codificada, mas seus memorandos presentes na navegação online, com a universalização de informações, ressentimentos diversos e a desatualização periódica de todos os sistemas de intermediação e valores, indicam uma formatação futura onde não haverá quem testemunhe pela testemunha. A internet é o inconsciente a céu aberto.
Volodymyr Zelenski, de 41 anos, toma posse como presidente da Ucrânia agora em maio. O comediante fez sua campanha nas redes sociais com um discurso sintetizado no último verso do soneto 121 de Shakespeare: o homem é mau e reina na maldade. Ganhou de lavada. A Ucrânia está no centro das disputas que se travam no mundo desde a crise econômica iniciada em 2008. Foi na Ucrânia que a Rússia usou o Exército para mandar um recado à Otan: tirem as botas do Leste Europeu. Em 2014 Moscou anexou a Crimeia, península ucraniana no Mar Negro.
A ascensão de Zelenski é mais um sintoma de uma baita crise sem solução iniciada pelo manejo econômico centralizado e impulsionada pelo desassossego (in)fértil da internet. É um presságio de que dias piores virão. Tudo começou quando Ben Bernanke, presidente do Banco Central americano (Fed) de 2006 a 2014, quis parecer a pessoa na hora certa, no lugar certo. Estudioso das recessões econômicas, Bernanke afirmou que não estava disposto a permitir uma segunda grande depressão nos EUA. No meio de um mundo em que o Estado, desorientado, briga com o capital, Bernanke tirou da cartola uma ideia chamada afrouxamento quantitativo e inundou o mundo do desejo de se aliviar, sem esforço.
A ideia foi comprada pelos sete países mais ricos. E empurrada garganta abaixo do G-20 como uma generosa decisão de fraternidade internacional. O Brasil não reagiu estrategicamente e saiu comprando carro sem ter garagem. Os bancos centrais dos países ricos passaram de cerca de US$ 3 trilhões de crédito a receber do mercado em 2007 para mais de US$ 14 trilhões em 2018. Operações de empréstimo a juro zero ou mesmo negativo viraram mantra. Quem recebeu o esplendoroso “afrouxamento” foram o sistema financeiro e suas conexões. Bernanke acreditava que inundar os ricos de dinheiro evitaria a estagnação econômica e o empobrecimento da população.
Como a economia não secou, funcionou artificialmente encharcada alguns anos até virar o estopim da crise global que dura até hoje. O vaso da economia mundial se estilhaçou, a política de potências esfarelou-se e a gula do mundo online explodiu, impondo aos jovens duas falácias desestruturantes: 1) basta a posse, deixe a propriedade comigo; 2) derrube tudo, o inimigo é a política. A sociedade embarcou na onda da conspiração abstrata: o real é caro, barato é o virtual. A crise não passa porque o mundo está querendo enfrentar ideias antigas, protecionistas ou antissociais, com mágica, ancorando gratuidade na concentração de renda e fazendo-se servil ao distributivismo digital. Mas a economia, diferente da política, só funciona se não tiver amigos.
Por quê? Porque riqueza não se produz nem de imediato, nem de graça. A globalização produtiva gera trabalho e oportunidade, é coisa real que traz valor, inovação e desenvolvimento. Contra isso os US$ 14 trilhões emprestados ao mercado foram tragados pelo laguinho egoísta do sistema financeiro e dos amigos da gratuidade. Agentes e grupos transnacionais estão intensificando suas brigas dentro de todos os países para impedir a cooperação internacional e o pacto pela nova sustentabilidade produtiva. Sem botar a cara de fora, por trás da santificada rede social, usam seus usuários, de graça, na luta pelo caos improdutivo.
Enquanto isso, o poder real vai aperfeiçoando os sistemas de mísseis, para botar ordem física na bagunça criada pela economia virtual. Anomias que engolem anomias e produzem novas anomias. Estamos vivendo as várias etapas de uma revolução suicida, em que quem ajuda a destruir o primeiro círculo é destruído pela segunda onda, que será então pela terceira, quarta, até chegar ao impasse violento. Tudo isso sem reflexão, a deusa da facilidade, simplesmente porque depois da internet ninguém olha mais para os pés.
