quinta-feira, março 17, 2016
É o fim - EDITORIAL FOLHA DE SP
Folha de São Paulo - 17/03
A nomeação do ex-presidente Lula (PT) para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil poderia expressar o estado de desespero terminal em que se encontra um governo com índices baixíssimos de popularidade e com escassa sustentação para evitar o próprio impeachment no Congresso.
Há mais, entretanto. Logo após sacramentada a inclusão de Lula no ministério, divulgou-se a gravação de uma conversa entre este e Dilma Rousseff (PT), na qual se escutam claras indicações de que não se resumiam a raciocínios políticos os objetivos da nomeação.
Confirma-se aquilo que os mais exacerbados adversários do governo foram rápidos em considerar como essencial na manobra.
Na iminência de ter decretada sua prisão por Sergio Moro, juiz federal que trata das decisões em primeira instância da Operação Lava Jato, o líder máximo petista queria se blindar, posicionando-se num cargo com foro privilegiado.
Pelo telefone, Dilma assegurava a Lula que seu termo de posse no ministério estava pronto; seria enviado para "caso de necessidade".
Como entender tal conversa se não como um verdadeiro acerto entre elementos interessados em fugir ao alcance da lei?
Será a palavra "cumplicidade" forte demais para aplicar a uma presidente da República e a um ex-presidente que se afobam em arranjar artifício desesperado para manter a corrupção impune, a Justiça paralisada e o privilégio intacto?
A dupla superou, com certeza, tudo o que já se tinha visto no PT e arredores em matéria de cinismo, de imprudência e provocação.
Cinismo, porque poucas horas antes a presidente concedera entrevista refutando a tese de que Lula estava sendo nomeado apenas para escapar da polícia. Tratar-se-ia, na verdade, de obter novas energias políticas no enfrentamento da crise.
Mas não: o argumento elaborado vinha, ao que tudo indica, apenas disfarçar o que merece ser chamado de esforço de atrapalhar o livre funcionamento do Judiciário.
Imprudência, portanto: às voltas com iminente pedido de impeachment, a presidente dá novos e escandalosos fundamentos a uma possível ação contra seu mandato.
Provocação, acima de tudo. Dias depois de um protesto com dimensões jamais registradas na história do país, Dilma e Lula se associam para acender, de forma provavelmente irreversível, uma indignação popular ainda mais intensa.
Mal anunciada a manobra, iniciou-se uma manifestação espontânea em frente ao Palácio do Planalto. A afluência popular repetiu-se em São Paulo e só fez crescer quando se teve notícia das gravações comprometedoras. No Congresso, a palavra "renúncia" é pronunciada aos brados pela oposição.
Já se dizia que, com a nomeação de Lula, o governo Dilma Rousseff chegava ao fim. Talvez a frase deva ser encarada, a partir dos próximos dias, de forma mais literal do que se pensava.
A nomeação do ex-presidente Lula (PT) para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil poderia expressar o estado de desespero terminal em que se encontra um governo com índices baixíssimos de popularidade e com escassa sustentação para evitar o próprio impeachment no Congresso.
Há mais, entretanto. Logo após sacramentada a inclusão de Lula no ministério, divulgou-se a gravação de uma conversa entre este e Dilma Rousseff (PT), na qual se escutam claras indicações de que não se resumiam a raciocínios políticos os objetivos da nomeação.
Confirma-se aquilo que os mais exacerbados adversários do governo foram rápidos em considerar como essencial na manobra.
Na iminência de ter decretada sua prisão por Sergio Moro, juiz federal que trata das decisões em primeira instância da Operação Lava Jato, o líder máximo petista queria se blindar, posicionando-se num cargo com foro privilegiado.
Pelo telefone, Dilma assegurava a Lula que seu termo de posse no ministério estava pronto; seria enviado para "caso de necessidade".
Como entender tal conversa se não como um verdadeiro acerto entre elementos interessados em fugir ao alcance da lei?
Será a palavra "cumplicidade" forte demais para aplicar a uma presidente da República e a um ex-presidente que se afobam em arranjar artifício desesperado para manter a corrupção impune, a Justiça paralisada e o privilégio intacto?
