quarta-feira, setembro 27, 2017

Decisão da Copa do Brasil é dia de sonhos e frustrações; tudo é incerto - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 27/09

Hoje é dia de decisão na Copa do Brasil, de a onça beber água, de não deixar nada para amanhã, de suspirar de emoção e de ter receio de fracassar, o que é bom, pois, ao contrário do lugar-comum, o medo de perder, em vez de diminuir, aumenta a vontade de vencer.

O medo gera ansiedade, que estimula a produção de substâncias químicas no organismo, que aumentam a concentração, a disposição e a ousadia. É o doping natural, psicológico. Por outro lado, quando a ansiedade é excessiva e ultrapassa certo nível, que é diferente para cada atleta, a mente perde o controle sobre o corpo, os neurônios batem cabeça, o jogador comete erros bisonhos e perde a lucidez para tomar decisões.

Quando eu jogava, dormia mal na véspera de jogos decisivos. Pensava no jogo, no adversário, no que deveria ou não fazer. Isso me ajudava a atuar melhor.

Hoje é dia de o Mineirão ficar enfeitiçado, lotado, e de os torcedores, antes de o jogo começar, festejarem bastante, principalmente os do Cruzeiro, que estarão em muito maior número. Semanas atrás, estive no estádio, onde deixei meus pés imortalizados na Calçada da Fama, junto com vários outros jogadores. Conheci também o Museu do Mineirão, que me trouxe boas lembranças.

Hoje é dia de os treinadores pensarem em todos os detalhes. O colombiano Rueda quer conquistar o primeiro título no Brasil, e Mano Menezes quer melhorar o currículo e diminuir as críticas de que possui mais prestígio do que títulos. São dois técnicos pragmáticos, utilitaristas, organizados, que costumam fazer bons trabalhos e que seguem um modelo atual e moderno, de marcar com duas linhas de quatro, sem deixar espaços na defesa, para, em seguida, atacar com muitos jogadores.

Hoje é dia de os treinadores torcerem para que aconteça, em campo, tudo o que foi planejado e ensaiado. É a glória para os técnicos. Porém, o imponderável e as improvisações estão quase sempre presentes. O acaso não torce para ninguém. Por isso, os treinadores precisam também tomar outras condutas rápidas, durante o jogo, e improvisar, de acordo com as observações.

Hoje é dia de os atletas sonharem com o título e em serem heróis, especialmente Muralha, bastante criticado, algumas vezes, merecidamente, e, em outras, com exagero. Se Muralha brilhar e o Flamengo for campeão, ele se tornará um personagem da história do clube, um exemplo de quem saiu de vilão a herói. Se ocorrer o contrário, será execrado e terá de mudar de time. No outro gol, estará Fábio, em grande forma física e técnica, cada dia melhor. É o jogador que mais atuou na história do Cruzeiro. Mas é perigoso elogiar goleiros e árbitros, antes das partidas.

Hoje é dia de os torcedores, nas arquibancadas, e de os jogadores, nos vestiários, antes de a bola rolar, repetirem os rituais, como beijar a medalhinha o mesmo número de vezes, usar as mesmas roupas, entrar no gramado com o pé direito e vários outros. Cada um tem o seu. Eles acreditam que, se tudo for repetido, conquistarão o título. É o pensamento mágico.

Hoje é dia de tristezas e alegrias, de sonhos realizados e frustrados. Assim como ocorre no fim de uma vida, quando a partida terminar, treinadores e jogadores não terão outra chance de fazer diferente, de corrigir os erros. Acabou. Apenas lamentarão não terem sido mais ousados, mais sonhadores.

A surpresa com impostos - FÁBIO ALVES

O Estado de S.Paulo - 27/09
Após as seguidas revisões para cima das projeções do mercado financeiro para o crescimento da economia brasileira em 2017 e em 2018, já há vários analistas indagando se o resultado bem melhor do que o esperado da arrecadação de impostos e contribuições federais em agosto foi apenas um soluço ou se a receita com tributos seguirá o bom exemplo da inflação, que vem surpreendendo positivamente nos últimos meses.

Se a arrecadação reagir numa magnitude maior do que a recuperação do Produto Interno Bruto (PIB), o que talvez ainda não esteja nos modelos de projeções de muitos analistas, haverá um impacto positivo importante para o governo conseguir atingir as novas metas de déficit primário para este ano e o próximo, ambas em R$ 159 bilhões.

A arrecadação de impostos e contribuições federais somou R$ 104,206 bilhões em agosto, um aumento real (já descontada a inflação) de 10,78% ante igual mês de 2016. O valor arrecadado foi o melhor para meses de agosto desde 2015 e ficou acima da mediana das estimativas dos analistas, que era de R$ 98,700 bilhões.

O economista-chefe da Porto Seguro Investimentos, José Pena, lembra que a surpresa com a atividade econômica tem sido, sobretudo, com o desempenho do consumo.

“Meses atrás, havia um certo consenso entre os analistas de que o investimento fixo lideraria a retomada”, diz Pena. “O quadro atual, embora não muito favorável para o crescimento sustentável de longo prazo, é relativamente favorável para a arrecadação, pois a estrutura tributária no Brasil é bastante centrada em renda e consumo.”

Para ele, a eventual retomada mais forte do crédito e a queda da inflação preservando renda real ajudam no cenário mais positivo para o desempenho do consumo, logo, da arrecadação. “Por exemplo, os Estados se beneficiariam através do ICMS”, diz.

