O Estado de S.Paulo - 21/02
Estamos em setembro de 2008. O banco Lehman Brothers acaba de quebrar, paralisando todo o sistema financeiro dos EUA e repercutindo mundo afora. Não há crédito nem liquidez. A qualquer hora, o sistema de pagamentos pode parar de funcionar, provocando uma crise de proporções inimagináveis. O Fed invoca o artigo 3 da seção 13 de seu mandato formulado em 1932. Exigent Circumstances, ou "circunstâncias prementes". Plenos poderes para que possa agir num dos momentos mais dramáticos da história monetária mundial. Imaginem se isso não tivesse sido possível?
É essa a ameaça que paira sobre o Brasil com o julgamento marcado para 26/2 e 27/2 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se do julgamento das ações que questionam as perdas na caderneta de poupança decorrentes dos planos econômicos de estabilização dos anos 80 e 90: Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991). Elaborados para conter a hiperinflação que assolava o País, os planos alteraram o cálculo da correção monetária dos saldos de poupança. Estudo recente de Marcos Lisboa e José Alexandre Scheinkman mostra que as ações não procedem, pois "as regras de remuneração adotadas pelo governo após os planos levaram a ganhos reais para os poupadores, acima da remuneração da caderneta de poupança". Mas esse não é o tema deste artigo.
Se o STF entender que o índice usado para remunerar a poupança após a introdução dos planos foi irregular, o custo para o sistema financeiro nacional poderá ser vultoso ou até proibitivo. Como tem argumentado o governo, o grande risco é de que os ganhos potenciais dos poupadores sejam obliterados pela inevitável contração do crédito, com consequências nefastas no médio prazo para o investimento, o consumo e o emprego. Alguns estudos estimam que a perda para o PIB pode vir a ser duas vezes maior que o ganho dos poupadores, em decorrência do encolhimento do crédito e da redução de liquidez do sistema bancário. Para além dos danos macroeconômicos, há outro problema, este ainda mais grave. Um problema que incide diretamente sobre a capacidade de as instituições econômicas invocarem "circunstâncias prementes" em tempos de crise.
A lógica é simples. Se uma medida excepcional usada num momento de grande tumulto financeiro puder ser posteriormente questionada pela Justiça, a margem de que o governo dispõe para combater uma crise fica morbidamente limitada. De novo: imaginem se, hoje, a Suprema Corte americana decidisse que o Fed não poderia ter emprestado os recursos para impedir o colapso do crédito em 2008, obrigando as instituições beneficiadas a devolver o dinheiro recebido. Por certo, o mundo atravessaria uma nova convulsão financeira, desta vez sem volta. Sem volta porque o único instrumento disponível para estancar um problema agudo de liquidez, o torniquete por excelência, seria inviabilizado. O Fed não poderia ser o "emprestador de última instância", uma das funções imprescindíveis para qualquer banco central que zele pelo bom funcionamento do sistema de pagamentos.
No caso brasileiro, qualquer possível decisão aparentemente "favorável" aos poupadores não só sairia pela culatra pelos motivos já abordados, como impediria futuras ações tempestivas do governo para combater crises. Ou seja, se porventura o Banco Central e o Ministério da Fazenda tivessem de lançar mão de medidas urgentes para impedir a proliferação de uma crise e os danos à população e ao País que ela pudesse causar, teriam de, antes de tudo, se certificar de que os riscos jurídicos não existiriam. Como isso seria praticamente impossível, sobretudo com um precedente já aberto pelo STF, perderíamos todos. O governo, os bancos, os poupadores, o País.
Estamos em 2008, o Fed não pode agir. O sistema financeiro dos EUA quebra, arrastando consigo bancos e instituições financeiras mundo afora. A economia global colapsa, o caos se instaura. "Cuidado com o que desejas, pois pode tornar-se realidade", um dito premente e presciente.
sexta-feira, fevereiro 21, 2014
Me engana que eu gosto - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 21/02
'Mercado' aceita oferta de 'trégua' do governo, mas não acredita na meta de gastos
QUEM TEM MUITO dinheiro deu um "voto de confiança" ao governo. Investidores, donos do dinheiro grosso, credores do governo, enfim, o que se chama de "mercado" revelam seu voto por meio da variação de preços, como taxas de juros e taxa de câmbio. Ontem, estava tudo calminho na praça.
O governo anunciou ontem o quanto pretende poupar dos dinheiros que, imagina, vai arrecadar neste 2014. Como a meta anunciada ficou muito perto do que o "mercado" previa e considerava "aceitável", não houve faniquitos.
No entanto, parte relevante do "mercado", endinheirados, seus porta-vozes e economistas, está dizendo "me engana que eu gosto".
O governo anunciou que pretende poupar o equivalente a 1,55% do PIB, o que, somado à provável poupança de 0,35% do PIB na conta de Estados e municípios, daria 1,9% do PIB.
Economistas de instituições financeiras que costumam fazer contas sensatas e ponderadas acreditam, porém, que o superavit deve ficar entre 1,3% do PIB e 1,7% do PIB.
Depois de bater no governo por quase quatro meses, o "mercado" teria então considerado que, pelo menos por ora, colocou o governo na linha, mesmo que a meta de superávit seja apenas uma promessa bem-intencionada, embora inexequível?
A meta para 2014 é igual ao resultado de 2013, 1,9% do PIB. Neste ano, porém, o governo não deve contar com receitas extraordinárias (que não advêm da coleta regular de impostos) tão gordas quanto as do ano passado, responsáveis pelo menos por metade do superávit.
Logo, repetir o superavit de 2013 em tese representa um esforço maior, talvez improvável, de poupança.
A fim de atingir a meta de 2014, o governo prevê que a receita de impostos vai crescer no dobro do ritmo do ano passado (sem contar receitas extraordinárias). Vai dar pé?
Na melhor das hipóteses, a economia neste ano crescerá tanto quanto em 2013. Isso é otimismo, pois as previsões na praça são que o PIB cresça menos de 1,8% neste ano, ante uns 2,2% de 2013. O governo prevê crescimento de 2,5% (e a tendência do "mercado" é rebaixar sua previsão para 1,5%). Por que a receita de impostos cresceria mais rápido?
No ano passado, despesas sociais, como as previdenciárias e o seguro-desemprego, cresceram muito além do previsto pelo governo. Em 2014, não haverá esse descontrole abismal?
De passagem, note-se que, apesar de o governo anunciar "cortes", o que se divulgou ontem foi apenas a redução da despesa louca prevista no Orçamento fictício aprovado pelo Congresso. A despesa do governo federal vai aumentar, tanto em termos absolutos como em proporção do PIB.
Dados os compromissos acordados de gastos, dados os cortes de impostos para empresas e descontroles (intencionais ou não), será muito difícil cumprir a meta de poupar 1,9% do PIB. O desarranjo do último triênio não vai ser consertado num ano só.
Anunciar tal pretensão foi uma promessa de fazer o possível e um pedido de "trégua" do governo, por ora aceito pelo mercado, acordo de relativa paz que vai ser revisto mês a mês. Seu futuro vai depender das contas mensais do governo, do tumulto mundial e de outras medidas de racionalização da política econômica.
'Mercado' aceita oferta de 'trégua' do governo, mas não acredita na meta de gastos
QUEM TEM MUITO dinheiro deu um "voto de confiança" ao governo. Investidores, donos do dinheiro grosso, credores do governo, enfim, o que se chama de "mercado" revelam seu voto por meio da variação de preços, como taxas de juros e taxa de câmbio. Ontem, estava tudo calminho na praça.
O governo anunciou ontem o quanto pretende poupar dos dinheiros que, imagina, vai arrecadar neste 2014. Como a meta anunciada ficou muito perto do que o "mercado" previa e considerava "aceitável", não houve faniquitos.
No entanto, parte relevante do "mercado", endinheirados, seus porta-vozes e economistas, está dizendo "me engana que eu gosto".
O governo anunciou que pretende poupar o equivalente a 1,55% do PIB, o que, somado à provável poupança de 0,35% do PIB na conta de Estados e municípios, daria 1,9% do PIB.
Economistas de instituições financeiras que costumam fazer contas sensatas e ponderadas acreditam, porém, que o superavit deve ficar entre 1,3% do PIB e 1,7% do PIB.
Depois de bater no governo por quase quatro meses, o "mercado" teria então considerado que, pelo menos por ora, colocou o governo na linha, mesmo que a meta de superávit seja apenas uma promessa bem-intencionada, embora inexequível?
A meta para 2014 é igual ao resultado de 2013, 1,9% do PIB. Neste ano, porém, o governo não deve contar com receitas extraordinárias (que não advêm da coleta regular de impostos) tão gordas quanto as do ano passado, responsáveis pelo menos por metade do superávit.
Logo, repetir o superavit de 2013 em tese representa um esforço maior, talvez improvável, de poupança.
A fim de atingir a meta de 2014, o governo prevê que a receita de impostos vai crescer no dobro do ritmo do ano passado (sem contar receitas extraordinárias). Vai dar pé?
Na melhor das hipóteses, a economia neste ano crescerá tanto quanto em 2013. Isso é otimismo, pois as previsões na praça são que o PIB cresça menos de 1,8% neste ano, ante uns 2,2% de 2013. O governo prevê crescimento de 2,5% (e a tendência do "mercado" é rebaixar sua previsão para 1,5%). Por que a receita de impostos cresceria mais rápido?
No ano passado, despesas sociais, como as previdenciárias e o seguro-desemprego, cresceram muito além do previsto pelo governo. Em 2014, não haverá esse descontrole abismal?
De passagem, note-se que, apesar de o governo anunciar "cortes", o que se divulgou ontem foi apenas a redução da despesa louca prevista no Orçamento fictício aprovado pelo Congresso. A despesa do governo federal vai aumentar, tanto em termos absolutos como em proporção do PIB.
Dados os compromissos acordados de gastos, dados os cortes de impostos para empresas e descontroles (intencionais ou não), será muito difícil cumprir a meta de poupar 1,9% do PIB. O desarranjo do último triênio não vai ser consertado num ano só.
Anunciar tal pretensão foi uma promessa de fazer o possível e um pedido de "trégua" do governo, por ora aceito pelo mercado, acordo de relativa paz que vai ser revisto mês a mês. Seu futuro vai depender das contas mensais do governo, do tumulto mundial e de outras medidas de racionalização da política econômica.
A maldição da burocracia - JOSÉ PIO MARTINS
GAZETA DO POVO - PR - 21/02
Nos Estados Unidos, circula na internet uma inscrição estampada em camisetas que, de forma irônica e direta, denuncia o excesso de burocracia e intervenção governamental na vida das pessoas e das empresas. A mensagem diz o seguinte:
“Teorema de Pitágoras: 24 palavras
Pai-Nosso: 66 palavras
Princípio de Arquimedes: 67 palavras
Os Dez Mandamentos: 179 palavras
Declaração de Independência dos EUA: 1,3 mil palavras
Normas do governo americano sobre venda de repolhos: 26.911 palavras”
Segundo o dicionário Houaiss, burocracia é “sistema de execução da atividade pública, especialmente da administração, por funcionários com cargos bem definidos, e que se pautam por um regulamento fixo, determinada rotina e hierarquia com linhas de autoridade e responsabilidade bem demarcadas”. A definição pejorativa de burocracia é “sistema encarado como estrutura ineficiente, inoperante, morosa na solução de questões e indiferente às necessidades das pessoas”.
Para os economistas, a burocracia se insere na definição mais ampla de intervencionismo estatal, forma de coerção legal que obriga os indivíduos e as organizações a agirem de modo diferente do que fariam se não houvesse a coerção. Mas existe a coerção boa, aquela que disciplina a vida em sociedade e o comportamento compatível com o interesse público. Por exemplo, se fábricas são proibidas de lançar poluição no meio ambiente, e se somos proibidos de dirigir embriagados e passar certo limite de velocidade, trata-se de uma coerção positiva.
Nas sociedades modernas, a coerção é uma necessidade. Se nenhuma regulação houvesse, voltaríamos à lei da selva, na qual o mais forte imporia sua vontade ao mais fraco. Seria o caos. O problema, entretanto, está em outro lugar. Está no excesso de intervenção malfeita e que em nada atende ao interesse público. A missão, difícil, dos governantes é distinguir entre a intervenção boa e a ruim; entre aquela que faz o bem e a que prejudica; entre a que estimula a criação de riqueza e a que vai na direção contrária. Achar a linha divisória entre uma coisa e outra depende de conhecimento técnico e sabedoria política, elementos escassos na fauna política moderna.
Para medir a intervenção estatal na vida das pessoas e das empresas, os economistas usam a expressão “custos de transação”, instrumento de cálculo que permite identificar tais custos em termos econômicos. O exemplo do repolho é interessante. Uma norma com 26.911 palavras cria um inferno burocrático cujo resultado é o desestímulo à produção de repolhos.
No Brasil, a coisa é pior. Afif Domingos, ministro titular da Secretaria da Micro e da Pequena Empresa, declarou que está numa cruzada para reduzir o prazo de abertura de uma empresa de 107 dias para três dias. Trata-se de uma maldição burocrática, que atrapalha o crescimento econômico e ainda exige tributos da população para pagar a máquina estatal encarregada de executar a loucura documental.
E o que é pior: para nada serve esse inferno cartorial, a não ser atrasar e empobrecer a nação, pois, para cumprir o papel de regular a atividade econômica e cobrar tributos, o mundo conhece fórmulas muito mais simples e muito mais eficientes.
Nos Estados Unidos, circula na internet uma inscrição estampada em camisetas que, de forma irônica e direta, denuncia o excesso de burocracia e intervenção governamental na vida das pessoas e das empresas. A mensagem diz o seguinte:
“Teorema de Pitágoras: 24 palavras
Pai-Nosso: 66 palavras
Princípio de Arquimedes: 67 palavras
Os Dez Mandamentos: 179 palavras
Declaração de Independência dos EUA: 1,3 mil palavras
Normas do governo americano sobre venda de repolhos: 26.911 palavras”
Segundo o dicionário Houaiss, burocracia é “sistema de execução da atividade pública, especialmente da administração, por funcionários com cargos bem definidos, e que se pautam por um regulamento fixo, determinada rotina e hierarquia com linhas de autoridade e responsabilidade bem demarcadas”. A definição pejorativa de burocracia é “sistema encarado como estrutura ineficiente, inoperante, morosa na solução de questões e indiferente às necessidades das pessoas”.
Para os economistas, a burocracia se insere na definição mais ampla de intervencionismo estatal, forma de coerção legal que obriga os indivíduos e as organizações a agirem de modo diferente do que fariam se não houvesse a coerção. Mas existe a coerção boa, aquela que disciplina a vida em sociedade e o comportamento compatível com o interesse público. Por exemplo, se fábricas são proibidas de lançar poluição no meio ambiente, e se somos proibidos de dirigir embriagados e passar certo limite de velocidade, trata-se de uma coerção positiva.
Nas sociedades modernas, a coerção é uma necessidade. Se nenhuma regulação houvesse, voltaríamos à lei da selva, na qual o mais forte imporia sua vontade ao mais fraco. Seria o caos. O problema, entretanto, está em outro lugar. Está no excesso de intervenção malfeita e que em nada atende ao interesse público. A missão, difícil, dos governantes é distinguir entre a intervenção boa e a ruim; entre aquela que faz o bem e a que prejudica; entre a que estimula a criação de riqueza e a que vai na direção contrária. Achar a linha divisória entre uma coisa e outra depende de conhecimento técnico e sabedoria política, elementos escassos na fauna política moderna.
Para medir a intervenção estatal na vida das pessoas e das empresas, os economistas usam a expressão “custos de transação”, instrumento de cálculo que permite identificar tais custos em termos econômicos. O exemplo do repolho é interessante. Uma norma com 26.911 palavras cria um inferno burocrático cujo resultado é o desestímulo à produção de repolhos.
