terça-feira, abril 17, 2018

A prudência empírica - CARLOS ANDREAZZA

O GLOBO - 17/04
A maestria de Lula sobre a cancha eleitoral é consequência de um raro olhar para vida pública brasileira e do mais sofisticado entendimento do que seja o establishment político


O Datafolha divulgou nova pesquisa de intenção de voto a presidente, lançada à rua logo após a prisão de Lula. Li de tudo a respeito, inclusive que os números extraídos do levantamento seriam negativos a ele, condenado e preso, e ainda assim com o dobro do segundo colocado e vencedor em todas as hipóteses de segundo turno. Se é mesmo impossível aprofundar comparações com os cenários da pesquisa de janeiro, uma vez que nenhum deles se repetiu em abril, uma coisa é certa: Lula — um presidiário — lidera, com 30%, apesar da percepção dos eleitores, objetiva, de que não poderá disputar, ao que se seguem as constatações, casadas, de que sua capacidade de transmitir votos não apenas se manteve, mas ainda avançou, e de que a rejeição à sua candidatura diminuiu.

O resultado é confirmação de meu artigo anterior, cuja tese posso atualizar assim: graças ao palanque com hora marcada inventado por Moro, em seguida transformado em rave pela Polícia Federal, Lula foi o maior beneficiário eleitoral da própria prisão. Fato ante o qual só se surpreende quem ignora as consequências de tratar como exceção aquele que estofou para si, com método, o trono de vítima, segundo a própria narrativa, de um processo de... exceção.

Lula é o pauteiro-mor do debate público relativo às eleições — e nesse lugar tem estado desde que o justiçamento da Lava-Jato, sobretudo com o jacobinismo de Janot e a obra ficção em que consistiu a delação dos donos da JBS, anulou gradações criminosas para dar às práticas de caixa 2 e propina a mesma natureza do assalto autoritário ao Estado, um projeto com lastro ideológico, por meio do qual um partido pretendeu, de modo sem precedente, financiar a própria permanência no poder.

Desde então, Lula é o senhor do tabuleiro eleitoral, condição em que permaneceu mesmo depois de condenado em segunda instância — resiliência jogadora a respeito de cuja queda, concretizada a prisão, a história recente sugere menos confiança e torcida, e mais prudência: preso, tudo indica que leva o xadrez para o xadrez, desde onde continuará a mexer as peças, ditar o ritmo da corrida e a pista em que terá lugar.

Questão fundamental: a lógica de quem escolheu para si — como programa de defesa — politizar radicalmente todos os processos judiciais é dinâmica, móvel, e não distingue, para efeito persuasivo, a prisão virtual em que se propagandeava, a partir da condição autoatribuída de perseguido político, da detenção finalmente cumprida, donde nasce, claro, o preso político.

Narrador, Lula controla o jogo, de quase todos, ao mesmo tempo em que fala consciente e estritamente aos 20%, talvez mesmo aos 30% captados pela pesquisa, que o mantêm competitivo — e que bastariam para alçar o candidato petista (sendo ou não ele, ele será) ao segundo turno. Não se precisará de mais, porque vitória já seria. Ou não nos deveria colapsar moralmente a reafirmação disfuncional de que um homem preso, condenado em segunda instância, lidera, com sobras e estabilidade, todas as pesquisas? Ou não nos deveria implodir moralmente a revalidação da perspectiva anômala segundo a qual esse homem poderia, livre para disputá-la, vencer a eleição?

O que isso quererá dizer, senão que parcela significativa do eleitorado não acredita no sistema judicial e se dispõe a reprová-lo por meio do voto, em simbiose, pois, com a narrativa lulista? O que isso quererá dizer, para além de lançar luz sobre a minha tese de que a disputa presidencial de 2018 terá um componente plebiscitário por meio do qual volume representativo de cidadãos votará sobre se o ex-presidente é ou não um injustiçado?