É bom lembrar que o consumo das famílias, com alta de 1,4% sobre o primeiro trimestre de 2017, foi o motor do crescimento do PIB no segundo trimestre, o qual registrou expansão de 0,2%, melhor do que a estimativa de estagnação. Após esse resultado, os analistas começaram a melhorar as projeções do PIB em 2017.

Na mais recente pesquisa Focus, a estimativa de crescimento do PIB subiu para 0,68% neste ano, mas não são poucos os analistas que estimam uma expansão de 1%. Para 2018, o consenso dos analistas agora é de uma alta de 2,30% do PIB, mas há projeções acima de 3%.

Já o economista-chefe do banco Safra, Carlos Kawall, observa que há sempre oscilação nos resultados da receita por fatores não previsíveis, como a oscilação na arrecadação relativa a bancos, que caiu em julho e se recuperou em agosto.

“Não obstante isso, entendemos que a recuperação do consumo e da atividade industrial, que são mais tributados, além da massa salarial em alta, sugere que a arrecadação deve continuar melhorando”, afirma Kawall.

Os analistas da consultoria Rosenberg Associados esperam um crescimento real de 1,3% das receitas federais em 2017, interrompendo três anos de queda real consecutiva. Essa estimativa tem como base a projeção da consultoria de uma expansão de 0,7% do PIB neste ano e da entrada de receitas extraordinárias.

Mas a surpresa positiva da arrecadação pode ser maior em momentos de recuperação da economia?

“Aqui a surpresa seria uma recuperação da elasticidade de crescimento da receita tributária, que caiu muito na crise”, explica Kawall, do Safra. “Isso está ligado à maior lucratividade das empresas, recuperação da massa salarial (por conta das receitas previdenciárias) e o crescimento de consumo e indústria, atividades mais tributadas.”

Para ele, as tendências são favoráveis a que isso aconteça, uma vez que o mercado de trabalho se estabilizou, as empresas devem mostrar melhores resultados, o consumo se recupera e a indústria também está em processo de retomada.

Kawall crê que, se a arrecadação surpreender este ano, provavelmente o governo aumentará o descontingenciamento de despesas. Para o ano que vem, uma receita maior deverá implicar em um resultado primário melhor que a meta, uma vez que não haverá espaço para elevar despesa, que já estará no limite permitido pelo teto do gasto. “Ou seja, o teto começa para valer no ano que vem”, diz.

Uma sociedade em descompasso - LUIZ ANTÔNIO DE FRANÇA

DCI - 27/09
O Brasil pode ser um país melhor e mais justo para todos. Para tanto, precisamos querer mudar, estar dispostos a trabalhar com determinação e vontade política para vencermos as barreiras que nos separam de um padrão social mais evoluído. O cenário é complexo, com carências acumuladas em décadas de dificuldades para se pensar no longo prazo.

Temos desafios a vencer nas áreas da saúde, educação, infraestrutura, moradia, planejamento urbano. Tudo isso passa por gestão eficaz, investimentos e planejamento. Existem alguns bons programas sociais até bem estruturados, mas que merecem melhor cuidado administrativo.

As invasões precisam de atenção. Elas abrem um precedente arriscado para toda a sociedade. A proliferação das ocupações pelo Brasil é fruto da complacência com os atos de desrespeito à lei. Essas ações prejudicam não somente o setor imobiliário em geral, mas também o mercado econômico como um todo, criando um clima de desordem pública e insegurança para toda a população.

No espelho da desigualdade social, não há reflexo agradável ou harmonioso. E não é no grito que esse quadro se reverterá. Somente o diálogo, seguido por ações práticas, pode construir um novo ambiente social e político. O resultado de movimentos desconexos, com discursos individualistas e sem consenso, está à vista de todos.

Temos cidades com alto potencial urbano, porém mal planejadas, com sérios problemas estruturais, problemas com invasões em conjuntos habitacionais praticamente prontos, de mobilidade e com bolsões de alta densidade habitacional e grandes vazios urbanos. Vivemos esses desequilíbrios também nas questões ligadas ao déficit habitacional brasileiro, estimado em mais de 6 milhões de moradias.

As invasões em conjuntos habitacionais abrem um precedente arriscado para toda a sociedade. O Programa Minha Casa Minha Vida registra muitos méritos. Ajustes e aperfeiçoamentos fazem parte de qualquer trabalho organizado. Milhares de famílias de baixa renda já desfrutam de um teto para morar, com mais dignidade e segurança.

Conjuntos habitacionais destinados à faixa 1 do Minha Casa Minha Vida ainda enfrentam permanentes ataques de grupos invasores, que veem na prática o caminho para defender suas agendas. Pessoas que seguiram os meios protocolares para obter uma moradia ficam impedidas de concretizar seus sonhos e exercer um direito que é legítimo.

Quando o Estado não faz cumprir o direito de regular um invasor, deixa de proteger o direito de quem poderia estar morando em um lugar mais seguro e digno e que é de seu direito ocupar. O olhar precisa alcançar todos os ângulos. Claro que temos questões sociais sérias a serem equacionadas.

Parte dos recursos previstos nos programas destinados à moradia da população de baixa renda prevê a criação de programas de apoio, ancorados em ações culturais e educacionais, de esporte e lazer, por exemplo. É nessa rede de sustentabilidade social mais estruturada que está a virada para comunidades mais pacíficas e de respeito mútuo.

Precisamos de programas que abracem as pessoas que vivem à margem das rotinas inclusivas. Carecemos também de respeito ao direito do outro, com tratamento e punições mais rigorosos para quem fere as regras invadindo e aniquilando os direitos do outro. É no equilíbrio e na justiça social que vamos evoluir.

