segunda-feira, fevereiro 12, 2018

A vitória sofista - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 12/02

A vantagem da democracia é o fato de ela limitar o poder por torná-lo lento e pesado



Diga a VERDADE: alguém pode dizer, com certeza, quem tem razão nas discussões ao redor da condenação do Lula?

Antes de você tentar encaixar minha pergunta num dos campos ideológicos em disputa ao redor do destino do Lula e do PT, respire um pouco. Hoje, xinga-se mais rápido do que o coração consegue bater. Não que eu não tenha uma simpatia maior por um dos lados; mas essa simpatia não é meu tema hoje.

Os sofistas venceram o debate com Platão (428/427 a.C.-348/347 a.C.). Os sofistas eram aqueles caras que afirmavam que "o homem é a medida de todas as coisas" --foi Protágoras (481 a.C.-411 a.C.) quem disse isso. Simpáticos à democracia, esses pensadores negavam a existência da verdade absoluta, defendida por Platão. Protágoras venceu Platão: a democracia é sofista. E as inúmeras consequências desse fato nem sempre são contempladas na reflexão pública.

Há uma impossibilidade estrutural na percepção da verdade na democracia, simplesmente porque todo mundo fala o tempo todo. As mídias sociais só pioram essa

tagarelice na democracia. Platão acusava a democracia de ser retórica, argumentativa e demagógica. Ele tinha toda a razão. Essa

crítica de modo algum justifica uma defesa da tirania ou totalitarismo. Deve, sim, nos deixar atentos para tagarelice.

Muitos entendem que, ao trazer à tona fatos como esse, eu estaria propondo alguma forma de niilismo político ou defendendo algum modo de anarquismo. Na minha juventude, fui anarquista. Hoje, confio menos na humanidade e no "povo" para defender tal utopia. Prefiro a tagarelice confusa à simplicidade de uma visão utópica.

A grande vantagem da democracia é o fato de ela limitar o poder justamente porque o torna lento, pesado, confuso, falastrão e dependente do marketing. Tudo que parece vício se transforma em virtude nesse processo. Mas essa percepção é difícil de manter no dia a dia.

A grande virtude da democracia é a sua incapacidade de "entregar" uma verdade política e moral acerca do mundo, além de sua própria inapetência à evidência última dos fatos. Essa inapetência é sua "estranha" virtude básica. Claro que, com a complexidade, a multiplicidade e o gigantismo da sociedade contemporânea, esses traços só se intensificam.

Voltemos aos últimos dias no Brasil. Não falemos da tagarelice comum, mas da multiplicidade de opiniões vindas do debate público especializado --de gente, portanto, capaz e preparada para esse debate.

A impressão que se tem é de que existem argumentos razoáveis para ambos os lados. Simplificando a coisa: por "ambos os lados" quero dizer aqueles que são a favor da condenação, isto é, entendem que ela se deu dentro do âmbito legal objetivo, e, do outro lado, aqueles que entendem que a condenação foi fruto de "interesses ideológicos". Teria sido a condenação jurídica ou política? Minha resposta: as duas se misturam.

Sem supor, necessariamente, que haja mau-caratismo em qualquer dos dois argumentos, eu posso, sim, supor que não haja como chegar a uma resposta "clara e distinta" para essa controvérsia no âmbito da verdade absoluta. Posso entender que, na democracia, "tudo é política" e que, portanto, magistrados podem, sim, ter interesses corporativos, ideológicos e/ou econômicos. Da mesma forma, também o podem os intelectuais, assim como --por que não?-- manifestantes a favor da igualdade social.

Todos podem ter posições cunhadas a partir de valores exteriores à "verdade pura dos fatos" --antes de tudo porque ela, na verdade, não existiria. Tudo é interpretação ou hermenêutica (para você ter um termo a mais em seu repertório sobre a catástrofe da expectativa em favor de uma verdade pura no mundo político).

Ao contrário do que parece --e do que nossos inteligentes bonzinhos gostariam de dizer--, as tais câmaras de eco das mídias sociais (o nome dado às bolhas de opiniões que as pessoas frequentam repetidamente na vida em rede) são parte da vida democrática off-line.

Viveríamos em câmaras de eco permanentes? Mesmo os mais preparados para o debate? Seriam nossa opiniões "objetivas" ou, antes de tudo, fruto de nossas simpatias anteriores aos "fatos"?

O importante e o fundamental - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 12/02

O verdadeiro líder político novo, hoje, será aquele capaz de sensibilizar a sociedade para problemas que emperram o desenvolvimento


Para a maioria dos brasileiros, conforme atestaram diversas pesquisas de opinião nos últimos anos, a corrupção está entre os principais problemas do País. O tema já levou milhões de pessoas às ruas em protestos os mais diversos e mobiliza a opinião pública toda vez que as autoridades envolvidas na luta contra a corrupção denunciam complôs para prejudicar seu trabalho.

Da mesma maneira, causa profunda indignação popular a exposição dos privilégios de parte do funcionalismo público, em especial quando comparados à situação difícil por que passam milhões de brasileiros desempregados ou em atividades de baixíssima remuneração e escassa proteção legal.

Todo esse dispêndio de energia cívica é plenamente compreensível, pois é inegável que tanto a corrupção como as benesses concedidas a servidores públicos são extremamente prejudiciais ao País. No entanto, diante dos imensos desafios que o País enfrenta há décadas para mudar de patamar de desenvolvimento - a começar pelo fato, inaceitável, de que metade da população ainda não tem acesso a esgoto tratado -, é o caso de questionar se o País não está dedicando esforço excessivo ao que está apenas na superfície dos problemas, deixando para depois o enfrentamento de suas causas primárias.