Aqui voltamos à Rússia e à Ucrânia, que será governada por um contador de anedotas. O governo russo desde 2008 é o mais estável do mundo, com Putin, o maior apoiador dos movimentos digitais antiestablishment na Europa. Aliás, líderes desestabilizadores e estáveis somente ele e Netanyahu em Israel, outro homem das nuvens. A alemã Merkel balança, mas para manter a Alemanha no topo da Europa não se importa com a destruição da União Europeia. Algo que a aproxima de Trump, poderoso usuário dessa metralhadora online que vem limando a confiança do mundo em suas regras comuns e instituições coletivas.
Em meio à armadilha pelo afrouxamento quantitativo, Moscou vai semeando a discórdia onde pode para abalar as estruturas do disponível homem das redes. Apoia qualquer grupo comprometido com avacalhar e dilapidar o mundo que está aí. Inclusive com a eleição de Zelenski, que recebeu apoio de Israel, inimigo da Síria, aliada da Rússia...
Zelenski é nuvem caótica. Com a simpatia da Otan e o deslumbramento da população, tensiona o que ainda resta dos contornos do mundo das potências. Confusões nada liberais para provocar a inflexão final – quando será? – aproveitando o rastilho de pólvora que queima desde 2008.
A sociedade embarcou na onda da conspiração abstrata: o real é caro, barato é o virtual
O mundo está adquirindo outra feição. A forte preferência política pela distração impôs a regra: todos viram, ninguém viu. A impressão que dá é que se alguém despertar tudo pode evaporar. Há algum tempo andorinhas não governam. Não é falha da razão, nem resultado da pobreza da curta experiência democrática. É um subproduto do fato de as atitudes predominantes na vida das pessoas se terem tornado cópias de comportamentos digitais. A moral moderna ainda não está codificada, mas seus memorandos presentes na navegação online, com a universalização de informações, ressentimentos diversos e a desatualização periódica de todos os sistemas de intermediação e valores, indicam uma formatação futura onde não haverá quem testemunhe pela testemunha. A internet é o inconsciente a céu aberto.
Volodymyr Zelenski, de 41 anos, toma posse como presidente da Ucrânia agora em maio. O comediante fez sua campanha nas redes sociais com um discurso sintetizado no último verso do soneto 121 de Shakespeare: o homem é mau e reina na maldade. Ganhou de lavada. A Ucrânia está no centro das disputas que se travam no mundo desde a crise econômica iniciada em 2008. Foi na Ucrânia que a Rússia usou o Exército para mandar um recado à Otan: tirem as botas do Leste Europeu. Em 2014 Moscou anexou a Crimeia, península ucraniana no Mar Negro.
A ascensão de Zelenski é mais um sintoma de uma baita crise sem solução iniciada pelo manejo econômico centralizado e impulsionada pelo desassossego (in)fértil da internet. É um presságio de que dias piores virão. Tudo começou quando Ben Bernanke, presidente do Banco Central americano (Fed) de 2006 a 2014, quis parecer a pessoa na hora certa, no lugar certo. Estudioso das recessões econômicas, Bernanke afirmou que não estava disposto a permitir uma segunda grande depressão nos EUA. No meio de um mundo em que o Estado, desorientado, briga com o capital, Bernanke tirou da cartola uma ideia chamada afrouxamento quantitativo e inundou o mundo do desejo de se aliviar, sem esforço.
A ideia foi comprada pelos sete países mais ricos. E empurrada garganta abaixo do G-20 como uma generosa decisão de fraternidade internacional. O Brasil não reagiu estrategicamente e saiu comprando carro sem ter garagem. Os bancos centrais dos países ricos passaram de cerca de US$ 3 trilhões de crédito a receber do mercado em 2007 para mais de US$ 14 trilhões em 2018. Operações de empréstimo a juro zero ou mesmo negativo viraram mantra. Quem recebeu o esplendoroso “afrouxamento” foram o sistema financeiro e suas conexões. Bernanke acreditava que inundar os ricos de dinheiro evitaria a estagnação econômica e o empobrecimento da população.
Como a economia não secou, funcionou artificialmente encharcada alguns anos até virar o estopim da crise global que dura até hoje. O vaso da economia mundial se estilhaçou, a política de potências esfarelou-se e a gula do mundo online explodiu, impondo aos jovens duas falácias desestruturantes: 1) basta a posse, deixe a propriedade comigo; 2) derrube tudo, o inimigo é a política. A sociedade embarcou na onda da conspiração abstrata: o real é caro, barato é o virtual. A crise não passa porque o mundo está querendo enfrentar ideias antigas, protecionistas ou antissociais, com mágica, ancorando gratuidade na concentração de renda e fazendo-se servil ao distributivismo digital. Mas a economia, diferente da política, só funciona se não tiver amigos.