REMÉDIO PARA CURA GAY






Juros civilizados: um novo consenso? - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 27/09/2017
A queda em curso da taxa básica de juros (Selic) já deixa lições para os formuladores de política econômica e analistas que acompanham o tema. Muito provavelmente, se não houver surpresas negativas no cenário econômico e político, a Selic, que está em 8,25% ao ano e deve ser reduzida para 7,5% na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), cairá a níveis historicamente baixos nos próximos meses, mantendo-se assim por um bom tempo. Isso dará ao país a chance de começar a acabar com a cultura dos juros altos que, com o Plano Real, tomou o lugar de outra chaga - a da inflação crônica.

A primeira lição é a de que, com inflação alta, não há como reduzir os juros. Este é um aprendizado importante porque, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (2011-2014), o Banco Central (BC) decidiu baixar a Selic, mesmo com a inflação corrente subindo e as expectativas dos agentes econômicos se deteriorando. No espaço de pouco mais de um ano, de agosto de 2011 a outubro de 2012, a Selic foi levada de 12,5% a 7,25% ao ano, o menor patamar pós-Real.

Como aquele movimento era inconsistente e, ademais, irresponsável, a ilusão durou menos de seis meses e os juros voltaram a subir, e isso só não ocorreu antes porque, manietado pela presidente da República, o Copom demorou a reagir. Para se ter ideia da importância do quesito credibilidade na condução da política monetária, mesmo com a economia voando baixo e no momento seguinte entrando em profunda e prolongada recessão, o BC promoveu um ciclo de aperto monetário que foi de abril de 2013 a agosto de 2016. Durou, portanto, mais de três anos, levou a Selic a 14,25% ao ano e não derrotou a inflação.

No regime de metas, que começou a ser implantado em meados de 1999, a taxa básica de juros passou a ser o principal instrumento de combate à inflação. Mas, assim como a taxa de câmbio, os juros são um preço, isto é, eles são determinados pelos fundamentos da economia. O regime de metas foi lançado juntamente com duas políticas: a do câmbio flutuante e a de geração de superávit primários, necessários para a contenção do crescimento da dívida pública.

Esse tripé foi fundamental para salvar o Plano Real de mais um fracasso do país na batalha para estabilizar os preços. Nos primeiros cinco anos do Real, lançado em julho de 1994, a taxa de juros foi usada para atrair capitais ao país e, assim, manter a taxa de câmbio apreciada, uma forma de expor a economia doméstica à concorrência estrangeira. A estratégia barateou as importações, forçando a queda dos preços internos.

De certa forma, aquele modelo de âncora cambial foi bem-sucedido ao quebrar a lógica da indexação que prevaleceu nos tempos de inflação descontrolada. O IPCA, o índice oficial de preços, caiu em 1998 ao menor patamar da história - 1,66%. O câmbio quase-fixo, porém, começou a ser questionado em 1997, quando as economias de países asiáticos, que adotavam regimes de câmbio similares ao nosso, foram forçadas a desvalorizar suas moedas para reequilibrar o balanço de pagamentos. A origem do problema era fiscal - os governos estavam exagerando na gastança.

Ficou claro, já em 1997, que o Brasil foi longe demais com o câmbio quase-fixo, instrumento que, embora tenha obtido sucesso na derrubada da inflação, criou uma série de distorções, como a convivência da economia com juros muito altos por um período prolongado de tempo, medida que encareceu sobremaneira o custo de acumulação das reservas cambiais e provocou forte expansão da dívida pública. Em meados de 1998, a Rússia foi levada à breca pelo mesmo movimento de desconfiança que atingira os asiáticos, e o Brasil, na sequência, teve o mesmo destino - o país só não entrou em moratória porque foi socorrido pelo FMI duas vezes em cinco meses.

O tripé adotado em 1999 substituiu a âncora cambial e foi bem-sucedido ao mitigar os efeitos inflacionários da maxidesvalorização sofrida pelo real naquele ano. No regime de metas, a taxa Selic é o instrumento de combate à carestia, mas ela é resultado de uma combinação de fatores, sendo o principal deles a política fiscal. Se o governo é despoupador, isto é, se acumula déficits constantes no orçamento e por essa razão vai sempre ao mercado pedir dinheiro emprestado para pagar as contas, a tendência dos juros é subir por duas razões: a expansão fiscal aumenta a demanda agregada da economia, obrigando o BC a promover aperto maior de liquidez para segurar os preços; e o crescimento permanente da dívida pública leva os investidores a exigirem prêmios (juros) cada vez mais altos para financiá-la.

Quem se der ao trabalho de olhar as séries históricas do BC constatará que o regime de metas não só desinflacionou a economia brasileira desde a sua implantação, como também diminuiu, no mesmo período, os níveis de taxas de juros vigentes por aqui. Virtuosos, os dois processos só foram interrompidos quando crises imprevisíveis - como a do apagão de energia em 2001 e a de desconfiança dos investidores durante a eleição de 2002 - e decisões equivocadas - como a do governo Dilma de abandonar o tripé e implantar a Nova Matriz Econômica, a estratégia adotada para implodir o arcabouço utilizado desde 1999 - tomaram seu lugar. Esta é a prova cabal de que o Copom não eleva os juros para beneficiar os rentistas...

Uma lição óbvia que fica para quem formulou e admira a Nova Matriz é a de que não se reduz a taxa de juros na marra. Até Dilma sabia que, para diminuir a Selic, a inflação precisaria estar sob controle. Ocorre que, para segurar o IPCA, ela ordenou intervenções nos preços administrados (combustíveis, energia etc) que custaram caro ao país - em 2015, quando chegou a hora de corrigir os erros dessas intervenções, os preços administrados subiram 18,1%, empurrando o IPCA naquele ano para 10,7%.