É um equívoco imaginar, como muitos fazem, que os entraves do País estarão superados assim que todos os corruptos estiverem na cadeia e todos os privilégios do serviço público forem cancelados. Na hipótese de que a ladroagem de políticos e as benesses de servidores acabassem da noite para o dia, o País amanheceria certamente muito satisfeito, mas os problemas de fundo, que não parecem abalar hoje a maioria da população, permaneceriam intocados.

A corrupção e a privatização do Estado pelas corporações de funcionários públicos e outros grupos de interesse são resultados do gigantismo estatal, cuja gênese está na presunção de que o Estado deve interferir em quase todos os aspectos da vida nacional, sempre tendo como princípio que o cidadão brasileiro é tão incapaz que precisa ser protegido por uma descomunal estrutura jurídica e burocrática. Não é à toa que os lobbies de funcionários públicos e os políticos que fazem a vida servindo como mercadores de favores do Estado se dedicam de corpo e alma à demonização de qualquer reforma que represente uma rachadura nessa estrutura.

Sempre que alguém se propõe a mudar tal estado de coisas, por meio da racionalização do Estado, esses grupos tratam de qualificar a iniciativa como uma conspiração para cassar direitos dos mais pobres.

Esse tipo de campanha de desinformação, infelizmente, tem sido muito bem-sucedida, a tal ponto que a maioria dos brasileiros, por exemplo, segue sendo contrária à reforma da Previdência, malgrado o fato de que a proposta não tira nenhum direito, e confere ao presidente Michel Temer, defensor das reformas, apenas um dígito de popularidade.

Ademais, nenhum dos candidatos com alguma chance de vencer a eleição presidencial de outubro faz uma defesa enfática das reformas nem procura mobilizar a opinião pública para os desafios de longo prazo do País. Quem se apresenta como o “novo” na política não parece fazê-lo para desafiar o velho discurso político que representa a manutenção do atraso, e sim somente para se dizer honesto e prometer o combate aos privilégios e à roubalheira. O último “novo” que se elegeu com esse discurso contra a corrupção e contra os “marajás” do serviço público foi Fernando Collor, em 1989. Não é preciso dizer mais nada.

O verdadeiro líder político novo, hoje, será aquele capaz de sensibilizar a sociedade para problemas que emperram o desenvolvimento e que deveriam desde sempre ser considerados intoleráveis num país com a riqueza e o potencial do Brasil, como a falta de saneamento básico, a precária infraestrutura nacional, a baixa produtividade e o estado cronicamente lastimável da educação e da saúde. Sem prejuízo da necessária luta contra a corrupção, é para essas questões fundamentais, tão vergonhosas quanto antigas, que o Brasil deveria dedicar sua mais profunda indignação.

Guerra de narrativas - MURILLO DE ARAGÃO

REVISTA ÉPOCA

Sair do País por um tempo, ainda que breve, sempre é bom. Em especial para nos desintoxicarmos das narrativas que circulam intensamente no Brasil. O Brasil de hoje vive uma guerra de narrativas. Membros do Ministério Público anunciam, a cada instante, que a Operação Lava Jato pode acabar por isso e por aquilo. Outros dizem que as eleições presidenciais só serão legítimas com a participação do ex-presidente Lula na disputa. Ou que a democracia brasileira caminha para o abismo porque o 4º Tribunal Regional Federal confirmou a condenação de Lula e ainda aumentou a pena estipulada na primeira instância. Pelo seu lado, o juiz Sérgio Moro justifica receber auxílio-moradia dizendo que o benefício compensa a falta de reajuste salarial entre a classe, mesmo sendo dono de apartamento na cidade em que vive.

Adversários da Reforma da Previdência afirmam que não existem privilégios a serem combatidos no sistema previdenciário brasileiro. Outros apregoam a impossibilidade de votá-la, embora o tema esteja na pauta. O que será que vai acontecer? Apesar do alarmismo de alguns, a Lava-Jato não morreu nem vai morrer sem antes causar mais estragos na política nacional.

Lula será ficha-suja e nem por isso a democracia brasileira irá para o abismo. Com ou sem Lula, as eleições serão legítimas. Aliás, mais legítimas do que as últimas, turbinadas pelo doping ilegal e imoral das doações por dentro e por fora (via caixa dois). A reforma da Previdência, apesar de ir contra os interesses das corporações, será aprovada, nem que seja aos poucos e em fatias. Moro e os demais juízes continuarão a receber auxílios diversificados mesmo obtendo reajustes salariais.

A guerra de narrativas sempre fez parte da realidade humana. A questão atual é a sua intensidade, por conta dos avanços tecnológicos. Qualquer um pode se inserir no mundo midiático com suas narrativas pessoais. Daí surgirem, do nada, blogueiros e youtubers a caminho da consagração. Em sendo uma guerra, quem é a vítima? Basicamente, a verdade. O que fazer?

Ter uma postura cética acerca de tudo o que é dito é uma boa decisão. Sabemos que a verdade está contaminada. Aliás, sempre esteve. É preciso filtrar o que é dito. Devemos também desenvolver mecanismos de validação sobre quem diz o quê e como. Afinal, não podemos duvidar de tudo e de todos a todo o momento. Paradoxalmente, duvidar e ter confiança são os melhores caminhos para bem viver no mundo de hoje. A questão é saber como. A saída é a reflexão. Como disse Virginia Wolf, o único conselho que uma pessoa pode dar para outra sobre ler notícias “é não seguir conselho de ninguém, seguir seus instintos, usar sua razão e chegar às suas próprias conclusões”.

