A maestria de Lula sobre a cancha eleitoral é consequência de um raro olhar para vida pública brasileira e do mais sofisticado entendimento do que seja o establishment político
O Datafolha divulgou nova pesquisa de intenção de voto a presidente, lançada à rua logo após a prisão de Lula. Li de tudo a respeito, inclusive que os números extraídos do levantamento seriam negativos a ele, condenado e preso, e ainda assim com o dobro do segundo colocado e vencedor em todas as hipóteses de segundo turno. Se é mesmo impossível aprofundar comparações com os cenários da pesquisa de janeiro, uma vez que nenhum deles se repetiu em abril, uma coisa é certa: Lula — um presidiário — lidera, com 30%, apesar da percepção dos eleitores, objetiva, de que não poderá disputar, ao que se seguem as constatações, casadas, de que sua capacidade de transmitir votos não apenas se manteve, mas ainda avançou, e de que a rejeição à sua candidatura diminuiu.
O resultado é confirmação de meu artigo anterior, cuja tese posso atualizar assim: graças ao palanque com hora marcada inventado por Moro, em seguida transformado em rave pela Polícia Federal, Lula foi o maior beneficiário eleitoral da própria prisão. Fato ante o qual só se surpreende quem ignora as consequências de tratar como exceção aquele que estofou para si, com método, o trono de vítima, segundo a própria narrativa, de um processo de... exceção.
Lula é o pauteiro-mor do debate público relativo às eleições — e nesse lugar tem estado desde que o justiçamento da Lava-Jato, sobretudo com o jacobinismo de Janot e a obra ficção em que consistiu a delação dos donos da JBS, anulou gradações criminosas para dar às práticas de caixa 2 e propina a mesma natureza do assalto autoritário ao Estado, um projeto com lastro ideológico, por meio do qual um partido pretendeu, de modo sem precedente, financiar a própria permanência no poder.
Desde então, Lula é o senhor do tabuleiro eleitoral, condição em que permaneceu mesmo depois de condenado em segunda instância — resiliência jogadora a respeito de cuja queda, concretizada a prisão, a história recente sugere menos confiança e torcida, e mais prudência: preso, tudo indica que leva o xadrez para o xadrez, desde onde continuará a mexer as peças, ditar o ritmo da corrida e a pista em que terá lugar.
Questão fundamental: a lógica de quem escolheu para si — como programa de defesa — politizar radicalmente todos os processos judiciais é dinâmica, móvel, e não distingue, para efeito persuasivo, a prisão virtual em que se propagandeava, a partir da condição autoatribuída de perseguido político, da detenção finalmente cumprida, donde nasce, claro, o preso político.
Narrador, Lula controla o jogo, de quase todos, ao mesmo tempo em que fala consciente e estritamente aos 20%, talvez mesmo aos 30% captados pela pesquisa, que o mantêm competitivo — e que bastariam para alçar o candidato petista (sendo ou não ele, ele será) ao segundo turno. Não se precisará de mais, porque vitória já seria. Ou não nos deveria colapsar moralmente a reafirmação disfuncional de que um homem preso, condenado em segunda instância, lidera, com sobras e estabilidade, todas as pesquisas? Ou não nos deveria implodir moralmente a revalidação da perspectiva anômala segundo a qual esse homem poderia, livre para disputá-la, vencer a eleição?
O que isso quererá dizer, senão que parcela significativa do eleitorado não acredita no sistema judicial e se dispõe a reprová-lo por meio do voto, em simbiose, pois, com a narrativa lulista? O que isso quererá dizer, para além de lançar luz sobre a minha tese de que a disputa presidencial de 2018 terá um componente plebiscitário por meio do qual volume representativo de cidadãos votará sobre se o ex-presidente é ou não um injustiçado?
A maestria de Lula sobre a cancha eleitoral é consequência de um raro olhar pragmático para a vida pública brasileira e do mais sofisticado entendimento do que seja o establishment político nacional. Não foi por acaso que concebeu e aplica, com sucesso, estratégia que condiciona, ao menos em parte, o futuro do sistema a seu futuro, e que tem enredado quase todo o status quo, armadilha a que, de Marco Aurélio Mello a Michel Temer, passando por Geraldo Alckmin e Rodrigo Maia, todos aderiram, uns como expressão de incultura política, outros como cálculo de sobrevivência — e que se pode resumir na sentença segundo a qual, também desprezando a Justiça, seria melhor que Lula fosse julgado pelas urnas.
A exceção é Jair Bolsonaro. Não à toa, deveria ser o outro beneficiário maior da prisão do ex-presidente; colheita então favorecida pelo modo como se deu “a resistência” lulista. Assim, porém, não foi — daí por que talvez convenha aos apoiadores do deputado pensar sobre a ideia de teto. Mas isso será matéria para um próximo artigo, ao que se somará outro, sobre Joaquim Barbosa, cujo perfil autoritário, com boas condições de vender um outsider, ademais valorizado pela imagem de ator no combate à corrupção, compõe com o ambiente jacobino corrente e com o jeitão do que seria o candidato do partido do sistema judicial.