No atual momento, os agentes econômicos estão otimistas com as perspectivas tanto para os juros quanto para a inflação, porque além de se ter uma equipe econômica de reconhecida qualidade e crível, o governo tem aprovado medidas como o teto dos gastos e levado ao Congresso propostas de reforma, como a da Previdência, que vão assegurar inflação e juros baixos no médio e longo prazos.

O nome do jogo é confiança: a situação fiscal é precária e exigirá mudanças difíceis de serem aprovadas pelos políticos, mas os agentes econômicos confiam no caminho escolhido.

Patrimonialismo, privilégios e corrupção - MARIA CLARA R. M. DO PRADO

Valor Econômico - 27/09

De repente, os economistas brasileiros descobriram que as benesses distribuídas a determinados grupos estão na raiz da má distribuição de renda no Brasil. É uma iniciativa bem-vinda. Coloca foco em práticas sedimentadas desde o período colonial, reforçadas nos 67 anos do Império e perpetuadas a partir da República Velha. Com a particularidade de subsistirem em meio ao processo de modernização econômica do século XX.

Tratar da mesma forma o público e o privado, sem distinção, é uma característica dos regimes absolutistas, onde predomina o Estado patrimonialista. A República brasileira, a despeito do avanço das instituições, manteve ao longo dos anos um pé no patrimonialismo, favorecendo os privilégios a determinados grupos sociais, via de regra nos segmentos de maior renda, em detrimento do progresso da sociedade como um todo.

A corrupção, como se sabe, facilmente frutifica naquele tipo de conjugação, mas vamos primeiro tratar da preferência por "poucos" e os sinais de subdesenvolvimento que fazem do Brasil um país desigual, basicamente atrasado em aspectos que são hoje fundamentais no processo de desenvolvimento: a melhoria do padrão de vida, o aumento da produtividade, a construção de um mercado robusto e a imparcialidade institucional.

O fosso educacional é o pecado número um. Sempre lembrado, estudado e debatido, tem se reduzido muito lentamente nos últimos anos. Até parece que a elite brasileira, apesar do discurso, prefere manter o status quo eternamente. O medo de perder privilégios alimenta as garras de influência sobre o poder político.

Chega a ser incompreensível que um país com gasto educacional equivalente a 5,4% do PIB, um dos mais altos do mundo, registre mais de 50% da população entre 25 e 64 anos de idade com educação secundária incompleta.

O Estado brasileiro gasta, em média, US$ 3,8 mil por estudante nos cursos primário e secundário, enquanto que a média dos países da OCDE é de US$ 8,7 mil por estudante do primeiro grau e de US$ 10,1 mil do segundo grau. Na educação terciária (nível universitário) o gasto médio no Brasil é de US$ 10,6 mil por estudante, muito próximo da média dos países.

Os dados são da série "Education at a Glance", de 2017, (Educação ao Primeiro Olhar), anualmente divulgada pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento da Economia).

Além da educação estar longe da qualidade recomendável nos níveis do ensino fundamental e secundário, a distorção do sistema educacional brasileiro é gritante quando se compara com o gasto nas universidades públicas, gratuitas. Sustentadas com dinheiro do contribuinte, são frequentadas majoritariamente por alunos com renda alta. Esse é um dos privilégios que subsiste na sociedade.

Outro aspecto é o elevado nível da tributação no país, semelhante a de países desenvolvidos, e o descompasso revelado pela precariedade dos serviços públicos, não só na educação, mas também na saúde e na segurança. Pior, além de ser obrigada a sujeitar-se a imensas filas no SUS e de ficar cada vez mais refém dos bandidos que atuam nas comunidades e favelas, os mais pobres são os que pagam, relativamente, mais impostos no país. Isto pela predominância dos impostos indiretos.

Há ainda os casos conhecidos dos privilégios dos aposentados do setor público, sem falar nos altos salários das diversas esferas de governo e nos benefícios distribuídos a senadores e deputados como verbas adicionais, moradia gratuita etc...

A lista dos privilégios é imensa e se perpetua pela falta de transparência fiscal, pelas exigências burocráticas que concentram o poder na mão de poucos e pela inépcia das classes mais baixas que, por desinformação e falta de preparo educacional, não cobram dos políticos a melhoria dos serviços públicos pelo qual pagam boa parte de sua renda na forma de tributos.

Falou-se acima que a corrupção tende a florescer em sistemas paternalistas. No fundo, está tudo junto e misturado. Um recente estudo publicado no blog do FMI revela que quanto mais alta a corrupção, mais alta é a desigualdade de renda. A correlação é direta e estreita.

David Lipton, primeiro vice-diretor gerente do FMI, Alejandro Werner, diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental, e Carlos Gonçalves, economista do Departamento de Pesquisa, dedicaram-se a levantar indícios de corrupção, maior ou menor, nos países latino americanos em comparação com outras regiões no estudo "Corruption in Latin America: Taking Stock" (Corrupção na América Latina: Fazendo um Inventário), publicado há seis dias.

Eles estimam que a redução nos níveis de corrupção que afetam desde o quartil mais baixo (em termos de renda) até a mediana (média da renda da população) poderia elevar a renda per capita na América Latina em torno de U$ 3 mil, acima da renda média correspondente. Admitem, no entanto, a dificuldade em mudar um padrão de comportamento que se solidificou ao longo de anos.