Vale para a guerra de narrativas dos tempos atuais.

Carnaval do setor público - RODRIGO CONSTANTINO

REVISTA ISTO É

Os privilégios da casta que ocupa o governo são insustentáveis. Sem uma reforma liberal, nossa economia estará fadada ao abismo


A vida é dura, especialmente para o brasileiro, e o leitor tem total direito de relaxar um pouco no clima carnavalesco. Mas o assunto aqui é muito sério, e se trata do carnaval do setor público. Os privilégios da casta superior que ocupa os cargos de governo são simplesmente insustentáveis, e sem uma reforma liberal nossa economia estará fadada ao abismo.

Existe algo muito perto de uma luta de classes no Brasil, mas os capitalistas não são os exploradores, como queria Marx, e sim os explorados, ao lado dos trabalhadores. São eles que precisam ralar dobrado para sustentar um Estado inchado, com muitos marajás. Não há onde essa discrepância seja maior do que nas aposentadorias. O rombo da Previdência dos servidores públicos está chegando a incríveis R$ 300 bilhões! Em todas as esferas de poder há déficits crescentes, e a aposentadoria consome parcelas significativas da arrecadação fiscal. A conta não fecha. Ou algo é feito agora, ou será catastrófico nosso amanhã.

O governo Temer parece ter desistido da reforma previdenciária. A Prefeitura de São Paulo, por sua vez, ainda insiste na batalha, apesar de forte resistência dos grupos de interesse. O déficit do Regime Próprio de Previdência Social do Município de São Paulo foi de quase R$ 5 bilhões em 2017 (mais de 10% da receita municipal), e a gestão de João Doria apresentou um projeto de lei na Câmara de Vereadores para reformular o sistema e trazer os servidores públicos para um regime autossustentável, sem privilégios.

A reação, claro, não tardou. Os sindicatos de servidores, especialmente da educação, já estão anunciando greve e mobilizando seus vereadores para o confronto inevitável. Mas para bancar essa farra dos servidores, a sociedade paga o pato. O valor que sobrou para investimento na cidade foi de apenas R$ 1,1 bilhão. Faltam obras, políticas públicas do interesse de todos, pois os funcionários aposentados consomem o grosso do orçamento.

A solução não pode vir do aumento de arrecadação, pois o Brasil já tem imposto demais, e isso representa um fardo enorme nas costas de quem produz riqueza. Além disso, as despesas com os aposentados crescem em ritmo bem maior do que as despesas com os servidores ativos. Há um problema estrutural, que simplesmente não pode ser solucionado com mais receita.

Trocando em miúdos, ou o Brasil enfrenta o problema dos gastos públicos com coragem e transparência, ou teremos problemas econômicos ainda mais graves em breve. O carnaval pode estar animado, mas depois vem a realidade. E a dura realidade é que o carnaval do setor público impede o povo trabalhador de ser feliz durante o resto do ano. Passou da hora de declarar guerra aos privilégios do setor público.

Previdência, resgatar ou comprar renda? - MARCIA DESSEN

FOLHA DE SP - 12/02

Quem tem plano de previdência deve decidir se compra seguro de renda mensal

Os planos de previdência (VGBL e PGBL) são apresentados como se um investimento fossem. Embora não seja mentira, não se trata de produto de investimento tradicional, como depósitos bancários, Tesouro Direto, fundos de investimento.

Mas, se não é investimento, o que é um plano de previdência? O VGBL é classificado como seguro de vida, e o PGBL, um plano de previdência complementar. A principal diferença entre os dois reside no tratamento tributário dispensado a um e outro. Não por acaso são produtos administrados por companhias seguradoras, e não por bancos. O Banco Central e a CVM não têm nada a ver com essa indústria, regulada e fiscalizada pela Susep.

Para entender melhor como funcionam, imagine duas fases muito distintas: uma fase de acumulação e uma fase de benefício de renda. A primeira pode ser entendida como investimento; o investidor (segurado, no caso do VGBL, e participante, no caso do PGBL) deposita recursos livremente. O saldo acumulado é remunerado de acordo com a estratégia de investimento do tipo de fundo que escolheu. Resgates podem ser feitos livremente.

A segunda fase terá início (ou não) na data definida pelo comprador do produto. Nessa data, avalia se deseja ou não converter todo o capital acumulado em um seguro de renda mensal, escolhendo uma das modalidades oferecidas pela seguradora, ou se deseja manter o dinheiro investido, disponível para retiradas de acordo com sua necessidade.

A importância da decisão a ser tomada é gigantesca. Na primeira hipótese, você transfere o risco da longevidade para a seguradora, pagando um prêmio equivalente a 100% do capital investido. Ao comprar o seguro, o dinheiro não lhe pertence mais e não será transmitido aos herdeiros.

Suponha que você tenha contratado renda mensal vitalícia e venha a morrer um ano depois. O dinheiro pode ser resgatado pelos herdeiros? Não, o capital acumulado na primeira fase não está mais disponível para resgate, foi convertido em renda.

Ah, mas então não vale a pena, deve estar pensando você. Esse é o grande X da questão. Se você morrer cedo, não, não vale a pena.