Por quê? Porque riqueza não se produz nem de imediato, nem de graça. A globalização produtiva gera trabalho e oportunidade, é coisa real que traz valor, inovação e desenvolvimento. Contra isso os US$ 14 trilhões emprestados ao mercado foram tragados pelo laguinho egoísta do sistema financeiro e dos amigos da gratuidade. Agentes e grupos transnacionais estão intensificando suas brigas dentro de todos os países para impedir a cooperação internacional e o pacto pela nova sustentabilidade produtiva. Sem botar a cara de fora, por trás da santificada rede social, usam seus usuários, de graça, na luta pelo caos improdutivo.
Enquanto isso, o poder real vai aperfeiçoando os sistemas de mísseis, para botar ordem física na bagunça criada pela economia virtual. Anomias que engolem anomias e produzem novas anomias. Estamos vivendo as várias etapas de uma revolução suicida, em que quem ajuda a destruir o primeiro círculo é destruído pela segunda onda, que será então pela terceira, quarta, até chegar ao impasse violento. Tudo isso sem reflexão, a deusa da facilidade, simplesmente porque depois da internet ninguém olha mais para os pés.
Aqui voltamos à Rússia e à Ucrânia, que será governada por um contador de anedotas. O governo russo desde 2008 é o mais estável do mundo, com Putin, o maior apoiador dos movimentos digitais antiestablishment na Europa. Aliás, líderes desestabilizadores e estáveis somente ele e Netanyahu em Israel, outro homem das nuvens. A alemã Merkel balança, mas para manter a Alemanha no topo da Europa não se importa com a destruição da União Europeia. Algo que a aproxima de Trump, poderoso usuário dessa metralhadora online que vem limando a confiança do mundo em suas regras comuns e instituições coletivas.
Em meio à armadilha pelo afrouxamento quantitativo, Moscou vai semeando a discórdia onde pode para abalar as estruturas do disponível homem das redes. Apoia qualquer grupo comprometido com avacalhar e dilapidar o mundo que está aí. Inclusive com a eleição de Zelenski, que recebeu apoio de Israel, inimigo da Síria, aliada da Rússia...
Zelenski é nuvem caótica. Com a simpatia da Otan e o deslumbramento da população, tensiona o que ainda resta dos contornos do mundo das potências. Confusões nada liberais para provocar a inflexão final – quando será? – aproveitando o rastilho de pólvora que queima desde 2008.
Os sabotadores - ROSÂNGELA BITTAR
Valor Econômico - 08/05
O desgoverno é o caldeirão fervente e suas engrenagens
Neste circo em que se transformou o governo Bolsonaro (com pedido de perdão aos circos, ícones da infância mas aqui referidos como símbolos da fuzarca), onde têm espaço nobre o globo da morte, o engolidor de fogo, vamos reservar em banho-maria, por alguns momentos, Olavo, Carlos, Eduardo, Ernesto, Vélez, Weintraub e tantos outros personagens que invadiram a política brasileira e os escalões do serviço público, de armas e bagagem. Especialmente de armas, insultos, prepotência e outros ruídos nos quatro primeiros meses do ano.
É o presidente da República Jair Bolsonaro, e não eles, o principal responsável por tudo o que se passa: a disputa violenta de poder do grupo tuiteiro que liderou sua campanha; a paralisia da administração pública; a dissintonia com o Congresso; as crises pré-fabricadas uma após outra, com os mesmos ingredientes; a falta de comando.
Portanto, Bolsonaro não é vítima desse esquema de sabotagem ao governo formulado por Olavo de Carvalho e executado pelos filhos do presidente. É coautor. É agente ativo e, com sua frouxidão, participa do processo de humilhação impingido aos militares e ministros do núcleo de poder presidencial, atacados pelos que estão sob a proteção da distância virtual.
E por que os generais convidados por Bolsonaro a integrar o governo se submetem a isso? Aí estaria uma boa resposta para elucidar muito do que pensa o grupo sobre sua missão neste governo.