Em seu livro "A Nova Sociedade Brasileira", o sociólogo Bernardo Sorj, diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, faz uma análise do patrimonialismo no Brasil e de como evoluiu, adaptando-se aos processos de urbanização e ao avanço do capitalismo. "A legitimação do Estado brasileiro, na segunda metade do século XX, fundou-se basicamente na sua capacidade de gerar crescimento econômico, com descaso pelas dimensões sociais, em particular a educação e a saúde", escreve ele, acrescentando que "o esforço de racionalização do Estado nunca chegou a livrar-se do patrimonialismo".

A imbricada relação entre o público e o privado, tão pouco estudada no Brasil, explicitou-se com a Operação Lava-Jato. A pergunta é o que virá depois? Conseguirá o país por um fim no vício do patrimonialismo em prol de uma sociedade mais igualitária e próspera?

Mau presságio - VERA MAGALHÃES

ESTADÃO - 27/09

Decisão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que confirmou a condenação de José Dirceu e elevou em 10 anos a pena imposta a ele pelo juiz Sérgio Moro, é um mau sinal para o ex-presidente Lula em vários aspectos


A decisão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que confirmou a condenação de José Dirceu e elevou em 10 anos a pena imposta a ele pelo juiz Sérgio Moro, é um mau sinal para o ex-presidente Lula em vários aspectos. O mais relevante deles está em um trecho do voto do relator, desembargador João Pedro Gebran Neto. Disse ele sobre o tipo de crime pelo qual o ex-ministro foi condenado: “Embora nestes casos dificilmente haja provas das vantagens indevidas, adoto a teoria do exame das provas acima de dúvida razoável”.

Trata-se do caminho que deve ser seguido pela corte também para a análise da sentença de Moro contra Lula no caso do triplex do Guarujá. Essa teoria contraria a principal alegação da defesa de Lula, a da falta de provas na condenação do petista. Toda a construção da decisão sobre Dirceu, seguida por vários desembargadores, também ratifica as teses erigidas pela Lava Jato quanto ao uso do governo para a obtenção de propinas e vantagens pessoais para caciques do partido. “Os esquemas criminosos descobertos na Operação Lava Jato foram escancarados e violaram princípios norteadores da administração pública como a legalidade, a moralidade e a eficiência”, consignou Gebran.

Se vale para um dos principais ministros e suas relações com uma empreiteira após deixar o governo, deverá valer para Lula, reconhecem investigadores e advogados que atuam na operação. A decisão sobre Dirceu, aliada ao avanço da delação de Antonio Palocci e à juntada, por sua defesa, de recibos com datas inexistentes ao processo do imóvel de São Bernardo, formam conjunto bastante negativo para o ex-presidente.

NO STF

Decisão sobre Dirceu pode ser ‘gancho’ para rever prisões

Ministros do STF podem usar a decisão do TRF-4, que ratificou a condenação de José Dirceu, como gancho para provocar a rediscussão em plenário da jurisprudência que permite o cumprimento de pena de prisão a partir da condenação em segunda instância.

DEIXA ESTAR

PGR pode insistir em denúncia contra Padilha e Moreira

Raquel Dodge deve esperar o arquivamento da denúncia contra Michel Temer pela Câmara para apresentar uma nova ao STF contra os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco. A ideia é não defender o fatiamento agora, para não atrasar a análise da peça.

AGORA VAI?

Tucanos vão usar decisão do STF para forçar saída de Aécio

A ala do PSDB incomodada com a permanência no governo Michel Temer e com a licença prolongada de Aécio Neves da presidência do partido vai usar o novo afastamento do mineiro do Senado, determinado pelo STF, para forçá-lo a renunciar já ao comando da sigla, antecipando a sucessão. O movimento conta com a simpatia velada do presidente interino dos tucanos, senador Tasso Jereissati, que rompeu com Aécio e tem atuado para desmontar sua estrutura no partido.

GESTÃO

Doria faz agenda para se aproximar do setor produtivo

Estrategistas da pré-campanha à Presidência de João Doria Jr. identificaram uma certa desconfiança quanto à viabilidade da postulação do prefeito de São Paulo por parte de segmentos do setor produtivo. Doria vai intensificar nas próximas semanas a agenda de aproximação com entidades representativas da indústria e do agronegócio, como CNI, Fiesp, CNA e Iedi.

Sem reforma da Previdência, nós caminharemos rumo ao caos - ANTONIO DELFIM NETTO

FOLHA DE SP - 27/09

Numa análise fria e isenta, parece que não é possível rejeitar a tese de que uma "casta" de altos burocratas do Legislativo e do Judiciário, bem treinados e competentes, mas não eleitos, adquiriu um preocupante poder na administração material do país. Sobre ela não existe nenhum controle social. Organizada em poderosíssimo sindicato e com protagonismo midiático, puxa pelo nariz os três Poderes.

Com relação ao Judiciário, por exemplo, basta ver a sua resistência sutil e bem organizada para ilidir a aplicação dos dispositivos da recente reforma trabalhista. A "rádio corredor" do STF informa que um número importante de seus ministros (que fizeram vida sindical) simplesmente "não gostaram dela e vão resistir à sua aplicação"...

Seria tolice, entretanto, atribuir a dificuldade fiscal apenas aos seus altos salários, que não respeitam o "teto" constitucional, a toda sorte de exegese "criativa" dos tribunais superiores e aos seus direitos "mal adquiridos", aceitos pacificamente pela descuidada classe trabalhadora que os sustenta. São tão responsáveis quanto são os fiscais da lei, que têm uma certa inibição quando se trata desses desvios.