No Brasil, a coisa é pior. Afif Domingos, ministro titular da Secretaria da Micro e da Pequena Empresa, declarou que está numa cruzada para reduzir o prazo de abertura de uma empresa de 107 dias para três dias. Trata-se de uma maldição burocrática, que atrapalha o crescimento econômico e ainda exige tributos da população para pagar a máquina estatal encarregada de executar a loucura documental.
E o que é pior: para nada serve esse inferno cartorial, a não ser atrasar e empobrecer a nação, pois, para cumprir o papel de regular a atividade econômica e cobrar tributos, o mundo conhece fórmulas muito mais simples e muito mais eficientes.
Mudança de postura - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 21/02
Reconheceu, por exemplo, que o desempenho da economia está mais para o que vinham dizendo os tais "pessimistas e caras de pau", tão veementemente denunciados há dez dias pela presidente Dilma, do que para as lindas projeções oficiais.
O crescimento do PIB em 2014 não será mais os 4,0% que estavam na proposta de Orçamento da União nem os 3,8% rebaixados pelo Congresso. Será de 2,5%. Mesmo assim, parece número alto demais. O mercado financeiro, por exemplo, não prevê mais que 1,79% e, ainda assim, calculado sobre a base mais baixa de 2013, ainda não divulgada, mas que poderia apontar para um crescimento do PIB pouco superior a 2,0%. Essa não é uma opção pelo tamanho do macarrão, como qualquer dona de casa faz quando prepara a sopa; implica volume de arrecadação, sempre proporcional ao avanço da economia. A partir daí, o governo acabou admitindo, também, que a receita será menor, que a inflação continuará alta demais e que todo o desempenho da economia ficará mais difícil.
O governo reconheceu, também, que sua política anticíclica estava errada e se esgotou, justamente quando mais dela necessita. Uma política anticíclica para uma economia em contração, como a que está acontecendo, consistiria em aumentar as despesas públicas e em derrubar os juros. No entanto, o Tesouro é um pneu na lona e os juros básicos têm de ficar lá em cima para combater a inflação. Ou seja, a resposta do governo tenta ser contracionista.
Embora bem mais realistas, as metas para o resultado das contas públicas estão sujeitas a grande volume de incerteza. As despesas foram cortadas em R$ 44 bilhões, mas, ainda assim, estão aumentadas o dobro disso em relação às do ano anterior. Como ficou dito, as receitas parecem altas, porque o avanço do PIB pode estar superestimado.
Não está claro, também, de quanto será o aumento das despesas do Tesouro com produção de energia elétrica de fonte térmica (obtida por queima de gás ou óleo diesel), bem mais cara. As provisões para isso são de R$ 9 bilhões. Mas, dependendo do regime de chuvas, poderão passar de R$ 18 bilhões.
Não está claro, também, se será atingido o principal objetivo do governo: a redução das dívidas, bruta e líquida. Diante dessa incerteza, também fica a dúvida sobre se o rebaixamento da qualidade dos títulos do Tesouro pelas agências de classificação de risco, que o governo tanto teme, vai ser consumado.
Ontem, o ministro Guido Mantega afirmou que os juros básicos (Selic) podem subir menos, porque haverá mais repressão às despesas públicas. É a primeira vez que admite que a política fiscal não ajudava a execução da política monetária do Banco Central.
Mas, afinal, desta vez o governo entregará o que prometeu? Provavelmente, não. A única novidade é uma certa mudança de postura, mais sincera do que nos anos anteriores. Se vai ser suficiente para recuperar a confiança, especialmente num ano eleitoral, em que a pressão sobre o caixa é assustadora, é outro imponderável.
Reconheceu, por exemplo, que o desempenho da economia está mais para o que vinham dizendo os tais "pessimistas e caras de pau", tão veementemente denunciados há dez dias pela presidente Dilma, do que para as lindas projeções oficiais.
O crescimento do PIB em 2014 não será mais os 4,0% que estavam na proposta de Orçamento da União nem os 3,8% rebaixados pelo Congresso. Será de 2,5%. Mesmo assim, parece número alto demais. O mercado financeiro, por exemplo, não prevê mais que 1,79% e, ainda assim, calculado sobre a base mais baixa de 2013, ainda não divulgada, mas que poderia apontar para um crescimento do PIB pouco superior a 2,0%. Essa não é uma opção pelo tamanho do macarrão, como qualquer dona de casa faz quando prepara a sopa; implica volume de arrecadação, sempre proporcional ao avanço da economia. A partir daí, o governo acabou admitindo, também, que a receita será menor, que a inflação continuará alta demais e que todo o desempenho da economia ficará mais difícil.
O governo reconheceu, também, que sua política anticíclica estava errada e se esgotou, justamente quando mais dela necessita. Uma política anticíclica para uma economia em contração, como a que está acontecendo, consistiria em aumentar as despesas públicas e em derrubar os juros. No entanto, o Tesouro é um pneu na lona e os juros básicos têm de ficar lá em cima para combater a inflação. Ou seja, a resposta do governo tenta ser contracionista.
Embora bem mais realistas, as metas para o resultado das contas públicas estão sujeitas a grande volume de incerteza. As despesas foram cortadas em R$ 44 bilhões, mas, ainda assim, estão aumentadas o dobro disso em relação às do ano anterior. Como ficou dito, as receitas parecem altas, porque o avanço do PIB pode estar superestimado.
Não está claro, também, de quanto será o aumento das despesas do Tesouro com produção de energia elétrica de fonte térmica (obtida por queima de gás ou óleo diesel), bem mais cara. As provisões para isso são de R$ 9 bilhões. Mas, dependendo do regime de chuvas, poderão passar de R$ 18 bilhões.
Não está claro, também, se será atingido o principal objetivo do governo: a redução das dívidas, bruta e líquida. Diante dessa incerteza, também fica a dúvida sobre se o rebaixamento da qualidade dos títulos do Tesouro pelas agências de classificação de risco, que o governo tanto teme, vai ser consumado.
Ontem, o ministro Guido Mantega afirmou que os juros básicos (Selic) podem subir menos, porque haverá mais repressão às despesas públicas. É a primeira vez que admite que a política fiscal não ajudava a execução da política monetária do Banco Central.
Mas, afinal, desta vez o governo entregará o que prometeu? Provavelmente, não. A única novidade é uma certa mudança de postura, mais sincera do que nos anos anteriores. Se vai ser suficiente para recuperar a confiança, especialmente num ano eleitoral, em que a pressão sobre o caixa é assustadora, é outro imponderável.
Mantega tem "trunfos" para garantir superávit - CLAUDIA SAFATLE
VALOR ECONÔMICO - 21/02
Meta fiscal é neutra para o controle da inflação
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, guardou cartas na manga para cumprir a meta de superávit fiscal anunciada ontem, de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), mesmo se tiver que arcar com uma conta salgada de energia ou, ainda, se tiver que ajudar no cumprimento do superávit previsto para os Estados e municípios.
Se vier a conta de energia, vamos fazer um esforço adicional e resolver isso , assegurou ele a esta coluna. O governo conta com receitas de aumento de impostos que Mantega não explicitou. Fontes oficiais indicaram pelo menos duas propostas que já estão na Casa Civil e podem render mais de R$ 2,5 bilhões este ano: a equiparação da tributação das importações ao que paga o produto nacional para compensar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou inconstitucional a inclusão de ICMS e PIS-Cofins na base de cálculo dessas contribuições sobre a importação; e a extensão da taxação que hoje é feita só nas fábricas também para as empresas distribuidoras de cosmésticos.
Mantega adiantou que negocia com o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) para que este aprove mudanças, neste ano eleitoral, das regras de concessão do seguro-desemprego e do abono salarial. Ambos os gastos tiveram crescimento acelerado e chegaram a R$ 46,56 bilhões em 2013. Segundo ele, o Codefat pode impor algumas restrições com efeitos nas contas deste ano.
Para uma expectativa de arrecadar R$ 12 bilhões com os leilões de concessão da telefonia celular 4G, o decreto de contingenciamento só contou com R$ 7,5 bilhões. Sobraram, portanto, R$ 4,5 bilhões, citou ele.
Temos trunfos. Temos como garantir a meta e vamos persegui-la tenazmente, no corpo a corpo , assegurou o ministro. Se for preciso, ele poderá reabrir o Refis, embora tenha dito que não conta com essa hipótese no momento. Técnicos indicaram que essa iniciativa poderia agregar uns R$ 5 bilhões às receitas deste ano.
Fomos conservadores nas estimativas de receitas , assinalou ele. Houve moderação também na previsão de superávit dos Estados e municípios - 0,35% do PIB - e o ministro espera que eles cumpram essa meta, porque as torneiras do endividamento para governadores e prefeitos está fechada desde o fim de 2013, disse. A redução das despesas obrigatórias será possível, porque, segundo Mantega, foram estimadas desonerações e subsídios na proposta original do Orçamento que não se materializaram.
Nas discussões dos últimos dias na junta orçamentária, contou ele, chegou-se a considerar a adoção da meta de 2,1% do PIB de superávit primário. Mas seria uma carnificina , comentou. Optou-se por uma decisão mais realista, mais pés no chão, que fosse crível para os agentes econômicos. As primeiras reações do mercado ao anúncio foram positivas. Os juros recuaram - devolvendo um pedaço do prêmio de risco -, a bolsa reagiu e a taxa de câmbio valorizou-se. Até então os analistas contavam com um superávit primário de 1,4% do PIB para este anjo, segundo a pesquisa Focus.
Foi, assim, um passo importante para tentar reverter o mau humor e o desânimo dos investidores nacionais e estrangeiros com o Brasil. O mercado aprovou, mas vai conferir mês a mês se a execução das contas públicas está de acordo com os compromissos assumidos pelo governo.
Segundo as projeções oficiais a meta fiscal deve garantir a estabilização da dívida bruta como proporção do PIB (de 57,2% em 2013 para 57,1% este ano) e da dívida líquida (de 33,8% para 33,6%).
A expectativa do governo é que a resposta aos temores dos agentes econômicos, dada ontem com o anuncio da meta, seja suficiente para evitar o rebaixamento do grau de investimento do país pelas agências de rating, sobretudo pela Standard & Poor s.
Mantega foi comedido na resposta sobre o rebaixamento do país: Não sei se [a meta fiscal] afasta esse risco. Nós estamos fazendo o que podemos fazer.
Além de deixar pendente a conta de energia decorrente do uso das usinas térmicas, cujas estimativas variam de R$ 12 bilhões a R$ 18 bilhões, o programa fiscal exposto no contingenciamento de R$ 44 bilhões considerou como premissa um crescimento de 2,5% do PIB este ano. A desaceleração da atividade está se mostrando rápida e a expectativa de técnicos do governo é que haverá uma convergência do mercado para uma expansão de 1,5% do PIB este ano. Começam a aparecer, inclusive, estimativas de taxas mais modestas de crescimento, abaixo de 1%.
Uma eventual perda de arrecadação decorrente da desaceleração econômica poderia ser compensada por uma inflação maior do que os 5,3% projetados no decreto de contingenciamento resultando em um PIB nominal mais realista.
Tudo resolvido não está e nem se espera uma onda de otimismo daqui por diante. Evitamos tomar um gol relâmpago , comentou uma alta fonte. Levar um gol contra nos primeiros segundos do jogo se caracterizaria por uma fuga de capitais, forte desvalorização cambial e mais pressão inflacionária em uma economia que está em franca desaceleração. Era isso que estava aparecendo nos painéis de controle da economia do país.
A meta de superávit primário para este ano é neutra do ponto de vista da demanda. Ela não vai prejudicar, mas também não vai dar grande ajuda ao controle da inflação, segundo avaliação da área econômica do governo. Confirma, assim, o que o Banco Central havia colocado na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de setembro, quando, pela primeira vez, mencionou que a política fiscal poderia vir a ingressar na zona de neutralidade e foi muito criticado.
Fontes oficiais lembraram, também, que a inflação está se comportando tal como previsto no último relatório trimestral de inflação, de dezembro. Ou seja, o IPCA tende a ficar comportado nos dois primeiros trimestres, mas sobe a partir do terceiro trimestre, podendo chegar próximo ao teto da meta, de 6,5%.
Se vier a conta de energia, vamos fazer um esforço adicional e resolver isso , assegurou ele a esta coluna. O governo conta com receitas de aumento de impostos que Mantega não explicitou. Fontes oficiais indicaram pelo menos duas propostas que já estão na Casa Civil e podem render mais de R$ 2,5 bilhões este ano: a equiparação da tributação das importações ao que paga o produto nacional para compensar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou inconstitucional a inclusão de ICMS e PIS-Cofins na base de cálculo dessas contribuições sobre a importação; e a extensão da taxação que hoje é feita só nas fábricas também para as empresas distribuidoras de cosmésticos.
Mantega adiantou que negocia com o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) para que este aprove mudanças, neste ano eleitoral, das regras de concessão do seguro-desemprego e do abono salarial. Ambos os gastos tiveram crescimento acelerado e chegaram a R$ 46,56 bilhões em 2013. Segundo ele, o Codefat pode impor algumas restrições com efeitos nas contas deste ano.
Para uma expectativa de arrecadar R$ 12 bilhões com os leilões de concessão da telefonia celular 4G, o decreto de contingenciamento só contou com R$ 7,5 bilhões. Sobraram, portanto, R$ 4,5 bilhões, citou ele.
Temos trunfos. Temos como garantir a meta e vamos persegui-la tenazmente, no corpo a corpo , assegurou o ministro. Se for preciso, ele poderá reabrir o Refis, embora tenha dito que não conta com essa hipótese no momento. Técnicos indicaram que essa iniciativa poderia agregar uns R$ 5 bilhões às receitas deste ano.
Fomos conservadores nas estimativas de receitas , assinalou ele. Houve moderação também na previsão de superávit dos Estados e municípios - 0,35% do PIB - e o ministro espera que eles cumpram essa meta, porque as torneiras do endividamento para governadores e prefeitos está fechada desde o fim de 2013, disse. A redução das despesas obrigatórias será possível, porque, segundo Mantega, foram estimadas desonerações e subsídios na proposta original do Orçamento que não se materializaram.
Nas discussões dos últimos dias na junta orçamentária, contou ele, chegou-se a considerar a adoção da meta de 2,1% do PIB de superávit primário. Mas seria uma carnificina , comentou. Optou-se por uma decisão mais realista, mais pés no chão, que fosse crível para os agentes econômicos. As primeiras reações do mercado ao anúncio foram positivas. Os juros recuaram - devolvendo um pedaço do prêmio de risco -, a bolsa reagiu e a taxa de câmbio valorizou-se. Até então os analistas contavam com um superávit primário de 1,4% do PIB para este anjo, segundo a pesquisa Focus.
Foi, assim, um passo importante para tentar reverter o mau humor e o desânimo dos investidores nacionais e estrangeiros com o Brasil. O mercado aprovou, mas vai conferir mês a mês se a execução das contas públicas está de acordo com os compromissos assumidos pelo governo.
Segundo as projeções oficiais a meta fiscal deve garantir a estabilização da dívida bruta como proporção do PIB (de 57,2% em 2013 para 57,1% este ano) e da dívida líquida (de 33,8% para 33,6%).
A expectativa do governo é que a resposta aos temores dos agentes econômicos, dada ontem com o anuncio da meta, seja suficiente para evitar o rebaixamento do grau de investimento do país pelas agências de rating, sobretudo pela Standard & Poor s.
Mantega foi comedido na resposta sobre o rebaixamento do país: Não sei se [a meta fiscal] afasta esse risco. Nós estamos fazendo o que podemos fazer.