Na verdade, já havia notícias: os militares estavam cheios, pelo pescoço, elocubrando sobre rumo coletivo, mas os ataques que sofreram no último mês foram tão violentos e gratuitos, e o presidente ficou tão inerte, que até fortaleceram seus laços corporativos.
Até o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, considerado o conselheiro mais onipresente e próximo do presidente da República, já parecia entediado com a falta de impulso do governo e com a falta de pulso do presidente para lidar com as crises pré-fabricadas por Olavo Carvalho e Carlos Bolsonaro. A expectativa até a semana passada, quando o general foi fotografado de olhos fechados em duas solenidades, era que a perda de interesse tinha chegado ao seu ponto máximo, o enfado.
Parecem agora revigorados. Para isso contribuiu muito a reação do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, que à falta de presidente assumiu a defesa dos militares e, portanto, do governo, partindo para a ofensiva contra Olavo.
Bolsonaro, porém, não assumiu nada explicitamente, nem o governo, e continua adulando o grupo de rebelados sem causa. Deu ao expoente da direita que ministra cursos na internet a maior condecoração que o governo poderia dar, no auge da violência verbal escatológica contra os ministros militares. Seu filho vereador vangloria-se das frituras que promoveu com sucesso. E o governo inteiro fica estático, assistindo ao espetáculo.
Os sabotadores não têm porque parar: fritaram Gustavo Bebianno, ele caiu: fritaram Ricardo Vélez, do seu grupo mas perdendo o controle do poder sobre a Educação, caiu e foi substituído por outro da estirpe; fritaram dois presidentes da Apex, que caíram; tentaram o impeachment do vice-presidente Hamilton Mourão pelas mãos do amigo de Olavo, deputado e pastor Marco Feliciano, mas a decisão era do presidente da Câmara, que engavetou. E agora concentram sua força na derrubada do ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz.
O desgaste levou à perda de poder do grupo com cargos no Planalto e à insegurança com relação ao destino do governo. Mas não enfraqueceu só os militares. Reduziu o governo Bolsonaro a uma briga de baixo nível e desmoralizou a própria tropa olavista pela incapacidade de ter compostura numa disputa a sério.
É fácil ofender, insultar pela rede social. O professor da internet não consegue condensar em frases curtas exigidas pelo Twitter toda a sua vã filosofia. Parte para a ignorância, o murro, o soco. A galera da arquibancada bolsonarista gosta, bate palma e pede bis. Mas o governo não põe a cabeça fora dágua. A desproporção torna tudo muito irreal e a impressão é que isso não deve durar muito tempo mais, algo terá que acontecer, de bom ou de ruim. Pois a fábrica de crises continua de pé: Olavo inventa um alvo, um tema, e Carlos Bolsonaro executa. Com o pai impedido de agir abertamente, o irmão sempre aparece para socorrê-los.
O presidente concorda com o que faz o grupo, senão já teria seu governo profissionalizado com o afastamento dos que estão brincando de clube do tiro.
As notícias que saem do Planalto para o Congresso preocupam os partidos. Muitos acham que o caminho tomado pelo presidente está meio sem volta, já não tem conserto. Ninguém governa o presidente nem se nomeia conselheiro. Ele é senhor de sua atuação.
A paralisia do Executivo e do Congresso dão a impressão que ainda não houve posse. O Ministério da Economia, para onde corre Bolsonaro quando se vê sem chão, anda em círculos, anunciando medidas que se repetem e, no mês seguinte, se repetem de novo, e de novo.
O que está na cabeça de Bolsonaro não se consegue decifrar. Será que sabe onde isso vai parar? Será que acha que será obedecido quando der ordem aos generais para aguentarem tudo calados? Ele apoia Olavo cada vez mais, acaba de fazer a condecoração maior do governo a ele, no dia do ataque mais pesado aos generais. Apoia Fabio Wajngarten, representante dos filhos no comando da propaganda do governo subordinada ao general Santos Cruz; apoia Abraham Weintraub, o novo ministro da Educação que chegou barbarizando tanto quanto seu guru. Quando pressionado a se manifestar sobre o escárnio instalado sob seus olhos, sai-se por debaixo do braço de quem o acuou perguntando se o que querem é que rompa com seus filhos. A ignorância é vasta.
Como os políticos do governo Bolsonaro não existem e os líderes que têm poder não se dão com o ministro da Casa Civil, o caminho por essa via está impedido.