A maestria de Lula sobre a cancha eleitoral é consequência de um raro olhar pragmático para a vida pública brasileira e do mais sofisticado entendimento do que seja o establishment político nacional. Não foi por acaso que concebeu e aplica, com sucesso, estratégia que condiciona, ao menos em parte, o futuro do sistema a seu futuro, e que tem enredado quase todo o status quo, armadilha a que, de Marco Aurélio Mello a Michel Temer, passando por Geraldo Alckmin e Rodrigo Maia, todos aderiram, uns como expressão de incultura política, outros como cálculo de sobrevivência — e que se pode resumir na sentença segundo a qual, também desprezando a Justiça, seria melhor que Lula fosse julgado pelas urnas.

A exceção é Jair Bolsonaro. Não à toa, deveria ser o outro beneficiário maior da prisão do ex-presidente; colheita então favorecida pelo modo como se deu “a resistência” lulista. Assim, porém, não foi — daí por que talvez convenha aos apoiadores do deputado pensar sobre a ideia de teto. Mas isso será matéria para um próximo artigo, ao que se somará outro, sobre Joaquim Barbosa, cujo perfil autoritário, com boas condições de vender um outsider, ademais valorizado pela imagem de ator no combate à corrupção, compõe com o ambiente jacobino corrente e com o jeitão do que seria o candidato do partido do sistema judicial.

Carlos Andreazza é editor de livros

Rir ou gritar? - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 17/04

Melhor forma de retratar o horror extremo é a hilaridade extrema: só o absurdo faz jus ao absurdo

Minha oposição ao autoritarismo começa por ser estética. Sempre foi. Teria uns 13 ou 14 anos quando despertei para o mundo sórdido da política. E as minhas perguntas eram recorrentemente as mesmas: como é possível que um povo inteiro possa aplaudir e admirar palhaços torpes como Hitler ou Mussolini? Como levar a sério os seus gestos, as suas poses? Será que as pessoas não veem o ridículo que existe nesses líderes, antes mesmo de escutarmos as suas ideias?

Charles Chaplin tratou do assunto em "O Grande Ditador", filmando o nosso Adolf e o nosso Benito em competição fálica. O filme, mais que uma sátira fantasiosa, era profundamente realista aos meus olhos.

Como seria realista uma sátira igual sobre o pequeno Kim da Coreia do Norte ou até sobre o Maduro venezuelano. Antes de serem antidemocratas, todos eles são personagens grotescos que divertem e horrorizam em partes iguais.

Moral da história: há diretores que procuram retratar a psicopatia política recriando esse estado de medo e desumanidade por artifício artístico. Nunca assisto a esses filmes "sérios" porque existe algo de ofensivo neles: qualquer tentativa de aproximação à verdade é sempre uma confissão de impossibilidade. O "kitsch" é o destino mais comum.

Só aguento filmes sobre a natureza do totalitarismo em tom pícaro. Primeiro, porque a melhor forma de retratar o horror extremo é pela hilaridade extrema: só o absurdo faz justiça ao absurdo. Segundo, porque uma sátira é sempre mais eficaz como denúncia desse horror do que qualquer sermão solene.

"A Morte de Stálin", disponível em DVD pela Amazon britânica, é o melhor exemplo dessa eficácia. Como o título indica, o filme escrito e dirigido pelo impagável Armando Iannucci (o criador de "The Thick of It" e "Veep") apresenta-nos a morte do "Pai dos Povos" e a luta pela sua sucessão.

Corria 1953. O grande camarada tombava, inanimado, nos seus aposentos reais. O comité central reúne-se de emergência e, a medo, sugere que alguém chame um médico. Só existe um problema: os melhores médicos do país foram fuzilados ou estão no gulag. Que fazer?

Arranjam-se clínicos de segunda categoria que atestam o derrame cerebral e, dias depois, a morte de Stálin. O comitê chora (de alegria, obviamente). E começa a luta pela sucessão. Quem será o próximo timoneiro? Beria? Nikita Khrushchov? Malenkov?