A dupla superou, com certeza, tudo o que já se tinha visto no PT e arredores em matéria de cinismo, de imprudência e provocação.
Cinismo, porque poucas horas antes a presidente concedera entrevista refutando a tese de que Lula estava sendo nomeado apenas para escapar da polícia. Tratar-se-ia, na verdade, de obter novas energias políticas no enfrentamento da crise.
Mas não: o argumento elaborado vinha, ao que tudo indica, apenas disfarçar o que merece ser chamado de esforço de atrapalhar o livre funcionamento do Judiciário.
Imprudência, portanto: às voltas com iminente pedido de impeachment, a presidente dá novos e escandalosos fundamentos a uma possível ação contra seu mandato.
Provocação, acima de tudo. Dias depois de um protesto com dimensões jamais registradas na história do país, Dilma e Lula se associam para acender, de forma provavelmente irreversível, uma indignação popular ainda mais intensa.
Mal anunciada a manobra, iniciou-se uma manifestação espontânea em frente ao Palácio do Planalto. A afluência popular repetiu-se em São Paulo e só fez crescer quando se teve notícia das gravações comprometedoras. No Congresso, a palavra "renúncia" é pronunciada aos brados pela oposição.
Já se dizia que, com a nomeação de Lula, o governo Dilma Rousseff chegava ao fim. Talvez a frase deva ser encarada, a partir dos próximos dias, de forma mais literal do que se pensava.
Golpe de Estado - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 17/03
Não é outra coisa senão um golpe de Estado a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a chefia da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff. Esse ato foi, simultaneamente, uma declaração de guerra aos brasileiros honestos e às instituições da República e a abdicação de fato da presidente Dilma de seu cargo, entregando-o de vez a seu criador e consumando dessa maneira o tal “golpe” que o PT, Dilma e Lula tanto acusavam a oposição de tramar. Temos agora na Presidência de fato da República um tipo que não recebeu um único voto para ocupar aquela posição nas últimas eleições.
Já os mais de 54 milhões de votos que Dilma recebeu na reeleição foram rasgados com essa assombrosa decisão. Dilma tornou-se, por vontade própria, subalterna do demiurgo petista, na presunção de que este, como “primeiro-ministro” em um parlamentarismo de fancaria, terá o poder que ela não tem mais – e a capacidade que nunca teve – para reverter o colapso de seu triste governo.
Ao mesmo tempo, Dilma aceitou acoitar Lula em seu gabinete, concedendo-lhe foro especial para que o chefão tenha melhores condições de tentar se safar da Justiça – uma sacada que transforma o exercício do governo em algo próximo do mais puro e simples gangsterismo. Também se poderia dizer que o bando, que estava acéfalo, agora tem um chefe.
Investigado em diversas frentes em razão de suas relações promíscuas com o baronato do capitalismo oportunista, Lula foi pilhado vivendo à custa desses generosos patrocinadores, preocupados em lhe proporcionar o bom e o melhor – tudo como pagamento pelos lucrativos serviços que Lula lhes prestou nos governos petistas. A polícia e a Justiça entendem que o capo ainda precisa explicar melhor, sem xingar os investigadores nem debochar das instituições, como ele constituiu tão fraterna confraria – que, não por acaso, está no centro da roubalheira na Petrobrás.
Não era pequena a possibilidade de que Lula fosse preso a qualquer momento em razão dos diversos inquéritos dos quais é alvo em primeira instância. Agora, feito ministro, terá o privilégio de ter seu caso avaliado pelo Supremo Tribunal Federal, onde espera receber – e rogamos para que esteja totalmente enganado – a condescendência que certamente não teria do juiz federal Sérgio Moro.
Assim, Lula se torna o próprio exemplo de uma de suas tantas bravatas a respeito da impunidade no Brasil, na época em que ele ainda era o paladino da ética na política. Disse ele, em 1988: “No Brasil é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia; mas quando um rico rouba, vira ministro”. Já se pode dizer que, para ser ministro do atual governo, a probidade é dispensável – a única exigência é que o candidato esteja sob investigação da Polícia Federal ou seja réu da Justiça. O Brasil já sente saudade do tempo em que os ministros eram escolhidos apenas como forma de barganha fisiológica.