Além de deixar pendente a conta de energia decorrente do uso das usinas térmicas, cujas estimativas variam de R$ 12 bilhões a R$ 18 bilhões, o programa fiscal exposto no contingenciamento de R$ 44 bilhões considerou como premissa um crescimento de 2,5% do PIB este ano. A desaceleração da atividade está se mostrando rápida e a expectativa de técnicos do governo é que haverá uma convergência do mercado para uma expansão de 1,5% do PIB este ano. Começam a aparecer, inclusive, estimativas de taxas mais modestas de crescimento, abaixo de 1%.
Uma eventual perda de arrecadação decorrente da desaceleração econômica poderia ser compensada por uma inflação maior do que os 5,3% projetados no decreto de contingenciamento resultando em um PIB nominal mais realista.
Tudo resolvido não está e nem se espera uma onda de otimismo daqui por diante. Evitamos tomar um gol relâmpago , comentou uma alta fonte. Levar um gol contra nos primeiros segundos do jogo se caracterizaria por uma fuga de capitais, forte desvalorização cambial e mais pressão inflacionária em uma economia que está em franca desaceleração. Era isso que estava aparecendo nos painéis de controle da economia do país.
A meta de superávit primário para este ano é neutra do ponto de vista da demanda. Ela não vai prejudicar, mas também não vai dar grande ajuda ao controle da inflação, segundo avaliação da área econômica do governo. Confirma, assim, o que o Banco Central havia colocado na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de setembro, quando, pela primeira vez, mencionou que a política fiscal poderia vir a ingressar na zona de neutralidade e foi muito criticado.
Fontes oficiais lembraram, também, que a inflação está se comportando tal como previsto no último relatório trimestral de inflação, de dezembro. Ou seja, o IPCA tende a ficar comportado nos dois primeiros trimestres, mas sobe a partir do terceiro trimestre, podendo chegar próximo ao teto da meta, de 6,5%.
Nafta, fracasso de uma utopia - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
FOLHA DE SP - 21/02
O livre-comércio pode ser um instrumento para acelerar o crescimento, mas nunca uma panaceia
Em janeiro de 1994 entrava em vigor, depois de anos de discussões políticas, um ambicioso tratado de livre-comércio entre os EUA, o Canadá e o México. Recebida com grande otimismo à época, principalmente na sociedade mexicana, essa experiência deveria levar a um processo de enriquecimento mútuo pelo canal do incremento comercial entre esses países.
Muitos observadores apontavam esse caminho como o mais natural para outras economias na América Latina, principalmente o Brasil. Criava-se uma grande utopia entre os defensores do liberalismo econômico como principal e mais eficiente via para trazer o progresso para as economias menos desenvolvidas.
O sucesso retumbante das nações mediterrâneas e da Irlanda no espaço comum europeu, naquele início da última década do século passado, reforçava as expectativas e as apostas para o Nafta (North American Free Trade Agreement).
Passados hoje 20 anos do início dessa experiência, os resultados mostram que o grande sucesso obtido inicialmente no comércio na região não resistiu ao passar do tempo e às mudanças institucionais que ocorrem inexoravelmente em um mundo complexo como o que vivemos. Por isso amarras institucionais muito rígidas, em acordos como o Nafta, acabam por se transformar em elementos de desestabilização e de decepções.
Por exemplo, o aparecimento da China, como o grande parceiro industrial dos Estados Unidos nos anos seguintes, ofuscou o dinamismo inicial e a experiência foi perdendo progressivamente a força que seus criadores previam ser perene.
Neste início de 2014, o comér- cio dentro do Nafta voltou ao mesmo patamar que existia antes de 1994. As transações entre seus três membros representam os mesmos 40% de seu comércio total, como era em 1994.
Para o leitor ter uma ideia, no caso da União Europeia esse valor é superior a 60%. Por outro lado, os resultados do acordo, como indutor do desenvolvimento no Mé- xico, também apontam para um grande fracasso. A relação entre o PIB per capita do México e dos Estados Unidos é hoje a mesma que existia em 1994.
Tratando essa experiência --que se esperava revolucionária--, o jornal inglês "Financial Times" descreve os resultados medíocres em uma manchete que traz o tradicional humor inglês em sua essência: "México e Nafta aos 20 anos: o que deu errado para um dos Três Amigos'"?
Nós, brasileiros, também vivemos esse período em que acordos de livre-comércio, como o Nafta, eram apresentados como panaceia para os países emergentes, em busca de um status mais avançado de desenvolvimento. Durante muito tempo fomos assediados pelos norte-americanos para assinar um grande acordo regional com a grande democracia do norte do continente.
Hoje esse sonho foi deixado de lado por falta de entusiastas e porque a política externa dos governos do PT tem outras prioridades geopolíticas. Mas mergulhamos de cabeça --e coração-- na utopia do Mercosul como uma verdadeira zona de livre-comércio.
Felizmente, as regras e as amarras criadas no Mercosul refletiam --e refletem-- muito mais o espíri- to macunaímico latino do que a dureza do espírito anglo-saxão --ou germânico-- do Nafta e da União Europeia. O Mercosul é hoje um amontoado de regras não cumpridas e em acelerado processo de decadência.
Sempre fui cético em relação à criação de zonas muito amplas e complexas de livre-comércio por uma razão muito simples: países e regiões são organismos que sofrem mudanças muito complexas ao longo do tempo, e arranjos rígidos como o Nafta e a União Europeia não conseguem se adaptar a elas com a velocidade necessária para evitar tensões deletérias em sua estrutura funcional.
Dentro da minha opção mais realista sobre as economias de mercado, prefiro os acordos bilaterais, e mesmo assim com portas de saída bem definidas em caso de necessidade.
O livre-comércio entre países, com regras realistas e funcionais, pode ser um instrumento a mais para acelerar o crescimento, mas nunca uma panaceia.
O livre-comércio pode ser um instrumento para acelerar o crescimento, mas nunca uma panaceia
Em janeiro de 1994 entrava em vigor, depois de anos de discussões políticas, um ambicioso tratado de livre-comércio entre os EUA, o Canadá e o México. Recebida com grande otimismo à época, principalmente na sociedade mexicana, essa experiência deveria levar a um processo de enriquecimento mútuo pelo canal do incremento comercial entre esses países.
Muitos observadores apontavam esse caminho como o mais natural para outras economias na América Latina, principalmente o Brasil. Criava-se uma grande utopia entre os defensores do liberalismo econômico como principal e mais eficiente via para trazer o progresso para as economias menos desenvolvidas.
O sucesso retumbante das nações mediterrâneas e da Irlanda no espaço comum europeu, naquele início da última década do século passado, reforçava as expectativas e as apostas para o Nafta (North American Free Trade Agreement).
Passados hoje 20 anos do início dessa experiência, os resultados mostram que o grande sucesso obtido inicialmente no comércio na região não resistiu ao passar do tempo e às mudanças institucionais que ocorrem inexoravelmente em um mundo complexo como o que vivemos. Por isso amarras institucionais muito rígidas, em acordos como o Nafta, acabam por se transformar em elementos de desestabilização e de decepções.
Por exemplo, o aparecimento da China, como o grande parceiro industrial dos Estados Unidos nos anos seguintes, ofuscou o dinamismo inicial e a experiência foi perdendo progressivamente a força que seus criadores previam ser perene.
Neste início de 2014, o comér- cio dentro do Nafta voltou ao mesmo patamar que existia antes de 1994. As transações entre seus três membros representam os mesmos 40% de seu comércio total, como era em 1994.
Para o leitor ter uma ideia, no caso da União Europeia esse valor é superior a 60%. Por outro lado, os resultados do acordo, como indutor do desenvolvimento no Mé- xico, também apontam para um grande fracasso. A relação entre o PIB per capita do México e dos Estados Unidos é hoje a mesma que existia em 1994.
Tratando essa experiência --que se esperava revolucionária--, o jornal inglês "Financial Times" descreve os resultados medíocres em uma manchete que traz o tradicional humor inglês em sua essência: "México e Nafta aos 20 anos: o que deu errado para um dos Três Amigos'"?
Nós, brasileiros, também vivemos esse período em que acordos de livre-comércio, como o Nafta, eram apresentados como panaceia para os países emergentes, em busca de um status mais avançado de desenvolvimento. Durante muito tempo fomos assediados pelos norte-americanos para assinar um grande acordo regional com a grande democracia do norte do continente.
Hoje esse sonho foi deixado de lado por falta de entusiastas e porque a política externa dos governos do PT tem outras prioridades geopolíticas. Mas mergulhamos de cabeça --e coração-- na utopia do Mercosul como uma verdadeira zona de livre-comércio.
Felizmente, as regras e as amarras criadas no Mercosul refletiam --e refletem-- muito mais o espíri- to macunaímico latino do que a dureza do espírito anglo-saxão --ou germânico-- do Nafta e da União Europeia. O Mercosul é hoje um amontoado de regras não cumpridas e em acelerado processo de decadência.
Sempre fui cético em relação à criação de zonas muito amplas e complexas de livre-comércio por uma razão muito simples: países e regiões são organismos que sofrem mudanças muito complexas ao longo do tempo, e arranjos rígidos como o Nafta e a União Europeia não conseguem se adaptar a elas com a velocidade necessária para evitar tensões deletérias em sua estrutura funcional.
Dentro da minha opção mais realista sobre as economias de mercado, prefiro os acordos bilaterais, e mesmo assim com portas de saída bem definidas em caso de necessidade.
O livre-comércio entre países, com regras realistas e funcionais, pode ser um instrumento a mais para acelerar o crescimento, mas nunca uma panaceia.
Cortar e cumprir - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 21/02
Os números que o governo anunciou ontem, de receitas e gastos para 2014, levantam várias dúvidas nas duas pontas. A previsão de crescimento embutida no Orçamento caiu de 3,8% para 2,5%. Mas pode ser menor ainda. Ontem, o ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa me disse que acredita em 1,5%. São números que mudam o volume dos impostos.
A receita que o governo arrecada, se o país crescer 2,5%, é bem maior do que com apenas 1,5%. Muitos bancos e consultorias estão considerando mais provável uma alta do PIB dessa ordem. Nelson Barbosa, em entrevista que me concedeu na Globonews, disse que o governo deveria começar este ano a reajustar gasolina e energia elétrica para reduzir o custo para o setor público. A gasolina está sendo vendida nas distribuidoras a preço abaixo do que a Petrobras paga ao importar. Isso corrói os resultados da companhia. O custo da energia para as empresas do setor está ficando maior do que o previsto. Se esses reajustes começarem a ser feitos, o custo da estatal com a importação de derivados de petróleo diminui; e o gasto do governo com o subsídio à conta de luz não subirá tanto. Mesmo se esse aumento acontecer, já se sabe que o Tesouro gastará mais do que os R$ 9 bilhões incluídos no Orçamento. E essa despesa, ainda em aberto, não entrou na conta. A Rosenberg Associados prevê que a conta da energia, com o uso intensivo das térmicas, chegará a R$ 18 bilhões.
Há muita variável ainda confusa para se saber se o governo conseguirá mesmo atingir esse superávit de 1,9% do PIB. Normalmente, em ano eleitoral, a tendência é gastar mais e não menos.
A primeira tesourada foi sobre as emendas dos parlamentares: R$ 13 bilhões. É o velho jogo de faz de conta. O governo finge que aceita as emendas, os parlamentares fazem média com seu eleitorado, depois o governo corta no contingenciamento. Depois, em retaliação, os políticos ameaçam o Executivo com projetos que podem aumentar muito a despesa.
No anúncio de ontem, o governo se dispôs a cortar também no PAC, R$ 7 bi, essa foi uma tesourada inesperada. Outro que sentiu a lâmina foi o Ministério da Defesa: R$ 3,5 bilhões, e até o Ministério da Fazenda perderá R$ 1,5 bilhão.
O governo se comprometeu a fazer o mesmo superávit primário de 2013, ou seja, 1,9%. Mas este ano é mais difícil porque não poderá contar com tanta receita extraordinária. Tem a concessão do 4G e ontem o "Valor" falou que o governo espera arrecadar R$ 12 bilhões. Calculava-se menos. No ano passado, o governo teve o leilão de Libra e o Refis. Só o segundo colocou R$ 20 bilhões nos cofres públicos.
Nelson Barbosa, que agora é professor do Ibre/FGV e da UFRJ, lembra que, a partir do Refis, empresas que nada estavam pagando, porque as dívidas estavam sendo discutidas na Justiça, passarão a pagar. O que significa que o Refis do ano passado vai elevar a arrecadação este ano, ainda que em valor substancialmente menor.
O governo anunciou cortes de despesas discricionárias e obrigatórias no valor total de R$ 44 bilhões. Alguns cortes são mais críveis do que os outros. Há muita dúvida se ele consegue reduzir as despesas obrigatórias. O governo está prometendo cortar em despesas previdenciárias, que só fazem crescer; em diminuir o custo das desonerações de folha, que está aumentando; e diz que cortará também em "subsídios".
Um dos pontos positivos do anúncio de ontem foi o governo não prever novas transferências para os bancos públicos. Nos últimos anos, só o BNDES recebeu mais de R$ 320 bilhões. Essas transferências viraram uma bola de neve e um dos principais pontos de incerteza nas contas públicas. O governo se endividava no mercado a juros altos e transferia para o BNDES. Dizia que era "empréstimo" - coisa que ninguém acredita que seja - para não entrar na conta da dívida líquida. O governo ficava mais endividado, mas isso só impactava a dívida bruta. Essa é uma das razões pelas quais todo mundo passou a olhar apenas a dívida bruta.
Hoje, mais importante do que o número do superávit é o governo demonstrar que está disposto a chegar nele por uma contabilidade normal. O que desgastou a imagem do Brasil foram as manobras contábeis para atingir as metas. Por isso, o que a equipe econômica precisa agora é provar que não pensa em chegar lá com malabarismo.
Assim não dá, Vladimir! - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 21/02
Malho em ferro frio ao cobrar que esquerdistas façam um debate ao menos factualmente honesto
Vladimir Safatle, possível candidato do PSOL ao governo de São Paulo, surpreendeu os leitores deste jornal ao acusar, em sua coluna de terça, a polícia de ser responsável pela morte de quatro manifestantes: Cleonice Vieira de Moraes, Douglas Henrique de Oliveira, Luiz Felipe Aniceto de Almeida e Valdinete Rodrigues Pereira. Seriam, asseverou, apenas algumas das vítimas das PMs. A palavra delicada para definir a afirmação é "mentira". As polícias, felizmente, não mataram ninguém nos tais protestos.
Cleonice, uma gari, morreu em Belém de infarto. Varria rua quando houve um confronto entre manifestantes e a PM. Inalou alguma quantidade de gás lacrimogêneo e teve infarto depois disso, mas não por causa disso. O filósofo deve conhecer a falácia lógica já apontada pelos escolásticos: "post hoc ergo propter hoc" -"depois disso, logo por causa disso". Nem tudo o que vem antes é causa do que vem depois. É como no filme "Os Pássaros", de Hitchcock. Tudo se dá depois da chegada da loura, mas a loura é inocente, Vladimir! A notícia sobre a morte está aqui (is.gd/6QWqQM).
Douglas e Luiz Felipe morreram ao cair do viaduto José Alencar, em Belo Horizonte. Não há evidências de que estivessem sendo encurralados pela polícia. Ainda que sim, seria preciso examinar as circunstâncias. As notícias sobre suas respectivas mortes estão nestes endereços: is.gd/NxVkIo e is.gd/lVau1v.
A mentira sobre Valdinete é mais escandalosa (is.gd/i4A1Yf). Foi atropelada por um motorista que havia furado um bloqueio no km 30 da BR-251, em Cristalina, em Goiás. No mesmo episódio, morreu outra mulher, Maria Aparecida. Elas decidiram botar fogo em pneus para cobrar melhorias no distrito de Campos Lindos -nada a ver com os protestos dos coxinhas vermelhos. O motorista de um Fiat Uno não parou, atingiu as duas e sumiu. Elas não fugiam da violência policial.