A ambição reina, incontrolável. E, com a ambição, vêm novos complôs: para afastar Beria e Malenkov —e para colocar no trono Khrushchov.

Armando Iannucci começa por acertar no respeito pelos fatos: não existe boa sátira sem um contato firme com a realidade.

Em "A Morte de Stálin", é possível assistir ao vaudeville e encontrar um país devastado pelo medo; pelo terror arbitrário; por filhos que denunciam os próprios pais; por uma população que chora voluntariamente a morte de Stálin, mesmo que Stálin seja o responsável último por haver membros da família fuzilados ou enviados para o Gulag.

A grande diferença é que Iannucci filma tudo isso sem nunca "embelezar" esteticamente os fatos com pretensão pedagógica.

Pelo contrário: como qualquer grande satirista, ele limita-se a deixar o absurdo respirar, levando o caos da situação até aos limites mais cômicos e insuportáveis.

O mesmo acontece com os personagens centrais: Stálin, na sua vulgaridade de delinquente georgiano; Beria, o afamado torturador e pedófilo que chefiava a polícia política; Malenkov, figura patética e covarde, que reinou brevemente depois da morte de Stálin; e, claro, Khrushchov, um pragmatista e conspirador grosseiro. Todos eles são simultaneamente assustadores e hilariantes porque assustadora e hilariante era a realidade paralela em que viviam.

Como o próprio diretor explicou à revista "Prospect", só temos duas soluções perante o regime comunista: rir ou gritar.

Ou, então, censurar: na Rússia de Putin, o filme foi proibido pelo governo depois de vários artistas terem pedido intervenção do ministério da Cultura. A obra, nas palavras da "intelligentsia", ofende a história da Mãe Rússia e alguns dos seus "heróis". O ministério agiu em conformidade.

Confere. Anos atrás, Vladimir Putin declarou que o fim da União Soviética foi a maior tragédia do século 20. Para que essa mentira e esse mito sobrevivam, é preciso não ter sentido do ridículo.

João Pereira Coutinho

É escritor português e doutor em ciência política.

Segurança jurídica - BERNARD APPY E FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO

ESTADÃO - 17/04

O mundo econômico precisa tanto de controle sobre os agentes públicos como de estabilidade

O Congresso Nacional aprovou recentemente o Projeto de Lei (PL) n.º 7.448/2017, que está aguardando sanção presidencial. O objetivo principal do PL é aumentar a segurança jurídica tanto para investidores privados quanto para agentes públicos que ajam de boa-fé.

No entanto, órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público, têm se posicionado contra o projeto, recomendando seu veto, com base em argumentos de que as mudanças impediriam sua atuação (inclusive na Lava Jato) e de que parte dos dispositivos seria inconstitucional. As alegações de inconstitucionalidade não convencem, como deixa claro parecer assinado por duas dezenas de juristas. E os argumentos de mérito são equivocados. A sanção do projeto não ameaça nem o controle nem a Lava Jato. Reforça ambos.

O PL, que acrescenta 11 artigos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, tem dois objetivos principais.

Por um lado, busca aumentar a segurança jurídica de investidores privados em ações reguladas pelo setor público (como concessões) ou em que o setor público seja contraparte (como obras públicas). Para tanto, o PL estabelece uma série de condicionantes para a atuação dos agentes públicos nas esferas administrativa, controladora e judicial, estabelecendo, entre outros, que as decisões tomadas com base em valores jurídicos abstratos devam levar em conta os efeitos que produzirão.

Outro avanço: impedir que mudanças de posicionamento da administração peguem o cidadão e as empresas de sobressalto. A Constituição impede que a lei produza efeitos no passado. O PL amplia para dizer que a interpretação nova da lei também não pode voltar no tempo. Por exemplo, com o PL, a Receita Federal não poderá alterar seu entendimento sobre a legislação tributária e aplicar retroativamente a mudança de interpretação. Simples, mas necessário. Nenhum risco para a Lava Jato, mas um reforço nas garantias de segurança a previsibilidade para o cidadão.