Carlos Andreazza é editor de livros
O Datafolha divulgou nova pesquisa de intenção de voto a presidente, lançada à rua logo após a prisão de Lula. Li de tudo a respeito, inclusive que os números extraídos do levantamento seriam negativos a ele, condenado e preso, e ainda assim com o dobro do segundo colocado e vencedor em todas as hipóteses de segundo turno. Se é mesmo impossível aprofundar comparações com os cenários da pesquisa de janeiro, uma vez que nenhum deles se repetiu em abril, uma coisa é certa: Lula — um presidiário — lidera, com 30%, apesar da percepção dos eleitores, objetiva, de que não poderá disputar, ao que se seguem as constatações, casadas, de que sua capacidade de transmitir votos não apenas se manteve, mas ainda avançou, e de que a rejeição à sua candidatura diminuiu.
O resultado é confirmação de meu artigo anterior, cuja tese posso atualizar assim: graças ao palanque com hora marcada inventado por Moro, em seguida transformado em rave pela Polícia Federal, Lula foi o maior beneficiário eleitoral da própria prisão. Fato ante o qual só se surpreende quem ignora as consequências de tratar como exceção aquele que estofou para si, com método, o trono de vítima, segundo a própria narrativa, de um processo de... exceção.
Lula é o pauteiro-mor do debate público relativo às eleições — e nesse lugar tem estado desde que o justiçamento da Lava-Jato, sobretudo com o jacobinismo de Janot e a obra ficção em que consistiu a delação dos donos da JBS, anulou gradações criminosas para dar às práticas de caixa 2 e propina a mesma natureza do assalto autoritário ao Estado, um projeto com lastro ideológico, por meio do qual um partido pretendeu, de modo sem precedente, financiar a própria permanência no poder.
Desde então, Lula é o senhor do tabuleiro eleitoral, condição em que permaneceu mesmo depois de condenado em segunda instância — resiliência jogadora a respeito de cuja queda, concretizada a prisão, a história recente sugere menos confiança e torcida, e mais prudência: preso, tudo indica que leva o xadrez para o xadrez, desde onde continuará a mexer as peças, ditar o ritmo da corrida e a pista em que terá lugar.
Questão fundamental: a lógica de quem escolheu para si — como programa de defesa — politizar radicalmente todos os processos judiciais é dinâmica, móvel, e não distingue, para efeito persuasivo, a prisão virtual em que se propagandeava, a partir da condição autoatribuída de perseguido político, da detenção finalmente cumprida, donde nasce, claro, o preso político.
Narrador, Lula controla o jogo, de quase todos, ao mesmo tempo em que fala consciente e estritamente aos 20%, talvez mesmo aos 30% captados pela pesquisa, que o mantêm competitivo — e que bastariam para alçar o candidato petista (sendo ou não ele, ele será) ao segundo turno. Não se precisará de mais, porque vitória já seria. Ou não nos deveria colapsar moralmente a reafirmação disfuncional de que um homem preso, condenado em segunda instância, lidera, com sobras e estabilidade, todas as pesquisas? Ou não nos deveria implodir moralmente a revalidação da perspectiva anômala segundo a qual esse homem poderia, livre para disputá-la, vencer a eleição?
O que isso quererá dizer, senão que parcela significativa do eleitorado não acredita no sistema judicial e se dispõe a reprová-lo por meio do voto, em simbiose, pois, com a narrativa lulista? O que isso quererá dizer, para além de lançar luz sobre a minha tese de que a disputa presidencial de 2018 terá um componente plebiscitário por meio do qual volume representativo de cidadãos votará sobre se o ex-presidente é ou não um injustiçado?
A maestria de Lula sobre a cancha eleitoral é consequência de um raro olhar pragmático para a vida pública brasileira e do mais sofisticado entendimento do que seja o establishment político nacional. Não foi por acaso que concebeu e aplica, com sucesso, estratégia que condiciona, ao menos em parte, o futuro do sistema a seu futuro, e que tem enredado quase todo o status quo, armadilha a que, de Marco Aurélio Mello a Michel Temer, passando por Geraldo Alckmin e Rodrigo Maia, todos aderiram, uns como expressão de incultura política, outros como cálculo de sobrevivência — e que se pode resumir na sentença segundo a qual, também desprezando a Justiça, seria melhor que Lula fosse julgado pelas urnas.
A exceção é Jair Bolsonaro. Não à toa, deveria ser o outro beneficiário maior da prisão do ex-presidente; colheita então favorecida pelo modo como se deu “a resistência” lulista. Assim, porém, não foi — daí por que talvez convenha aos apoiadores do deputado pensar sobre a ideia de teto. Mas isso será matéria para um próximo artigo, ao que se somará outro, sobre Joaquim Barbosa, cujo perfil autoritário, com boas condições de vender um outsider, ademais valorizado pela imagem de ator no combate à corrupção, compõe com o ambiente jacobino corrente e com o jeitão do que seria o candidato do partido do sistema judicial.
Carlos Andreazza é editor de livros