Vladimir resolve moralizar o debate e escreve: "não consta que suas mortes tiveram força para gerar indignação naqueles que, hoje, gritam por uma bisonha 'lei de antiterrorismo' no Brasil. Para tais arautos da indignação seletiva, tais mortes foram 'acidentais' (...). Mas a morte do cinegrafista, ao menos na narrativa que assola o país há uma semana, não foi um acidente infeliz e estúpido (...)."
"Não consta que tiveram" é um coquetel molotov na língua pátria. Isso é com ele. A morte de Andrade não foi um acidente. O destino do artefato eram os policiais. Vladimir parece achar que a farda cassa dos PMs a sua condição de humanos. Indignação seletiva é a dele. Segundo acusa, estão usando a "morte infeliz de alguém" para "criminalizar a revolta da sociedade brasileira". O PSOL e os "black blocs" não são "a sociedade brasileira". De resto, na ordem democrática, é uma tolice afirmar que a "revolta" está sendo criminalizada. Se ela incidir em práticas puníveis pelo Código Penal, os crimes se definem pelos atos, não pelas vontades.
Sim, eu sei: malho em ferro frio ao cobrar que esquerdistas façam um debate ao menos factualmente honesto. Eu nunca me esqueço de um emblema desse modo que eles têm de argumentar. Até havia pouco, em defesa da legalização do aborto no Brasil, sustentavam que 200 mil mulheres morriam a cada ano vítimas de tal procedimento. Em fevereiro de 2012, a ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci, levou tais números mentirosos à ONU (is.gd/qHYt5S). Um dia me enchi e peguei os dados do Ministério da Saúde sobre mortes de mulheres e suas causas e fiz as contas. Os abortistas haviam multiplicado por 200 o numero de óbitos em decorrência do aborto (is.gd/6Iu4EJ).
A mentira é mais útil às causas das esquerdas do que a verdade. Não fosse assim, homicidas como Lênin, Stálin, Trótski ou Mao Tse-tung não seriam cultuados ainda hoje. Isso tudo é um pouco constrangedor, mas, como escreve Janio de Freitas, continuarei tentando.
Malho em ferro frio ao cobrar que esquerdistas façam um debate ao menos factualmente honesto
Vladimir Safatle, possível candidato do PSOL ao governo de São Paulo, surpreendeu os leitores deste jornal ao acusar, em sua coluna de terça, a polícia de ser responsável pela morte de quatro manifestantes: Cleonice Vieira de Moraes, Douglas Henrique de Oliveira, Luiz Felipe Aniceto de Almeida e Valdinete Rodrigues Pereira. Seriam, asseverou, apenas algumas das vítimas das PMs. A palavra delicada para definir a afirmação é "mentira". As polícias, felizmente, não mataram ninguém nos tais protestos.
Cleonice, uma gari, morreu em Belém de infarto. Varria rua quando houve um confronto entre manifestantes e a PM. Inalou alguma quantidade de gás lacrimogêneo e teve infarto depois disso, mas não por causa disso. O filósofo deve conhecer a falácia lógica já apontada pelos escolásticos: "post hoc ergo propter hoc" -"depois disso, logo por causa disso". Nem tudo o que vem antes é causa do que vem depois. É como no filme "Os Pássaros", de Hitchcock. Tudo se dá depois da chegada da loura, mas a loura é inocente, Vladimir! A notícia sobre a morte está aqui (is.gd/6QWqQM).
Douglas e Luiz Felipe morreram ao cair do viaduto José Alencar, em Belo Horizonte. Não há evidências de que estivessem sendo encurralados pela polícia. Ainda que sim, seria preciso examinar as circunstâncias. As notícias sobre suas respectivas mortes estão nestes endereços: is.gd/NxVkIo e is.gd/lVau1v.
A mentira sobre Valdinete é mais escandalosa (is.gd/i4A1Yf). Foi atropelada por um motorista que havia furado um bloqueio no km 30 da BR-251, em Cristalina, em Goiás. No mesmo episódio, morreu outra mulher, Maria Aparecida. Elas decidiram botar fogo em pneus para cobrar melhorias no distrito de Campos Lindos -nada a ver com os protestos dos coxinhas vermelhos. O motorista de um Fiat Uno não parou, atingiu as duas e sumiu. Elas não fugiam da violência policial.
Vladimir resolve moralizar o debate e escreve: "não consta que suas mortes tiveram força para gerar indignação naqueles que, hoje, gritam por uma bisonha 'lei de antiterrorismo' no Brasil. Para tais arautos da indignação seletiva, tais mortes foram 'acidentais' (...). Mas a morte do cinegrafista, ao menos na narrativa que assola o país há uma semana, não foi um acidente infeliz e estúpido (...)."
"Não consta que tiveram" é um coquetel molotov na língua pátria. Isso é com ele. A morte de Andrade não foi um acidente. O destino do artefato eram os policiais. Vladimir parece achar que a farda cassa dos PMs a sua condição de humanos. Indignação seletiva é a dele. Segundo acusa, estão usando a "morte infeliz de alguém" para "criminalizar a revolta da sociedade brasileira". O PSOL e os "black blocs" não são "a sociedade brasileira". De resto, na ordem democrática, é uma tolice afirmar que a "revolta" está sendo criminalizada. Se ela incidir em práticas puníveis pelo Código Penal, os crimes se definem pelos atos, não pelas vontades.
Sim, eu sei: malho em ferro frio ao cobrar que esquerdistas façam um debate ao menos factualmente honesto. Eu nunca me esqueço de um emblema desse modo que eles têm de argumentar. Até havia pouco, em defesa da legalização do aborto no Brasil, sustentavam que 200 mil mulheres morriam a cada ano vítimas de tal procedimento. Em fevereiro de 2012, a ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci, levou tais números mentirosos à ONU (is.gd/qHYt5S). Um dia me enchi e peguei os dados do Ministério da Saúde sobre mortes de mulheres e suas causas e fiz as contas. Os abortistas haviam multiplicado por 200 o numero de óbitos em decorrência do aborto (is.gd/6Iu4EJ).
A mentira é mais útil às causas das esquerdas do que a verdade. Não fosse assim, homicidas como Lênin, Stálin, Trótski ou Mao Tse-tung não seriam cultuados ainda hoje. Isso tudo é um pouco constrangedor, mas, como escreve Janio de Freitas, continuarei tentando.
O efeito vaquinha - NELSON MOTTA
O GLOBO - 21/02
PT quer mais dinheiro nosso para ser distribuído entre eles, proporcionalmente às bancadas que estão no poder
Ao arrecadar em um mês mais de R$ 2 milhões para pagar as multas de Genoino, João Paulo, Delúbio e Zé Dirceu no mensalão, o PT está provando na prática a viabilidade de uma reforma eleitoral em que as campanhas sejam financiadas apenas com doações de pessoas físicas, com recibos e limites. Os partidos já têm o horário eleitoral e as verbas gordas dos fundos partidários, e empresas não votam nem deveriam participar de eleições.
Mas, na reforma eleitoral em discussão no Congresso, o PT exige o “financiamento público” das campanhas. Quer mais dinheiro nosso para ser distribuído entre eles, proporcionalmente às bancadas que estão no poder, para que nele se perpetuem. Ninguém engole essa. Mas todos os partidos dizem que é inviável fazer uma campanha baseada em doações individuais: o brasileiro não tem o hábito nem acredita nos políticos. A vitoriosa vaquinha dos mensaleiros está provando o contrário.
Se essa massa de dinheiro foi arrecadada em campanhas discretas pela internet, visando só aos amigos e simpatizantes, para uma causa no mínimo duvidosa ( dar dinheiro ao rico consultor Zé Dirceu?), imaginem a dinheirama que poderia ser gerada por uma campanha nacional de massa para causas maiores e decisivas, como uma eleição à Presidência da Republica?
O mesmo vale para os outros grandes partidos. Os nanicos que se contentem com a boca livre de rádio e TV e o jabá dos fundos partidários. Afinal foi assim que Marina Silva fez 20 milhões de votos em 2010. O contribuinte já dá dinheiro demais para assegurar um mínimo de viabilidade às campanhas eleitorais.
Se quiserem mais dinheiro, que passem a sacolinha, que façam churrascos, bingos e pagodes. Com nota fiscal. Numa democracia, as campanhas devem ser bancadas pelos cidadãos que acreditam nos seus partidos e nos candidatos que os representam, ao Estado cabe regular, equalizar e controlar o poder econômico.
Doar pela internet é tão fácil como votar no “Big Brother”, difícil é os candidatos convencerem os eleitores a doar, mas isso é problema deles. O nosso é contribuir para os que achamos os melhores. Ou menos ruins.
PT quer mais dinheiro nosso para ser distribuído entre eles, proporcionalmente às bancadas que estão no poder
Ao arrecadar em um mês mais de R$ 2 milhões para pagar as multas de Genoino, João Paulo, Delúbio e Zé Dirceu no mensalão, o PT está provando na prática a viabilidade de uma reforma eleitoral em que as campanhas sejam financiadas apenas com doações de pessoas físicas, com recibos e limites. Os partidos já têm o horário eleitoral e as verbas gordas dos fundos partidários, e empresas não votam nem deveriam participar de eleições.
Mas, na reforma eleitoral em discussão no Congresso, o PT exige o “financiamento público” das campanhas. Quer mais dinheiro nosso para ser distribuído entre eles, proporcionalmente às bancadas que estão no poder, para que nele se perpetuem. Ninguém engole essa. Mas todos os partidos dizem que é inviável fazer uma campanha baseada em doações individuais: o brasileiro não tem o hábito nem acredita nos políticos. A vitoriosa vaquinha dos mensaleiros está provando o contrário.
Se essa massa de dinheiro foi arrecadada em campanhas discretas pela internet, visando só aos amigos e simpatizantes, para uma causa no mínimo duvidosa ( dar dinheiro ao rico consultor Zé Dirceu?), imaginem a dinheirama que poderia ser gerada por uma campanha nacional de massa para causas maiores e decisivas, como uma eleição à Presidência da Republica?
O mesmo vale para os outros grandes partidos. Os nanicos que se contentem com a boca livre de rádio e TV e o jabá dos fundos partidários. Afinal foi assim que Marina Silva fez 20 milhões de votos em 2010. O contribuinte já dá dinheiro demais para assegurar um mínimo de viabilidade às campanhas eleitorais.
Se quiserem mais dinheiro, que passem a sacolinha, que façam churrascos, bingos e pagodes. Com nota fiscal. Numa democracia, as campanhas devem ser bancadas pelos cidadãos que acreditam nos seus partidos e nos candidatos que os representam, ao Estado cabe regular, equalizar e controlar o poder econômico.
Doar pela internet é tão fácil como votar no “Big Brother”, difícil é os candidatos convencerem os eleitores a doar, mas isso é problema deles. O nosso é contribuir para os que achamos os melhores. Ou menos ruins.
Gosto de quero mais - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 21/02
A classe média está no radar de todas as campanhas presidenciais. Mais do que sempre esteve, porque agora inclui público muito maior que tem mostrado nas pesquisas qualitativas seus anseios com gosto de quero mais.
Depois da estabilidade da economia que marcou a eleição de Fernando Henrique Cardoso; dos ganhos sociais que levaram Luiz Inácio da Silva aos píncaros da popularidade e da continuidade que elegeu Dilma Rousseff, o eleitor desta vez quer ouvir falar em melhoria de vida. Não de mera sobrevivência.
Exige condições decentes, não se conforma com o básico, almeja bem-estar, reciprocidade por parte do Estado a quem paga parcela substancial de seus salários em impostos, e está bem mais escolado na defesa contra promessas vãs.
É nesse cenário que os aliados dos três candidatos, a presidente e seus dois adversários, Aécio Neves e Eduardo Campos, analisam com franqueza protegida pelo anonimato que a disputa não está fácil para ninguém.
O favoritismo de Dilma apontado nas pesquisas só é analisado com o otimismo de vitória no primeiro turno na conta matemática de manchete de jornal.
Com 43,5% de avaliação positiva, oscilação negativa de avaliação de governo e críticas generalizadas em setores que até pouco tempo elogiavam ou prestavam silêncio reverencial, no dizer dos correligionários não configuram um ambiente confortável.
Os oposicionistas tampouco soltam foguetes. Reconhecem que não capitalizaram esse descontentamento. Esperam fazê-lo mais à frente quando o jogo efetivamente começar.
Mas, o patamar de 17% para Aécio e 9% para Eduardo Campos não autorizam os festejos dessa mesma época em 2010 quando José Serra navegava em índices de 40%.
A canoa virou, argumentam. E pode virar de novo, a favor deles. É verdade, mas quem sabe o que vem por aí na economia e na Copa? Ninguém. Quando se procura saber o que os oposicionistas pensam em fazer diante dos possíveis protestos a resposta é: preferencialmente nada.
Tirar proveito de possíveis tragédias ou de manifestações contra todos os políticos e que atingem também governadores de Estados onde haverá jogos pode ser um risco. Melhor não correr.
Conclusão: diante da constatação que dá início à nossa conversa, por ora preferem todos ficar na muda, preparando seus discursos de acordo com o que as pesquisas mostram que o eleitor quer ouvir e esperando o vendaval (para o bem ou para o mal) da Copa passar para, então, se apresentarem.
Até lá, é tudo aperitivo.
Faz sentido. No fim do ano passado num encontro de representantes de um grande banco de investimentos americano em Foz do Iguaçu na América Latina era grande a preocupação com a simpatia do governo brasileiro pelos países ditos bolivarianos.
O ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, estava na plateia. Na ocasião soou algo estranha sua indagação sobre a possibilidade de o Brasil como líder da região seguir o rumo da Venezuela.
Para quem vive aqui a resposta é óbvia: zero. Mas, pensando bem, para quem acompanha o panorama a distância, agora ouve o silêncio do Brasil ante a convulsão venezuelana e não conhece a fundo a capacidade de resistência das instituições nacionais, é uma inquietação pertinente.
Em movimento. Está praticamente fechada a escolha do vice na chapa ao candidato do PMDB ao governo do Rio, Luiz Fernando Pezão. Será Ronaldo Cézar Coelho, ex-tucano agora filiado ao PSD de Gilberto Kassab.
O ex-prefeito é candidato ao governo de São Paulo com dois objetivos: mostrar ao seu eleitorado de perfil conservador que seu apoio a Dilma Rousseff é tático, não significa que tenha virado petista e ajudar a impedir a reeleição do governador Geraldo Alckmin.
A classe média está no radar de todas as campanhas presidenciais. Mais do que sempre esteve, porque agora inclui público muito maior que tem mostrado nas pesquisas qualitativas seus anseios com gosto de quero mais.
Depois da estabilidade da economia que marcou a eleição de Fernando Henrique Cardoso; dos ganhos sociais que levaram Luiz Inácio da Silva aos píncaros da popularidade e da continuidade que elegeu Dilma Rousseff, o eleitor desta vez quer ouvir falar em melhoria de vida. Não de mera sobrevivência.
Exige condições decentes, não se conforma com o básico, almeja bem-estar, reciprocidade por parte do Estado a quem paga parcela substancial de seus salários em impostos, e está bem mais escolado na defesa contra promessas vãs.
É nesse cenário que os aliados dos três candidatos, a presidente e seus dois adversários, Aécio Neves e Eduardo Campos, analisam com franqueza protegida pelo anonimato que a disputa não está fácil para ninguém.
O favoritismo de Dilma apontado nas pesquisas só é analisado com o otimismo de vitória no primeiro turno na conta matemática de manchete de jornal.
Com 43,5% de avaliação positiva, oscilação negativa de avaliação de governo e críticas generalizadas em setores que até pouco tempo elogiavam ou prestavam silêncio reverencial, no dizer dos correligionários não configuram um ambiente confortável.
Os oposicionistas tampouco soltam foguetes. Reconhecem que não capitalizaram esse descontentamento. Esperam fazê-lo mais à frente quando o jogo efetivamente começar.