Por outro lado, o projeto visa a dar mais segurança jurídica para os próprios servidores públicos. Assim, por exemplo, o PL veda que o administrador seja punido pelo que se tem chamado de “crime de hermenêutica”, ou seja, ter uma interpretação da lei ou do fato diversa da considerada correta por quem o controla. A menos que o servidor público tenha agido com dolo, não há por que punir a divergência. Neste ponto o PL vai exatamente na linha do defendido pelos membros da Lava Jato quando criticaram o projeto de lei contra o abuso de autoridade.

O objetivo, neste caso, é impedir a paralisia dos gestores públicos que têm de tomar decisões (como a concessão de uma licença ambiental), por medo de serem posteriormente responsabilizados pessoalmente pelos órgãos de controle. Tal medida tende a tornar mais ágil e racional a atuação desses gestores. Nunca livrá-los do controle.

Tais dispositivos estabelecem parâmetros para a atuação de órgãos de controle, mas de forma alguma limitam sua atuação no combate a procedimentos irregulares. O que fazem é exigir que atuem de forma coerente, considerando os custos e benefícios – sociais e econômicos – de suas decisões e, principalmente, aumentando a segurança jurídica para os investidores privados.

Se a atuação dos órgãos de controle é fundamental em um ambiente democrático, essa atuação não pode resultar em um ambiente de investimento caracterizado por incerteza e baixa previsibilidade, como infelizmente tem ocorrido no Brasil nos últimos anos, especialmente na área de infraestrutura.

Há, na crítica ao projeto, um tanto de susto e de desinformação. A economia já mostrou o quanto sofre com a insegurança jurídica. O mundo econômico precisa tanto de controle sobre os agentes públicos como de estabilidade. O projeto de lei pendente de sanção presidencial parece encontrar um ponto de equilíbrio entre esses dois objetivos.

* RESPECTIVAMENTE: DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL; PROFESSOR

TITULAR E DIRETOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP

Ao deus-dará - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 17/04

Alckmin está espremido entre Joaquim, a novidade, e Bolsonaro, que bate no teto


Todo dia aparece um presidenciável novo, Henrique Meirelles, João Amoêdo, Flávio Rocha, Guilherme Boulos, Manuela d’Ávila... Mas nenhum deles embaralhou o tabuleiro da eleição como o recém-chegado Joaquim Barbosa. O foco está nele.

Mas, afinal, que apito Joaquim toca? Ele é de esquerda, direita ou centro? Está preparado para combater a crise fiscal? Na verdade, ninguém sabe, ele continua calado, longe da campanha e contando com uma aura que anima amplos setores da classe média escolarizada e pode vir a encantar a baixa renda.

O PSB, já tão rachado, tem de correr atrás de recursos, tempo de TV e palanques estaduais. A questão é saber de onde virão esses reforços, já que Joaquim não é político, nunca teve partido nem fez campanha e não se sabe o que pensa. Esses fatores atraem eleitores, mas afastam aliados políticos.

A história de Joaquim é tão emocionante quanto a de Lula, de menino negro que saiu de um lar modesto, estudou, passou em concursos de ponta e virou ministro e presidente do Supremo. Mas que chance ele tem de levar o apoio do PT e de Lula? Joaquim presidiu a fase final do julgamento do mensalão, que expôs as entranhas do governo Lula e levou o mito petista José Dirceu à prisão.

Para o eleitorado, Joaquim é um símbolo do combate à corrupção e abriu caminho para o juiz Sérgio Moro e a Lava Jato. Para o PT, que um dia monopolizou a bandeira da ética na política, ele é o algoz do partido. Sem o PT, ele não levaria, ou não levará, PCdoB, PSOL e os aliados MST e MTST. E quem à direita ou ao centro lhe daria base e sustentação?