Se a cartada de Lula será ou não bem-sucedida, só o tempo dirá, mas convém lembrar que o foro privilegiado não livrou da cadeia a quadrilha petista que atuou no mensalão. Enquanto o dia de encarar o tribunal não chega, Lula poderá exercer a Presidência de facto, sem ter recebido um único voto de um único brasileiro para isso. E não se diga, com o cinismo que é peculiar ao lulopetismo, que Lula, afinal, nunca deixou a cadeira presidencial e sempre influenciou Dilma. O que vai acontecer daqui em diante, ao menos na cabeça dos apaniguados do chefão petista, está em outro patamar: Lula vai ditar a política econômica, promovendo a “virada” tão desejada por essa caterva de irresponsáveis.
Já se espalhou que Lula pretende implementar um certo “plano de reanimação nacional”, para reverter a crise econômica. Nem é o caso de perguntar como o mago petista pretende realizar tamanho milagre, pois nada disso é se não rematada empulhação, como quase tudo o que caracteriza sua trajetória. Mas é o suficiente para animar a tigrada, com vista a 2018. O presidente da CUT, Vagner Freitas, por exemplo, já disse que Lula vai mudar “radicalmente” o governo e “dar uma guinada à esquerda”. Pobre Brasil.
Aos cidadãos brasileiros, ofendidos por essa desavergonhada demonstração de desprezo pela democracia, resta exercer nas ruas o direito de manifestação e pressionar o Congresso e o Judiciário a não permitirem que o golpe se complete. O Brasil não pode ser governado por uma quadrilha.
Não é outra coisa senão um golpe de Estado a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a chefia da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff. Esse ato foi, simultaneamente, uma declaração de guerra aos brasileiros honestos e às instituições da República e a abdicação de fato da presidente Dilma de seu cargo, entregando-o de vez a seu criador e consumando dessa maneira o tal “golpe” que o PT, Dilma e Lula tanto acusavam a oposição de tramar. Temos agora na Presidência de fato da República um tipo que não recebeu um único voto para ocupar aquela posição nas últimas eleições.
Já os mais de 54 milhões de votos que Dilma recebeu na reeleição foram rasgados com essa assombrosa decisão. Dilma tornou-se, por vontade própria, subalterna do demiurgo petista, na presunção de que este, como “primeiro-ministro” em um parlamentarismo de fancaria, terá o poder que ela não tem mais – e a capacidade que nunca teve – para reverter o colapso de seu triste governo.
Ao mesmo tempo, Dilma aceitou acoitar Lula em seu gabinete, concedendo-lhe foro especial para que o chefão tenha melhores condições de tentar se safar da Justiça – uma sacada que transforma o exercício do governo em algo próximo do mais puro e simples gangsterismo. Também se poderia dizer que o bando, que estava acéfalo, agora tem um chefe.
Investigado em diversas frentes em razão de suas relações promíscuas com o baronato do capitalismo oportunista, Lula foi pilhado vivendo à custa desses generosos patrocinadores, preocupados em lhe proporcionar o bom e o melhor – tudo como pagamento pelos lucrativos serviços que Lula lhes prestou nos governos petistas. A polícia e a Justiça entendem que o capo ainda precisa explicar melhor, sem xingar os investigadores nem debochar das instituições, como ele constituiu tão fraterna confraria – que, não por acaso, está no centro da roubalheira na Petrobrás.
Não era pequena a possibilidade de que Lula fosse preso a qualquer momento em razão dos diversos inquéritos dos quais é alvo em primeira instância. Agora, feito ministro, terá o privilégio de ter seu caso avaliado pelo Supremo Tribunal Federal, onde espera receber – e rogamos para que esteja totalmente enganado – a condescendência que certamente não teria do juiz federal Sérgio Moro.
Assim, Lula se torna o próprio exemplo de uma de suas tantas bravatas a respeito da impunidade no Brasil, na época em que ele ainda era o paladino da ética na política. Disse ele, em 1988: “No Brasil é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia; mas quando um rico rouba, vira ministro”. Já se pode dizer que, para ser ministro do atual governo, a probidade é dispensável – a única exigência é que o candidato esteja sob investigação da Polícia Federal ou seja réu da Justiça. O Brasil já sente saudade do tempo em que os ministros eram escolhidos apenas como forma de barganha fisiológica.