A situação é terrivelmente clara: Os militares não têm, neste momento, a metade da força que tiveram na transição e no início do governo Bolsonaro. A agenda do principal general do governo é fraca, Houve clara perda de substância.
O presidente escolhe os seus conselheiros, e escolhe de acordo com suas convicções, suas crenças, seus valores, com o que acha que é certo e errado. Afasta uns e aproxima outros. Bolsonaro aproximou-se dos sabotadores.
O desgoverno é o caldeirão fervente e suas engrenagens
Neste circo em que se transformou o governo Bolsonaro (com pedido de perdão aos circos, ícones da infância mas aqui referidos como símbolos da fuzarca), onde têm espaço nobre o globo da morte, o engolidor de fogo, vamos reservar em banho-maria, por alguns momentos, Olavo, Carlos, Eduardo, Ernesto, Vélez, Weintraub e tantos outros personagens que invadiram a política brasileira e os escalões do serviço público, de armas e bagagem. Especialmente de armas, insultos, prepotência e outros ruídos nos quatro primeiros meses do ano.
É o presidente da República Jair Bolsonaro, e não eles, o principal responsável por tudo o que se passa: a disputa violenta de poder do grupo tuiteiro que liderou sua campanha; a paralisia da administração pública; a dissintonia com o Congresso; as crises pré-fabricadas uma após outra, com os mesmos ingredientes; a falta de comando.
Portanto, Bolsonaro não é vítima desse esquema de sabotagem ao governo formulado por Olavo de Carvalho e executado pelos filhos do presidente. É coautor. É agente ativo e, com sua frouxidão, participa do processo de humilhação impingido aos militares e ministros do núcleo de poder presidencial, atacados pelos que estão sob a proteção da distância virtual.
E por que os generais convidados por Bolsonaro a integrar o governo se submetem a isso? Aí estaria uma boa resposta para elucidar muito do que pensa o grupo sobre sua missão neste governo.
Na verdade, já havia notícias: os militares estavam cheios, pelo pescoço, elocubrando sobre rumo coletivo, mas os ataques que sofreram no último mês foram tão violentos e gratuitos, e o presidente ficou tão inerte, que até fortaleceram seus laços corporativos.
Até o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, considerado o conselheiro mais onipresente e próximo do presidente da República, já parecia entediado com a falta de impulso do governo e com a falta de pulso do presidente para lidar com as crises pré-fabricadas por Olavo Carvalho e Carlos Bolsonaro. A expectativa até a semana passada, quando o general foi fotografado de olhos fechados em duas solenidades, era que a perda de interesse tinha chegado ao seu ponto máximo, o enfado.
Parecem agora revigorados. Para isso contribuiu muito a reação do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, que à falta de presidente assumiu a defesa dos militares e, portanto, do governo, partindo para a ofensiva contra Olavo.
Bolsonaro, porém, não assumiu nada explicitamente, nem o governo, e continua adulando o grupo de rebelados sem causa. Deu ao expoente da direita que ministra cursos na internet a maior condecoração que o governo poderia dar, no auge da violência verbal escatológica contra os ministros militares. Seu filho vereador vangloria-se das frituras que promoveu com sucesso. E o governo inteiro fica estático, assistindo ao espetáculo.
Os sabotadores não têm porque parar: fritaram Gustavo Bebianno, ele caiu: fritaram Ricardo Vélez, do seu grupo mas perdendo o controle do poder sobre a Educação, caiu e foi substituído por outro da estirpe; fritaram dois presidentes da Apex, que caíram; tentaram o impeachment do vice-presidente Hamilton Mourão pelas mãos do amigo de Olavo, deputado e pastor Marco Feliciano, mas a decisão era do presidente da Câmara, que engavetou. E agora concentram sua força na derrubada do ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz.
O desgaste levou à perda de poder do grupo com cargos no Planalto e à insegurança com relação ao destino do governo. Mas não enfraqueceu só os militares. Reduziu o governo Bolsonaro a uma briga de baixo nível e desmoralizou a própria tropa olavista pela incapacidade de ter compostura numa disputa a sério.