A direita está com Bolsonaro, que bateu no teto de 17% no Datafolha, e o centro vai de mal a pior, com muitos nomes lançados e nenhum convincente. Basta olhar para Geraldo Alckmin: governador do principal Estado, candidato de um dos três maiores partidos, com recall da eleição de 2006, mas não sai do lugar. Ou não empolga.

Como é possível que Alckmin, com todos esses fatores a seu favor, esteja embolado com Joaquim, que nem assumiu ainda a candidatura? E com Ciro Gomes, que já começou com “pescotapas” antes mesmo de entrar na campanha? E os espaços de crescimento para o tucano parecem bloqueados.

No Norte, Alckmin enfrenta uma resistência ao PSDB que vem desde as sistemáticas críticas tucanas à Zona Franca de Manaus. No Nordeste, bate de frente numa muralha petista que não cede nem com a prisão de Lula. No máximo, o eleitor subiu no muro e os índices de brancos e nulos dispararam para em torno de 35%.

E as regiões mais simpáticas e acessíveis ao PSDB não são mais as mesmas. No Sul, o paranaense Álvaro Dias, ex-tucano, capitaliza a decepção com Aécio Neves, que deve se tornar réu hoje no STF. No Centro-Oeste, Bolsonaro tem não apenas intenção de votos como até um exército voluntário financiando e distribuindo outdoors e adesivos de carros. Uma campanha de geração espontânea.

Resta a Alckmin o Sudeste, onde Joaquim vai crescer. Rio é bagunça. São Paulo, que deu 66% de aprovação ao tucano em 2006, agora dá 36%. E Minas derrotou o mineiro Aécio no primeiro e no segundo turnos de 2014 e é outro Estado onde Bolsonaro chegou para ficar. Ou seja, Alckmin está espremido entre Bolsonaro e Joaquim. E, se não for ele, quem capitaneará o “centro”? Até agora, ninguém sabe, ninguém viu.

Odebrecht. Em mensagem à coluna, a defesa de Marcelo Odebrecht nega que ele tenha dito que transformou a empreiteira em “banco de operações estruturadas”. Sim, mas é o que se deduziu quando ele disse ao juiz Sérgio Moro que a Odebrecht mantinha uma conta exclusiva para Lula. Quem mantém conta para cliente não é banco?

Dois séculos se confrontam - CORA RÓNAI

O Globo - 17/04

No Congresso, Zuckerberg tentou esclarecer parlamentares alheios à tecnologia. Mas uma coisa eles sabem: o acordo de usuário do Facebook é uma droga


A semana passada foi marcada pelo depoimento de Mark Zuckerberg ao Congresso dos Estados Unidos. Nenhuma novidade bombástica, nenhuma bola levantada, nada que a rigor já não se soubesse; mas ainda assim, o seu significado simbólico foi imenso, e fez com que usuários e analistas parassem para discutir o Facebook com a seriedade que ele merece. Nunca houve nada na História sequer remotamente parecido com o Facebook, com 2,2 bilhões de usuários (130 milhões no Brasil), muitos deles convencidos de que a rede é a internet e vice-versa. A verdade é que ninguém sabe para onde isso vai, ou como vai, e o que acontece na sua inimaginável amplidão. Estamos descobrindo juntos, à medida em que novos fatos vêm à luz; a empresa está poucos passos à nossa frente.

ZUCKERBERG APRENDEU com os erros de Bill Gates, que, na mesma situação, há exatos 20 anos, deu um show de arrogância e antipatia. Zuck, ao contrário, foi humilde e paciente, como tinha mesmo de ser. Tentou explicar os princípios básicos da coisa a alguns parlamentares que, obviamente, não tinham a menor ideia do que estavam falando e, na medida do possível, esclarecer o que outros, mais preparados, queriam saber. Para mim, a essência do momento histórico era clara: ali estava o século XXI prestando contas ao século XX.