Mas, o patamar de 17% para Aécio e 9% para Eduardo Campos não autorizam os festejos dessa mesma época em 2010 quando José Serra navegava em índices de 40%.
A canoa virou, argumentam. E pode virar de novo, a favor deles. É verdade, mas quem sabe o que vem por aí na economia e na Copa? Ninguém. Quando se procura saber o que os oposicionistas pensam em fazer diante dos possíveis protestos a resposta é: preferencialmente nada.
Tirar proveito de possíveis tragédias ou de manifestações contra todos os políticos e que atingem também governadores de Estados onde haverá jogos pode ser um risco. Melhor não correr.
Conclusão: diante da constatação que dá início à nossa conversa, por ora preferem todos ficar na muda, preparando seus discursos de acordo com o que as pesquisas mostram que o eleitor quer ouvir e esperando o vendaval (para o bem ou para o mal) da Copa passar para, então, se apresentarem.
Até lá, é tudo aperitivo.
Faz sentido. No fim do ano passado num encontro de representantes de um grande banco de investimentos americano em Foz do Iguaçu na América Latina era grande a preocupação com a simpatia do governo brasileiro pelos países ditos bolivarianos.
O ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, estava na plateia. Na ocasião soou algo estranha sua indagação sobre a possibilidade de o Brasil como líder da região seguir o rumo da Venezuela.
Para quem vive aqui a resposta é óbvia: zero. Mas, pensando bem, para quem acompanha o panorama a distância, agora ouve o silêncio do Brasil ante a convulsão venezuelana e não conhece a fundo a capacidade de resistência das instituições nacionais, é uma inquietação pertinente.
Em movimento. Está praticamente fechada a escolha do vice na chapa ao candidato do PMDB ao governo do Rio, Luiz Fernando Pezão. Será Ronaldo Cézar Coelho, ex-tucano agora filiado ao PSD de Gilberto Kassab.
O ex-prefeito é candidato ao governo de São Paulo com dois objetivos: mostrar ao seu eleitorado de perfil conservador que seu apoio a Dilma Rousseff é tático, não significa que tenha virado petista e ajudar a impedir a reeleição do governador Geraldo Alckmin.
A calma de Barbosa - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 21/02
Perguntado sobre sua expectativa em relação ao resultado do novo julgamento da acusação de formação de quadrilha no processo do mensalão petista, que começou ontem, o presidente do Supremo tribunal Federal, Joaquim Barbosa, deu de ombros, dizendo que para ele tanto faz como tanto fez . Essa súbita aceitação da decisão do plenário do STF, sem nenhuma reação mais contundente, parece ser provocada pela certeza de que o veredicto será alterado, e os condenados por formação de quadrilha terão suas penas reduzidas.
Tudo indica que os dois novos ministros Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso inclinam-se, por votos anteriores e comentários, a decidir a favor dos condenados. Mas há outra razão para a aparente tranquilidade, pelo menos até agora, com que Joaquim Barbosa está recebendo a reversão de um dos pontos centrais da acusação do mensalão.
Com ou sem crime de quadrilha, a decisão está tomada, e os condenados já estão na cadeia. Houve corrupção, desvio de dinheiro público, definiu o Supremo tribunal Federal, e a dificuldade para alterar isso em uma eventual revisão criminal é muito grande. Tão difícil de acontecer, por não haver razões técnicas para tal, que o advogado de Genoino, o mais excitado ontem no julgamento, admitiu que ela se dará, se acontecer, dentro de 10, 20, 30 anos .
A única novidade do julgamento de ontem do STF foi o tom explicitamente político que os advogados do núcleo político do mensalão deram à defesa. O mais veemente deles foi o advogado Luiz Fernando Pacheco, que, ao contrário de outras intervenções, quando tratou Genoino como um herói brasileiro, ontem preferiu ameaçar os ministros do Supremo com a força do PT.
A associação dos condenados do núcleo político do mensalão - Dirceu, Delúbio e Genoino - foi descrita não como a formação de uma quadrilha, como até o momento o STF entendeu, mas a união para a criação de um partido político para salvar o país . Um partido, frisou bem o advogado, que está no poder há 12 anos e, segundo ele, baseado nas pesquisas eleitorais, deve manter esse controle político do país pelo menos por mais um mandato presidencial.
Os argumentos técnicos para desqualificar a formação de quadrilha foram apenas subsidiários às defesas, que se empenharam em reafirmar a inocência de seus clientes, não apenas no tema em questão, mas também sobre o tema geral da corrupção política, que já é questão julgada e definida pelo STF.
Os advogados de Delúbio Soares e José Dirceu foram mais formais com relação ao já decidido, admitindo mesmo Malheiros Filho que Delúbio fora coautor dos crimes cometidos. O advogado José Luis de Oliveira Lima limitou-se a dizer que José Dirceu (...) teve 40 anos de vida pública sem mácula, sem qualquer mancha. O meu cliente, José Dirceu, é inocente .
O mais enfático da tarde foi o advogado de Genoino, que atacou de frente o processo do mensalão, classificando-o de a maior farsa da História da política brasileira . Luiz Fernando Pacheco mais uma vez refutou a acusação de corrupção ativa - que não estava em discussão - para concluir que, portanto, não houve também a formação de quadrilha.
O advogado de Dirceu já havia feito uma menção, de passagem, ao fato de que os condenados no núcleo político haviam se reunido não para formar uma quadrilha, mas, sim, um partido político. Mas o de Genoino foi além, afirmando que não houve a intenção de formar uma sociedade de delinquentes , mas, sim, um partido político que encampou o poder e o poder vem mantendo há 12 anos. Dizer que havia uma quadrilha é uma tese absurda, e o povo brasileiro já refutou isso .
De maneira surpreendente, o advogado Luiz Fernando Pacheco referiu-se à mais recente pesquisa de opinião que mostra a presidente Dilma em primeiro lugar na disputa presidencial para perguntar aos ministros do STF: O povo brasileiro quer ser governado por quadrilheiros? Acho que não .
O raciocínio politicamente tosco do advogado de Genoino é semelhante aos que tratam as vaquinhas para pagar as multas dos mensaleiros, ou a reeleição de Lula em 2006, como provas de que o povo já inocentou o PT.
Mas o que ficará na História é que, pela primeira vez, políticos poderosos foram para a cadeia por crime de corrupção. E a primeira vez não se esquece. Talvez por isso Joaquim Barbosa esteja tão calmo.
Tudo indica que os dois novos ministros Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso inclinam-se, por votos anteriores e comentários, a decidir a favor dos condenados. Mas há outra razão para a aparente tranquilidade, pelo menos até agora, com que Joaquim Barbosa está recebendo a reversão de um dos pontos centrais da acusação do mensalão.
Com ou sem crime de quadrilha, a decisão está tomada, e os condenados já estão na cadeia. Houve corrupção, desvio de dinheiro público, definiu o Supremo tribunal Federal, e a dificuldade para alterar isso em uma eventual revisão criminal é muito grande. Tão difícil de acontecer, por não haver razões técnicas para tal, que o advogado de Genoino, o mais excitado ontem no julgamento, admitiu que ela se dará, se acontecer, dentro de 10, 20, 30 anos .
A única novidade do julgamento de ontem do STF foi o tom explicitamente político que os advogados do núcleo político do mensalão deram à defesa. O mais veemente deles foi o advogado Luiz Fernando Pacheco, que, ao contrário de outras intervenções, quando tratou Genoino como um herói brasileiro, ontem preferiu ameaçar os ministros do Supremo com a força do PT.
A associação dos condenados do núcleo político do mensalão - Dirceu, Delúbio e Genoino - foi descrita não como a formação de uma quadrilha, como até o momento o STF entendeu, mas a união para a criação de um partido político para salvar o país . Um partido, frisou bem o advogado, que está no poder há 12 anos e, segundo ele, baseado nas pesquisas eleitorais, deve manter esse controle político do país pelo menos por mais um mandato presidencial.
Os argumentos técnicos para desqualificar a formação de quadrilha foram apenas subsidiários às defesas, que se empenharam em reafirmar a inocência de seus clientes, não apenas no tema em questão, mas também sobre o tema geral da corrupção política, que já é questão julgada e definida pelo STF.
Os advogados de Delúbio Soares e José Dirceu foram mais formais com relação ao já decidido, admitindo mesmo Malheiros Filho que Delúbio fora coautor dos crimes cometidos. O advogado José Luis de Oliveira Lima limitou-se a dizer que José Dirceu (...) teve 40 anos de vida pública sem mácula, sem qualquer mancha. O meu cliente, José Dirceu, é inocente .
O mais enfático da tarde foi o advogado de Genoino, que atacou de frente o processo do mensalão, classificando-o de a maior farsa da História da política brasileira . Luiz Fernando Pacheco mais uma vez refutou a acusação de corrupção ativa - que não estava em discussão - para concluir que, portanto, não houve também a formação de quadrilha.
O advogado de Dirceu já havia feito uma menção, de passagem, ao fato de que os condenados no núcleo político haviam se reunido não para formar uma quadrilha, mas, sim, um partido político. Mas o de Genoino foi além, afirmando que não houve a intenção de formar uma sociedade de delinquentes , mas, sim, um partido político que encampou o poder e o poder vem mantendo há 12 anos. Dizer que havia uma quadrilha é uma tese absurda, e o povo brasileiro já refutou isso .
De maneira surpreendente, o advogado Luiz Fernando Pacheco referiu-se à mais recente pesquisa de opinião que mostra a presidente Dilma em primeiro lugar na disputa presidencial para perguntar aos ministros do STF: O povo brasileiro quer ser governado por quadrilheiros? Acho que não .
O raciocínio politicamente tosco do advogado de Genoino é semelhante aos que tratam as vaquinhas para pagar as multas dos mensaleiros, ou a reeleição de Lula em 2006, como provas de que o povo já inocentou o PT.
Mas o que ficará na História é que, pela primeira vez, políticos poderosos foram para a cadeia por crime de corrupção. E a primeira vez não se esquece. Talvez por isso Joaquim Barbosa esteja tão calmo.
'Mala suerte' - JOÃO MELLÃO NETO
O Estado de S.Paulo - 21/02
A culpa, por aqui, é sempre dos outros. Desde que, na década de 1970, cursei a faculdade, tenho reparado que a nossa América Latina está permanentemente em crise - econômica, política e social. Gabriel García Márquez, em seu discurso de recebimento do Prêmio Nobel de Literatura de 1982, afirmou ser este o continente da loucura. Listou o escritor um imenso rol de governantes com traços esquizoides e maníaco-depressivos. Alguns deles falavam com as paredes, outros reclamavam por estarem tão longe de Deus e tão próximos dos Estados Unidos. Fatalismos à parte, o problema parece ser justamente o contrário.
De um lado, acreditamo-nos extremamente íntimos do nosso Deus católico - do qual sempre aguardamos o socorro da Divina Providência; e, de outro, teimamos raivosamente em nos manter distantes dos Estados Unidos. Razões não faltam. O Deus deles é protestante (valha-nos, Senhor! Não mostra piedade pelos pequenos e costuma ajudar mais a quem se ajuda do que a quem reza por ajuda).
Mas deixando Deus de lado, o fato é que o Deus protestante é duro, inflexível e não tem o perdão entre suas práticas habituais. Entende-se, por lá, nos Estados Unidos, que cada um possui o livre-arbítrio e que este deve ser usado com a melhor prática possível. Não, não há salvação possível. Cada um já nasce com o seu destino marcado e não há nada que se possa fazer para mudá-lo.
Não é por acaso que as hecatombes por estas plagas encontram terreno propício para vicejarem. Reza o ditado que, por aqui, as tempestades acontecem sempre antes das enchentes. E por lá elas também são seguidas por tremendas inundações. Aí é um salve-se quem puder!
Da mesma forma, tampouco é fortuito o fato de que a inflação, por aqui, encontre terreno fértil para vicejar. Como nos tangos argentinos, em que o cantante enche a mulher de pancada e depois a amaldiçoa porque ela o deixou na sarjeta, os nossos governantes são especialistas em arruinar a economia e, posteriormente, encontrar um culpado pelas desgraças resultantes. O economista Jeffrey Sachs enumera casos exemplares: Juan Domingo Perón, Salvador Allende, Alan García e José Sarney. Mas a lista, na verdade, ascende às dezenas.
Os métodos para chegar ao poder, no entanto, são poucos: ou se dá um golpe para "salvar a nação" ou se tenta o caminho das urnas. No primeiro caso, basta criar um plano de governo minimamente convincente, cabalar uma dúzia de generais e, em seguida, derrubar as portas do palácio do governo. As dificuldades começam aí. Para manter o poder se requer uma estratégia mais sutil: o candidato a ditador vai aos pobres, pede-lhes votos e promete defendê-los contra a sanha dos ricos. A seguir, dirige-se aos ricos com a promessa de protegê-los contra a voracidade sem fim dos pobres.
Armados de razoável eloquência, não é difícil para eles convencerem ambos os lados de sua sinceridade, criando nos dois grupos a expectativa de que, uma vez empossados, viveremos todos um novo advento de Deus na Terra. Porém há um problema: os cofres públicos não são imensos como o coração de Deus. Assim sendo, como é que o Tesouro Nacional pode financiar, simultaneamente, o "lucro sem risco" pleiteado por alguns e a riqueza sem trabalho "almejada por muitos"?
Parte-se, então, para o "desenvolvimentismo", curiosa teoria segundo a qual a economia é absolutamente elástica, espichável como uma goma de mascar, para aquilo que a gente gostaria que fosse realizado. Aos "empresários" são concedidos subsídios, isenções fiscais e reservas de mercado. Já para os trabalhadores se criam programas assistencialistas, leis paternalistas e regalias as mais diversificadas.
E quem paga a conta? Ora, o próprio erário.
Como se prevê que tudo isso levará ao desenvolvimento acelerado, é previsível, por consequência, que a economia crescerá em índices acentuados, o que permitirá ao governo arrecadar mais impostos e, com eles, pagar tudo o que sacou antecipadamente. Trata-se, na verdade, de um volumoso cheque emitido contra o futuro.
Os latinos são sempre otimistas porque partem da premissa de que Deus é um cidadão local e não lhes faltará no momento apropriado. O futuro, como ninguém o conhece, cada um o idealiza como bem quiser: os preços do petróleo haverão de cair, os gringos terminarão por perdoar as nossas dívidas, o déficit fiscal acabará por ser corrigido - e tudo, no final, dará certo.
O problema é que esse cheque não tem fundos. Se o bom uísque, como diz um antigo comercial, você só conhece no dia seguinte, o mau uísque, então, nem se fala. A balança comercial implode, o déficit público estoura e os quatro cavaleiros do Apocalipse - quais sejam, a peste, a fome, a guerra e a morte - voltarão. Que ninguém se iluda: de tantos em tantos anos o frenesi recomeça e eles vão se apresentar novamente, um após o outro, num ritmo irresistível, para cobrar dos homens o que lhes é devido.
Igualmente de tanto em tanto tempo, eles voltarão com promessas renovadas e fórmulas muito mais sofisticadas, com uma dosagem mais bem balanceada, para conseguirem convencer novamente os homens. E garantirão o sucesso da poção por pura credulidade dos fregueses. Afinal, é melhor crer do que descrer, acreditar em alguma coisa do que não crer em mais nada.
Assim, quem sabe, Deus se arrepende de sua inflexibilidade, torna-se mais misericordioso e nos concede mais um milagre. Eu prometo que será um só. O resto a gente conversa depois...
Esta é a triste sina dos latino-americanos: acreditamos demais em Deus, a ponto de Ele se ver forçado a, de quando em quando, nos dar uma rasteira de advertência. Como é da sabedoria árabe, confie em Alá, mas não se esqueça de amarrar o seu cavalo.