Se você viver até os cem anos, dirá: Bendita a hora em que decidi comprar o seguro!. Quem arrisca apostar uma bolada e acertar a idade da morte?

Embora tenhamos certa expectativa de sobrevida, não é possível afirmar por quantos anos vamos viver. É exatamente esse risco, certo porque vamos morrer um dia, incerto quanto ao momento da ocorrência, que está em jogo.

Se decidirmos manter o dinheiro livre em aplicações financeiras, correremos o risco de o dinheiro acabar e faltar recursos para a subsistência nossa e de nossos dependentes. Se decidirmos por transferir o risco para uma seguradora, contratando uma renda mensal, correremos o risco de morrer cedo e privar os herdeiros de ficar com o capital poupado na fase de acumulação.

Quando faz sentido optar pela aquisição da renda mensal? Você acha que vai viver muito e não quer correr o risco de ficar sem dinheiro.

Disciplina não é o seu forte e, se o dinheiro estiver livre, disponível para resgate, é alto o risco de o dinheiro acabar antes do tempo. Proteger uma pessoa com necessidades especiais assegurando que receberá uma renda mensal quando você faltar. Garantir uma pensão para um neto, cujos pais são pouco responsáveis.

Quanto maior for o risco da seguradora, menor será a renda mensal contratada. Renda vitalícia (muitos pagamentos potenciais) será menor do que renda por prazo certo (menor quantidade de pagamentos). Se reversível a um beneficiário, menor ainda será a renda. Após a morte do primeiro beneficiário, a seguradora pagará ao segundo, e o menor valor da renda mensal refletirá esse risco.

Ricardo, 60 anos, tem um saldo de R$ 215 mil em um VGBL e obteve da seguradora a seguinte simulação: renda mensal bruta de R$ 1.716 durante dez anos ou R$ 1.172 durante 15 anos. Fez os cálculos comparando com uma aplicação financeira e apurou que a renda (0,54% ao mês durante 15 anos) é semelhante à que pode obter no mercado financeiro sem abrir mão do capital investido, que continua sendo dele.

Talvez você não tenha pensado em nada disso quando comprou um plano de previdência, não é mesmo? Mas vai ter que pensar. Ou simplesmente resgatar o investimento se foi essa a intenção desde o início.

O abandono das cidades - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O GLOBO/ESTADÃO - 12/02

Dinheiro existe, e muito. Faltam vergonha na cara, competência e espírito público


As pautas não estão dentro das redações. Elas gritam em cada esquina. É só pôr o pé na rua e a reportagem salta na nossa frente. Essa percepção, infelizmente, é a que mais falta aos jornais. Os diários perderam o cheiro do asfalto, o fascínio da vida, o drama do cotidiano. Têm o gosto insosso de hambúrguer em série.

O crescimento dos jornais depende de uma providência muito simples: sair às ruas, fazer reportagem. Só isso.

Você, amigo leitor, tem ido ao centro antigo de São Paulo? Faça o teste. É um convite à depressão. É uma cidade assustadora: edifícios pichados, prédios invadidos, gente sofrida e abandonada, prostituição a céu aberto, zumbis afundados no crack, uma cidade sem alma e desfigurada pelas cicatrizes da ausência criminosa do poder público. A cidade de São Paulo foi demitida por seus governantes. E nós, jornalistas, precisamos mostrar a realidade. Não podemos ficar reféns das assessorias de comunicação e das maquiagens que falam de uma revitalização que só existe no papel. Temos o dever de pôr o dedo na chaga. Fazer reportagem. Escancarar as contradições entre o discurso empolado e a realidade cruel. Basta percorrer três quarteirões. As pautas estão quicando na nossa frente.

Jornalismo é isso: mostrar a vida, com suas luzes e suas sombras. São Paulo, a cidade mais rica do País e um dos maiores orçamentos públicos, é um retrato de corpo inteiro da falência do Estado.

Também o Brasil, um país continental, sem conflitos externos, com um povo bom e trabalhador, está na banguela. Os serviços públicos estão à deriva. Basta pensar na educação.

A competitividade global reclama crescentemente gente bem formada. Quando comparamos a revolução educacional sul-coreana com a desqualificação da nossa educação, dá vontade de chorar. A assustadora falta de mão de obra com formação mínima é um gritante atestado do descalabro da “Pátria Educadora”dos governos petistas.

Políticos sempre exibem números chamativos. E daí? Educação não é prédio. Muito menos galpão. É muito mais. É projeto pedagógico. É exigência. É liberdade. É humanismo. É aposta na formação do cidadão com sensibilidade e senso crítico.

O custo humano e social da incompetência e da corrupção brasileiras é assustador. O dinheiro que desaparece no ralo da delinquência é uma tremenda injustiça, uma bofetada na cidadania, um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República. As instituições perdem credibilidade numa velocidade assustadora.

Os protestos que tomaram conta das cidades precisam ser interpretados à luz da corrupção epidêmica, da impunidade cínica e da incompetência absoluta da gestão pública. Há uma clara percepção de que o Estado está na contramão da sociedade. O cidadão paga impostos extorsivos e o retorno dos governos é quase zero. Tudo o que depende do Estado funciona mal. Educação, saúde, segurança, transporte são incompatíveis com o tamanho e a importância do Brasil. Os gastos públicos aumentam assustadoramente. O número de ministérios ainda é uma piada.