É fácil ofender, insultar pela rede social. O professor da internet não consegue condensar em frases curtas exigidas pelo Twitter toda a sua vã filosofia. Parte para a ignorância, o murro, o soco. A galera da arquibancada bolsonarista gosta, bate palma e pede bis. Mas o governo não põe a cabeça fora dágua. A desproporção torna tudo muito irreal e a impressão é que isso não deve durar muito tempo mais, algo terá que acontecer, de bom ou de ruim. Pois a fábrica de crises continua de pé: Olavo inventa um alvo, um tema, e Carlos Bolsonaro executa. Com o pai impedido de agir abertamente, o irmão sempre aparece para socorrê-los.
O presidente concorda com o que faz o grupo, senão já teria seu governo profissionalizado com o afastamento dos que estão brincando de clube do tiro.
As notícias que saem do Planalto para o Congresso preocupam os partidos. Muitos acham que o caminho tomado pelo presidente está meio sem volta, já não tem conserto. Ninguém governa o presidente nem se nomeia conselheiro. Ele é senhor de sua atuação.
A paralisia do Executivo e do Congresso dão a impressão que ainda não houve posse. O Ministério da Economia, para onde corre Bolsonaro quando se vê sem chão, anda em círculos, anunciando medidas que se repetem e, no mês seguinte, se repetem de novo, e de novo.
O que está na cabeça de Bolsonaro não se consegue decifrar. Será que sabe onde isso vai parar? Será que acha que será obedecido quando der ordem aos generais para aguentarem tudo calados? Ele apoia Olavo cada vez mais, acaba de fazer a condecoração maior do governo a ele, no dia do ataque mais pesado aos generais. Apoia Fabio Wajngarten, representante dos filhos no comando da propaganda do governo subordinada ao general Santos Cruz; apoia Abraham Weintraub, o novo ministro da Educação que chegou barbarizando tanto quanto seu guru. Quando pressionado a se manifestar sobre o escárnio instalado sob seus olhos, sai-se por debaixo do braço de quem o acuou perguntando se o que querem é que rompa com seus filhos. A ignorância é vasta.
Como os políticos do governo Bolsonaro não existem e os líderes que têm poder não se dão com o ministro da Casa Civil, o caminho por essa via está impedido.
A situação é terrivelmente clara: Os militares não têm, neste momento, a metade da força que tiveram na transição e no início do governo Bolsonaro. A agenda do principal general do governo é fraca, Houve clara perda de substância.
O presidente escolhe os seus conselheiros, e escolhe de acordo com suas convicções, suas crenças, seus valores, com o que acha que é certo e errado. Afasta uns e aproxima outros. Bolsonaro aproximou-se dos sabotadores.
Por que Carvalho xinga tanto? - HELIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 08/05
Guru da família Bolsonaro não está só, palavrões são um universal humano
Se há uma marca no pensamento de Olavo de Carvalho, são os palavrões —e não sei se há muita coisa mais. Na última série de críticas que lançou contra os militares que estão no governo, o ideólogo radicado na Virgínia (EUA) aludiu à parte final do tubo digestivo de um general e se referiu a outro pelo nome mais vulgar da matéria fecal. Por que Carvalho xinga tanto?
Nisso o guru da família Bolsonaro não está só. Palavrões são um universal humano. Não há idioma que não conte com um arsenal de palavras-tabu, quase sempre recrutadas da mesma meia dúzia de campos semânticos: sexo (foda, caralho), excrementos (merda, porra), religião (diacho), doenças e morte (lazarento, cretino) e minorias desfavorecidas (bicha, puta).
Como ensina Steven Pinker em “Do Que É Feito o Pensamento”, o que distingue palavrões dos termos mais ordinários da linguagem é a carga emocional que os primeiros encerram. Basta que apareçam numa fala ou mesmo por escrito para que sequestrem nossa atenção. Psicólogos desenvolveram até métodos (uma adaptação do teste Stroop) para medir quanto.
Nosso relacionamento especial com palavrões está tão arraigado no cérebro que o discurso blasfemo parece ocupar vias neuronais exclusivas. Há casos de pessoas que sofrem lesões cerebrais que lhes tiram a faculdade de falar (afasia), mas não afetam a capacidade de praguejar.