Se a cartada de Lula será ou não bem-sucedida, só o tempo dirá, mas convém lembrar que o foro privilegiado não livrou da cadeia a quadrilha petista que atuou no mensalão. Enquanto o dia de encarar o tribunal não chega, Lula poderá exercer a Presidência de facto, sem ter recebido um único voto de um único brasileiro para isso. E não se diga, com o cinismo que é peculiar ao lulopetismo, que Lula, afinal, nunca deixou a cadeira presidencial e sempre influenciou Dilma. O que vai acontecer daqui em diante, ao menos na cabeça dos apaniguados do chefão petista, está em outro patamar: Lula vai ditar a política econômica, promovendo a “virada” tão desejada por essa caterva de irresponsáveis.
Já se espalhou que Lula pretende implementar um certo “plano de reanimação nacional”, para reverter a crise econômica. Nem é o caso de perguntar como o mago petista pretende realizar tamanho milagre, pois nada disso é se não rematada empulhação, como quase tudo o que caracteriza sua trajetória. Mas é o suficiente para animar a tigrada, com vista a 2018. O presidente da CUT, Vagner Freitas, por exemplo, já disse que Lula vai mudar “radicalmente” o governo e “dar uma guinada à esquerda”. Pobre Brasil.
Aos cidadãos brasileiros, ofendidos por essa desavergonhada demonstração de desprezo pela democracia, resta exercer nas ruas o direito de manifestação e pressionar o Congresso e o Judiciário a não permitirem que o golpe se complete. O Brasil não pode ser governado por uma quadrilha.
Momentos de República bananeira - CLÓVIS ROSSI
Folha de São Paulo - 17/03
Bastou Luiz Inácio Lula da Silva voltar ao primeiro plano da cena política para que se pudesse usar seu bordão: nunca antes neste país o Brasil viveu momentos tão intensos de República bananeira.
A divulgação da gravação de conversa entre Lula e a presidente Dilma Rousseff mostra cenas explícitas de baixaria partidas de quem, mesmo tendo deixado a Presidência, teria a obrigação de zelar por um mínimo do que se convencionou chamar de "majestade do cargo".
A gravação faz com que a crise atravesse a praça dos Três Poderes e se instale (também) no prédio do Supremo Tribunal Federal.
Afinal, a iniciativa de Dilma de promover uma, digamos, "nomeação express"é uma clara tentativa de obstrução da Justiça.
Não que Lula, ao ser nomeado, ganhe imunidade. Mas ganha a possibilidade de ter a investigação contra ele passar para um degrau acima do juiz Sérgio Moro, sempre disposto a emitir ordens de prisão contra poderosos do setor público ou privado.
Qualquer ação contra Lula, portanto, terá de ser autorizada pelo Supremo —essa instituição que está "totalmente acovardada", na avaliação de Lula revelada pelo grampo.
A sabedoria convencional manda dizer que uma afirmação desse teor tende a predispor o STF contra Lula. Um de seus ministros, Gilmar Mendes, já tomou publicamente posição contra a nomeação de Lula, mas esse não é um dado definitivo sobre o conjunto da Casa, porque Gilmar é notoriamente contrário ao governo.
Bem feitas as contas, o vazamento da gravação anulou o efeito positivo que o governo imaginava ter obtido com a aceitação por Lula do cargo de chefe da Casa Civil.
O que se admitia no próprio Palácio do Planalto, antes da nomeação, é que Lula representava a última carta da presidente para manter-se no cargo.
Hoje por hoje, nos cálculos de governistas fiéis, mas não cegos, o governo não dispõe de votos suficientes para barrar o impeachment, se e quando o processo começar no Congresso.
Parêntesis: há quem, entre os governistas, acredite que nem Lula operará o milagre de salvar Dilma, dada como em estado terminal.
Fecha parêntesis.