Zuckerberg assumiu os erros do Facebook pessoalmente, como faz qualquer líder com um mínimo de caráter. No mais, todo e qualquer erro crucial da rede é de fato dele, já que a sua cadeia de comando não é suficientemente diluída para que responsabilidades sérias possam ser compartilhadas. E essa talvez seja a grande questão a se enfrentar: uma empresa dessas dimensões pode continuar livre, leve e solta no espaço, sem um mínimo de regulamentação? Por outro lado, usa o Facebook quem quer. O serviço é gratuito. Será que o governo tem mesmo que se meter em tudo?

Quem acha — ou achou — que seus dados estão em segurança na rede foi ingênuo. Dados nunca estão em segurança, ou só estão em segurança até uma nova falha do sistema ser descoberta. Sempre há novas falhas. É preciso, porém, que haja transparência na relação com os usuários, e nesse ponto o Facebook ainda tem que melhorar muito. Para mim, uma das melhores intervenções foi a do senador John Kennedy, um republicano da Louisiana:

— O que todo mundo está tentando dizer a você hoje, e eu vou tentar colocar de uma forma gentil, é que o seu acordo de usuário é uma droga (your user agreement sucks). O objetivo dele é defender o traseiro do Facebook, não informar aos usuários sobre os seus direitos. Sugiro que você volte para casa e reescreva esse troço, e diga aos seus advogados de US$ 1,2 mil por hora que você quer o texto em inglês, e não em suaíli, para que o americano médio possa entender. (...) Eu não quero ter de votar para regulamentar o Facebook, mas, por Deus, eu vou. Isso depende de você. O seu acordo de usuário é uma droga.

O senador lavou a alma não só dos americanos, mas de todo mundo que aceita esses acordos sem ler, pela pura impossibilidade de entender o que eles dizem, seja em suaíli ou em qualquer outra língua — ou seja, por baixo, uns 2,2 bilhões de usuários.

Rio ensaia repetir desperdício dos royalties - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 17/04

Ganha força um novo ciclo de aumento da receita do petróleo, mas não é certo que os governos tenham apendido com os erros cometidos no passado

As finanças do Rio de Janeiro já experimentaram o melhor de uma região produtora de petróleo, quando a cotação do barril no mundo ultrapassou os US$ 100, e o pior, a partir do momento em que os preços desabaram e, junto, veio a receita dos royalties.

A situação ficou ainda mais complicada porque o enxugamento desta receita coincidiu com a profunda recessão de 2015/16. Assim, o estado e vários municípios fluminenses padeceram duplamente: com a queda da arrecadação decorrente do mergulho do PIB e com o encolhimento dos royalties. Daí o Rio de Janeiro ter recorrido à ajuda da União, para sair do atoleiro fiscal, resgate ainda em andamento.

No inventário da crise está claro que bilhões da indenização pela exploração do petróleo e gás foram mal usados. No caso do estado, saíram beneficiadas categorias com força política (juízes, procuradores etc). O Palácio Guanabara, assim, engatilhou uma armadilha para si mesmo, comprometendo recursos de fonte variável com despesas engessadas por lei. Como juízes e promotores conseguiam manter os salários em dia por força judicial, por meio de arrestos, o peso dos atrasos na folha de pagamento caiu por inteiro sobre a massa do funcionalismo.

Mas o petróleo entrou em novo ciclo de alta, e a Petrobras voltou a elevar a produção, o que significa também mais royalties para os produtores de petróleo. Informou reportagem do GLOBO de domingo que o estado e prefeituras fluminenses mais que triplicarão a receita de royalties até 2030 — de R$ 3,9 bilhões no ano passado chegarão a R$ 12,53 bilhões.

O estado tem a oportunidade de viver um novo ciclo de bonança, e sem repetir os erros anteriores: gasto com obras de fachada, das quais o símbolo são as fontes luminosas do passado, inauguradas entre fanfarras pelos prefeitos; ficando em segundo plano obras de infraestrutura, por exemplo, no saneamento, na educação e na saúde das populações.