A culpa, por aqui, é sempre dos outros. Desde que, na década de 1970, cursei a faculdade, tenho reparado que a nossa América Latina está permanentemente em crise - econômica, política e social. Gabriel García Márquez, em seu discurso de recebimento do Prêmio Nobel de Literatura de 1982, afirmou ser este o continente da loucura. Listou o escritor um imenso rol de governantes com traços esquizoides e maníaco-depressivos. Alguns deles falavam com as paredes, outros reclamavam por estarem tão longe de Deus e tão próximos dos Estados Unidos. Fatalismos à parte, o problema parece ser justamente o contrário.
De um lado, acreditamo-nos extremamente íntimos do nosso Deus católico - do qual sempre aguardamos o socorro da Divina Providência; e, de outro, teimamos raivosamente em nos manter distantes dos Estados Unidos. Razões não faltam. O Deus deles é protestante (valha-nos, Senhor! Não mostra piedade pelos pequenos e costuma ajudar mais a quem se ajuda do que a quem reza por ajuda).
Mas deixando Deus de lado, o fato é que o Deus protestante é duro, inflexível e não tem o perdão entre suas práticas habituais. Entende-se, por lá, nos Estados Unidos, que cada um possui o livre-arbítrio e que este deve ser usado com a melhor prática possível. Não, não há salvação possível. Cada um já nasce com o seu destino marcado e não há nada que se possa fazer para mudá-lo.
Não é por acaso que as hecatombes por estas plagas encontram terreno propício para vicejarem. Reza o ditado que, por aqui, as tempestades acontecem sempre antes das enchentes. E por lá elas também são seguidas por tremendas inundações. Aí é um salve-se quem puder!
Da mesma forma, tampouco é fortuito o fato de que a inflação, por aqui, encontre terreno fértil para vicejar. Como nos tangos argentinos, em que o cantante enche a mulher de pancada e depois a amaldiçoa porque ela o deixou na sarjeta, os nossos governantes são especialistas em arruinar a economia e, posteriormente, encontrar um culpado pelas desgraças resultantes. O economista Jeffrey Sachs enumera casos exemplares: Juan Domingo Perón, Salvador Allende, Alan García e José Sarney. Mas a lista, na verdade, ascende às dezenas.
Os métodos para chegar ao poder, no entanto, são poucos: ou se dá um golpe para "salvar a nação" ou se tenta o caminho das urnas. No primeiro caso, basta criar um plano de governo minimamente convincente, cabalar uma dúzia de generais e, em seguida, derrubar as portas do palácio do governo. As dificuldades começam aí. Para manter o poder se requer uma estratégia mais sutil: o candidato a ditador vai aos pobres, pede-lhes votos e promete defendê-los contra a sanha dos ricos. A seguir, dirige-se aos ricos com a promessa de protegê-los contra a voracidade sem fim dos pobres.
Armados de razoável eloquência, não é difícil para eles convencerem ambos os lados de sua sinceridade, criando nos dois grupos a expectativa de que, uma vez empossados, viveremos todos um novo advento de Deus na Terra. Porém há um problema: os cofres públicos não são imensos como o coração de Deus. Assim sendo, como é que o Tesouro Nacional pode financiar, simultaneamente, o "lucro sem risco" pleiteado por alguns e a riqueza sem trabalho "almejada por muitos"?
Parte-se, então, para o "desenvolvimentismo", curiosa teoria segundo a qual a economia é absolutamente elástica, espichável como uma goma de mascar, para aquilo que a gente gostaria que fosse realizado. Aos "empresários" são concedidos subsídios, isenções fiscais e reservas de mercado. Já para os trabalhadores se criam programas assistencialistas, leis paternalistas e regalias as mais diversificadas.
E quem paga a conta? Ora, o próprio erário.
Como se prevê que tudo isso levará ao desenvolvimento acelerado, é previsível, por consequência, que a economia crescerá em índices acentuados, o que permitirá ao governo arrecadar mais impostos e, com eles, pagar tudo o que sacou antecipadamente. Trata-se, na verdade, de um volumoso cheque emitido contra o futuro.
Os latinos são sempre otimistas porque partem da premissa de que Deus é um cidadão local e não lhes faltará no momento apropriado. O futuro, como ninguém o conhece, cada um o idealiza como bem quiser: os preços do petróleo haverão de cair, os gringos terminarão por perdoar as nossas dívidas, o déficit fiscal acabará por ser corrigido - e tudo, no final, dará certo.
O problema é que esse cheque não tem fundos. Se o bom uísque, como diz um antigo comercial, você só conhece no dia seguinte, o mau uísque, então, nem se fala. A balança comercial implode, o déficit público estoura e os quatro cavaleiros do Apocalipse - quais sejam, a peste, a fome, a guerra e a morte - voltarão. Que ninguém se iluda: de tantos em tantos anos o frenesi recomeça e eles vão se apresentar novamente, um após o outro, num ritmo irresistível, para cobrar dos homens o que lhes é devido.
Igualmente de tanto em tanto tempo, eles voltarão com promessas renovadas e fórmulas muito mais sofisticadas, com uma dosagem mais bem balanceada, para conseguirem convencer novamente os homens. E garantirão o sucesso da poção por pura credulidade dos fregueses. Afinal, é melhor crer do que descrer, acreditar em alguma coisa do que não crer em mais nada.
Assim, quem sabe, Deus se arrepende de sua inflexibilidade, torna-se mais misericordioso e nos concede mais um milagre. Eu prometo que será um só. O resto a gente conversa depois...
Esta é a triste sina dos latino-americanos: acreditamos demais em Deus, a ponto de Ele se ver forçado a, de quando em quando, nos dar uma rasteira de advertência. Como é da sabedoria árabe, confie em Alá, mas não se esqueça de amarrar o seu cavalo.
Barbas de molho - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 21/02
SYDNEY - Como a Austrália é um caso raro, quase o único, de país que mantém crescimento constante há 22 anos, o secretário do Tesouro australiano, Joe Hockey, pode se dar ao luxo de advertir os países emergentes. E advertiu.
Em discurso e num encontro fechado com nove jornalistas estrangeiros, entre dezenas que estão em Sydney, Hockey --que preside o G20 financeiro-- destacou que o pior da crise dos países ricos já passou e que os emergentes precisam, digamos, botar as barbas de molho.
Ao defender ajustes e a conclusão de reformas que fortaleçam e protejam os países de solavancos, fez uma advertência e uma sugestão.
Advertência: ajustes e reformas nunca são fáceis e suaves, mas se tornam ainda mais difíceis e ásperos em tempos de eleições (ou de reeleições). Em vez de contenção, gastança; em vez das reformas necessárias, anúncios populistas.
Ele não especificou, mas o alvo foram os "cinco frágeis", que eram, mas não são mais, os queridinhos mundiais: Brasil, Índia, África do Sul, Indonésia e Turquia. Todos têm eleição neste ano.
Sugestão: que os governos saibam informar e explicar as decisões e os porquês de ajustes, "enfrentando o desafio de fazer a comunidade entender e, finalmente, aceitar".
Bom conselho, nesses tempos em que as pessoas dos mais diferentes países se mobilizam pela internet e estão nas ruas protestando. Ou assimilam que tal decisão, apesar de dura, é necessária para o bem geral, ou simplesmente põem pra quebrar --às vezes, literalmente.
Hockey é uma voz a mais no consenso de que, sem rigor fiscal, controle da inflação, capital privado e liberdade comercial, não há desenvolvimento e, sem desenvolvimento, não há bem-estar sustentável.
Se a Austrália cresce sem parar há 22 anos, o Brasil patina há dois e pode perder a condição de Brics (possíveis líderes mundiais em 2050). Convenhamos, isso é até o de menos.
SYDNEY - Como a Austrália é um caso raro, quase o único, de país que mantém crescimento constante há 22 anos, o secretário do Tesouro australiano, Joe Hockey, pode se dar ao luxo de advertir os países emergentes. E advertiu.
Em discurso e num encontro fechado com nove jornalistas estrangeiros, entre dezenas que estão em Sydney, Hockey --que preside o G20 financeiro-- destacou que o pior da crise dos países ricos já passou e que os emergentes precisam, digamos, botar as barbas de molho.
Ao defender ajustes e a conclusão de reformas que fortaleçam e protejam os países de solavancos, fez uma advertência e uma sugestão.
Advertência: ajustes e reformas nunca são fáceis e suaves, mas se tornam ainda mais difíceis e ásperos em tempos de eleições (ou de reeleições). Em vez de contenção, gastança; em vez das reformas necessárias, anúncios populistas.
Ele não especificou, mas o alvo foram os "cinco frágeis", que eram, mas não são mais, os queridinhos mundiais: Brasil, Índia, África do Sul, Indonésia e Turquia. Todos têm eleição neste ano.
Sugestão: que os governos saibam informar e explicar as decisões e os porquês de ajustes, "enfrentando o desafio de fazer a comunidade entender e, finalmente, aceitar".
Bom conselho, nesses tempos em que as pessoas dos mais diferentes países se mobilizam pela internet e estão nas ruas protestando. Ou assimilam que tal decisão, apesar de dura, é necessária para o bem geral, ou simplesmente põem pra quebrar --às vezes, literalmente.
Hockey é uma voz a mais no consenso de que, sem rigor fiscal, controle da inflação, capital privado e liberdade comercial, não há desenvolvimento e, sem desenvolvimento, não há bem-estar sustentável.
Se a Austrália cresce sem parar há 22 anos, o Brasil patina há dois e pode perder a condição de Brics (possíveis líderes mundiais em 2050). Convenhamos, isso é até o de menos.
Em busca da credibilidade perdida - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 21/02
Depois do quase vexame de 2013, quando só não fechou o ano fiscal no vermelho graças a receitas extraordinárias, o governo emitiu, ontem, o mais esperado sinal de que estaria empenhado em recuperar a confiança perdida no mercado financeiro internacional. No discurso que fez no Fórum Econômico Mundial, em Davos, a presidente deu sua palavra de que o Brasil não só não havia abandonado os fundamentos de política econômica que alçaram a nossa economia à condição de confiável para investimentos, como se preparava para adotar medidas de austeridade fiscal.
Foi preciso que as mais importantes agências internacionais de classificação de riscos soberanos, como a Standard & Poors, Moody"s e Fitch, colocassem o Brasil na lista dos países em observação, com risco de rebaixamento, para que a perda passasse a ser encarada com seriedade. Elas não descobriram ou disseram nada que a maioria dos economistas não engajados no governo já tivessem avisado. Foram acusados de fazer guerra psicológica. Além da demora em rever o afrouxamento da política monetária, permitindo que a inflação fugisse do centro da meta pelo terceiro ano consecutivo, o governo tem abusado de soluções criativas para dourar o mau desempenho da política fiscal em 2012 e 2013.
A geração de superavit primário para o pagamento do principal da dívida de um país é um dos indicadores mais observados pelo mercado financeiro. Ele mede o comprometimento e a capacidade técnica do governo de administrar as contas e, como resultado disso, honrar os compromissos com os credores. Para tornar esse desempenho transparente, os governos fixam as metas a serem perseguidas em cada exercício. Para 2012, a meta era gerar superavit primário de 3,1%. Fechou o ano com apenas 2,28%. Em 2013, a meta de 3,1% sofreu reduções e ajustes, fechando em 1,9%, abaixo dos 2% de 2009, no auge da crise internacional.
É desempenho que não transmite segurança ao investidor que aplicou ou pretende aplicar milhões de dólares num país emergente, que apenas recentemente abandonou o voluntarismo e a demagogia do desenvolvimento a qualquer custo. O Brasil, estável politicamente, ainda tem bons indicadores macroeconômicos, mas a dívida pública bruta tem crescido - já equivale a 57% do PIB.
Para acalmar os mercados e, principalmente, para devolver ao país gestão fiscal mais saudável, o governo anunciou ontem que pretende cortar R$ 44 bilhões no orçamento e gerar superavit primário de R$ 99 bilhões, correspondente a 1,9% do PIB. Mas a proporção é a mesma do ano passado, a pior da série histórica iniciada em 2001, e o governo ainda reviu para baixo o crescimento da economia (de 4% para 2,5%). Ou seja, passou para si mesmo um dever de casa bem mais leve do que se esperava. Corre o risco de ser entendido como falta de coragem política. Pior, muito pior, será se nem isso for cumprido.
Foi preciso que as mais importantes agências internacionais de classificação de riscos soberanos, como a Standard & Poors, Moody"s e Fitch, colocassem o Brasil na lista dos países em observação, com risco de rebaixamento, para que a perda passasse a ser encarada com seriedade. Elas não descobriram ou disseram nada que a maioria dos economistas não engajados no governo já tivessem avisado. Foram acusados de fazer guerra psicológica. Além da demora em rever o afrouxamento da política monetária, permitindo que a inflação fugisse do centro da meta pelo terceiro ano consecutivo, o governo tem abusado de soluções criativas para dourar o mau desempenho da política fiscal em 2012 e 2013.
A geração de superavit primário para o pagamento do principal da dívida de um país é um dos indicadores mais observados pelo mercado financeiro. Ele mede o comprometimento e a capacidade técnica do governo de administrar as contas e, como resultado disso, honrar os compromissos com os credores. Para tornar esse desempenho transparente, os governos fixam as metas a serem perseguidas em cada exercício. Para 2012, a meta era gerar superavit primário de 3,1%. Fechou o ano com apenas 2,28%. Em 2013, a meta de 3,1% sofreu reduções e ajustes, fechando em 1,9%, abaixo dos 2% de 2009, no auge da crise internacional.
É desempenho que não transmite segurança ao investidor que aplicou ou pretende aplicar milhões de dólares num país emergente, que apenas recentemente abandonou o voluntarismo e a demagogia do desenvolvimento a qualquer custo. O Brasil, estável politicamente, ainda tem bons indicadores macroeconômicos, mas a dívida pública bruta tem crescido - já equivale a 57% do PIB.
Para acalmar os mercados e, principalmente, para devolver ao país gestão fiscal mais saudável, o governo anunciou ontem que pretende cortar R$ 44 bilhões no orçamento e gerar superavit primário de R$ 99 bilhões, correspondente a 1,9% do PIB. Mas a proporção é a mesma do ano passado, a pior da série histórica iniciada em 2001, e o governo ainda reviu para baixo o crescimento da economia (de 4% para 2,5%). Ou seja, passou para si mesmo um dever de casa bem mais leve do que se esperava. Corre o risco de ser entendido como falta de coragem política. Pior, muito pior, será se nem isso for cumprido.
Enfim, a meta fiscal de 2014 - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 21/02
Faltando menos de duas semanas para o carnaval, os brasileiros conhecem finalmente, com quase dois meses de atraso, um dos itens mais importantes da política econômica: a meta fiscal aprovada pela presidente Dilma Rousseff. O resultado previsto no Orçamento aprovado no fim do ano jamais foi levado a sério. A meta agora sacramentada é um superávit primário de R$ 99 bilhões para todo o setor público, soma equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2014. O governo central deverá contribuir com R$ 80,8 bilhões. O anúncio foi bem recebido por boa parte do mercado financeiro. Pelo menos quanto a isso o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e sua colega do Planejamento, Miriam Belchior, podem ficar satisfeitos. Reconquistar a confiança dos mercados e afastar o risco de um rebaixamento da nota de crédito do Brasil têm sido, neste começo de ano, um dos principais objetivos da administração federal. Mas a vitória ainda é insegura. Falta esclarecer pontos importantes dos novos planos e mostrar seriedade e eficiência, nos próximos meses, na gestão das finanças públicas.
Para começar, o governo promete podar R$ 44 bilhões dos gastos previstos no Orçamento aprovado no fim do ano. Mais que um contingenciamento, isto é, uma suspensão provisória de despesas, o corte deve ser definitivo, por causa da perspectiva de baixo crescimento econômico neste ano. Pelas novas projeções, o PIB deve crescer 2,5% em 2013, em vez dos 3,8% indicados no Orçamento. Com menor crescimento e gastos contidos, o governo agora prevê inflação de 5,3%, meio ponto abaixo da estimada anteriormente.