Em termos funcionais, o xingamento serve a múltiplos propósitos, que vão da agressividade (provocar o conflito) até a catarse (soltar um “porra” depois de martelar o próprio dedo ou de desperdiçar um pênalti). Em qualquer hipótese, o uso de palavras-tabu se inscreve como uma modalidade de pensamento mágico. É como se a pessoa que recorre ao palavrão estivesse invocando encantamentos que teriam o dom de afetar o mundo. É óbvio que a realidade não funciona assim, mas é um modo de agir que combina bem com quem acredita em astrologia.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…
Guru da família Bolsonaro não está só, palavrões são um universal humano
Se há uma marca no pensamento de Olavo de Carvalho, são os palavrões —e não sei se há muita coisa mais. Na última série de críticas que lançou contra os militares que estão no governo, o ideólogo radicado na Virgínia (EUA) aludiu à parte final do tubo digestivo de um general e se referiu a outro pelo nome mais vulgar da matéria fecal. Por que Carvalho xinga tanto?
Nisso o guru da família Bolsonaro não está só. Palavrões são um universal humano. Não há idioma que não conte com um arsenal de palavras-tabu, quase sempre recrutadas da mesma meia dúzia de campos semânticos: sexo (foda, caralho), excrementos (merda, porra), religião (diacho), doenças e morte (lazarento, cretino) e minorias desfavorecidas (bicha, puta).
Como ensina Steven Pinker em “Do Que É Feito o Pensamento”, o que distingue palavrões dos termos mais ordinários da linguagem é a carga emocional que os primeiros encerram. Basta que apareçam numa fala ou mesmo por escrito para que sequestrem nossa atenção. Psicólogos desenvolveram até métodos (uma adaptação do teste Stroop) para medir quanto.
Nosso relacionamento especial com palavrões está tão arraigado no cérebro que o discurso blasfemo parece ocupar vias neuronais exclusivas. Há casos de pessoas que sofrem lesões cerebrais que lhes tiram a faculdade de falar (afasia), mas não afetam a capacidade de praguejar.
Em termos funcionais, o xingamento serve a múltiplos propósitos, que vão da agressividade (provocar o conflito) até a catarse (soltar um “porra” depois de martelar o próprio dedo ou de desperdiçar um pênalti). Em qualquer hipótese, o uso de palavras-tabu se inscreve como uma modalidade de pensamento mágico. É como se a pessoa que recorre ao palavrão estivesse invocando encantamentos que teriam o dom de afetar o mundo. É óbvio que a realidade não funciona assim, mas é um modo de agir que combina bem com quem acredita em astrologia.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…
Bolsonaro precisa dizer de que lado está - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 08/05
Sequer ataque deplorável de Olavo de Carvalho a Villas Bôas recebe do presidente resposta à altura
O que na campanha apareceu como uma possibilidade, a interferência dos filhos do presidente Bolsonaro no governo, causando instabilidades, se confirma e até excede as expectativas. Com o “02”, Carlos, no comando, uma milícia digital bolsonarista ataca quem o grupo considere ameaça ao atingimento de algum objetivo, com o ideólogo Olavo de Carvalho na condição de inspirador-mor.
Hoje está claro que existe um bolsão de extrema direita ávido por poder atrás das cortinas da atuação do grupo. Já indicou, de forma clara, dois ministros — Ernesto Araújo, para o Itamaraty, e controla o MEC, no qual substituiu o nada inspirado Ricardo Vélez pelo linha-dura de direita Abraham Weintraub; avançou sobre a agência Apex e, desde a montagem do governo, tem especial atração pela Comunicação do Palácio.
É esta predileção que levou Carlos e Olavo a atacarem com fogo concentrado o ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, da Secretaria de Governo, sob a qual está a Secom. Foi executada uma operação típica de criação de fake news para atingir Santos Cruz: tiraram de contexto uma frase sensata do ministro sobre o uso das redes sociais por grupos ideologicamente extremados e espalharam que ele deseja censurá-las. Um despropósito.
Seria apenas mais uma manobra do grupo — já grave e deplorável — se o presidente Bolsonaro não reforçasse de forma enviesada a interpretação de que houve defesa de censura, afirmando — o que é bem-vindo — que, no seu governo, não haverá censura à qualquer mídia. Mas pareceu um aval à distorção da frase de Santos Cruz, que no domingo foi ao Alvorada conversar com o presidente
Na segunda, Bolsonaro, como tem feito, tentou minimizar o problema, mas, desta vez, a ação de Olavo — até já condecorado pelo presidente — e Carlos ultrapassou os limites. Santos Cruz, general da reserva, é mais um dos militares do governo, atacados pela milícia digital. Antes, já fora o próprio vice-presidente, Hamilton Mourão, outro general da reserva. Para agravar a crise, o ex-comandante do Exército Villas Bôas, hoje assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional, divulgou nota sensata em favor da unidade do governo, sem deixar de identificar Olavo como “verdadeiro Trotski de direita”, um paralelo com o russo que defendia a revolução permanente.