Maricá serve de ilustração: recebeu, no ano passado, R$ 746,7 milhões em royalties e participações especiais (sobre a receita de poços de alta produção) e espera colocar no caixa, este ano, R$ 1,1 bilhão. Mas apenas 4% da população têm tratamento de esgoto.

A reportagem revela que vários municípios pretendem criar fundos para administrar parte da receita do petróleo. O caminho é correto, como fazem grandes produtores mundiais de óleo e gás, recursos finitos. É preciso precaver-se diante do futuro.

Mas se não houver planejamento, nada de relevante será feito. É necessário, ainda, fiscalização de tribunais de contas e Ministério Público, a fim de punir quem destinar dinheiro de royalties para custeio (salários, despesas com a máquina burocrática), o que é proibido por lei. Este é um tipo de impedimento, porém, que costuma ser driblado na Federação.

O cenário é promissor no lado das receitas, mas o mesmo não acontece nas despesas. Tudo indica que a cultura da gastança de um dinheiro aparentemente fácil persiste. Será trágico repetir os mesmos erros em tão pouco tempo.

Economia na retranca - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 17/04

Incertezas da política brasileira contribuem para nublar a paisagem


Vai mudando para pior o humor dos analistas que até outro dia expressavam otimismo com a recuperação da economia brasileira, recém-saída de uma de suas recessões mais devastadoras.

De acordo com o boletim Focus, em que o Banco Central compila previsões de consultorias e instituições financeiras, a aposta no início de março era que o país alcançaria uma taxa de crescimento próxima de 3% até o fim deste ano.

Nas últimas semanas, porém, uma sucessão de notícias frustrantes levou os economistas a rever seus números. No boletim mais recente, desta segunda (16), projeta-se taxa mais modesta, de 2,76%.

Outro sinal preocupante veio do IBC-Br, índice calculado pelo BC que procura tomar o pulso da atividade econômica. Ele apontou uma contração de 0,64% em janeiro e uma variação positiva irrisória, de 0,09%, em fevereiro.

Desde o fim de 2017, quando ficou claro que o país havia deixado para trás a recessão, tudo indicava que a recuperação da economia seria lenta e pouco vigorosa. O desempenho dos últimos meses parece confirmar esses indícios.

Ele sugere que ainda será preciso esperar um bom tempo até que os brasileiros recobrem a confiança perdida nos anos difíceis da recessão, condição essencial para uma retomada mais forte da demanda e dos investimentos produtivos.

Parte do problema está na frágil expansão do mercado de trabalho. Os que têm conseguido emprego em geral assumem vagas sem registro em carteira profissional ou atuam por conta própria.

É um alívio depois de mais de três anos de demissões em alta, mas são postos que não fornecem a segurança necessária para reativar o consumo, principal motor da atividade econômica.

As vendas do varejo, que pareciam estar reagindo nos últimos meses do ano passado, caíram 0,1% em fevereiro. Apesar da queda acentuada das taxas de juros fixadas pelo BC, aquelas cobradas dos consumidores continuam em patamar exorbitante.

A saúde financeira das empresas melhorou, mas muitas ainda padecem —os pedidos de recuperação judicial voltaram a crescer.

As incertezas da política contribuem para nublar a paisagem. Sem saber se o próximo presidente estará disposto a promover as reformas necessárias para que o país volte a crescer de forma sustentável, consumidores e investidores tendem a prosseguir na retranca.