O relevante no fato de que a crise atravessou a praça é que também no STF, pelo que a Folha pôde apurar, se considera que Lula-ministro é a última bala que resta na agulha do revólver de Dilma para se defender.
Se é assim, a tendência natural do Supremo é a de funcionar como bombeiro. Ou, em termos práticos, evitar derrubar a nomeação de Lula, mesmo que a oposição ou o Ministério Público recorram à Corte Suprema, alegando tentativa de obstrução da Justiça.
Essa tendência pode, no entanto, ser modificada pelo teor das declarações do ex-presidente contra o STF. Acho improvável que os ministros partam para uma retaliação, mas a situação geral é de um tal confusão que qualquer previsão é uma aventura.
Tudo somado, tem-se que o dia começou com o governo certo de que tinha uma mão de cartas boa para sair do corner, com Lula ministro, e termina com a suposta bala de prata oxidada.
Bastou Luiz Inácio Lula da Silva voltar ao primeiro plano da cena política para que se pudesse usar seu bordão: nunca antes neste país o Brasil viveu momentos tão intensos de República bananeira.
A divulgação da gravação de conversa entre Lula e a presidente Dilma Rousseff mostra cenas explícitas de baixaria partidas de quem, mesmo tendo deixado a Presidência, teria a obrigação de zelar por um mínimo do que se convencionou chamar de "majestade do cargo".
A gravação faz com que a crise atravesse a praça dos Três Poderes e se instale (também) no prédio do Supremo Tribunal Federal.
Afinal, a iniciativa de Dilma de promover uma, digamos, "nomeação express"é uma clara tentativa de obstrução da Justiça.
Não que Lula, ao ser nomeado, ganhe imunidade. Mas ganha a possibilidade de ter a investigação contra ele passar para um degrau acima do juiz Sérgio Moro, sempre disposto a emitir ordens de prisão contra poderosos do setor público ou privado.
Qualquer ação contra Lula, portanto, terá de ser autorizada pelo Supremo —essa instituição que está "totalmente acovardada", na avaliação de Lula revelada pelo grampo.
A sabedoria convencional manda dizer que uma afirmação desse teor tende a predispor o STF contra Lula. Um de seus ministros, Gilmar Mendes, já tomou publicamente posição contra a nomeação de Lula, mas esse não é um dado definitivo sobre o conjunto da Casa, porque Gilmar é notoriamente contrário ao governo.
Bem feitas as contas, o vazamento da gravação anulou o efeito positivo que o governo imaginava ter obtido com a aceitação por Lula do cargo de chefe da Casa Civil.
O que se admitia no próprio Palácio do Planalto, antes da nomeação, é que Lula representava a última carta da presidente para manter-se no cargo.
Hoje por hoje, nos cálculos de governistas fiéis, mas não cegos, o governo não dispõe de votos suficientes para barrar o impeachment, se e quando o processo começar no Congresso.
Parêntesis: há quem, entre os governistas, acredite que nem Lula operará o milagre de salvar Dilma, dada como em estado terminal.
Fecha parêntesis.
O relevante no fato de que a crise atravessou a praça é que também no STF, pelo que a Folha pôde apurar, se considera que Lula-ministro é a última bala que resta na agulha do revólver de Dilma para se defender.
Se é assim, a tendência natural do Supremo é a de funcionar como bombeiro. Ou, em termos práticos, evitar derrubar a nomeação de Lula, mesmo que a oposição ou o Ministério Público recorram à Corte Suprema, alegando tentativa de obstrução da Justiça.
Essa tendência pode, no entanto, ser modificada pelo teor das declarações do ex-presidente contra o STF. Acho improvável que os ministros partam para uma retaliação, mas a situação geral é de um tal confusão que qualquer previsão é uma aventura.
Tudo somado, tem-se que o dia começou com o governo certo de que tinha uma mão de cartas boa para sair do corner, com Lula ministro, e termina com a suposta bala de prata oxidada.
O país mergulha no vale-tudo - BERNARDO MELLO FRANCO
Folha de SP - 17/03
A crise política parece ter entrado ontem em seu capítulo mais dramático. Em Brasília, Dilma Rousseff lançou a última cartada ao entregar para Lula a defesa do governo. Em Curitiba, o juiz Sergio Moro disparou um tiro contra o Planalto ao divulgar grampos de conversas entre a presidente e o antecessor.