Todas as situações têm nuances e nada é o que parece à primeira vista. A Operação Lava Jato, por exemplo, foi um novo instante na história do país e pôs à luz as vísceras de uma teratológica conjunção carnal entre "políticos" que controlaram um Estado degenerado e um setor privado que estava longe da ética. Talvez ela seja a única unanimidade de esperança da sociedade brasileira, que a defende com unhas e dentes e perdoa alguns excessos próprios de um processo de aprendizado.

O fato, entretanto, é que é usada, indevidamente, para impedir qualquer "controle" sobre as atividades dos "controladores" e inibir qualquer iniciativa legítima do Legislativo de fazê-lo.

Temos que admitir claramente que, por muitos motivos e a despeito de uma alta carga tributária bruta (certamente mal distribuída), o Estado não tem sido capaz de fornecer o mínimo de serviços públicos indispensáveis para uma vida razoável: segurança, saúde, educação e mobilidade urbana de boa qualidade. O principal é que dissipa recursos com uma excessiva generosidade na remuneração do alto funcionalismo e na insensatez do sistema de Previdência, exemplificado na extensão do benefício dos ganhos de produtividade até a pensionistas...

A reforma da Previdência é um passo essencial para atingirmos dois objetivos: fornecer o mínimo de serviços públicos de qualidade a todos os cidadãos e garantir uma digna aposentadoria. Sem ela, nunca os atingiremos e continuaremos a caminhar para o caos.

Os dólares da reativação - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 27/09

O cenário é mais positivo do que pode parecer à primeira vista. Além do aumento de 13,9% para as exportações, o quadro inclui uma variação de 6,9% para as importações


Renda em alta, recuperação do consumo e reativação da indústria estão refletidas na boa evolução das contas externas brasileiras. O superávit de US$ 46,3 bilhões no comércio de bens foi o componente mais brilhante das transações correntes, até agosto, segundo o balanço divulgado ontem pelo Banco Central (BC). Formado pelo comércio de bens, pelas transações de serviços e pela movimentação de rendas, as contas correntes acumularam em oito meses um déficit de US$ 3 bilhões, 77% menor que o de um ano antes – um resultado muito próximo do equilíbrio. Esse pequeno saldo negativo foi coberto com folga pelo ingresso de investimentos diretos de US$ 45,5 bilhões. O déficit contabilizado em 12 meses, de US$ 13,5 bilhões, também foi compensado com sobras pelos US$ 82,5 bilhões de investimentos, dinheiro importante para o fortalecimento empresarial.

O aumento das exportações tem superado as estimativas e por isso os técnicos do BC refizeram as projeções para o ano. A receita prevista para as vendas de mercadorias passou de US$ 203 bilhões para US$ 210 bilhões. O valor esperado para as importações continuou em US$ 149 bilhões. Com essas mudanças, o saldo comercial projetado subiu de US$ 54 bilhões para US$ 61 bilhões, valor muito próximo daquele apontado pelos economistas do setor financeiro e das consultorias (US$ 62 bilhões, segundo a última pesquisa Focus publicada pelo BC).

O cenário é mais positivo do que pode parecer à primeira vista. Além do aumento de 13,9% calculado para as exportações, o quadro inclui uma variação de 6,9% para as importações. Na fase final da recessão, o saldo comercial só cresceu porque o gasto com produtos importados caiu mais que a receita obtida com o embarque de mercadorias.

Importar menos foi um efeito da contração do consumo e também das compras de bens estrangeiros destinados à produção. A retomada das compras de bens estrangeiros, assim como o aumento dos gastos com viagens, indica a melhora da renda dos consumidores, apesar do desemprego ainda elevado.

A melhora da renda é explicável em boa parte pelo recuo da inflação. O pequeno aumento das contratações na indústria também é um fator positivo, mas sua influência deverá ser bem mais visível dentro de algum tempo.

Há vários aspectos positivos no outro lado da balança, onde aparece o aumento do valor exportado. Esses pontos aparecem nos informes, bem mais detalhados, do Ministério da Indústria e do Comércio Exterior. A boa evolução das vendas de produtos básicos é o pormenor mais previsível. Mas a expansão da receita comercial é explicável também pelo crescimento das vendas externas de bens industrializados.

Considerando-se o período de janeiro a agosto, as exportações de manufaturados cresceram 10% entre 2016 e 2017, atingindo US$ 52,3 bilhões. As de semimanufaturados avançaram 14% e chegaram neste ano a US$ 20,4 bilhões.

A receita obtida com os manufaturados continua inferior à obtida em 2014 até agosto, de US$ 53,5 bilhões. Mas a recuperação é bem visível e aponta o comércio externo como um fator de recuperação industrial. A produção das fábricas está sendo puxada tanto pela melhora do mercado interno quanto pelas exportações.

É preciso olhar um pouco para trás para avaliar a melhora recente do balanço externo. Em dezembro de 2014 o déficit em transações correntes acumulado em 12 meses chegou a US$ 104,2 bilhões, 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB). No fim de 2015, mesmo com a demanda arrasada pela recessão, esse déficit ainda estava em US$ 59,4 bilhões. A gestão petista havia devastado a economia interna e criado um enorme desajuste externo.

Neste ano, o saldo negativo até agosto ficou em 0,68% do PIB. Um déficit moderado em conta corrente pode ser saudável, se o seu financiamento com poupança externa contribuir para a expansão do investimento produtivo. No caso do Brasil, um sólido resultado no comércio de bens é essencial. Isso se obtém com produtividade e essa deve ser uma das balizas da política econômica.