Olavo, em resposta, cometeu ato de extrema deselegância e agressividade, para dizer o mínimo, tratando o ex-comandante do Exército como um “doente preso a uma cadeira de rodas” — Villas Bôas sofre de doença degenerativa.
Não é mais possível Bolsonaro continuar no jogo de tentar se manter distante de absurdos que partem da própria família, sem defender seus auxiliares. O presidente, na verdade, tem de estar na defesa do governo, por óbvio, e num momento grave em que assuntos de extrema relevância tramitam no Congresso, como a reforma da Previdência.
Bolsonaro sequer respondeu à nota ignóbil de Olavo na devida altura. E ainda elogiou o ideólogo, chamando-o de “ícone”, mesmo depois do ataque vil feito a Villas Bôas. Outra atitude reprovável. Bolsonaro precisa definir de que lado está.
Sequer ataque deplorável de Olavo de Carvalho a Villas Bôas recebe do presidente resposta à altura
O que na campanha apareceu como uma possibilidade, a interferência dos filhos do presidente Bolsonaro no governo, causando instabilidades, se confirma e até excede as expectativas. Com o “02”, Carlos, no comando, uma milícia digital bolsonarista ataca quem o grupo considere ameaça ao atingimento de algum objetivo, com o ideólogo Olavo de Carvalho na condição de inspirador-mor.
Hoje está claro que existe um bolsão de extrema direita ávido por poder atrás das cortinas da atuação do grupo. Já indicou, de forma clara, dois ministros — Ernesto Araújo, para o Itamaraty, e controla o MEC, no qual substituiu o nada inspirado Ricardo Vélez pelo linha-dura de direita Abraham Weintraub; avançou sobre a agência Apex e, desde a montagem do governo, tem especial atração pela Comunicação do Palácio.
É esta predileção que levou Carlos e Olavo a atacarem com fogo concentrado o ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, da Secretaria de Governo, sob a qual está a Secom. Foi executada uma operação típica de criação de fake news para atingir Santos Cruz: tiraram de contexto uma frase sensata do ministro sobre o uso das redes sociais por grupos ideologicamente extremados e espalharam que ele deseja censurá-las. Um despropósito.
Seria apenas mais uma manobra do grupo — já grave e deplorável — se o presidente Bolsonaro não reforçasse de forma enviesada a interpretação de que houve defesa de censura, afirmando — o que é bem-vindo — que, no seu governo, não haverá censura à qualquer mídia. Mas pareceu um aval à distorção da frase de Santos Cruz, que no domingo foi ao Alvorada conversar com o presidente
Na segunda, Bolsonaro, como tem feito, tentou minimizar o problema, mas, desta vez, a ação de Olavo — até já condecorado pelo presidente — e Carlos ultrapassou os limites. Santos Cruz, general da reserva, é mais um dos militares do governo, atacados pela milícia digital. Antes, já fora o próprio vice-presidente, Hamilton Mourão, outro general da reserva. Para agravar a crise, o ex-comandante do Exército Villas Bôas, hoje assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional, divulgou nota sensata em favor da unidade do governo, sem deixar de identificar Olavo como “verdadeiro Trotski de direita”, um paralelo com o russo que defendia a revolução permanente.
Olavo, em resposta, cometeu ato de extrema deselegância e agressividade, para dizer o mínimo, tratando o ex-comandante do Exército como um “doente preso a uma cadeira de rodas” — Villas Bôas sofre de doença degenerativa.
Não é mais possível Bolsonaro continuar no jogo de tentar se manter distante de absurdos que partem da própria família, sem defender seus auxiliares. O presidente, na verdade, tem de estar na defesa do governo, por óbvio, e num momento grave em que assuntos de extrema relevância tramitam no Congresso, como a reforma da Previdência.
Bolsonaro sequer respondeu à nota ignóbil de Olavo na devida altura. E ainda elogiou o ideólogo, chamando-o de “ícone”, mesmo depois do ataque vil feito a Villas Bôas. Outra atitude reprovável. Bolsonaro precisa definir de que lado está.
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