São padrões de política em que a corrupção rola solta. A percepção de impunidade é muito forte. Ela empurra a democracia para uma zona de risco. Os governantes precisam acordar. As vozes das ruas, nas suas manifestações legítimas, esperam uma resposta efetiva, e não um discurso marqueteiro. A crise que está aí é brava. A gordura dos anos de bonança acabou. A realidade está gritando no bolso e na frustração das pessoas. E não há marketing que supere a força inescapável dos fatos. Os governos podem perder o controle da situação.

Campanhas milionárias, promessas surrealistas e imagens produzidas fazem parte da promoção de alguns políticos e governantes. Assiste-se, diariamente, a um show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode ser transformado em instrumento de mistificação.

Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era da inconsistência. Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das ideias.

Nós, jornalistas, temos um papel importante. Devemos dar a notícia com toda a clareza. Precisamos fugir do jornalismo declaratório. Nossa missão é confrontar a declaração do governante com a realidade dos fatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.

Transparência nos negócios públicos, ética, boa gestão e competência são as principais demandas da sociedade. Memória e voto consciente compõem a melhor receita para satisfazê-las. Devemos bater forte na pornopolítica. Ela está na raiz da espiral de violência que sequestra a esperança dos jovens e ameaça a nossa democracia.

As cicatrizes que desfiguram o rosto de São Paulo e do Brasil podem ser superadas. Dinheiro existe, e muito. Faltam vergonha na cara, competência e um mínimo de espírito público.

Jornalismo é a busca do essencial, sem adereços, qualificativos ou adornos. O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na militância ideológica ou partidária, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade da sua opinião.

Façamos reportagem. Informação é arma da cidadania. E votemos bem. Seu voto, amigo leitor, pode virar o jogo.

* JORNALISTA.

Derrubar partidos tradicionais é a última moda no Ocidente - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 12/02

Ecos de energias selvagens estarão presentes na eleição brasileira de outubro


Tempos interessantes, na acepção cínica do termo, vive o establishment político ocidental. A empáfia da liderança conservadora no Reino Unido, que dava como certa a anuência bovina nas urnas para continuar tocando os negócios como sempre, foi castigada com o pesadelo do Brexit.

Nos EUA, um empresário gabola desceu da Trump Tower para subjugar oligarquias acomodadas na máquina centenária do Partido Republicano. Depois arrematou a façanha ao colocar de joelhos a linhagem dourada do progressismo de nariz empinado, encabeçada por Hillary Clinton.

Dissolveu-se na Alemanha a antinomia entre social-democratas e democratas-cristãos, que marcou o pós-guerra naquele país. Juntaram-se ambos num bloco para resistir ao assalto extremista, mas a fortaleza não dá garantias com prazo longo.

Na França, onde a união de socialistas e gaullistas seria impraticável e a ameaça da direita radical era mais concreta, o edifício das forças tradicionais veio abaixo numa implosão. Uma nova liderança, Emmanuel Macron, com um novo partido arrebatou o poder nacional num chofre.

Ecos dessas energias selvagens que levaram ao colapso arranjos partidários enraizados estarão presentes na eleição brasileira de outubro. Sem nunca ter feito campanha majoritária, o vingador Jair Bolsonaro é a única certeza de presença no segundo turno se a eleiçãofosse hoje.

A centro-esquerda fez uma aposta de 30 anos numa só liderança e agora está a um passo da pulverização, debilidade que acomete a centro-direita já faz algum tempo. À direita e à esquerda, forças tradicionais resistem à renovação e à autocrítica.

Partidos passam a mão na cabeça de correligionários que tiveram a reputação fulminada em escândalos de corrupção. Condenados e investigados por gravíssimas imputações continuam filiados, alguns dando cartas nas negociações políticas. Enquanto isso, os bárbaros esperam.

Ideias fora de lugar - DEMÉTRIO MAGNOLI

O GLOBO - 12/02

O Santo Guerreiro precisa do Dragão da Maldade: a ausência de Lula tende a esvaziar o discurso de Jair Bolsonaro


As ideias já estavam fora de lugar antes da condenação de Lula pelo TRF-4 e sua consequente inelegibilidade. O voto unânime dos três magistrados mudou radicalmente o panorama político-eleitoral. As ideias moveram-se junto com os votos, girando 180 graus — e continuaram fora de lugar. Não era verdade, antes, que as eleições presidenciais necessariamente ficariam reféns da polarização entre populistas de esquerda e de direita. Não é verdade, agora, que o espectro dos populismos simétricos tenha sido conjurado. Agora, como antes, o enigma situa-se em outro lugar: a crise do centro político no Brasil.

Antes da sentença do TRF-4, as sondagens atribuíam a Lula algo em torno de 35% das intenções de voto, enquanto Jair Bolsonaro atingia cerca de 15%. O número relevante, que passava quase imperceptível, era 50% — não a soma dos potenciais eleitores de ambos, mas a metade do eleitorado avesso às duas alternativas populistas. Num cenário em que a massa menos informada dos cidadãos só sabia da existência daquelas duas candidaturas, 50% declaravam rejeitá-los. O espaço para uma candidatura vitoriosa de centro ampliou-se, obviamente, com a virtual destruição da postulação de Lula. Mas o centro não triunfará se persistir na sua crônica incapacidade de formular um discurso político popular.