A nomeação do ex-presidente para a Casa Civil esvaziou Dilma, mas deu ânimo aos aliados. No Congresso, petistas que já davam a batalha do impeachment como perdida passaram a confiar numa reação comandada pelo novo superministro.
A oposição acusou o baque. Parlamentares de PSDB e DEM estrilaram na tribuna.
O ministro Gilmar Mendes, sempre ele, parou um julgamento no Supremo para esbravejar contra a nomeação. A tropa do vice Michel Temer recolheu as armas.
Dilma tentou acalmar o mercado. Deu três recados: não queimaria reservas, não mexeria na equipe econômica e manteria o ajuste fiscal.
O jogo parecia se reequilibrar a favor do governo quando Moro divulgou os grampos. Sua ação foi claramente política –a PF gravou a presidente às 13h32, e o juiz liberou o áudio em tempo recorde, pouco depois das 18h. Ainda há a suspeita de que a interceptação possa ter sido ilegal.
O governo adotou a tática de criticar o vazamento, mas o estrago político é inegável. Pela primeira vez, Dilma é acusada pela Lava Jato de agir pessoalmente para proteger Lula da prisão. Outras gravações criarão atritos com o Legislativo e o Judiciário.
À noite, as ruas voltaram a ser tomadas por manifestantes a favor do impeachment, com alguns registros de violência. A crise se radicaliza e o país mergulha num perigoso clima de vale-tudo, sem que ninguém saiba dizer como isso vai acabar.
A crise política parece ter entrado ontem em seu capítulo mais dramático. Em Brasília, Dilma Rousseff lançou a última cartada ao entregar para Lula a defesa do governo. Em Curitiba, o juiz Sergio Moro disparou um tiro contra o Planalto ao divulgar grampos de conversas entre a presidente e o antecessor.
A nomeação do ex-presidente para a Casa Civil esvaziou Dilma, mas deu ânimo aos aliados. No Congresso, petistas que já davam a batalha do impeachment como perdida passaram a confiar numa reação comandada pelo novo superministro.
A oposição acusou o baque. Parlamentares de PSDB e DEM estrilaram na tribuna.
O ministro Gilmar Mendes, sempre ele, parou um julgamento no Supremo para esbravejar contra a nomeação. A tropa do vice Michel Temer recolheu as armas.
Dilma tentou acalmar o mercado. Deu três recados: não queimaria reservas, não mexeria na equipe econômica e manteria o ajuste fiscal.
O jogo parecia se reequilibrar a favor do governo quando Moro divulgou os grampos. Sua ação foi claramente política –a PF gravou a presidente às 13h32, e o juiz liberou o áudio em tempo recorde, pouco depois das 18h. Ainda há a suspeita de que a interceptação possa ter sido ilegal.
O governo adotou a tática de criticar o vazamento, mas o estrago político é inegável. Pela primeira vez, Dilma é acusada pela Lava Jato de agir pessoalmente para proteger Lula da prisão. Outras gravações criarão atritos com o Legislativo e o Judiciário.
À noite, as ruas voltaram a ser tomadas por manifestantes a favor do impeachment, com alguns registros de violência. A crise se radicaliza e o país mergulha num perigoso clima de vale-tudo, sem que ninguém saiba dizer como isso vai acabar.
República de Bananas? - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 17/03
O que ocorre no país é coisa de "República de Bananas". A nomeação de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma foi, além de um acinte aos milhões de brasileiros que foram às ruas no domingo em todo o país, uma tentativa de golpe para evitar que o ex- presidente viesse a ser preso pela Lava- Jato, e de atrasar as investigações, pois todo o processo teria que ser encaminhado à Procuradoria- Geral da República em Brasília e ficaria a cargo do Supremo Tribunal Federal, onde, sabe-se, o ritmo é mais lento, inclusive devido à sobrecarga de trabalho.