Molecagem lulopetista - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 17/04

O baderneiro Guilherme Boulos mandou comparsas do MTST ocuparem o triplex que Lula da Silva ganhou como propina da OAS


O baderneiro profissional e candidato a presidente pelo PSOL, Guilherme Boulos, mandou seus comparsas do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocuparem por algumas horas o apartamento triplex que Lula da Silva ganhou como propina da empreiteira OAS. Enquanto a tigrada invadia o condomínio, no Guarujá, levando terror aos moradores, Boulos divulgava um vídeo em que esclarecia que aquela ação visava a “revelar a farsa judicial” que condenou Lula. “Se o triplex é do Lula, o povo foi convidado (pelo ex-presidente) e pode ficar lá; se não é do Lula, o Judiciário vai ter que explicar por que prendeu o Lula por conta desse triplex”, disse Boulos, expondo, entre sorrisos irônicos, um “raciocínio” que faria feio até em assembleia estudantil, tamanha a molecagem.

Deveria ser ocioso ter que explicar que Lula foi condenado, entre outros crimes, por ocultação de patrimônio. Ou seja, ele é o verdadeiro dono do tal apartamento, mas essa propriedade foi dissimulada. O fato de o nome de Lula não aparecer na escritura, contudo, é o suficiente para que os traquejados especialistas em confusão tentem emplacar a versão segundo a qual o chefão petista foi condenado sem provas, por questões meramente políticas. Daí derivou o repto de Boulos, que, como sempre, se consumou na forma de crime contra a propriedade.

O desembaraço do MTST e de Boulos resulta da conhecida omissão do poder público na defesa da propriedade privada, sistematicamente vilipendiada por esses arruaceiros. Raras são as vezes em que essa turma tem de enfrentar os rigores da lei quando decide invadir este ou aquele imóvel, ao sabor de suas conveniências.

Os discípulos de Lula comportam-se como se naturalmente tivessem mais direitos do que todos os outros cidadãos, por se considerarem a encarnação do “povo”. Foi o que aconteceu em Curitiba, quando a Justiça mandou desmontar o acampamento petista que faz “vigília” pela liberdade do ex-presidente, porque a algazarra está infernizando a vida dos moradores da região. Para o PT e a CUT, contudo, essa decisão judicial foi um claro atentado a seu direito de manifestação, como se esse direito estivesse acima de qualquer outra consideração. A mesma reação se deu quando a Polícia Militar chegou para desocupar o triplex no Guarujá – ação qualificada de “totalmente arbitrária” pelo senador petista Lindbergh Faria.

A tibieza do Estado para lidar com esses arruaceiros e impor a ordem como mandam os diversos códigos judiciais deu-lhes a certeza da impunidade. Como resultado, o cidadão que paga seus impostos e confia na manutenção de seus direitos, como o de propriedade, acaba ficando à mercê do gangsterismo travestido de “movimento social”. “Estou com medo dentro da minha própria casa”, desabafou uma moradora do prédio em que fica o triplex de Lula, referindo-se à invasão. “Eles invadiram um condomínio que é de várias pessoas.”

Tudo isso, é bom que se diga, está sendo liderado por um agitador que pretende governar o Brasil. Boulos é candidato à Presidência da República com a bênção do próprio Lula, dada no último comício antes da prisão do ex-presidente, que se referiu ao líder do MTST como “meu irmão”. Não à toa, Boulos disse que foi “convidado” por Lula a invadir o triplex. Esse “convite” foi formalizado pelo ex-presidente num discurso em janeiro passado: “Eu até já pedi para o Guilherme Boulos mandar o pessoal dele ocupar aquele apartamento. Já que é meu, ocupem”.

Tem-se aí um sodalício de liberticidas liderados por Lula, que dizem agir em nome da democracia. Há décadas, esses “democratas” petistas e seus associados proclamam ser os únicos autorizados a falar em nome dos brasileiros e se consideram absolutamente virtuosos, enquanto todos os que ousam não votar no PT constituem a “elite” insensível aos pobres. Assim, toda vez que se invoca a necessidade de cumprir a lei para punir os delitos cometidos pelos lulopetistas, estes se consideram vítimas do “arbítrio” dos “golpistas” – epíteto que eles reservam aos cidadãos que teimam em não aceitar a “democracia” à moda do PT.