O outono do lulismo reflete-se na fragmentação do campo do populismo de esquerda. Ciro Gomes (PDT), Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos, presumível candidato pelo PSOL, já disputam seu espólio eleitoral, enquanto o PSB tenta atrair o interesse de Joaquim Barbosa. Tudo indica, porém, que o PT erguerá uma candidatura própria. Nutrido a partir da campanha fantasmagórica de Lula, que promete a restauração de uma mítica “idade de ouro” e exibe-se como vítima da “perseguição das elites”, mister X, o candidato do PT, tem chances apreciáveis de ultrapassar a barreira do primeiro turno. Nessa hipótese, uma imagem holográfica de Lula reunificaria, no segundo turno, o bloco do capitalismo de compadrio, do corporativismo e do paternalismo estatal.

Na ponta oposta (ao menos, aparentemente), o populismo de direita apresenta-se unificado desde o início. Bolsonaro investiu no promissor mercado eleitoral do ódio ao lulismo, mesclando sua alma original ultranacionalista a uma agenda ultraliberal fornecida por seitas ideológicas das catacumbas da internet. O Santo Guerreiro precisa do Dragão da Maldade: a ausência de Lula tende a esvaziar o discurso de Bolsonaro. Contudo, por enquanto, sua candidatura progride, alimentada pela ilusória candidatura de Lula. Dias atrás, num evento patrocinado pelo BTG Pactual, o sombrio deputado foi ovacionado por mais de dois mil investidores, uma reiterada comprovação de que a idiotia política e a habilidade para ganhar dinheiro não são mutuamente excludentes.

Mister X (Lula em holografia ou Ciro Gomes, ou mesmo Boulos) versus Bolsonaro? Mesmo agora, não pode ser descartada a hipótese de um tóxico segundo turno, uma “escolha de Sofia” entre a tradição varguista e a nostalgia da ditadura militar, uma recusa absoluta a encarar os dilemas do presente. Contudo, só seremos arrastados a essa encruzilhada impossível se o centro político concluir sua trajetória de implosão.

O PSDB avançou, de olhos abertos, rumo ao abismo engalfinhando-se durante 15 anos nas estéreis lutas intestinas entre seus caciques, firmando um pacto faustiano com Eduardo Cunha em nome do impeachment e, finalmente, perfilando-se com o Aécio Neves do malote de dinheiro da JBS. Mas o colapso tem raízes mais profundas: desenhou-se lá atrás, quando o partido de FHC não soube formular uma política social alternativa ao programa paternalista de estímulo ao consumo privado conduzido pelo lulismo triunfante. O vazio de ideias da candidatura de Geraldo Alckmin espelha um impasse antigo, que se manifesta agonicamente nas periódicas celebrações tucanas dos aniversários do Plano Real.

“Exemplo de lealdade no ninho: enquanto Alckmin tenta consolidar sua candidatura, FHC busca um Macron para chamar de seu”, disparou um obscuro deputado petista, acertando o alvo. Duvidando do candidato tucano, FHC descreve círculos especulativos ao redor da potencial candidatura de Luciano Huck, qualificando-a como “boa para o Brasil”, capaz de “arejar” o cenário e “botar em perigo a política tradicional”. O Macron da França surgiu no vórtice de uma crise dramática, criou um partido centrista viável e ofereceu à nação um ousado projeto de reformas econômicas, sociais e institucionais. Já o Macron de FHC emerge como fenômeno exclusivamente midiático: uma estrela brilhante na constelação das celebridades.

Macron — como, em circunstâncias nacionais diferentes, o argentino Mauricio Macri e o partido espanhol Cidadãos — evidencia que o centro político é capaz de se reinventar diante do desafio populista. O Macron de FHC é o exato oposto disso: um atestado de falência do nosso centro político.

Demétrio Magnoli é sociólogo

Outras reformas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 12/02

Fazenda defende medidas destinadas a conferir maior solidez a contratos privados


Com a perspectiva palpável de derrota na reforma da Previdência e o início da campanha eleitoral, os principais líderes do governismo se prontificam a prometer o que chamam de agenda positiva.

De olho no próprio capital político, o presidente Michel Temer (MDB), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), procuram atenuar o eventual fracasso com a defesa explícita ou velada de algum programa substituto para 2018.

Boa parte das medidas aventadas trata de melhorias na área econômica, de fato meritórias e, em alguns casos, urgentes. Será enganoso, contudo, apresentá-las como alternativa às mudanças essenciais no sistema de aposentadorias e pensões —as iniciativas deveriam caminhar lado a lado.

Da parte de Meirelles, indica-se prioridade ao que se chama de pauta microeconômica —ou, vale dizer, de normas voltadas para as relações entre os agentes privados, caso de empresas e consumidores.

Entre as mais importantes estão uma nova lei de recuperação judicial e falências, o aperfeiçoamento do cadastro positivo de devedores e regras mais claras para a entrega de garantias na tomada de empréstimos bancários.

A aprovação de tais providências deve conferir maior solidez jurídica aos contratos e resultar em ganhos de eficiência, com efeitos decisivos de longo prazo.

Nas recuperações judiciais e falências, há que dar celeridade aos processos e facilitar o acesso das empresas em dificuldades a financiamentos, de modo a equiparar a legislação brasileira ao melhor padrão internacional.

Quanto ao cadastro positivo, cumpre implementá-lo na prática. Em vigor desde 2011, o instrumento busca registrar o histórico de crédito dos clientes da rede bancária —os bons pagadores tendem a ser disputados pelas instituições financeiras, elevando a concorrência e levando a juros menores.

A ideia, porém, não tem funcionado porque hoje os registros dependem de autorização dos interessados. Segundo projeto já aprovado pelo Senado, a inclusão passa a ser automática, exceto para quem solicite sua exclusão.