Mas seria prematuro entender o plano recém-anunciado como um compromisso de austeridade e de bom planejamento das ações de governo. O resultado fiscal prometido vai depender de R$ 13,5 bilhões de receitas extraordinárias, proporcionadas, segundo se prevê, por novas concessões na área de infraestrutura. Será uma soma bem menor que a obtida no ano passado, de cerca de R$ 35 bilhões, mas, ainda assim, com peso considerável: R$ 13,5 bilhões correspondem a 16,7%, pouco mais que um sexto dos R$ 80,8 bilhões de superávit primário previstos para o governo central. Além disso, o Tesouro contará com dividendos pagos pelas estatais e sensivelmente ampliados nos últimos anos.
Entre os fatores de incerteza, destaca-se neste momento o custo fiscal da energia produzida pelas térmicas, bem mais cara que a gerada pelas hidrelétricas. No ano passado, o Tesouro contribuiu com R$ 9 bilhões - mesmo valor previsto para este ano - para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), usada para cobrir, entre outros itens, o subsídio ao consumo de eletricidade. Se o governo insistir em subsidiar o consumo, para evitar o repasse de custos aos consumidores, será preciso pôr mais dinheiro na CDE. Não há estimativa de custo adicional, disse o ministro da Fazenda. Segundo especialistas, o dispêndio para o Tesouro poderá subir para uns R$ 15 bilhões, talvez mais. Se isso se confirmar, será preciso podar mais uns R$ 6 bilhões de outras contas para garantir o resultado prometido.
Mesmo sem discutir esse ponto, os ministros da Fazenda e do Planejamento prometeram concentrar os cortes nos itens de custeio, mas admitiram também alguma redução do investimento. Não haverá neste ano, disse também o ministro Mantega, novas desonerações de tributos para setores produtivos.
A redução do crescimento previsto parece um sopro de realismo, virtude rara na fala da presidente Dilma Rousseff e de seus auxiliares. Mas o ministro Mantega insistiu, durante a apresentação do plano, em atribuir a piora das perspectivas brasileiras ao cenário internacional inseguro e com recuperação econômica ainda lenta. Ele seria muito mais convincente e muito mais tranquilizante se abandonasse o discurso fantasioso e admitisse um fato bem conhecido dentro e fora do País: os mais importantes entraves ao crescimento brasileiro são problemas internos, como o gasto público excessivo e ineficiente, a inflação elevada e o investimento muito baixo. Se o objetivo é reconquistar confiança, conversa franca seria um começo muito mais promissor.
Faltando menos de duas semanas para o carnaval, os brasileiros conhecem finalmente, com quase dois meses de atraso, um dos itens mais importantes da política econômica: a meta fiscal aprovada pela presidente Dilma Rousseff. O resultado previsto no Orçamento aprovado no fim do ano jamais foi levado a sério. A meta agora sacramentada é um superávit primário de R$ 99 bilhões para todo o setor público, soma equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2014. O governo central deverá contribuir com R$ 80,8 bilhões. O anúncio foi bem recebido por boa parte do mercado financeiro. Pelo menos quanto a isso o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e sua colega do Planejamento, Miriam Belchior, podem ficar satisfeitos. Reconquistar a confiança dos mercados e afastar o risco de um rebaixamento da nota de crédito do Brasil têm sido, neste começo de ano, um dos principais objetivos da administração federal. Mas a vitória ainda é insegura. Falta esclarecer pontos importantes dos novos planos e mostrar seriedade e eficiência, nos próximos meses, na gestão das finanças públicas.
Para começar, o governo promete podar R$ 44 bilhões dos gastos previstos no Orçamento aprovado no fim do ano. Mais que um contingenciamento, isto é, uma suspensão provisória de despesas, o corte deve ser definitivo, por causa da perspectiva de baixo crescimento econômico neste ano. Pelas novas projeções, o PIB deve crescer 2,5% em 2013, em vez dos 3,8% indicados no Orçamento. Com menor crescimento e gastos contidos, o governo agora prevê inflação de 5,3%, meio ponto abaixo da estimada anteriormente.
Mas seria prematuro entender o plano recém-anunciado como um compromisso de austeridade e de bom planejamento das ações de governo. O resultado fiscal prometido vai depender de R$ 13,5 bilhões de receitas extraordinárias, proporcionadas, segundo se prevê, por novas concessões na área de infraestrutura. Será uma soma bem menor que a obtida no ano passado, de cerca de R$ 35 bilhões, mas, ainda assim, com peso considerável: R$ 13,5 bilhões correspondem a 16,7%, pouco mais que um sexto dos R$ 80,8 bilhões de superávit primário previstos para o governo central. Além disso, o Tesouro contará com dividendos pagos pelas estatais e sensivelmente ampliados nos últimos anos.
Entre os fatores de incerteza, destaca-se neste momento o custo fiscal da energia produzida pelas térmicas, bem mais cara que a gerada pelas hidrelétricas. No ano passado, o Tesouro contribuiu com R$ 9 bilhões - mesmo valor previsto para este ano - para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), usada para cobrir, entre outros itens, o subsídio ao consumo de eletricidade. Se o governo insistir em subsidiar o consumo, para evitar o repasse de custos aos consumidores, será preciso pôr mais dinheiro na CDE. Não há estimativa de custo adicional, disse o ministro da Fazenda. Segundo especialistas, o dispêndio para o Tesouro poderá subir para uns R$ 15 bilhões, talvez mais. Se isso se confirmar, será preciso podar mais uns R$ 6 bilhões de outras contas para garantir o resultado prometido.
Mesmo sem discutir esse ponto, os ministros da Fazenda e do Planejamento prometeram concentrar os cortes nos itens de custeio, mas admitiram também alguma redução do investimento. Não haverá neste ano, disse também o ministro Mantega, novas desonerações de tributos para setores produtivos.
A redução do crescimento previsto parece um sopro de realismo, virtude rara na fala da presidente Dilma Rousseff e de seus auxiliares. Mas o ministro Mantega insistiu, durante a apresentação do plano, em atribuir a piora das perspectivas brasileiras ao cenário internacional inseguro e com recuperação econômica ainda lenta. Ele seria muito mais convincente e muito mais tranquilizante se abandonasse o discurso fantasioso e admitisse um fato bem conhecido dentro e fora do País: os mais importantes entraves ao crescimento brasileiro são problemas internos, como o gasto público excessivo e ineficiente, a inflação elevada e o investimento muito baixo. Se o objetivo é reconquistar confiança, conversa franca seria um começo muito mais promissor.
Metas fiscais têm de ser cumpridas sem artifícios - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 21/02
Se o governo realmente reduzir os gastos previstos, as expectativas podem se tornar novamente mais positivas, facilitando a recuperação da economia brasileira
Os mercados reagiram positivamente ao anúncio de que o governo federal promoverá corte de gastos para que o setor público como um todo acumule este ano um superávit primário equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Não poderia haver melhor resposta sobre a indagação se esse é mesmo o melhor caminho a se seguir para que as expectativas quanto aos rumos da economia brasileira voltem a ser mais animadoras.
Ao que tudo indica, os mercados consideram preferível uma meta mais realista do que a fixação de parâmetros mais ousados, porém que sejam alcançados apenas por meio de uma “contabilidade criativa”. Existe uma natural desconfiança em relação ao cumprimento de uma política fiscal mais austera em ano de eleições gerais, quando interesses partidários de curtíssimo prazo costumam se sobrepor aos do conjunto da nação. Mas a economia brasileira passa por momento delicado, que exige uma contribuição imediata e relevante da política fiscal.
O governo reviu as projeções de crescimento para este ano, mais próximas das que têm sido estimadas pela maioria dos especialistas. Isso significa que não pode contar com o incremento de receitas tributárias que serviu de base para a elaboração do orçamento da União. No lugar de uma expansão de 4,5% para o PIB, agora o governo trabalha com a hipótese de 2,5%. Mesmo assim, há quem considere a estimativa ainda muito otimista.
Sem o incremento projetado originalmente, não haverá recursos disponíveis para a totalidade das despesas definidas no Orçamento. O decreto que revê a execução orçamentária, anunciado ontem, estabelece que cerca de R$ 44 bilhões em gastos ficarão contingenciados, e somente serão liberados se houver um aumento de arrecadação que viabilize tais despesas, mas já descontando-se a contribuição que o Tesouro dará para a acumulação de um superávit primário consolidado do setor público de aproximadamente R$ 99 bilhões.
O esforço adicional para se alcançar essas metas terá de vir da esfera federal. Compreensível, pois é a União que detém a parcela mais expressiva da receita tributária. Além disso, a política econômica é definida pela ação do governo federal; estados e municípios é que se ajustam a ela, e não o inverso. Embora pareça um contrassenso em ano eleitoral, uma política fiscal de alguma austeridade é no momento um instrumento de recuperação da economia, porque ajuda no combate à inflação, tirando da política monetária (juros) toda a responsabilidade de desarme das pressões sobre os preços. Se as expectativas dos agentes econômicos se tornarem mais favoráveis, aqui e no exterior, as taxas de juros poderão se acomodar em patamares menos elevados, facilitando a retomada de investimentos no país.
O governo definiu metas mais realistas para as finanças públicas. Resta agora cumpri-las seriamente, sem malabarismos ou artifícios que foram utilizados em passado recente.
Se o governo realmente reduzir os gastos previstos, as expectativas podem se tornar novamente mais positivas, facilitando a recuperação da economia brasileira
Os mercados reagiram positivamente ao anúncio de que o governo federal promoverá corte de gastos para que o setor público como um todo acumule este ano um superávit primário equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Não poderia haver melhor resposta sobre a indagação se esse é mesmo o melhor caminho a se seguir para que as expectativas quanto aos rumos da economia brasileira voltem a ser mais animadoras.
Ao que tudo indica, os mercados consideram preferível uma meta mais realista do que a fixação de parâmetros mais ousados, porém que sejam alcançados apenas por meio de uma “contabilidade criativa”. Existe uma natural desconfiança em relação ao cumprimento de uma política fiscal mais austera em ano de eleições gerais, quando interesses partidários de curtíssimo prazo costumam se sobrepor aos do conjunto da nação. Mas a economia brasileira passa por momento delicado, que exige uma contribuição imediata e relevante da política fiscal.
O governo reviu as projeções de crescimento para este ano, mais próximas das que têm sido estimadas pela maioria dos especialistas. Isso significa que não pode contar com o incremento de receitas tributárias que serviu de base para a elaboração do orçamento da União. No lugar de uma expansão de 4,5% para o PIB, agora o governo trabalha com a hipótese de 2,5%. Mesmo assim, há quem considere a estimativa ainda muito otimista.
Sem o incremento projetado originalmente, não haverá recursos disponíveis para a totalidade das despesas definidas no Orçamento. O decreto que revê a execução orçamentária, anunciado ontem, estabelece que cerca de R$ 44 bilhões em gastos ficarão contingenciados, e somente serão liberados se houver um aumento de arrecadação que viabilize tais despesas, mas já descontando-se a contribuição que o Tesouro dará para a acumulação de um superávit primário consolidado do setor público de aproximadamente R$ 99 bilhões.
O esforço adicional para se alcançar essas metas terá de vir da esfera federal. Compreensível, pois é a União que detém a parcela mais expressiva da receita tributária. Além disso, a política econômica é definida pela ação do governo federal; estados e municípios é que se ajustam a ela, e não o inverso. Embora pareça um contrassenso em ano eleitoral, uma política fiscal de alguma austeridade é no momento um instrumento de recuperação da economia, porque ajuda no combate à inflação, tirando da política monetária (juros) toda a responsabilidade de desarme das pressões sobre os preços. Se as expectativas dos agentes econômicos se tornarem mais favoráveis, aqui e no exterior, as taxas de juros poderão se acomodar em patamares menos elevados, facilitando a retomada de investimentos no país.
O governo definiu metas mais realistas para as finanças públicas. Resta agora cumpri-las seriamente, sem malabarismos ou artifícios que foram utilizados em passado recente.
Promessa de austeridade - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - 21/02
Depois de tornar claras suas intenções para preservar a economia, o Planalto precisa agora convencer os investidores de que o rigor fiscal é para valer.
Pressionado pela piora nas contas públicas e pelo aumento da desconfiança dos investidores internacionais em relação à estabilidade da economia brasileira, o governo federal comprometeu-se ontem com uma série de indicadores que na prática podem implicar um reforço importante na austeridade até o final do ano. Um deles é a meta de superávit primário equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), que representaria uma reserva de R$ 99 bilhões para pagamento de juros da dívida. Um esforço desse tamanho, levemente inferior ao do ano passado, vai exigir cortes de R$ 44 bilhões no orçamento, atingindo até mesmo investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Por isso, o maior desafio do ministro Guido Mantega, da Fazenda, não será o de convencer o mercado de que as intenções são consistentes, mas, sim, de que são factíveis, num ano marcado por campanha eleitoral.
Embora tenham sido apontados como significativos pelo governo, os números não chegaram a ser considerados relevantes pelo mercado financeiro, como a intenção de limitar a inflação em 5,3% e a de assegurar uma expansão do PIB em 2,5%. Desde que, de uma situação confortável em meio a um cenário de incertezas econômicas, o país passou a ser incluído com insistência no grupo dos vulneráveis, não havia mais como a Fazenda postergar compromissos de rigor fiscal. A política deliberada de expansão dos gastos na tentativa de estimular o consumo e os investimentos acabou pressionando a inflação e, em consequência, a taxa básica de juros, com impacto considerável sobre a dívida pública e as contas governamentais. A prioridade neste momento, portanto, tem que ser a de deter esse círculo vicioso, no qual as receitas não conseguem acompanhar os gastos.
A questão é que, mais uma vez, o país que poderia estar expandindo sua economia de forma consistente para manter conquistas importantes como o pleno emprego e os avanços sociais está diante da necessidade de conter despesas para evitar um impacto maior sobre os preços. Uma parte significativa dos cortes será nas emendas parlamentares, mas, embora haja a garantia de preservar áreas essenciais, o governo não teve como evitar um impacto nem mesmo no PAC, que engloba seus projetos de maior visibilidade.
Depois de tornar claras suas intenções para preservar a economia, o Planalto precisa agora convencer os investidores de que o rigor fiscal é para valer, mesmo num ano eleitoral, e não se prestará para qualquer tipo de prestidigitação. É importante também que, diante de dificuldades desse tipo, possa compensar a falta de recursos oficiais investindo mais em alternativas como as concessões, por exemplo.
Depois de tornar claras suas intenções para preservar a economia, o Planalto precisa agora convencer os investidores de que o rigor fiscal é para valer.
Pressionado pela piora nas contas públicas e pelo aumento da desconfiança dos investidores internacionais em relação à estabilidade da economia brasileira, o governo federal comprometeu-se ontem com uma série de indicadores que na prática podem implicar um reforço importante na austeridade até o final do ano. Um deles é a meta de superávit primário equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), que representaria uma reserva de R$ 99 bilhões para pagamento de juros da dívida. Um esforço desse tamanho, levemente inferior ao do ano passado, vai exigir cortes de R$ 44 bilhões no orçamento, atingindo até mesmo investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Por isso, o maior desafio do ministro Guido Mantega, da Fazenda, não será o de convencer o mercado de que as intenções são consistentes, mas, sim, de que são factíveis, num ano marcado por campanha eleitoral.