Partidos e Fundo Partidário - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

ESTADÃO - 27/09

O voto deve ser livre e as legendas, incumbidas de arcar com os custos das campanhas



“O ideal democrático supõe cidadãos atentos à evolução da coisa pública, informados dos acontecimentos políticos, ao corrente dos principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pela forças políticas e fortemente interessados em formas diretas ou indiretas de participação”. A frase está no verbete Partidos do Dicionário de Política de Bobbio, Matteucci e Pasquino.

Entre as formas de participação, a melhor talvez seja o partido, definido como associação formal de cidadãos investidos de direitos políticos, dotada de ideologia e de objetivos comuns, para conquistar, exercer e se manter no poder.

A abdicação de dom Pedro I, em 7/4/1831, “foi o ponto de partida para a vida partidária brasileira; antes só existiam indivíduos de várias opiniões, e opiniões várias, gravitando em torno do ânimo inconstante do monarca”, escreve João Camillo de Oliveira Torres no clássico A Democracia Coroada. Para o historiador, as atividades políticas, durante a Regência e o Segundo Império, desenvolveram-se em torno de dois eixos: o Partido Conservador e o Partido Liberal. Em breve e imperfeita síntese, os conservadores aceitavam a Constituição de 1824, “oferecida e jurada por Sua Majestade o Imperador”. Os liberais, por sua vez, desejavam Constituição isenta da mancha autoritária da outorga, que as províncias fossem livres, não houvesse vitaliciedade no Senado e se reduzissem as prerrogativas do Poder Moderador.

A História política do Brasil é marcada por instabilidade e sucessivos movimentos e intervenções militares. O primeiro se deu em 15/11/1889, comandado pelo marechal Deodoro da Fonseca para decretar o fim da monarquia e o exílio de dom Pedro II. O último, em 31/3/1964.

A Primeira República perdurou de 1889 a 1930. Dois partidos se revezaram no poder por quase 40 anos: o Partido Republicano Paulista (PRP), fundado em julho de 1873 na cidade de Itu por fazendeiros, médicos, advogados, jornalistas e comerciantes; e o Partido Republicano Mineiro (PRM), organizado em 1888 e reorganizado em 1897. Foram dissolvidos por Getúlio Vargas mediante o Decreto-Lei n.º 37, de 2/12/1937, após a instauração do Estado Novo, sob o fundamento da “multiplicidade de arregimentações partidárias, com objetivos meramente eleitorais, ao invés de atuar como fator de esclarecimento e disciplina da opinião”.

A derrota do nazi-fascismo na 2.ª Guerra Mundial (1939-1945) determinou o fim da ditadura do Estado Novo. Entre abril e julho de 1945, ante a perspectiva de redemocratização, organizam-se três partidos: a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social-Democrático (PSD). O PSD, para representar a elite rural e o empresariado conservador; o PTB, vinculado ao Ministério do Trabalho, como defensor do trabalhismo corporificado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); e a UDN, para ser porta-voz da classe média urbana e de intelectuais adversários da ditadura. Fundado em 1922, o Partido Comunista permaneceu parte da existência na clandestinidade. Reestruturado em setembro de 1945, teve o registro cancelado em maio de 1947 pelo Tribunal Superior Eleitoral e cassados os representantes eleitos para a Câmara dos Deputados e o Senado.

O movimento militar de março de 1964 procurou legitimar-se com a edição do Ato Institucional n.º 1 (AI-1), baixado pelo Comando Supremo da Revolução em 9 de abril. Em 15/7/1965 foi aprovada a Lei n.º 4.740, sobre a organização de partidos políticos. Pouco depois, todavia, em 22/10, o artigo 18 do AI-2 dissolveu os partidos existentes. Foram extintos o PSD, a UDN, o PTB e nove outras legendas de menor expressão. Logo em seguida se decretou o Ato Complementar n.º 4, dando ao Congresso Nacional o prazo de 45 dias para a organização de agremiações destinadas a substituí-los. Surgiram, assim, a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), a primeira para apoiar o regime e o segundo para desempenhar o papel de oposição.

A Lei n.º 4.740/1965 nasceu com pecados mortais, responsáveis pelo atual estado de decomposição das atividades político-partidárias: criou o Fundo Partidário com dinheiro subtraído da educação, da saúde, da segurança, da infraestrutura, do Poder Judiciário, das Forças Armadas; e o falso horário eleitoral gratuito, alimentado com recursos retirados do Imposto de Renda. Do conluio entre eles nasceu a sombria figura do marqueteiro, pago para redigir programas e impingir candidatos, com o uso do rádio e da televisão.

Durante a primeira, a segunda, a terceira e a quarta Repúblicas, entre 1889 e 1965, os partidos sustentaram-se com recursos previstos nos estatutos e contribuições de simpatizantes. O dinheiro curto impunha-lhes mais presença e combatividade. O financiamento das disputas para vereador, prefeito, deputado, senador, governador, presidente da República, em 1945, 1950, 1954, 1960, competia às agremiações, aos candidatos e aos eleitores. Corrupção certamente havia. Quem não ouviu falar da “caixinha do Ademar”? Nada, porém, equiparável ao que se observa hoje, com a institucionalização da propina, do caixa 2, de “recursos não contabilizados”, de campanhas mentirosas arquitetadas por profissionais.

O Código Civil (artigo 44) e a Lei n.º 9.096, de 19/9/1995 (artigo 1.º), definem partido político como pessoa jurídica de direito privado. No momento são 35, financiados com o nosso dinheiro. A reforma eleitoral é mais simples do que se pensa. Basta emendar a Constituição para suprimir o parágrafo 3.º do artigo 17 e, ato contínuo, revogar os dispositivos legais que tratam do Fundo Partidário e do horário “gratuito” de rádio e televisão. O voto deve ser livre e os partidos, incumbidos de arcar com os custos das campanhas.