Escrevo no condicional porque, depois dos áudios divulgados, não se sabe se haverá condição política para formalizar o golpe. A tentativa de obstrução da Justiça está claramente explicitada nos diversos diálogos, especialmente quando a própria presidente Dilma toma a iniciativa de mandar para Lula um termo de posse no ministério antes mesmo que o decreto tivesse sido publicado no Diário Oficial.
Isto é, Lula assumiu o ministério antes de ter sido nomeado oficialmente, apenas para que pudesse usar o documento oficial "em caso de necessidade". Quando Lula pede, através de Jaques Wagner, que Dilma interfira junto à ministra do Supremo Rosa Weber para que ela decida a seu favor uma pendência judicial, justamente para retirar de Moro a investigação sobre o tríplex do Guarujá, torna verossímil a versão de Delcídio Amaral de que ela, numa conversa nos jardins do Palácio do Alvorada, pediu que interferisse junto a um ministro do STJ para soltar empreiteiros presos.
Não tem precedentes a gravidade de a presidente Dilma ser apanhada numa mentira momentos depois de ter dado uma entrevista coletiva na qual desdenhou dos repórteres que lhe perguntavam sobre o foro privilegiado de Lula, desmentindo cabalmente que a intenção fosse essa.
Quando Lula diz que a Suprema Corte está acuada, o STJ está acuado, o Congresso está acuado, e que ele teme a República de Curitiba, numa referência à investigação da Aeronáutica que ficou conhecida como a República do Galeão, sobre a tentativa de assassinar Carlos Lacerda que culminou na morte do major Rubem Vaz, e precedeu o suicídio de Vargas, Lula mostra não apenas seu receio de ir para a cadeia, mas seu desprezo pela Justiça.
O que está acontecendo no Brasil é coisa de República de Bananas, onde uma curriola tomou conta do Estado e é capaz de fazer "o diabo" para não abrir mão de suas regalias. Honduras é o país inspirador do termo, cunhado pelo escritor americano O. Henry, pseudônimo de William Sydney Porter, que passou a designar um país atrasado e dominado por governos corruptos e ditatoriais, geralmente na América Central.
O principal produto desses países, a banana, era explorado pela famosa United Fruit Company, que teve um histórico de intromissões naquela região, especialmente em Honduras e Guatemala, para financiar governos que beneficiassem seus interesses econômicos, sempre apoiada pelo governo dos Estados Unidos.
Nossa República de Bananas, ao contrário, atende ao interesse de outras Repúblicas de Bananas espalhadas pela região, dominadas por curriolas assemelhadas politicamente e que se beneficiam mutuamente dos escândalos de corrupção capitaneados pelas empreiteiras brasileiras, financiadas pelo BNDES.
É um projeto de poder que vem sendo desmontado aqui, na Argentina, na Venezuela, na Bolívia, depois de mais de uma dezena de anos de dominação política. A tentativa de mudar o jogo político com Lula no ministério tendia a dar errado, pois somente um cavalo de pau na economia, com medidas populistas, poderia fazer o governo recuperar a popularidade.
Mas esse populismo imediatista acabaria levando ao mesmo desfecho, pois um erro repetido não se transforma em acerto. Teríamos novos anos de recessão, provocada pela aposta em uma política econômica destrambelhada e por abusos do poder econômico para garantir a permanência do mesmo grupo no poder durante décadas, como já escrevi aqui.
Uma dominação do país por ações criminosas que vão sendo desveladas por instituições do Estado que garantem que não nos transformemos em uma verdadeira República de Bananas, como aquelas com que o poderoso chefão do petismo se relaciona em tenebrosas transações políticas e econômicas que agora estão sendo devidamente investigadas.
Repetindo o que já escrevi nesta coluna: República de Bananas seremos se continuarmos a aceitar essa imposição de um grupo político sobre o país, e se a Constituição em vigor não puder ser utilizada para dar um basta a essa usurpação a que estamos submetidos.
O que ocorre no país é coisa de "República de Bananas". A nomeação de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma foi, além de um acinte aos milhões de brasileiros que foram às ruas no domingo em todo o país, uma tentativa de golpe para evitar que o ex- presidente viesse a ser preso pela Lava- Jato, e de atrasar as investigações, pois todo o processo teria que ser encaminhado à Procuradoria- Geral da República em Brasília e ficaria a cargo do Supremo Tribunal Federal, onde, sabe-se, o ritmo é mais lento, inclusive devido à sobrecarga de trabalho.