Por fim, no caso dos empréstimos, pretende-se tornar imperativo que inadimplentes entreguem bens e outras garantias a seus credores. A lei ainda tem brechas suficientes para tornar esse direito incerto, demorado e caro.

O que se almeja, afinal, é a garantia de direitos de propriedade e o combate à insegurança jurídica e ao desperdício burocrático. São ajustes de baixo custo e fundamentais para um ambiente menos insalubre para os negócios no país.


O problema não é a reforma - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 12/02

A Previdência atual é a maior fonte de desequilíbrio fiscal do Estado, afetando todas as áreas de atuação do poder público

Aproxima-se a data prevista para a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/16, que altera as regras para a concessão de aposentadorias e pensões, e verifica-se uma estranha inversão da realidade. A proposta de reforma apresentada pelo governo federal, que deveria ser a solução para a Previdência, parece ser encarada, por uma parcela dos parlamentares, como sendo justamente o problema a ser resolvido.

Por mais absurdo que seja, uma parte da base aliada parece ignorar o déficit da Previdência e as desigualdades do atual sistema. Esses deputados agem como se não existisse um grave problema na Previdência a ser resolvido pelo Congresso. A ter por base o comportamento dessa turma, a impressão é de que a discussão sobre a Previdência poderia ser adiada, sem maiores inconvenientes, para 2019. Fazem, assim, o jogo da oposição, que nunca esteve interessada de fato em debater a Previdência e sempre se aninhou na irresponsabilidade.

O mais estranho, no entanto, é que esse eventual adiamento da reforma da Previdência para o ano que vem é visto por alguns parlamentares da base aliada como algo desejável. Deixam parecer que tentaram votar em 2018, mas não foi possível. Suas atitudes transmitem uma mensagem estranha: a de que não querem, seja qual for o custo que o País terá de pagar, votar a reforma em ano eleitoral. Acham que, para eles, um eventual adiamento da reforma seria uma vitória política.

É desolador constatar tal fenômeno. O voto do cidadão confere aos representantes eleitos a responsabilidade de construir soluções para os problemas nacionais. Como ficou patente nos últimos meses, o atual sistema da Previdência é a maior fonte de desequilíbrio fiscal do Estado, afetando todas as áreas de atuação do poder público, em especial, a sua capacidade de investimento social. Além disso, as regras vigentes são profundamente injustas, conferindo privilégios a uma pequena fatia do funcionalismo público, em detrimento de toda a população.

É evidente, portanto, a responsabilidade pela situação da Previdência que recai sobre os atuais parlamentares. O problema está patente e o Congresso é que tem competência institucional para resolvê-lo. No entanto, em vez de arregaçar as mangas e trabalhar para aprovar a solução atualmente disponível, apresentada pelo governo federal, alguns parlamentares buscam, de todas as formas, esquivar-se de sua responsabilidade, dizendo que isso pode esperar um pouco mais.

Com essa atitude, os deputados descumprem o encargo que a população lhes conferiu pelo voto. E aqui não cabe falar em diferentes posições partidárias ou ideológicas. Todos os parlamentares, sejam quais forem as suas opiniões políticas e a sua base eleitoral, assumiram o compromisso de buscar soluções para os problemas nacionais. No entanto, o que se tem visto, em alguns parlamentares, é uma criminosa indiferença em relação àquele que talvez seja o principal problema nacional. A situação da Previdência não permite adiar a reforma para 2019.

A completar uma estranha inversão de prioridades, esses parlamentares dão a entender que fogem da principal responsabilidade que o cargo lhes confere - assumir os problemas nacionais e buscar-lhes solução - porque estão interessados na reeleição. Ignoram a experiência ocorrida em 1998, quando os votos a favor da reforma da Previdência na ocasião não afetaram as chances de reeleição dos deputados, e seguem empedernidos achando que ser favorável à PEC 287/16 dificultaria obter votos nas próximas eleições.

Não apenas descumprem a tarefa que o cargo lhes dá, como o fazem buscando manter-se no cargo. Se estão insatisfeitos com as responsabilidades que o cargo lhes dá, não faz sentido se perpetuarem na função. O titubeio de algum parlamentar da base aliada com a reforma da Previdência é sinal inequívoco, portanto, de que não faz jus ao cargo que ocupa. Ainda bem que há eleições neste ano. O eleitor poderá mandar essa turma para casa.

Avanço essencial - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 12/02

A reforma foi uma solução inteligente para remover o entulho getulista de inspiração fascista


Coube ao vice-presidente Michel Temer receber uma herança de fato maldita da presidente Dilma Rousseff — a maior recessão já registrada (8% em dois anos, 2015/16), 14 milhões de desempregados e inflação de dois dígitos. Com uma competente equipe econômica e a experiência de longa quilometragem no Congresso, em especial na Câmara, o novo presidente conseguiu avanços inesperados. Até que o método de Temer e de seu grupo de fazer política, de forma patrimonialista e fisiológica, permitiu que o presidente mantivesse uma conversa nada republicana com Joesley Batista, nos porões do Palácio do Jaburu, gravada pelo empresário, em fase de acerto com a procuradoria-geral da República (PGR) de uma delação premiada.

Esta gravação, divulgada pelo GLOBO, dificultou as ações do governo, e duas acusações da PGR o levaram a gastar tempo e capital político para barrar na Câmara o pedido para que as denúncias fossem aceitas e encaminhadas ao Supremo. Restou a tentativa da aprovação crucial da minirreforma da Previdência no Congresso. Mas outros avanços essenciais foram conseguidos, entre eles uma importante modernização trabalhista.