Embora tenham sido apontados como significativos pelo governo, os números não chegaram a ser considerados relevantes pelo mercado financeiro, como a intenção de limitar a inflação em 5,3% e a de assegurar uma expansão do PIB em 2,5%. Desde que, de uma situação confortável em meio a um cenário de incertezas econômicas, o país passou a ser incluído com insistência no grupo dos vulneráveis, não havia mais como a Fazenda postergar compromissos de rigor fiscal. A política deliberada de expansão dos gastos na tentativa de estimular o consumo e os investimentos acabou pressionando a inflação e, em consequência, a taxa básica de juros, com impacto considerável sobre a dívida pública e as contas governamentais. A prioridade neste momento, portanto, tem que ser a de deter esse círculo vicioso, no qual as receitas não conseguem acompanhar os gastos.
A questão é que, mais uma vez, o país que poderia estar expandindo sua economia de forma consistente para manter conquistas importantes como o pleno emprego e os avanços sociais está diante da necessidade de conter despesas para evitar um impacto maior sobre os preços. Uma parte significativa dos cortes será nas emendas parlamentares, mas, embora haja a garantia de preservar áreas essenciais, o governo não teve como evitar um impacto nem mesmo no PAC, que engloba seus projetos de maior visibilidade.
Depois de tornar claras suas intenções para preservar a economia, o Planalto precisa agora convencer os investidores de que o rigor fiscal é para valer, mesmo num ano eleitoral, e não se prestará para qualquer tipo de prestidigitação. É importante também que, diante de dificuldades desse tipo, possa compensar a falta de recursos oficiais investindo mais em alternativas como as concessões, por exemplo.
Células de suspeita - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 21/02
A pesquisa biomédica sofreu um terremoto no final de janeiro com a notícia de que biólogos do Japão tinham criado um método ultrassimplificado para obter células pluripotentes, que podem em tese originar qualquer tecido do corpo. Três semanas depois, esse campo volta a sofrer abalos --agora por suspeita de fraude.
A pesquisadora Haruko Obokata, do Instituto Riken, na cidade de Kobe, relatou o cultivo de células-tronco de tipo embrionário, a partir de células adultas de camundongos, só com um banho ácido.
Até então, para chegar a essas células promissoras para terapias de doenças degenerativas como o mal de Parkinson, era preciso recorrer a processos trabalhosos de clonagem e manipulação genética.
Por isso, diversos laboratórios queriam reproduzir a técnica, mas nenhum teve sucesso. Foi o primeiro sinal de alerta. Depois circularam entre especialistas comentários sobre problemas com imagens em outros trabalhos de Obokata. Do exame do novo estudo surgiram suspeitas de repetição de uma imagem e manipulação de outra. O Instituto Riken anunciou o início de investigações acerca do assunto.
O caso tem contornos similares ao do sul-coreano Woo-Suk Hwang. Em fevereiro de 2004 e maio de 2005, seu grupo divulgou a clonagem de embriões humanos e o cultivo de células-tronco a partir deles. Em dezembro, os trabalhos foram anulados por fraude.
A diferença está na rapidez com que Obokata se viu sob os holofotes. Hwang sofreu acusações de falta de ética na obtenção de óvulos humanos logo após sua publicação, mas as de falsificação de dados --em seguida comprovadas-- só vieram à tona quase dois anos depois do primeiro estudo.
Há semelhanças preocupantes, porém, a começar pela área de pesquisa com grande potencial e, portanto, alto nível de competição. Isso gera pressão sobre os cientistas para que sejam os primeiros a publicar --em especial, supõe-se, no caso de Obokata, jovem pesquisadora na posição incomum (no Japão) de chefe de laboratório.
Até aqui, o episódio evidencia o saudável processo de autodepuração da ciência. Se verificada a fraude, no entanto, será mais um caso a lançar suspeita sobre um campo de pesquisa que tanta esperança desperta no público.
A pesquisa biomédica sofreu um terremoto no final de janeiro com a notícia de que biólogos do Japão tinham criado um método ultrassimplificado para obter células pluripotentes, que podem em tese originar qualquer tecido do corpo. Três semanas depois, esse campo volta a sofrer abalos --agora por suspeita de fraude.
A pesquisadora Haruko Obokata, do Instituto Riken, na cidade de Kobe, relatou o cultivo de células-tronco de tipo embrionário, a partir de células adultas de camundongos, só com um banho ácido.
Até então, para chegar a essas células promissoras para terapias de doenças degenerativas como o mal de Parkinson, era preciso recorrer a processos trabalhosos de clonagem e manipulação genética.
Por isso, diversos laboratórios queriam reproduzir a técnica, mas nenhum teve sucesso. Foi o primeiro sinal de alerta. Depois circularam entre especialistas comentários sobre problemas com imagens em outros trabalhos de Obokata. Do exame do novo estudo surgiram suspeitas de repetição de uma imagem e manipulação de outra. O Instituto Riken anunciou o início de investigações acerca do assunto.
O caso tem contornos similares ao do sul-coreano Woo-Suk Hwang. Em fevereiro de 2004 e maio de 2005, seu grupo divulgou a clonagem de embriões humanos e o cultivo de células-tronco a partir deles. Em dezembro, os trabalhos foram anulados por fraude.
A diferença está na rapidez com que Obokata se viu sob os holofotes. Hwang sofreu acusações de falta de ética na obtenção de óvulos humanos logo após sua publicação, mas as de falsificação de dados --em seguida comprovadas-- só vieram à tona quase dois anos depois do primeiro estudo.
Há semelhanças preocupantes, porém, a começar pela área de pesquisa com grande potencial e, portanto, alto nível de competição. Isso gera pressão sobre os cientistas para que sejam os primeiros a publicar --em especial, supõe-se, no caso de Obokata, jovem pesquisadora na posição incomum (no Japão) de chefe de laboratório.
Até aqui, o episódio evidencia o saudável processo de autodepuração da ciência. Se verificada a fraude, no entanto, será mais um caso a lançar suspeita sobre um campo de pesquisa que tanta esperança desperta no público.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Você chamou a presidenta Dilma de presidenta Lula”
Ministro Guido Mantega corrigindo a atrapalhada colega Miriam Belchior
PARTIDOS ALIADOS ENSAIAM ‘BLOCÃO’ CONTRA DILMA
Insatisfeitos com as imposições da presidente Dilma nas votações na Câmara, e sobretudo com a distribuição de cargos, a base aliada se articula em “blocão” informal, com PMDB, PP, PROS, PSD, PR, PDT e PTB, para medir forças com o Planalto. Em jantar, quarta, na casa do deputado Luiz Fernando Faria (PP-MG), líderes atacaram Dilma por tratá-los como meros “chanceladores” dos interesses do governo.
VALENTIA
Os líderes rebeldes, que representam 259 deputados, marcaram novo encontro para terça, quando definirão pauta de projetos para votação.
CARGOS, CARGOS
Os deputados aliados ao governo acusam o PT de tentar “dizimá-los”, com o objetivo de concentrar todo o poder (e cargos) entre petistas.
SOBROU PARA ELE
Portador de recados do Planalto, o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), foi à reunião dos rebeldes, mas ficou calado.
ELES QUEREM É ROSETAR
Os deputados federais aliados fazem barulho para tentar valorizar o apoio deles à reeleição de Dilma, mas ela nem sequer lhes pede votos.
PT AVALIA QUE CPI MANTERÁ BLACK BLOCS ACUADOS
O PMDB e o partido Solidariedade são os mais empenhados em emplacar a CPI Mista dos Black Blocs. Os presidentes do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), estão deixando correr solto para ver no que isso vai dar. Na contramão da bancada do Rio de Janeiro, ala do PT defende a CPMI alegando que as investigações podem esfriar protestos mais violentos durante a Copa.
PERGUNTA NO CONGRESSO
Terá sido de peroba o óleo que vazou do Palácio do Planalto poluindo o Lago Paranoá de Brasília?
CONTÁGIO
Parece piada, mas um posto de atendimento do Tribunal Regional Federal no Rio fechou por falta d’água. Fica na Avenida... Venezuela.
A FILA NÃO ANDA
Os bancos, sim, mas órgãos públicos e a Receita não disponibilizaram ainda a declaração de rendimentos. O prazo termina próxima sexta, 28.
TAREFA ÁRDUA
Mal terminou discurso em defesa de Eduardo Azeredo, que renunciou para não enfrentar o julgamento do mensalão tucano no STF, Marcus Pestana (MG) recebeu telefonema do correligionário em agradecimento.
CRUZ OU ESPADA
O PSDB intensificou a pressão para Bernardinho se lançar ao governo do Rio de Janeiro. O esportista, que também sofre pressão da família para ficar fora da disputa, pediu até o fim do carnaval para dar uma resposta.
STF RIDICULARIZADO
Advogada de José Roberto Salgado (ex-Banco Rural) ridicularizou a tese de formação de quadrilha no STF.
Segundo Maíra Salomi, essa possibilidade só poderia ter existido em um “âmbito paranormal”.
ENCANTADORA
Dilma chamou Edinho Araújo de “presidente do PMDB-SP”, em jantar no Jaburu. Percebeu o engano: “Olha só, Baleia [Rossi], eu te demiti. Mas gosto muito de você...”. Ela é um doce até quando se desculpa.
ÁGUAS TURVAS
O serviço público exige ao menos dez “nada consta” de servidores, mas o novo superintendente da Pesca em Pernambuco, Josemir de Vasconcelos, passou raspando: policial e advogado, foi citado em 2000 na CPI estadual da Pistolagem e do Narcotráfico, que deu em nada.
NÃO DESENCARNOU
Lula manda tanto no governo que até ministros confundem o ocupante do principal gabinete do terceiro andar do Planalto: a ministra Miriam Belchior (Planejamento) chamou sua chefe de “presidenta Lula”.
DEMANDA DO POVO
Aliado do governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), o deputado Leonardo Picciani defende a criação de CPMI para investigar Black Blocs: “95% do Rio são contra atos de vandalismo e a violência nas manifestações”.
NOTA ZERO
Operação policial na Austrália prendeu 16 estudantes brasileiros desde novembro de 2013, envolvidos em rede de tráfico de drogas, e procura outros, fora do país. Já apreenderam mais de 14 quilos de cocaína.
PENSANDO BEM..
...escapando da pena de formação de quadrilha, os mensaleiros ainda podem se inscrever no bloco de sujos da Terça-Feira Gorda.
PODER SEM PUDOR
O SR. É O FAMOSO QUEM?
O ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger visitava o então governador de São Paulo, Mario Covas, em meio às notícias sobre intervenção federal no Banespa. A certa altura, na entrevista coletiva sobre planos de investimento de empresas dos EUA no Brasil, Covas sugeriu que se fizesse perguntas ao visitante. Um jovem repórter se dirigiu a Kissinger:
- O senhor veio aqui tratar do Banespa?
Ministro Guido Mantega corrigindo a atrapalhada colega Miriam Belchior
PARTIDOS ALIADOS ENSAIAM ‘BLOCÃO’ CONTRA DILMA
Insatisfeitos com as imposições da presidente Dilma nas votações na Câmara, e sobretudo com a distribuição de cargos, a base aliada se articula em “blocão” informal, com PMDB, PP, PROS, PSD, PR, PDT e PTB, para medir forças com o Planalto. Em jantar, quarta, na casa do deputado Luiz Fernando Faria (PP-MG), líderes atacaram Dilma por tratá-los como meros “chanceladores” dos interesses do governo.
VALENTIA
Os líderes rebeldes, que representam 259 deputados, marcaram novo encontro para terça, quando definirão pauta de projetos para votação.
CARGOS, CARGOS
Os deputados aliados ao governo acusam o PT de tentar “dizimá-los”, com o objetivo de concentrar todo o poder (e cargos) entre petistas.
SOBROU PARA ELE
Portador de recados do Planalto, o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), foi à reunião dos rebeldes, mas ficou calado.
ELES QUEREM É ROSETAR
Os deputados federais aliados fazem barulho para tentar valorizar o apoio deles à reeleição de Dilma, mas ela nem sequer lhes pede votos.
PT AVALIA QUE CPI MANTERÁ BLACK BLOCS ACUADOS
O PMDB e o partido Solidariedade são os mais empenhados em emplacar a CPI Mista dos Black Blocs. Os presidentes do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), estão deixando correr solto para ver no que isso vai dar. Na contramão da bancada do Rio de Janeiro, ala do PT defende a CPMI alegando que as investigações podem esfriar protestos mais violentos durante a Copa.
PERGUNTA NO CONGRESSO
Terá sido de peroba o óleo que vazou do Palácio do Planalto poluindo o Lago Paranoá de Brasília?
CONTÁGIO
Parece piada, mas um posto de atendimento do Tribunal Regional Federal no Rio fechou por falta d’água. Fica na Avenida... Venezuela.
A FILA NÃO ANDA
Os bancos, sim, mas órgãos públicos e a Receita não disponibilizaram ainda a declaração de rendimentos. O prazo termina próxima sexta, 28.
TAREFA ÁRDUA
Mal terminou discurso em defesa de Eduardo Azeredo, que renunciou para não enfrentar o julgamento do mensalão tucano no STF, Marcus Pestana (MG) recebeu telefonema do correligionário em agradecimento.
CRUZ OU ESPADA
O PSDB intensificou a pressão para Bernardinho se lançar ao governo do Rio de Janeiro. O esportista, que também sofre pressão da família para ficar fora da disputa, pediu até o fim do carnaval para dar uma resposta.
STF RIDICULARIZADO
Advogada de José Roberto Salgado (ex-Banco Rural) ridicularizou a tese de formação de quadrilha no STF.
Segundo Maíra Salomi, essa possibilidade só poderia ter existido em um “âmbito paranormal”.
ENCANTADORA
Dilma chamou Edinho Araújo de “presidente do PMDB-SP”, em jantar no Jaburu. Percebeu o engano: “Olha só, Baleia [Rossi], eu te demiti. Mas gosto muito de você...”. Ela é um doce até quando se desculpa.
ÁGUAS TURVAS
O serviço público exige ao menos dez “nada consta” de servidores, mas o novo superintendente da Pesca em Pernambuco, Josemir de Vasconcelos, passou raspando: policial e advogado, foi citado em 2000 na CPI estadual da Pistolagem e do Narcotráfico, que deu em nada.
NÃO DESENCARNOU
Lula manda tanto no governo que até ministros confundem o ocupante do principal gabinete do terceiro andar do Planalto: a ministra Miriam Belchior (Planejamento) chamou sua chefe de “presidenta Lula”.
DEMANDA DO POVO
Aliado do governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), o deputado Leonardo Picciani defende a criação de CPMI para investigar Black Blocs: “95% do Rio são contra atos de vandalismo e a violência nas manifestações”.
NOTA ZERO
Operação policial na Austrália prendeu 16 estudantes brasileiros desde novembro de 2013, envolvidos em rede de tráfico de drogas, e procura outros, fora do país. Já apreenderam mais de 14 quilos de cocaína.
PENSANDO BEM..
...escapando da pena de formação de quadrilha, os mensaleiros ainda podem se inscrever no bloco de sujos da Terça-Feira Gorda.
PODER SEM PUDOR
O SR. É O FAMOSO QUEM?
O ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger visitava o então governador de São Paulo, Mario Covas, em meio às notícias sobre intervenção federal no Banespa. A certa altura, na entrevista coletiva sobre planos de investimento de empresas dos EUA no Brasil, Covas sugeriu que se fizesse perguntas ao visitante. Um jovem repórter se dirigiu a Kissinger:
- O senhor veio aqui tratar do Banespa?
SEXTA NOS JORNAIS
- Globo: Ucrânia sofre sanções após massacre nas ruas
- Folha: À beira de guerra civil, Ucrânia enfrenta dia mais sangrento
- Estadão: Governo corta R$ 44 bi e mercado reage com cautela
- Correio: Da loucura que mata…
- Estado de Minas: Caça aos boateiros
- Jornal do Commercio: Acaba o mistério. O escolhido é Câmara
- Zero Hora: Em busca de credibilidade: Planalto corta R$ 44 bilhões
- Brasil Econômico: Corte bom para imagem, mas de eficácia duvidosa
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