O povo sofrido e maltratado agradecerá.

Realismo rodoviário - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 27/09

Em todas as áreas contaminadas pelo dirigismo excessivo nos últimos anos, contabilizaram-se fracassos dolorosos. Na infraestrutura, em especial, desperdiçou-se tempo com debates bizantinos e concessões à iniciativa privada mal feitas, cujos parâmetros agora precisam ser revistos.

Por meio de medida provisória, o governo definiu condições para a repactuação de privatizações rodoviárias realizadas entre 2012 e 2014, no âmbito do Programa de Investimentos em Logística lançado na gestão de Dilma Rousseff (PT).

Trata-se de uma rendição à realidade. Os contratos originais exigiam investimentos pesados nos primeiros cinco anos. Contavam com crescimento econômico e crédito abundante, que inexistiram.

Muitas concessionárias, assim, se viram em dificuldades, sem ter como honrar compromissos assumidos. Não se pode afirmar, porém, que não tenham sua parcela de culpa, dado que algumas aparentemente aceitaram condições ruins na expectativa de realizar aditivos contratuais lucrativos.

Agora, acossadas por dívidas e ações judiciais, algumas precisam se desfazer dos negócios. A Odebrecht Transport, por exemplo, negocia a venda de sua participação na BR-163, rota de escoamento de grãos de Mato Grosso.

Segundo a ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), cerca de R$ 12,5 bilhões em investimentos estariam represados. Para que haja interessados, porém, os requisitos contratuais precisam ser mais realistas.

As novas regras autorizam estender o prazo de investir para até 14 anos, com o mesmo valor para o pedágio. Apenas após o fim desse período haverá redução da tarifa ou do tempo de concessão. Prevê-se, assim, um alívio às empresas nos primeiros anos.

Espera-se que a mudança permita a retomada dos aportes em prazo mais curto do que seria o caso com soluções alternativas. A caducidade da concessão ou a retomada amigável para nova licitação, ambas previstas em lei, seriam opções mais demoradas e, por fim, piores para o consumidor, pois resultariam em pedágios maiores.

O país, de fato, não pode esperar. Segundo estudo da Empresa de Planejamento e Logística, estatal, são necessários R$ 132,6 bilhões em investimentos em ferrovias e rodovias que ainda não foram objeto de concessões e não contam com recursos públicos.

Trata-se de providência fundamental para amparar a lenta recuperação da economia brasileira.

No reino do petismo - ALBERTO BOMBIG

ESTADÃO - 26/09

No reino do petismo, carta de Palocci é um constrangedor grito de ‘o rei está nu’

Duelo político entre Palocci e Lula será uma luta de dois mestres da estratégia e da retórica



A carta de desfiliação de Antonio Palocci é daqueles documentos que nascem históricos, seja pelo tamanho e pela importância de seu autor, seja pela coragem de enfrentar o mito construído em torno de Lula e do PT, partido que ele ajudou a fundar e a levar ao poder. Para além da questão das “provas” (essenciais ao debate jurídico), o texto é muito impactante para o mundo político, mais um disparo de bazuca na candidatura Lula, além de colocar a ex-presidente Dilma Rousseff e o PT numa situação no mínimo constrangedora.

Se perante o juiz Sérgio Moro Palocci focou seu depoimento na relação de Lula com a empreiteira Odebrecht, na carta, ele demonstra todo seu conhecimento sobre a história e os bastidores do petismo. Desmonta farsas criadas pelo defesa de Lula e propagadas pelo partido com um singelo grito de “o rei está nu”.

Para quem desconhece ou não se recorda, na fábula A Roupa Nova do Rei (de Christian Andersen) um monarca é ludibriado por um trapaceiro fazendo se passar por alfaiate. Como ele é incapaz de costurar as vestimentas, ludibria o rei e o obriga a desfilar nu, enquanto os súditos fingem que está tudo bem, tudo certo. Apenas um menino tem a coragem de gritar “o rei está nu!”.

“Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do País’ enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do instituto (!!) são atribuídos a dona Marisa? Afinal, somos um partido sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”, gritou Palocci, da maneira muito refinada como sempre foi seu costume, na sua carta.

Porém, Lula não é um rei tolo, foi ao mesmo tempo alfaiate e monarca, assim como Palocci está longe de ser uma criança ingênua e também serviu de alfaiate e súdito leal durante décadas. Para os dois, Palocci e Lula, o duelo político ainda está nos primeiros rounds e, como se viu até agora, será uma luta de dois mestres da estratégia e da retórica, do começo até o fim.

O interessante será observar o comportamentos dos petistas que ainda se recusam a promover uma autocrítica mais consistente e verdadeira para salvar o que ainda resta do PT. “Depurar e rejuvenescer o partido, recriar a esperança de um exercício saudável da política será tarefa para novos e jovens líderes”, escreveu Palocci. Eu suspeito que o endereço desse recado (dentre tantos outros contidos no texto) tenha como endereço final o ex-prefeito e professor da USP Fernando Haddad e a nova esquerda que começa a crescer no Brasil e no mundo.

Como um bom jogador que antevê e se antecipa aos movimentos de seus adversários, Palocci encerra seu manifesto oferecendo sua desfiliação antes de ser defenestrado pelo PT de Ribeirão Preto, sua cidade natal, onde foi prefeito por dois mandatos. O texto, coincidência ou não, foi divulgado exatamente um ano após Palocci ter sido preso e prova que a verve do mentor da Carta ao Povo Brasileiro, essencial para a vitória de Lula em 2002, permanece afiada.