Devido a razões históricas, políticas e ideológicas, o movimento sindical e grupos de esquerda foram hipnotizados por Getúlio Vargas, ditador (1937-45) dos mais ferozes e depois presidente eleito (1951-54), canonizado por ter aprovado a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em 1943, ainda na ditadura do Estado Novo.

Não se discute a necessidade de se regular as relações de trabalho em um país de industrialização ainda incipiente e pouco urbanizado. O populismo varguista, no entanto, plasmou líderes e partidos no Brasil — mesmo quem dizia ser contra Vargas, como Lula —, e a CLT se tornou intocável. Mesmo que a tecnologia e os sistemas de produção evoluíssem, assim como as relações de trabalho.

O custo ao empregador imposto pela CLT, em nome da “proteção do trabalhador”, foi aos poucos inviabilizando o emprego formal, com carteira assinada. A ponto de a informalidade abranger mais da metade do mercado de trabalho. Mesmo quando a economia, no lulopetismo, cresceu pouco mais de 7%, em 2010, pico de uma fase de expansão, ainda havia 40% dos trabalhadores ativos na informalidade. A CLT e sua rigidez criou dois mundos: o da carteira assinada, com todos os direitos, e os informais, sem qualquer direito.

O ponto-chave da reforma, reivindicada até por sindicalistas, é que entendimentos entre patrões e sindicatos de trabalhadores sejam aceitos na Justiça, por sobre a CLT, desde que direitos como o salário mínimo continuem intocáveis. Foi uma forma inteligente de remover o entulho getulista, de raízes fascistas, em que o Estado é tutor da sociedade. Há, ainda, mudanças que já haviam sido feitas, para formalizar novas relações trabalhistas, a fim de legalizar o inexorável. Por exemplo, a terceirização. Sindicatos deveriam comemorar a reforma.


O TST e os juízes ativistas - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 12/02

A queda de braço entre as instâncias inferiores e superiores da Justiça do Trabalho, no que se refere à interpretação das novas normas trabalhistas que entraram em vigor há três meses, por meio da Lei n.° 13.467/17, dá a medida das confusões jurídicas causadas pelo crescente ativismo da magistratura.

O exemplo mais ilustrativo desse problema pode ser encontrado no ensino superior, onde as instituições privadas costumam aproveitar o final e o começo do ano letivo para adequar o número de professores à demanda de matrículas, aumentando ou reduzindo o tamanho do corpo docente. Por causa da crise econômica, entre dezembro de 2017 e as primeiras semanas de 2018 as universidades privadas mais demitiram do que contrataram docentes para seus cursos de graduação. No Rio Grande do Sul, a UniRitter anunciou a demissão de 150 professores. Na Paraíba, a Sociedade Paraibana de Educação e Cultura demitiu 75. Em Ribeirão Preto, o Centro Universitário Estácio dispensou 150 docentes. E, no Rio de Janeiro, a Estácio de Sá despediu 1,2 mil.

As novas regras que disciplinam demissões coletivas sem justa causa, como essas, são claras e objetivas. Pelo artigo 477-A da Lei n.° 13.467/17, desde que paguem todos os direitos de rescisão contratual, os empregadores podem promover demissões em massa no momento em que quiserem e sem “necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”. Contudo, acionados por líderes sindicais, juízes e desembargadores trabalhistas concederam liminares suspendendo os desligamentos promovidos sem intermediação de sindicatos de professores.

Afrontando a Lei 13.467/17, alguns magistrados alegaram que ela conteria dispositivos inconstitucionais. Outros afirmaram que, apesar de o artigo 477-A ser taxativo, continuaria em vigor um entendimento da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, desde 2009, exige negociação coletiva prévia, mesmo na ausência de leis específicas que regulamentem a matéria. A confusão jurídica só não é maior porque as universidades particulares não hesitaram em recorrer à última instância da Justiça do Trabalho. E seu presidente, Ives Gandra Filho, que respondia pela Corte durante o recesso forense, teve o bom senso de cassar as liminares concedidas a sindicatos de professores por juízes e desembargadores, suspendendo as demissões e obrigando as universidades a se reunirem com sindicatos e representantes do Ministério do Trabalho.

Tão ou mais importante do que a iniciativa de validar dispensas coletivas sem intermediação sindical são os argumentos que invocou para justificá-la. Para o ministro Ives Gandra Filho, ao fundar a concessão dessas liminares com base em doutrinas e precedentes judiciais inteiramente superados pela Lei 13.467/17, as instâncias inferiores da Justiça do Trabalho estariam deixando-se levar pelo “voluntarismo jurídico”, abusando “superlativamente” de suas prerrogativas funcionais.

Como as novas regras trabalhistas são precisas em seu enunciado, permitindo demissões em massa sem negociação prévia com entidades sindicais, decidir de forma acintosamente contrária a elas seria uma afronta “ao princípio da legalidade”, possibilitando assim uma “intervenção da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho para restabelecer o império da lei”, argumentou o presidente do TST. Também lembrou que a insegurança causada pelo ativismo da magistratura pode colocar em risco alguns dos princípios fundamentais do regime democrático, como a segurança do direito e a independência dos Poderes.

Diante da literalidade dos textos legais, não se pode aceitar que magistrados ativistas afirmem “que o que a lei diz não é o que ela realmente diz”, sob pena de gerar o caos, conclui Gandra Filho. No que tem toda razão.