Escrevo no condicional porque, depois dos áudios divulgados, não se sabe se haverá condição política para formalizar o golpe. A tentativa de obstrução da Justiça está claramente explicitada nos diversos diálogos, especialmente quando a própria presidente Dilma toma a iniciativa de mandar para Lula um termo de posse no ministério antes mesmo que o decreto tivesse sido publicado no Diário Oficial.
Isto é, Lula assumiu o ministério antes de ter sido nomeado oficialmente, apenas para que pudesse usar o documento oficial "em caso de necessidade". Quando Lula pede, através de Jaques Wagner, que Dilma interfira junto à ministra do Supremo Rosa Weber para que ela decida a seu favor uma pendência judicial, justamente para retirar de Moro a investigação sobre o tríplex do Guarujá, torna verossímil a versão de Delcídio Amaral de que ela, numa conversa nos jardins do Palácio do Alvorada, pediu que interferisse junto a um ministro do STJ para soltar empreiteiros presos.
Não tem precedentes a gravidade de a presidente Dilma ser apanhada numa mentira momentos depois de ter dado uma entrevista coletiva na qual desdenhou dos repórteres que lhe perguntavam sobre o foro privilegiado de Lula, desmentindo cabalmente que a intenção fosse essa.
Quando Lula diz que a Suprema Corte está acuada, o STJ está acuado, o Congresso está acuado, e que ele teme a República de Curitiba, numa referência à investigação da Aeronáutica que ficou conhecida como a República do Galeão, sobre a tentativa de assassinar Carlos Lacerda que culminou na morte do major Rubem Vaz, e precedeu o suicídio de Vargas, Lula mostra não apenas seu receio de ir para a cadeia, mas seu desprezo pela Justiça.
O que está acontecendo no Brasil é coisa de República de Bananas, onde uma curriola tomou conta do Estado e é capaz de fazer "o diabo" para não abrir mão de suas regalias. Honduras é o país inspirador do termo, cunhado pelo escritor americano O. Henry, pseudônimo de William Sydney Porter, que passou a designar um país atrasado e dominado por governos corruptos e ditatoriais, geralmente na América Central.
O principal produto desses países, a banana, era explorado pela famosa United Fruit Company, que teve um histórico de intromissões naquela região, especialmente em Honduras e Guatemala, para financiar governos que beneficiassem seus interesses econômicos, sempre apoiada pelo governo dos Estados Unidos.
Nossa República de Bananas, ao contrário, atende ao interesse de outras Repúblicas de Bananas espalhadas pela região, dominadas por curriolas assemelhadas politicamente e que se beneficiam mutuamente dos escândalos de corrupção capitaneados pelas empreiteiras brasileiras, financiadas pelo BNDES.
É um projeto de poder que vem sendo desmontado aqui, na Argentina, na Venezuela, na Bolívia, depois de mais de uma dezena de anos de dominação política. A tentativa de mudar o jogo político com Lula no ministério tendia a dar errado, pois somente um cavalo de pau na economia, com medidas populistas, poderia fazer o governo recuperar a popularidade.
Mas esse populismo imediatista acabaria levando ao mesmo desfecho, pois um erro repetido não se transforma em acerto. Teríamos novos anos de recessão, provocada pela aposta em uma política econômica destrambelhada e por abusos do poder econômico para garantir a permanência do mesmo grupo no poder durante décadas, como já escrevi aqui.
Uma dominação do país por ações criminosas que vão sendo desveladas por instituições do Estado que garantem que não nos transformemos em uma verdadeira República de Bananas, como aquelas com que o poderoso chefão do petismo se relaciona em tenebrosas transações políticas e econômicas que agora estão sendo devidamente investigadas.
Repetindo o que já escrevi nesta coluna: República de Bananas seremos se continuarmos a aceitar essa imposição de um grupo político sobre o país, e se a Constituição em vigor não puder ser utilizada para dar um basta a essa usurpação a que estamos submetidos.
Assinar:
Postagens (Atom)